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Processo n.º 413/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrentes A. e B., LDA.
e como recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figuram como recorrentes A. e B., Ldª e como
recorrido o Ministério Público, os primeiros, “tendo sido notificados do
despacho exarado pela M.ma Desembargadora Vice-Presidente do Tribunal da Relação
de Lisboa, na reclamação que apresentaram perante o M.mo Desembargador do
assinalado Tribunal, que confirmou o regime de subida do recurso atribuído pelo
M.mo Presidente em 1ª instância”, inconformados, vêm interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, “ao abrigo dos comandos dos artigos 69º ss – e, em
especial, da alínea b) do nº 1 do artigo 70º - da Lei do Tribunal
Constitucional” (cfr. Requerimento de fls. 365 do processo).
II – DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
2. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in
casu, o Tribunal da Relação de Lisboa – o poder de apreciação da admissão de
recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do
n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que, antes de mais, cumpre apreciar se estão
preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos
artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
3. Tendo o recurso sido interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 2, alínea b), da
LTC, constitui seu pressuposto processual, de acordo com o artigo 75º, nº 1, da
LTC, a indicação pelo recorrente da norma cuja inconstitucionalidade pretende
que o Tribunal aprecie, devendo tal questão, segundo o artigo 72º, nº 2, da LTC,
ter sido suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal
recorrido, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Ora, no caso em apreço, o recorrente não só não suscitou adequadamente a questão
da inconstitucionalidade de uma norma – in casu, o n.º 2 do artigo 407º, nº 2,
do CPP – como não o fez de forma clara, inequívoca e que vinculasse o tribunal
recorrido a pronunciar-se sobre ela.
Cumpre apreciar.
A) Do objecto do recurso
4. Em primeiro lugar, deve notar-se que o objecto da fiscalização da
constitucionalidade, conforme resulta evidente do n.º 1 do artigo 277º da CRP,
se restringe a normas jurídicas, tendo este Tribunal vindo a entender, em
jurisprudência constante, que o mesmo também abrange a interpretação ou o
sentido em que a norma foi aplicada no caso concreto, ou seja, as interpretações
normativas (cfr., entre muitos outros, acórdão nº 117/01). Isto é, as decisões
judiciais estão, pois excluídas do objecto da fiscalização da
constitucionalidade, em geral e da fiscalização concreta, em particular (Cfr.
JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, 2ª ed., Tomo VI, Coimbra,
Coimbra Editora, 2005, p. 217).
Ora, analisando o caso em apreço, o recorrente, em sede de reclamação da decisão
que fixou a subida diferida do recurso, apenas ataca processualmente a decisão
judicial do tribunal de 1ª instância, não colocando qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, como resulta claro do seguinte excerto:
“Por conseguinte, uma decisão que não reconhecendo o que vem de assinalar-se,
como aquela de que se reclama, viola os artigos 407º, n.º 2 do CPP, 20º, n.ºs 4
e 5, da CRP, além do n.º 3 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, do art. 6º, n.º 1, da Convenção Europeia, da segunda parte do
art. 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e alínea c) do n.º
1 do art. 67º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, destarte se
tornando materialmente inconstitucional” (cfr. fls. 14), com sublinhado e
negrito nosso).
Como tal, na medida em que o recorrente apenas suscita uma pretensa
inconstitucionalidade da decisão recorrida e não a inconstitucionalidade de
qualquer preceito normativo, é forçoso concluir pela ausência de prévia
invocação adequada da inconstitucionalidade de uma norma, no caso, o n.º 2 do
artigo 407º do CPP.
5. É certo que a conclusão B.3 das alegações de recurso (cfr. fls. 19969)
procura fixar – ainda que imprecisa e imperfeitamente – o objecto de um
incidente de inconstitucionalidade na própria norma vertida no n.º 2 do artigo
407º do CPP. Porém, o recorrente não retoma aquela alegação na reclamação da
decisão que admitiu o recurso e lhe fixou subida diferida, pelo que não pode
deixar de se entender que o recorrente renunciou tacitamente à invocação daquela
inconstitucionalidade normativa.
Neste sentido, se pronuncia a mais recente doutrina jus-constitucionalista:
“Se bem que um sujeito processual interessado não seja constrangido a suscitar a
inconstitucionalidade de uma norma desde o momento em que a mesma foi aplicada
em julgamento processado em primeira instância, podendo fazê-lo em momentos
processuais subsequentes até ao trânsito em julgado [alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC), o facto é que, desde que proceda à arguição da mesma, terá o
ónus de a manter e reiterar nas fases subsequentes do processo”. (cfr. CARLOS
BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra,
2005, p. 707).
In casu, é notório o abandono da questão de constitucionalidade normativa em
sede de reclamação, na medida em que apenas se imputa de inconstitucional a
decisão judicial e não já a norma aplicada.
6. Acresce ainda que, em sede de requerimento de interposição de recurso, o
recorrente veio declarar pretender ver apreciada e “declarada a
inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo 407º do CPP, quando
interpretada esta norma como o foi no decurso dos autos, ou seja, no sentido de
que a «absoluta inutilidade» só se verificaria se o recurso perdesse todo e
qualquer interesse ou, como referiu a M.ma Juíza Desembargadora Vice-Presidente
(fls. 2 do seu despacho), «…, um recurso é absolutamente inútil quando da sua
eventual procedência o recorrente já não puder vir a obter qualquer efeito útil
do mesmo»”.
Ora, tal questão foi colocada pela primeira vez – naqueles precisos termos –
perante este Tribunal Constitucional, nunca tendo sido previamente colocada em
termos tais que obrigasse o tribunal recorrido a pronunciar-se. Como se comprova
pela decisão recorrida (cfr. fls. 359 a 362), o tribunal recorrido apenas se
pronunciou sobre a interpretação a conceder ao n.º 2 do artigo 407º, de um ponto
de vista estrito do sistema de recursos em processo penal. Para tal, a decisão
recorrida teve em conta a necessidade de interpretação conforme daquela norma
face ao parâmetro de validade constitucional, mas nunca apreciou – de modo
concreto, porque a tal não estava obrigada – qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa previamente colocada pelo recorrente.
7. É certo que, em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa (cfr. fls. 19960 e 19961), o recorrente afirma – em sentido amplamente
genérico – que o “processo penal hodierno (…) não pode mais continuar a ser
compreendido da aludida maneira, mas na base de uma compreensão dele
constitucionalmente pontilhada”. Porém, logo de seguida, o recorrente procede a
uma análise – mais uma vez genérica e descritiva – sobre o âmbito de protecção
do direito fundamental de obtenção em prazo razoável, sem que extraia conclusões
relativas à concreta violação daquele por força da aplicação do n.º 2 do artigo
407º do CPP à concreta situação descrita nos autos.
Note-se, aliás que, através dessas mesmas alegações, optou o recorrente por
seguir afirmando que, caso o n.º 2 fosse interpretado de modo conforme ao n.º 5
do artigo 20º da CRP, a subida diferida do recurso da decisão instrutória
implicaria a sua absoluta inutilidade, mas nunca alegou qualquer fundamento que,
no caso concreto, permitisse formular um juízo reprovador da constitucionalidade
da norma em causa.
B) Da ilegitimidade do recorrente
8. Em suma: i) nas motivações e conclusões de recurso, o recorrente invocou a
inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 407º do CPC, sem a fazer depender
expressamente de qualquer interpretação concreta a formular pelo tribunal
recorrido; ii) na reclamação, o recorrente invocou a inconstitucionalidade da
própria decisão reclamada; iii) no requerimento de interposição de recurso, o
recorrente invocou a inconstitucionalidade da norma vertida no n.º 2 do artigo
407º do CPC, quando interpretada no sentido de “absolutamente inútil” consistir
na privação de efeito útil de eventual procedência do recurso.
Daqui decorre que o recorrente não invocou previamente a inconstitucionalmente
de modo processualmente adequado, conforme imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da
LTC.
7. Pelo exposto, conclui-se, sem necessidade de aferir dos restantes
pressupostos processuais, que o recorrente é parte ilegítima, pelo que o
tribunal recorrido deveria ter recusado a admissão do recurso de
inconstitucionalidade. Não o tendo feito, compete a este Tribunal, nos termos do
n.º 2 do artigo 76º da LTC, indeferir o requerimento.
III. DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, e pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto
do recurso.»
2. Inconformado com a decisão sumária proferida, o recorrente A. vem agora
reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os
seguintes fundamentos [cfr. fls. 386 e ss]:
«Na verdade, salvo o devido respeito, o reclamante não pode concordar com o
referido a fls. 2 do despacho de que reclama, em concreto com a parte final do
ponto 3 onde se refere:
“Ora, no caso em apreço, o recorrente não só não suscitou adequadamente a
questão da inconstitucionalidade de uma norma —in casu, o nº 2 do artigo 407º,
nº 2, do CPP —como não o fez de forma clara, inequívoca e que vinculasse o
tribunal recorrido a pronunciar-se sobre ela”.
Vejamos se assim terá acontecido: quanto à primeira das referidas questões
suscitadas no transcrito inciso, a mera leitura atenta dos autos permite
concluir, indubiamente, que na motivação do recurso apresentada na 3ª Secção da
4° Vara Criminal do Círculo Judicial de Lisboa, fls. 4 e 5, o recorrente deixou
escrito:
“Ora, por toda esta gama de razões, preconiza-se, sem a menor hesitação — e sem
necessidade de entrar em conta com outra mais desenvolvida e polifacetada
argumentação, ainda que meramente baseada na comparação dos regimes decorrentes
dos nºs 1 e 2 do artigo 407º do CPP — que, para efeitos
jurídico-processuais-penais [e o mesmo, contra o que julgam pensar os mais
contumazes adeptos do imobilismo, ainda no campo do processo civil e aí do
recurso de agravo e do respectivo momento de subida], sub specie, a retenção do
recurso o tornaria absolutamente inútil, desde que perspectivado este nomen
iuris face ao acima encarecido nº 5 do artigo 20º da Constituição da República.
Com efeito — já o dizia João Crisóstomo Filipino — não há força nenhuma no mundo
capaz de fazer mudar a natureza das coisas. E a “natureza das coisas”, naquilo
que agora se tem em vista, reside, justamente, na relativização ou plasticização
do aparente teor preceptivo do disposto no nº 2 do artigo 407º, permitindo que o
mesmo tenha efectividade, nos casos credores dela. Que, se os recorrentes não
erram, constituem, no processo penal, a regra e não a excepção, como só uma
análise perfunctória e rotineira permite continuar a afirmar. Mas estas já serão
contas de outro rosário.
Por conseguinte, uma decisão que não reconhecendo o que vem de assinalar-se,
violaria o artigo 407º, nº 2, do CPP, 20º, nºs 4 e 5, da CRP, além do nº 3 do
artigo 14º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, do art. 6º,
nº 1, da Convenção Europeia, da segunda parte do art. 47º da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia e alínea c) do nº 1 do art. 67º do Estatuto de
Roma do Tribunal Penal Internacional, destarte se tornando materialmente
inconstitucional”.
E mais: nas conclusões do dito recurso (fls. 10), foram precipitadas as
seguintes:
“B: Conclusões:
B1: O presente recurso deve ser admitido a subir imediatamente e em separado,
nos termos dos artigos 406º e 407º, n° 2 do Código de Processo Penal
B2: quando interpretado este comando iuxta modum, isto é, à luz do disposto nos
números 4 e 5 do artigo 20º da Constituição da República. Com efeito,
B3: a não se entender assim, o referido artigo 407º, nº 2 ficará inquinado de
inconstitucionalidade material, por violação dos acima referidos normativos
constitucionais e ainda do nº 3 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, do 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem, da segunda frase do artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia e da alínea c) do artigo 67º do Estatuto de Roma do Tribunal
Penal Internacional”.
De notar que a referida alegação foi premonitória, uma vez que feita em primeira
instância e num momento em que o M.mo Juiz ainda não tinha proferido despacho
sobre o momento da subida do recurso. Daí a formulação do discurso no modo
condicional.
Como quer que seja: o M.mo Juiz não aderiu à ordem de considerações aduzida e
recebeu o recurso, embora com dúvidas que não escondeu, a subir a final.
Perante isto e logo que notificado de tal despacho do Ex.mo Presidente, o
reclamante reclamou para o Ex.mo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa, terminando a respectiva récita (fls. 6):
“Por conseguinte, uma decisão que não reconhecendo o que vem de assinalar-se,
como aquela de que se reclama, viola os artigos 407º, nº 2, do CPP, 20º, nºs 4 e
5, da CRP, além do nº 3 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, do art. 6º, nº 1, da Convenção Europeia, da segunda parte do
art. 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e alínea c) do nº
1 do art. 67º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, destarte se
tornando materialmente inconstitucional.
Reconhecendo corajosamente o que vem de dizer-se, deverá V.a Ex.a, M.mo Juiz
Desembargador Presidente, determinar a correcção do momento da subida do
recurso, tal como fixada pelo M.mo Juiz a quo e, na consequência determinando
que o mesmo deve ser admitido ou recebido, como foi, mas com subida imediata e
em separado”.
Ora, se é certo que o reclamante não formulou conclusões nesta via
administrativa a que os antigos chamavam de “recurso de queixa”, a verdade é
que, tendo em conta a específica teleologia da reclamação, não é obrigado a
fazê-lo, sendo certo que a M.ma Juíza Desembargadora Vice-Presidente compreendeu
perfeitamente a questão que lhe foi submetida.
Como tal, só quem entenda, sem lei, que a reclamação também deve ser acompanhada
de “conclusões” poderá subscrever o entendimento perfilhado pela “decisão
sumária”. Na verdade, o que estava em questão era, justamente a
inconstitucionalidade da decisão do M.mo Juiz, por violadora dos normativos que
claramente se indicam.
O entendimento segundo o qual houve “abandono” de determinada linha
argumentativa, afigura-se, salvo o devido respeito, claramente abusivo. Se não,
vejamos:
O recorrente reagiu pela via adequada contra o entendimento ou interpretação
(decisão) perfilhada pelo M.mo Presidente, acerca do disposto no nº 2 do art.
407º do CPP. E ao referir que esse entendimento viola determinadas normas,
“destarte se tornando materialmente inconstitucional”, não se vê o que mais ou
diferente haveria de referir. A menos que o Tribunal Constitucional, para evitar
jogos de palavras, se decida a editar um “formulário autêntico” sobre a forma de
interpor recursos para essa alta instância, o que, convenhamos, seria, esse sim,
trabalho meritório.»
3. O Ministério Público emitiu o seguinte parecer [cfr. fls. 385 e 386]:
«A presente reclamação é, a nosso ver, manifestamente improcedente, já que os
reclamantes não suscitaram, durante o processo e em termos processualmente
adequados, a questão de inconstitucionalidade normativa a que vem reportado o
recurso interposto para este Tribunal.
Na verdade, a linha argumentativa delineada no requerimento de reclamação
limita-se a imputar a invocada inconstitucionalidade à decisão que reteve o
recurso, pugnando pela simultânea violação do preceituado no art. 407º, nº 2, do
CPP e em disposição da Lei Fundamental – o que constitui indício seguro de que
se está a pôr em causa, não propriamente a norma, mas a concreta decisão que a
interpretou e aplicou. E era este obviamente o momento processual adequado para
a parte confrontar com a invocada inconstitucionalidade o autor da decisão
recorrida, não relevando naturalmente o teor de outras e anteriores peças
processuais, não reeditado na dita reclamação.
Tal insuficiência argumentativa conduziu aliás, a que, na decisão recorrida se
não tivesse abordado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, o que
naturalmente determina a inverificação do pressuposto do recurso de fiscalização
concreta interposto.».
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. O reclamante afirma que suscitou a questão da inconstitucionalidade de uma
norma – artigo 407º, nº 2, do CPP – e que o fez de modo processualmente
adequado. No entanto, não procede à demonstração de tal afirmação.
Pelo contrário, na presente reclamação, reproduz, aliás, por duas vezes, a linha
argumentativa anteriormente utilizada, na qual está bem patente que é da decisão
judicial que está a reclamar e não de qualquer interpretação normativa: «“Por
conseguinte, uma decisão que não reconhecendo o que vem de assinalar-se, como
aquela de que se reclama, viola os artigos 407º, nº 2, do CPP, 20º, nºs 4 e 5,
da CRP, além do nº 3 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, do art. 6º, nº 1, da Convenção Europeia, da segunda parte do art. 47º
da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e alínea c) do nº 1 do art.
67º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, destarte se tornando
materialmente inconstitucional” (…) ». [Cfr. fls. 382 e 383, com sublinhado
nosso].
E se dúvidas houvesse, o reclamante dissipa-as completamente mais adiante,
afirmando que o que pretendeu – e o que continua a pretender – é invocar a
inconstitucionalidade de uma decisão judicial: «Na verdade, o que estava em
questão era, justamente a inconstitucionalidade da decisão do M.mo Juiz, por
violadora dos normativos que claramente se indicam.» [Cfr. fls. 382 e 383, com
sublinhado nosso].
Ora, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Organização
e Funcionamento do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta da
constitucionalidade, o Tribunal não dispõe de poderes para apreciar a
inconstitucionalidade de decisões judiciais, mas tão somente a
inconstitucionalidade de normas ou de interpretações de normas jurídicas
“stricto sensu”.
5. Acresce ainda que o processo de fiscalização concreta da constitucionalidade
visa aferir de uma questão prejudicial de invalidade normativa inserida no
âmbito de um outro processo jurisdicional principal (CARLOS BLANCO DE MORAIS, “A
Justiça Constitucional”, Tomo II, 2006, Coimbra, pp. 561 a 567). Significa isto
que o Tribunal Constitucional apenas intervém após esgotados todos os meios
processuais legalmente previstos para, junto do tribunal “a quo”, impugnar a
inconstitucionalidade de norma efectivamente aplicada.
Quando um sujeito processual invoca a inconstitucionalidade de determinado
preceito normativo numa das instâncias do processo principal, deve manter tal
invocação perante o tribunal que vier a proferir “decisão final”, se pretender
ter uma via aberta para questionar perante o Tribunal Constitucional a
constitucionalidade de tal norma. É que, por força do n.º 2 do artigo 70º da
LTC, apenas as decisões que já não se encontram sujeitas a recurso ordinário são
passíveis de recurso para este Tribunal.
Assim, o último momento processual em que o tribunal “a quo” se pôde pronunciar
constitui o momento adequado para “cristalizar” o objecto do pedido de
inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional limita-se a aferir se, mediante
a invocação de uma questão prejudicial de invalidade normativa, a decisão
recorrida formulou um juízo adequado sobre a compatibilidade de determinada
norma infra-constitucional com as normas e os princípios contidos ou acolhidos
na Lei Fundamental. Mas, para tal, torna-se necessário que o recorrente haja
mantido, em sede da última peça processual a que possa lançar mão, as eventuais
alegações de inconstitucionalidade que formulara nos demais articulados e
requerimentos e que pretende que este Tribunal aprecie.
Assim é porque, por força do princípio processual do pedido, o Tribunal
Constitucional não pode – nem deve – ajuizar das razões pelas quais os
recorrentes optam por não suscitar questões de inconstitucionalidade perante a
última instância que delas pode conhecer, quando as invocaram perante os
tribunais cujas decisões ainda eram passíveis de recurso ordinário.
Ora, no caso em apreço, tal como se notou na Decisão Sumária, foi notório o
abandono da questão de constitucionalidade normativa em sede de reclamação. Este
é também o entendimento do Ministério Público junto deste Tribunal.
A presente reclamação é, portanto, manifestamente improcedente.
III. DA DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação,
confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s.
Lisboa, 23 de Maio de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Vitor Gomes
Gil Galvão