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Processo n.º 514/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1
do artigo 78.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
“1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.
70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho
proferido pela Vice-Presidente da Relação de Lisboa, de 23 de Março de 2007, que
lhe indeferiu a reclamação, deduzida nos termos do artigo 405.º do Código de
Processo Penal (CPP), contra despacho do Tribunal Judicial do Funchal (3.º Juízo
Criminal) que não lhe admitiu o recurso interposto de decisão que indeferiu a
produção de prova oferecida no requerimento de abertura de instrução.
2. Resulta dos autos o seguinte:
a) No processo n.º 334/03.2 TAFUN, em que é arguido, o ora recorrente requereu a
abertura de instrução, pedindo a reinquirição de testemunhas já ouvidas em sede
de inquérito.
b) Este pedido foi indeferido por se ter considerado que tal diligência não era
indispensável à realização das finalidades da instrução, uma vez que as
testemunhas já haviam sido ouvidas em inquérito.
c) O arguido interpôs recurso para a Relação de Lisboa, que não foi admitido,
com fundamento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 400.º e do n.º 2 do
artigo 414.º do Código de Processo Penal.
d) Inconformado com este despacho de rejeição do recurso, o ora recorrente
reclamou, nos termos do artigo 405.º do CPP, para o Presidente da Relação de
Lisboa, suscitando, além do mais, a inconstitucionalidade da norma constante do
n.º 1, mesmo no caso específico do n.º 2, do artigo 291.º do Código de Processo
Penal, por violação dos artigos 2.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição.
e) Esta reclamação foi desatendida pelo despacho ora recorrido que, quanto à
questão da inconstitucionalidade, remeteu para a fundamentação do acórdão n.º
371/2000, do Tribunal Constitucional e demais jurisprudência nele referida.
3. O Tribunal Constitucional já, por várias vezes, se pronunciou sobre a questão
de constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 291.º do Código de Processo
Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, na parte em que
estabelece a irrecorribilidade do despacho que indefere o pedido de realização
de diligências requeridas pelos sujeitos processuais, incluindo o arguido.
Embora com vozes divergentes, o Tribunal tem sempre decidido que a norma que
estabelece a irrecorribilidade do despacho que indefere o requerimento de
realização de diligências instrutórias não é inconstitucional. Entre outros,
podem referir-se neste sentido os acórdãos n.ºs 371/2000, 375/2000, 459/2000,
176/2002, 464/2003 e 611/2005, publicados, respectivamente, no Diário da
República, II Série, de 5 de Dezembro, 16 de Novembro e 11 de Dezembro de 2000,
7 de Junho de 2002, 5 de Janeiro de 2004 e 28 de Dezembro de 2005, e acórdãos
n.ºs 78/2001 e 684/2005, in www.tribunalconstitucional.pt.. Aliás, a reclamação
do recorrente revela bom conhecimento desta orientação, fazendo oportuna citação
dos votos de vencido, favoráveis à sua pretensão.
Assim, tendo a decisão recorrida alinhado por este entendimento e não se vendo
razões para dele divergir, nada tendo o recorrente aduzido quando suscitou a
questão, nem constando de qualquer outra intervenção processual, que não tenha
sido já ponderado, justifica-se que se negue provimento ao recurso, fazendo uso
da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 78.ª-A da LTC.
É certo que, no caso, não está em causa a irrecorribilidade do despacho
proferido por aplicação da regra geral do n.º 1 do artigo 291.º, mas de um
despacho proferido ao abrigo da regra especial do n.º 2 do mesmo artigo,
preceito que estabelece que os actos e diligências do inquérito só são repetidos
no caso de não terem sido observadas as formalidades legais ou quando a
repetição se revelar indispensável à realização das finalidades da instrução.
Trata-se da concretização daquela regra geral, mediante a enunciação de uma
hipótese em que o próprio legislador assume uma valoração de princípio sobre a
inutilidade da diligência para os fins da instrução. Os actos do inquérito só
são repetidos quando não conformes às formalidades legais ou quando isso se
mostrar indispensável às finalidades de instrução. Enquanto nos termos gerais é
a não realização da diligência que depende de um juízo negativo sobre a sua
utilidade para a descoberta da verdade, aqui é a realização que depende de um
juízo positivo sobre a sua indispensabilidade.
Não se vê, porém, que esta especificidade, que incide sobre o momento da
apreciação das condições em que o acto de instrução é admissível, seja de molde
a fazer inflectir ou impor fundamentação suplementar quanto aos termos em que a
citada jurisprudência tem apreciado a conformidade constitucional da norma que
estabelece a irrecorribilidade da decisão que indefira o pedido da sua
realização. Em direitas contas, o que está em causa não é esta maior vinculação
do juiz, de sentido restritivo quanto à possibilidade de realização da
diligência, mas sempre a mesma questão da recorribilidade da decisão denegatória
da diligência, na perspectiva do direito de acesso à justiça, na vertente do
direito a um duplo grau de jurisdição e da plenitude das garantias de defesa em
processo penal. Remete-se, assim, para a referida jurisprudência que reafirma o
entendimento de que da Constituição não se retira a plena recorribilidade de
todos e cada um dos actos praticados pelo juiz ao longo do processo, ainda que
sejam susceptíveis de afectar o arguido, reservando a aplicabilidade do
princípio da recorribilidade às decisões condenatórias e àquelas que impliquem
privação ou restrições da liberdade ou de outros direitos fundamentais do
arguido.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida no que à questão da constitucionalidade respeita, e condenar o
recorrente nas custas, com 7 (sete) unidades de conta de taxa de justiça.”
2. O recorrente reclamou desta decisão ao abrigo do n.º 3 do
artigo 78.º da LTC, sustentando, em síntese, o seguinte:
“(…)
3- Desde logo não concorda porque, o recurso interposto pelo recorrente visa a
apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no n.º 2 do artigo 291.º do
Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto e
não, ao contrário do indicado na decisão sumária de que se reclama, a nora
ínsita no n.º 1 do artigo 291.º do Código de Processo Penal, na redacção dada
pela Lei n.º 58/98, de 15 de Agosto.
4- Sendo certo que a mesma – norma ínsita no n.º 2 do artigo 291.º do Código de
Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/88, de 25 de Agosto -, embora,
como bem refere a decisão sumária ora reclamada, sendo uma concretização do
princípio estabelecido no n.º 1 do mesmo dispositivo legal, com ele não se
confunde.
5- Na verdade, trata-se de norma especial referente à repetição de actos e
diligências de prova praticados no inquérito, e não referente a todo e qualquer
acto de instrução que possa ser requerido por qualquer interveniente processual
ou determinado oficiosamente pelo Tribunal.
6- Por outro lado, o facto de o Tribunal Constitucional já, por várias vezes, se
ter pronunciado sobre a questão de constitucionalidade da norma do n.º 1 do
artigo 291.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n,º 59/98,
de 25 de Agosto, não estabelece nenhuma corrente jurisprudencial, nem doutrinal
com força obrigatória geral sobre o assunto.
7- De resto, Venerandos Juízes Conselheiros desse Tribunal, têm, nessas decisões
mencionadas pela decisão sumária ora reclamada, proferido declarações de voto
contrárias ao sentido da decisão, por entenderem que a referida norma é
inconstitucional, por violação do disposto no n.º 1 e 2 do artigo 32.º da
Constituição da República Portuguesa.
(…).”
O Ministério Público responde que a reclamação é improcedente,
em nada abalando a argumentação do reclamante a firme e maioritária corrente
jurisprudencial acerca da norma questionada.
3. A reclamação é improcedente.
Em primeiro lugar, a afirmação de que o recurso interposto visa a apreciação da
constitucionalidade da norma ínsita no n.º 2 e não, ao contrário do indicado na
decisão sumária, a norma ínsita no n.º 1 do artigo 291.º do Código de Processo
Penal, só por momentânea desatenção se compreende, quer perante o teor da
decisão reclamada, quer considerando que no requerimento de interposição se
identifica o objecto do recurso como visando a apreciação da “(iii) …
inconstitucionalidade da norma do artigo 291.º n.º1, mesmo no caso específico do
seu n.º 2 do Código de Processo Penal ( na redacção resultante da Lei n.º 59/98,
de 25/8)” e que se conclui a reclamação pedindo que se ordene “ … o
prosseguimento do recurso interposto para apreciação da constitucionalidade da
norma do n.º 1 do artigo 291.º do Código de Processo Penal, na redacção dada
pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, na parte que estabelece a irrecorribilidade
do despacho que indefere o pedido de realização de diligências requeridas pelos
sujeitos processuais, incluindo o arguido”.
De todo modo, a decisão reclamada não ignorou que na composição da base
normativa do objecto do recurso interposto se incluiu o n.º 2 do artigo 291.º do
Código de Processo Penal. Mas, como aí se demonstra, o punctum saliens da
questão de constitucionalidade não se situa na natureza (ou novidade) dos
elementos de prova a que respeitam os actos de instrução cuja realização se
indefere ou na norma que confere ao juiz o poder de indeferi-los, mas na norma
que estabelece a irrecorribilidade do despacho do juiz de instrução que tal
decide. A decisão recorrida é aquela que não admitiu o recurso para a Relação,
não o despacho que recusa a realização da diligência instrutória.
Daí que a situação se identifique com a versada na
jurisprudência referida na decisão reclamada, que se acompanha. A argumentação
do recorrente, que se limita a aduzir elementos já ponderados nas “declarações
de voto” que traduzem o entendimento minoritário, não abala a orientação
consagrada sobre a referida questão, que se reafirma.
Aliás, se algum argumento puder extrair-se, para a questão de
constitucionalidade colocada, a partir da circunstância de a decisão denegatória
irrecorrível ter sido proferida ao abrigo do n.º 2 do artigo 291.º do Código de
Processo Penal, esse argumento irá no sentido desfavorável ao recorrente.
Efectivamente, não estamos perante a recusa de aquisição de material probatório
inteiramente novo, mas perante a recusa de repetir actos e diligências de prova
já praticados no inquérito e valoráveis no debate instrutório. No balanceamento
dos valores conflituantes, maior peso ou justificação assumem aqui as razões,
designadamente de celeridade processual e de prevenção contra o arrastamento do
processo, que levam a referida jurisprudência do Tribunal a considerar
constitucionalmente suportável a irrecorribilidade do despacho do juiz de
instrução que indefira o pedido de realização de diligências instrutórias.
4. Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação e condena-se o recorrente nas custas,
fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de Junho de 2007
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão