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Processo n.º 24/13
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 88/2013:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público, B., Lda., C., SI e D., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 15 de outubro de 2012 (fls. 1550 a 1557), para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída do n.º 5 do artigo 95º do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretada no sentido de que “para fundamentar a sua decisão não carece de aduzir qualquer fundamento de facto e de direito” (fls. 1582).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 07 de janeiro de 2013 (cfr. fls. 1584), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Por força do artigo 79º-C da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da (in)constitucionalidade de normas jurídicas (ou das respetivas interpretações normativas) que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos. Sucede que a decisão recorrida expressamente considerou que “(…) o despacho recorrido especifica motivos de facto e de direito, explanando o processo lógico que constitui o substrato do decidido, assim se apresentando percetível para todo o destinatário” (fls. 1554).
Como tal, é por demais evidente que a interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida não corresponde, de modo algum, àquela que a recorrente fixou como objeto do presente recurso, razão pela qual não pode do mesmo conhecer-se.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza a recorrente, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos.»
2. Inconformada com a decisão proferida, a recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«O presente recurso fundava-se — e funda-se — no disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70° acima invocado, sendo certo que a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer — cfr. artigo 72°, nº 2 da mesma Lei Orgânica.
Na verdade a recorrente invocou nos termos e pelos fundamentos infra invocados, e que aqui por brevidade se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais, que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães ao interpretar o disposto no Art.° 97 nº 5 do Código de Processo Penal no sentido de ser suficiente para fundamentar a sua decisão sem aduzir qualquer fundamento de facto e de direito violou os imperativos constitucionais plasmados nos artigos 20º nº 1 e 4, 32° nº 1 e 205° nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Assim sendo e face ao exposto, o recurso não deveria ter sido rejeitado.
Parafraseando J. J. Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, 1° volume, págs. 214 e 215 “A fórmula do nº 1 - referindo-se ao nº 1 do artigo 32° da CRP — é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, neste preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. «Todas as garantias de defesa» engloba indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (...) este preceito pode ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma, a «orientação para a defesa» do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível “
Pelo exposto, deverá ser conhecido o objeto do recurso por esta conferência, sendo a final o recurso procedente e declarando-se inconstitucional a interpretação dada ao disposto no Art.° 97 nº 5 do CPP no sentido de ser suficiente a fundamentação de um ato decisório sem aduzir qualquer fundamento de facto e de direito, uma vez que viola os imperativos constitucionais plasmados nos artigos 20 nº 1 e 4, 32 nº 1 e 205 nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
A norma foi efetivamente aplicada pelo Tribunal Recorrido o qual, ao fundamentar a sua decisão sem aduzir qualquer fundamento de facto ou de direito, faz claramente uma interpretação inconstitucional da norma supra citada, sendo que a recorrente cumpriu todos os formalismos legais para que o recurso pudesse e devesse ser recebido e fundamentou suficientemente. Sem prescindir, se se entendesse ser insuficiente a fundamentação, sempre deveria a recorrente ser convidada a suprir qualquer vício não se postergando o direito ao recurso.» (fls. 1599 a 1601)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos.
«1º
A Relação de Guimarães, por Acórdão de 15 de outubro de 2012, complementado pelo proferido em 3 de dezembro de 2012 – que indeferiu um pedido de aclaração do primeiro –, negou provimento ao recurso interposto pela arguida da decisão que, em 1.ª instância, revogara o regime de suspensão de execução da pena.
2º
Desse Acórdão recorreu a arguida para este Tribunal Constitucional, identificando o objeto do recurso do seguinte modo:
“O presente recurso funda-se no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º acima invocado, no sentido de ser inconstitucional a interpretação dada pelo tribunal ad quem do Art.º 95 n.º 5 do Código de Processo Penal, entendendo que para fundamentar a sua decisão não carece de aduzir qualquer fundamento de facto e de direito, o que viola o disposto nos Art.ºs 20, n.º 1 e n.º 4, Art.º 32 n.º 1 e Art.º 205 n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa”.
3º
Convém esclarecer que a referência ao artigo 95.º, n.º 5, do CPP, se deve seguramente a um lapso, querendo dizer-se artigo 97.º, n.º 5, do CPP.
4º
Esta ausência de fundamentação era imputada à decisão de 1.ª instância.
5.º
A Relação, no acórdão recorrido, pronunciou-se expressa e claramente sobre ela, dizendo: “o despacho recorrido especifica os motivos de facto e de direito, explanando o processo lógico que constitui o substrato do decidido, assim se apresentando percetível para todo o destinatário”.
6.º
Seguidamente, no Acórdão, explicita-se fundamentadamente aquele entendimento, que não é sindicável por este Tribunal Constitucional.
7.º
Ora, como nos parece evidente, tal como se considerou na douta Decisão Sumária n.º 86/2013, ora reclamada, a interpretação normativa que a recorrente identifica não corresponde à efetivamente aplicada na decisão recorrida, faltando, pois, esse requisito de admissibilidade do recurso.
8.º
Neste contexto, torna-se irrelevante saber se essa questão foi formalmente suscitada durante o processo, como invoca a recorrente na reclamação.
9.º
Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Apesar de a fundamentação da decisão reclamada ter incidido exclusivamente sobre a ausência de identidade entre a interpretação normativa objeto do recurso e aquela efetivamente aplicada (cfr. artigo 79º-C da LTC), a reclamante optou por enfatizar na sua reclamação a questão da suscitação da questão de inconstitucionalidade, relegando para segundo plano a falta de aplicação efetiva de uma interpretação segundo a qual a decisão recorrida teria aplicado o n.º 5 do artigo 97º do Código de Processo Penal (CPP) – por evidente lapso, a reclamante referiu-se ao n.º 5 do artigo 95º –, em termos tais que “para fundamentar a sua decisão não carece[ria] de aduzir qualquer fundamento de facto e de direito” (fls. 1582).
Ainda que assim se verifique, importa reiterar que (como é evidente pela leitura da mesma) a decisão recorrida antes considerou que a decisão condenatória de primeira instância se encontra devidamente fundamentada, de facto e de direito, não cabendo a este Tribunal aferir do concreto juízo subsuntivo por aquela proferido.
Confirma-se, portanto, a fundamentação e sentido da decisão ora reclamada.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza a recorrente, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos.
Lisboa, 10 de abril de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.