Imprimir acórdão
Processo n.º 18/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. reclama para esta conferência da decisão sumária do relator que, por inobservância do ónus de prévia suscitação, não conheceu do recurso de constitucionalidade que interpôs, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, confirmando decisão sumária do relator nessa instância, julgou a sua apelação improcedente.
Alega o reclamante, em síntese, que suscitou adequadamente a questão de inconstitucionalidade atinente às normas dos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 495.º, n.º 3, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil, interpretadas «no sentido de a indemnização a atribuir a um filho nascituro por morte do seu progenitor, a título de danos patrimoniais futuros, ter como critério de referência a unidade de conta», na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por outro lado, se não o fez em relação ao artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, que o tribunal recorrido não observou ao omitir pronúncia, tal como antes o tribunal de primeira instância, sobre a «atribuição ou não de uma indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima, por via do direito de transmissão mortis causa», foi porque não teve oportunidade para tanto, sendo que, por notória a omissão de pronúncia de que padecia a decisão do tribunal de primeira instância, não tinha de suscitar a inconstitucionalidade dela emergente no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação.
O Ministério Público, em resposta, defende o indeferimento da reclamação pela razão que determinou o não conhecimento do objeto do recurso.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Sustenta o reclamante, em síntese, que observou o ónus de prévia suscitação em relação a uma das duas questões de inconstitucionalidade que integram o objeto do recurso e que, em relação à outra, não estava a ele sujeito porquanto, não só era notória a omissão de pronúncia em que havia incorrido o tribunal de primeira instância (o que o dispensava de suscitar, na motivação do recurso, a inconstitucionalidade dela emergente), como, no que respeita à nulidade em que, por via dela, também incorreu o Tribunal da Relação, não teve oportunidade processual de a suscitar porque o correspondente vício se consumou com a prolação da própria decisão recorrida.
Vejamos se lhe assiste razão.
Esclarece agora o recorrente, suprindo, nessa parte, a correspondente omissão do requerimento de interposição do recurso, que pretendia ver apreciada, além do mais, a inconstitucionalidade dos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 495.º, n.º 3, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil, interpretados «no sentido de a indemnização a atribuir a um filho nascituro por morte do seu progenitor, a título de danos patrimoniais futuros, ter como critério de referência a unidade de conta».
Em demonstração de que, no que respeita a esta questão de inconstitucionalidade, observou o ónus legal de prévia suscitação, invoca o que alegou nos pontos 21.º a 36.º das conclusões da motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, em particular nos seus pontos 26.º e 27.º.
Sucede que, lendo a argumentação desenvolvida em tal peça processual, em particular as conclusões destacadas pelo reclamante, não se descortina que este tenha então enunciado, por referência ao complexo de normas legais agora sindicadas, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que o tribunal recorrido estivesse obrigado a decidir.
Com efeito, insurgindo-se contra o montante fixado pela primeira instância, a título de danos patrimoniais por si sofridos, em consequência do crime de homicídio por negligência que vitimou o seu pai, o que o demandante cível, ora reclamante, expressamente invocou, em fundamento do recurso, foi a inconstitucionalidade da própria decisão recorrida, na medida em que, a seu ver, «[e]stava a tratar filhos nascituros e nascidos de forma diferente, no que se refere à necessidade de alimentos». E, se é certo que então rebateu especificamente a alegada utilização, pelo tribunal de primeira instância, da unidade de conta como critério de fixação da prestação de alimentos devida ao lesado, a verdade é que a um tal propósito não enunciou, nos termos em que agora o faz, qualquer questão de inconstitucionalidade que tivesse por objeto os preceitos legais ora sindicados, designadamente na específica dimensão interpretativa agora especificada (cf., em particular, conclusões 25.º a 27.º e 36.º da motivação do recurso).
Por outro lado, e no que se refere à norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, é manifesto que, ainda que se viesse a comprovar que as instâncias tivessem incorrido na arguida omissão de pronúncia, tal facto, só por si, não legitimaria a interposição do recurso de constitucionalidade que, como é sabido, se destina à fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas aplicadas pelos tribunais em fundamento das respetivas decisões e não ao controlo do cumprimento, por estes, das normas processuais que regem o exercício da atividade jurisdicional que lhes está cometida.
Por isso que, fundando-se o recurso, nessa parte, no facto de o tribunal recorrido ter violado o dever de pronúncia imposto pelo invocado artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que, como antecipado pelo relator na decisão sumária ora em reclamação, não constitui objeto idóneo do juízo de (in)constitucionalidade cometido ao Tribunal Constitucional, sempre se imporia, por tal razão, o seu não conhecimento.
De qualquer modo, ainda que assim não fosse, o certo é que a um tal propósito o reclamante nada invocou perante o tribunal recorrido que relevasse como observância do ónus de prévia suscitação, como, aliás, reconhece, não havendo qualquer razão que o justificasse.
Com efeito, a alegada notoriedade da nulidade decorrente de uma tal omissão de pronúncia (irrelevante, em si mesma, para desencadear o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade) não dispensa a parte, como é evidente, de suscitar perante o tribunal de recurso, se for caso disso, a inconstitucionalidade do preceito que estabelece tal cominação legal ou de interpretação nela fundada.
Por outro lado, e no que respeita à própria decisão do Tribunal da Relação, de que ora se recorre, é também evidente que, tendo sido proferida pela conferência, na reclamação deduzida contra a decisão sumária do relator, que alegadamente também padecia de idêntico vício, podia o reclamante ter suscitado, nesse incidente, a inconstitucionalidade do norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que, por facto que lhe é exclusivamente imputável, não fez.
Assim, não tendo o reclamante observado o ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa atinente aos preceitos legais que difusamente integrou no objeto do recurso, como imposto pelas disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, sem que houvesse razão para tal, não pode o recurso prosseguir para apreciação de mérito, revelando-se inútil, nesse contexto, convidá-lo a concretizar o objeto do recurso, como sumariamente decidido.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de maio de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.