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Processo nº 1135/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheiro Rui Pereira
Acordam na 2ª Secção no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. O presente recurso de constitucionalidade, em
que figuram como recorrentes A., ACA, e B., Lda., e como recorrida a Região
Autónoma da Madeira, foi interposto, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b)
da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, de
acórdão de 24 de Outubro de 2006 do Supremo Tribunal Administrativo.
Tal aresto foi prolatado no âmbito de uma acção em que a ora recorrida,
na qualidade de “dona da obra”, pretende ser indemnizada pelos prejuízos que as
recorrentes alegadamente lhe causaram, por incumprimento de deveres emergentes
de um contrato de empreitada. Nesta acção, o Juiz do Tribunal Administrativo e
Fiscal do Funchal rejeitou, com fundamento em caducidade do direito de acção, a
mencionada acção declarativa ordinária para efectivação de responsabilidade
civil.
A Região Autónoma da Madeira interpôs recurso da decisão do Juiz do
Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal para o Supremo Tribunal
Administrativo. Este tribunal concluiu, no acórdão agora impugnado, que não se
aplica a caducidade estabelecida no artigo 226º do Decreto-Lei nº 405/93, de 10
de Dezembro (e no artigo 255º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março) ao dono da
obra, o qual pode accionar a responsabilidade do empreiteiro a todo o tempo, por
força do artigo 71º da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos.
As recorrentes identificaram como norma cuja constitucionalidade
pretendem ver apreciada os artigos 226º do Decreto-Lei nº 405/93 e 255º do
Decreto-Lei nº 59/99, sustentaram que tais normas violam o artigo 13º da
Constituição e referiram que suscitaram a questão no âmbito das contestações e
das contra alegações apresentadas perante o Supremo Tribunal Administrativo.
2. Nas alegações apresentadas neste Tribunal, as
recorrentes reafirmaram que as normas em crise são inconstitucionais por
violarem o artigo 13º da Constituição. Sustentaram, para tanto, que a
aplicabilidade dos prazos de caducidade apenas aos empreiteiros – e não ao “dono
da obra” – constitui uma discriminação inadmissível, tanto mais que na
empreitada de obra pública “a parte forte” (politicamente dominante,
economicamente mais poderosa, administrativamente condicionante) é o “dono da
obra”. Acrescentaram que o ressarcimento dos danos materiais sofridos pelo “dono
da obra” não releva do interesse público por ter “a mesma natureza do
correlativo interesse do empreiteiro”. Reportando-se sempre ao artigo 13º da
Constituição, as recorrentes defenderam que as normas em crise contrariam os
princípios do Estado do Direito, da igualdade no acesso à justiça e da igualdade
de armas.
Por seu turno, a recorrida sublinhou, nas suas contra alegações, as
diferenças entre as figuras do contrato administrativo e do contrato de direito
privado, considerando que a prevalência do interesse público explica a diferença
de tratamento. Por outro lado, salientou a dificuldade de as entidades públicas
proporem acções em prazos curtos devido à dificuldade de formarem decisões
válidas. Acrescentou ainda que a diferença de tratamento se justifica por “tudo
(…) desembocar num prejuízo económico corrente ressarcível, ou não” quanto ao
empreiteiro, ao passo que, no caso do “dono da obra”, “está em causa (…) um
defeito de uma obra permanente, de interesse público e ao serviço público, não
devendo a arguição de defeitos estar dependente de um prazo (deixando a ponte
cair, o edifício ruir, a estrada abater)”
Cumpre agora apreciar e decidir.
II
Fundamentação
3. A questão de constitucionalidade normativa que
agora se aprecia resulta de uma desigualdade de tratamento concedido ao dono da
obra e ao empreiteiro, na empreitada de obras públicas. Nos termos do artigo
226º do Decreto-Lei nº 405/93, as acções relativas à execução do contrato devem
ser propostas no prazo de 132 dias. Esse prazo deverá contar-se da ocorrência do
facto gerador do direito que fundamenta o pedido (assim, Andrade e Silva, Regime
Jurídico das Empreitadas e Obras Públicas, 4ª ed., 2006, p. 637).
Ora, a violação do princípio da igualdade resultaria, precisamente, da
diferença de regimes aplicáveis ao dono da obra e ao empreiteiro. As recorrentes
entendem que é inconstitucional não se aplicar às acções propostas pelo dono da
obra o referido prazo de 132 dias. Não põem em causa, especificamente, uma
eventual inconstitucionalidade, resultante da inexistência de qualquer prazo, o
que pressuporia já ser admissível uma diferença de regimes.
4. A diferença de regimes é explicável, no
entender da entidade recorrida, pelo concurso de três factores: a natureza do
interesse público; a dificuldade de as entidades públicas proporem acções em
prazos curtos (atendendo à dificuldade de formarem decisões válidas); e a
diferente natureza das violações contratuais imputáveis ao dono da obra e ao
empreiteiro.
Alegadamente, o carácter duradouro das obras não se compadece com a
existência de prazos como aquele que se prevê nas normas sub judicio. Tal prazo
só tem razão de ser quando estiverem em causa prestações pecuniárias como
aquelas de que o empreiteiro é, em geral, credor. Este argumento toma como
decisiva a (diferente) natureza das prestações e dos danos sofridos pelas
partes.
5. O princípio da igualdade, cuja violação é
invocada pelas recorrentes, não proíbe quaisquer diferenciações de tratamento.
Implica, isso sim, que haja uma justificação material da desigualdade segundo
critérios constitucionalmente atendíveis (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1º a 107º, 4ª ed. rev., e,
entre vários outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 149/93,
www.tribunalconstitucional.pt).
No caso sub judicio, a diferente natureza das prestações envolvidas no
contrato de empreitada, associada à prossecução do interesse público, torna
racional uma diversidade de regimes aplicáveis ao dono da obra e ao empreiteiro
em matéria de caducidade. Por conseguinte, não há violação do artigo 13º da
Constituição.
Por estas razões, é de indeferir o presente recurso.
III
Decisão
6. Ante o exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso de
constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 16 de Maio de 2007
Rui Pereira
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos