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Processo n.º 67/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A. e o Ministério da Educação e Ciência, foi interposto recurso de constitucionalidade da sentença de 13 de setembro de 2012, na parte em que que a mesma julgou inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, quando aplicado aos docentes que, à data da entrada em vigor daquele diploma, detinham a categoria de professor titular, porquanto consubstancia uma inversão da posição remuneratória, decorrente da ultrapassagem dos docentes pela mesma abrangidos por outros docentes com menos tempo de posicionamento no escalão 245, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º do mesmo diploma, desaplicando-o no caso dos autos. O recurso foi interposto ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 71.º, n.º 1, e 72.º, n.º 3, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como “LTC”).
2. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações junto deste Tribunal, tendo concluído nos seguintes termos:
« V - Conclusões
33. O Ministério Público interpôs, em 21 de Setembro de 2012, a fls. 179 dos autos supra-epigrafados, recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da sentença de fls. 153 a 174, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, “nos termos do disposto no artº 280º, alínea a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e ao abrigo do estatuído no artº 70º, n.º 1, alínea a); 71º, n.º 1, e 72º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) n.º 28/82, de 15/11 (…)”.
34. Com a interposição deste recurso, pretende o Ministério Público ver apreciada a “(…) (in)constitucionalidade da norma[s] do nº 1 do art. 8 do DL nº 75/2010 de 23/6, cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade (material), quando aplicada aos docentes que à data da entrada em vigor daquele diploma, detinham a categoria de professor titular, porquanto consubstancia uma inversão da posição remuneratória decorrente da ultrapassagem dos docentes, pela mesma abrangidos, por outros docentes com menos tempo de posicionamento no escalão 245, nos termos da al. b) do nº 2 do art. 7º do mesmo diploma (…)”, por violação do disposto nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa.
35. O tribunal recorrido, apesar do teor do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, prever, aparentemente, uma cláusula legal de salvaguarda, para evitar a inconstitucionalidade decorrente da ultrapassagem do posicionamento de professores titulares por outros professores titulares com menos tempo de serviço nos mesmos escalões, considerou que a mesma não era aplicável ao caso vertente (aceitando, implicitamente, a tese defendida pelo Ministério da Educação e Ciência), interpretação que, segundo se nos afigura, se impõe ao Tribunal Constitucional.
36. Quanto à norma cuja constitucionalidade é questionada, a do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, prevê a mesma, que os docentes que, à data da sua entrada em vigor se encontrem posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis para efeitos de progressão na carreira – e que tenham obtido no ciclo de avaliação do desempenho de 2007-2009 no mínimo a menção qualitativa de Bom; e, bem assim, tenham obtido na última avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15 de Maio, classificação igual ou superior a Satisfaz -, são reposicionados no índice 299, no momento em que perfizerem seis anos de tempo de serviço no índice para efeitos de progressão na carreira.
37. Já a norma abrigada na alínea b), do n.º 2, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, determina que os professores titulares que, à data da sua entrada em vigor se encontrem posicionados no índice 245 há mais de quatro anos e menos de cinco para efeitos de progressão na carreira – e que tenham obtido no ciclo de avaliação do desempenho de 2007-2009 no mínimo a menção qualitativa de Bom; e, bem assim, tenham obtido na última avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15 de Maio, classificação igual ou superior a Satisfaz -, são reposicionados no índice 272, no próprio momento da entrada em vigor do decreto-lei.
38. Cotejando ambas as normas, apercebemo-nos de que, no que tange aos professores titulares mencionados no n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho (ou seja, os posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis), foram os mesmos ultrapassados, em termos remuneratórios, à data da entrada em vigor deste decreto-lei, pelos professores titulares referidos na alínea b), do n.º 2, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho (isto é, os posicionados no índice 245 há mais de quatro anos e menos de cinco).
39. Esta ultrapassagem, que ocorreu, necessariamente, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, só se desfaria, gradualmente, nas datas em que, cada um dos professores titulares posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis, fosse completando seis anos de tempo de serviço no índice, para efeitos de progressão na carreira.
40. Para alguns docentes, esta recomposição dos posicionamentos relativos entre professores titulares posicionados no índice 245 há mais de quatro anos e menos de cinco à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010 e professores titulares posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis, à data da entrada em vigor deste diploma, nunca veio a ocorrer, por força da proibição das valorizações remuneratórias decorrentes, nomeadamente, de alterações de posicionamento remuneratório, progressões ou promoções, operada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
41. O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar sobre questões similares, nomeadamente nos seus Acórdãos n.ºs 584/98 e 323/2005, tendo, no primeiro dos mencionados arestos, decidido que,
“O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa – ao preceituar que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” – impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípio s de justiça.
Ora, a justiça exige que quando o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade seja igual a remuneração”.
42. O artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, ao dispor que professores titulares posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis, pudessem, à data da entrada em vigor daquele diploma, manter-se no mesmo índice remuneratório, enquanto outros professores titulares, com menos tempo de permanência naquele índice eram reposicionados no índice 272, viola o princípio da igualdade, corporizado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, bem como a sua densificação no domínio do direito dos trabalhadores, o princípio de que para trabalho igual salário igual, plasmado na alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.
43. Atento o explanado, afigura-se-nos acertada a douta decisão recorrida.»
3. Os recorridos foram ambos notificados para contra-alegar, mas só a recorrida o fez, tendo concluído do seguinte modo:
«1. A sentença proferida nos autos, julgou totalmente procedente a ação administrativa especial, intentada pela ora recorrida contra o Ministério da Educação e Ciência.
A douta sentença: 1. julgou inconstitucional o n.º1 do artigo 8.º do decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de junho, e desaplicou-o à situação da recorrida, por violação dos artigos 13.º e 59º, n.º1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, quando aplicado aos docentes que, à data da entrada em vigor daquele diploma, detinham a categoria de professor titular, porquanto consubstancia uma inversão remuneratória, decorrente da ultrapassagem dos docentes pela mesma abrangidos por outros docentes com menos tempo de posicionamento no escalão 245, nos termos da alínea b) do n.º2 do artigo 7.º do mesmo diploma; 2. anulou o despacho de 20/06/2011 da Diretora Regional Adjunta da DREN, que indeferiu o pedido de reposicionamento da recorrida no índice 272, desde 24.06.2010, com efeitos remuneratórios reportados a 01.07.2010; 3. condenou o recorrido Ministério da Educação e Ciência á prática dos atos devidos para repor a legalidade, e que consistem em remunerar a recorrida pelo índice 272, desde 24.06.2010 (efeitos remuneratórios a 01.07.2010), até reunir as condições previstas no artigo 8.º n.º1 do decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de junho, para ser posteriormente reposicionada no índice 299, ou seja 6 anos de tempo de serviço prestados em conjunto nos índices 245 e 272; 3. condenou o recorrido Ministério da Educação e Ciência a pagar à recorrente juros de mora sobre as quantias pagas a título de acréscimo de remuneração que lhe vierem a ser liquidadas no cumprimento da alínea anterior; 4. Condenou o recorrido nas custas processuais.
No presente recurso apenas será apreciada a questão da declaração de inconstitucionalidade da norma do n.º1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho.
As doutas alegações apresentadas pelo recorrente, com as quais se concorda na integra, e que por uma questão de economia processual, se dão por integralmente reproduzidas, pugnam pela improcedência do recurso, concluindo que deve ser mantida a decisão de inconstitucionalidade da norma do n.º1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, quando aplicada aos docentes (como é o caso da recorrente) que à data da entrada em vigor daquele diploma, detinham a categoria de professor titular, porquanto consubstancia uma inversão da posição remuneratória decorrente da ultrapassagem dos docentes, pela mesma abrangidos, por outros docentes com menos tempo de posicionamento no escalão 245, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º do mesmo diploma, por violação dos artigos 13.º e 59.º n.º1 alínea a) da Constituição de República Portuguesa.
A Recorrente subscreve na íntegra a argumentação aí doutamente explanada, considerando também que a decisão tomada na sentença proferida no TAF de Braga, deve ser mantida na integra.
Resulta dos factos apurados na 1ª instância, que o Recorrido Ministério da Educação e Ciência a coberto da aplicação do supra citado artigo 8.º, n.º1 do decreto-lei n.º75/2010, de 23 de junho, mantém no índice 245 da carreira docente a ora Recorrida e todos os docentes na mesma situação (docentes que no dia 24.06.2010 eram professores titulares, posicionados no índice 245, há mais de 5 anos e menos de 6 – a recorrida encontra-se no índice 245 desde 29.11.2002 -, que obtiveram no ciclo de avaliação de desempenho de 2007-2009, no mínimo a menção qualitativa de bom e obtiveram na última avaliação de desempenho efetuada nos termos do decreto regulamentar n.º11/98, de 15 de Maio, classificação igual ou superior a bom).
Vendo estes docentes o seu reposicionamento deferido para o índice 299, na data em que perfizerem 6 anos de serviço no índice 245, o que, nalguns casos, como o da Recorrida, ainda não se verificou atendendo ao disposto no artigo 24.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011 – não contagem de tempo de serviço prestada em 2011 para efeitos de progressão e proibição de valorizações do posicionamento remuneratório – mantidas nos Orçamentos do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro) e 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).
Mais se apurou que o Ministério da Educação posicionou ope legis no índice 272, os docentes que à data de entrada em vigor do referido decreto-lei (24.06.2010), fossem detentores da categoria de professor titular há mais de 4 anos e menos de 5, desde que reunissem os mesmos requisitos respeitantes à avaliação de desempenho, por aplicação do artigo 7.º n.º 2, alínea b) do supra citado decreto-lei, pelo que só na sua escola foi ultrapassada pelos docentes Luís Manuel Meira Arezes (que progredira ao índice 245 em 26.09.2003 e ao índice 272 em 24.06.2010), Maria Beatriz Melo Dias (que progrediu ao índice 245 em 01.10.2005 e ao índice 272 em 24.06.2010), Maria Fátima B. Silva Esteves (que progrediu ao índice 245 em 16.11.2003 e ao índice 272 em 24.06.2010) e Maria Sameiro Reis S. Estrela (que progrediu ao índice 245 em 01.11.2003 e ao índice 272 em 24.06.2010).
Em suma apurou-se que a Recorrida, “professora titular no âmbito do decreto-lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, alterado pelo decreto-lei n.º 270/2009, de 30 de setembro, com os requisitos exigidos legalmente, em sede de avaliação de desempenho, e posicionado no índice 245 há mais de 5 anos (mas menos de 6), viu-se ser ultrapassada, em termos remuneratórios, por colegas em situações idênticas, mas posicionados o mesmo escalão há menos tempo (entre 4 e 5 anos)”.
A norma do artigo 8.º n.º1, do decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de junho, cuja constitucionalidade é questionada no presente recurso, dispõe que: 1- Os docentes que, à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, estejam, independentemente da categoria, posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis para efeitos de progressão na carreira, são reposicionados no índice 299 de acordo com as seguintes regras cumulativas: a) No momento em que perfizerem seis anos de tempo de serviço no índice para efeitos de progressão na carreira; b) Tenham obtido no ciclo de avaliação do desempenho de 2007 – 2009 no mínimo a menção qualitativa de Bom; c) tenham obtido na última avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º11/98, de 15 de Maio, classificação igual ou superior a Satisfaz.”
O artigo 7.º n.º 2, alínea b), do decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de junho, dispõe que são reposicionados no índice 272 na data de entrada em vigor do decreto-lei: “... b) Os docentes que, à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, sejam detentores da categoria de professor titular, posicionados no índice 245 há mais de quatro anos e menos de cinco para efeitos de progressão na carreira, transitam para a categoria de professor da nova estrutura da carreira reposicionados no índice 272, desde que cumulativamente: i) Tenham obtido no ciclo de avaliação do desempenho de 2007 – 2009 no mínimo a menção qualitativa de Bom; ii) Tenham obtido na última avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15 de Maio, classificação igual ou superior a Satisfaz.”
Da conjugação das duas normas – artigo 7.º n.º2, alínea b) e artigo 8.º n.º1 do decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de junho – depreende-se que os professores titulares abrangidos pelo artigo 8.º n.º1 (como é o caso da Recorrida), posicionados no índice 245 à mais de cinco anos e menos de seis, foram ultrapassados, em termos remuneratórios, à data de entrada em vigor do decreto-lei – 24.06.2010 – pelos docentes abrangidos pela alínea b) do n.º2 do artigo 7.º, professores titulares posicionados no índice 245 há mais de quatro anos e menos de cinco).
Esta ultrapassagem apenas seria desfeita aquando do completamento de seis anos de tempo de serviço no escalão, por parte dos docentes abrangidos pelo artigo 8.º n.º1.
No caso da Recorrida e dos outros docentes que completariam o tempo de serviço necessário no ano de 2011, tal não ocorreu em virtude das disposições que proibiram valorizações remuneratórias decorrentes, nomeadamente, de alterações de posicionamento remuneratório, progressões ou promoções, constantes das Leis n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 66-B/2012, de 31 de dezembro.
O Tribunal Constitucional não se tem compadecido com situações que consubstanciem inversões das posições remuneratórias, tendo-se já pronunciado em questões similares nos acórdãos n.ºs 323/2005, 584/98, 254/2000, 356/2001, 405/2003 e 646/2004.
O artigo 8.º n.º1 do decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de junho, ao dispor que os professores titulares posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis, pudessem, à data de entrada em vigor do mesmo, manter-se no mesmo índice remuneratório, enquanto que os professores titulares com menos tempo de permanência naquele – mais de quatro e menos de cinco -, fossem posicionados no índice 272, consubstancia uma situação de inversão da posição remuneratória, violando assim o principio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o principio de que para trabalho igual salário igual, consagrado na alínea a), do n.º1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. O Tribunal Constitucional apreciou no seu Acórdão n.º 239/2013 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ), em sede de fiscalização abstrata sucessiva, e a pedido do Provedor de Justiça, a constitucionalidade da norma objeto do presente recurso à luz dos mesmos parâmetros considerados na sentença recorrida. Na parte relevante da respetiva fundamentação, pode ler-se:
« Constitui jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal, que são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade da remuneração laboral (consignado no artigo 59.º, n.º1, alínea a), como decorrência do princípio fundamental da igualdade a que genericamente se refere o artigo 13.º da Constituição), as normas do regime da função pública que conduzam a que funcionários mais antigos numa dada categoria passem a auferir remuneração inferior à de outros com menor antiguidade e idênticas habilitações, por virtude de reestruturações de carreiras ou de alterações do sistema retributivo em que interfiram fatores anómalos, de circunstância puramente temporal, estranhos à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações, a experiência ou o desempenho dos funcionários confrontados. O Tribunal considera, portanto, inconstitucionais as situações em que funcionários de maior antiguidade são 'ultrapassados ' no escalão remuneratório por funcionários de menor antiguidade, apenas por virtude da entrada em vigor de uma nova lei, sem qualquer justificação, nomeadamente, em termos de natureza ou qualidade do trabalho. […]
Ora, neste caso [- entenda-se: no respeitante ao artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho - ] parece ocorrer precisamente um caso de ultrapassagem de escalão remuneratório.
O artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 75/2010, determinou que os professores titulares que, à data da entrada em vigor do diploma, isto é, em 24 de junho de 2010, estivessem posicionados no índice 245 há mais de 4 anos mas há menos de 5 fossem reposicionados, nessa mesma data, no índice 272, desde que 'tenham obtido no ciclo de avaliação do desempenho de 2007-2009 no mínimo a menção qualitativa de Bom' e 'tenham obtido na última avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15 de maio, classificação igual ou superior a Satisfaz'.
Por seu turno, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma, os professores que fossem detentores da categoria de professor titular, que preenchessem precisamente os mesmos requisitos relativos à avaliação do desempenho, e à data da entrada em vigor da lei estivessem posicionados no índice 245 há mais de 5 anos e menos de 6 anos seriam posicionados no índice 299, mas o seu reposicionamento no índice 299 foi diferido para o momento em que completassem a antiguidade de 6 anos. Parece resultar a contrario desta disposição que, até atingirem os seis anos de serviço no escalão 245, não haveria qualquer alteração da sua posição em termos de escalões remuneratórios e se manteriam no índice 245.
Esta interpretação isolada do artigo 8.º, n.º 1, não é, contudo, sistemicamente aceitável.
Na verdade, temos de ter em conta o artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º n.º 75/2010, de 23 de junho, cujo artigo 8.º,n.º 1, é agora impugnado, que, sob a epígrafe 'garantia durante o período transitório', determina que 'da transição entre a estrutura da carreira regulada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 270/2009, de 30 de setembro, e a estrutura da carreira definida no presente decreto-lei não podem ocorrer ultrapassagens de posicionamento nos escalões da carreira por docentes que, no momento da entrada em vigor do presente decreto-lei, tivessem menos tempo de serviço nos escalões'.
Este preceito implica, portanto, que dentro do universo de docentes considerados pela lei em situação de igualdade em termos de mérito ou avaliação de desempenho e colocados antes da entrada em vigor da nova lei num mesmo escalão remuneratório, não possa suceder que os docentes mais antigos fiquem, por força da entrada em vigor da nova lei, reposicionados num escalão remuneratório mais baixo do que outros com menor antiguidade.
Ora o artigo 7.º, n.º 2, alínea a), fez transitar para o índice 272 os professores titulares que estivessem posicionados no índice 245 há mais de 4 anos mas há menos de 5 e apresentassem determinadas avaliações de desempenho, logo com a entrada em vigor da lei (24 de julho de 2010). Assim, não é legalmente admitido que os professores titulares posicionados precisamente no mesmo índice 245 e exatamente com as mesmas condições legalmente definidas em termos de avaliação de desempenho, mas sendo mais antigos no escalão remuneratório, passem, com a nova lei, a ficar num escalão remuneratório mais baixo. Deverão ser reposicionados, pelo menos, no mesmo escalão 272.
O atual Estatuto da Carreira de Educadores de Infância e professores do ensino Básico e Secundário visa introduzir critérios de progressão na carreira que valorizem mais o mérito na atividade docente do que a mera antiguidade na carreira. Mas isso não poderá nunca implicar que, por absurdo, fiquem prejudicados, em termos de remuneração, determinados docentes pelo simples e único facto de terem maior antiguidade, tendo exatamente as mesmas condições legais em termos de avaliação de desempenho. É precisamente esse absurdo que o artigo 10.º, n.º 1, da lei visa evitar.
Da conjugação do artigo 10.º, n.º1, com os artigos 7.º, n.º 2, alínea b) e 8.º, n.º 1, resulta pois que os professores titulares com mais de cinco anos e menos de seis anos de tempo de serviço no escalão 245 (a que se refere o artigo 8.º, n.º 1), deverão pois ficar abrangidos no índice 272, logo com a entrada em vigor da lei, tal como sucede com os de menor antiguidade.
É, aliás, esta a interpretação da lei que faz o próprio Primeiro-Ministro, em representação do Governo enquanto órgão autor da norma, na sua resposta.
Na verdade, dispondo o artigo 7.º,n.º 2, alínea b), que os docentes que, à data de entrada em vigor da lei, sejam detentores da categoria de professor titular e estejam posicionados no índice 245 há mais de quatro anos e menos de cinco para efeitos de progressão na carreira, transitam para a categoria de professor da nova estrutura da carreira reposicionados no índice 272, verificadas que estejam determinadas condições de avaliação de desempenho, não é admissível, à luz do artigo 10.º, n.º 1, da lei, que não se proceda a uma recolocação, pelo menos nesse mesmo índice 272, dos professores titulares (referidos pelo artigo 8.º, n.º 1) que estão posicionados no índice 245 há mais de cinco anos e menos de seis, ou seja, há mais tempo, e com as mesmíssimas avaliações de desempenho que os professores titulares referidos no citado artigo 7.º, n.º 2, alínea b).
Com efeito, caso tal não sucedesse, ocorreriam 'ultrapassagens de posicionamento nos escalões da carreira por docentes que, no momento da entrada em vigor do presente decreto-lei, tivessem menos tempo de serviço nos escalões'. Ou seja, ocorreria uma violação do que o artigo 10.º, n.º 1, expressamente proíbe.
O Provedor de Justiça afirma, contudo, que uma tal interpretação não é seguida pela administração que não procedeu, e continua a não proceder, à atualização de escalões remuneratórios dos professores titulares em causa. Contudo, se assim sucede efetivamente, então a administração não estará a aplicar a lei de acordo com a sua devida interpretação sistemática à luz do artigo 10.º, n.º 1. A questão será então de legalidade e já não de constitucionalidade. A inconstitucionalidade da norma do artigo 8.°, n.º 1, só se verificaria se a norma do artigo 10.°, n.º 1, não existisse. Assim, não há qualquer problema de contrariedade com a Constituição.»
Aceitando este entendimento, e transpondo-o para o caso dos autos, verifica-se que o juízo de não inconstitucionalidade sobre a norma a que a decisão ora recorrida recusou aplicação se funda numa sua interpretação em necessária articulação com o disposto no artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, pelo que, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da LTC, é essa mesma interpretação que deve ser aplicada no presente processo. Assim, da conjugação do artigo 10.º, n.º1, com os artigos 7.º, n.º 2, alínea b), e 8.º, n.º 1, todos daquele diploma, resulta, pois, que os professores titulares com mais de cinco anos e menos de seis anos de tempo de serviço no escalão 245 (a que se refere o artigo 8.º, n.º 1), deverão ser posicionados no índice 272, logo com a entrada em vigor da lei, tal como sucede com os de menor antiguidade.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Interpretar ao abrigo do disposto no artigo 80.º n.º 3 da LTC, o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, em conjugação com o artigo 10.º, n.º 1, do mesmo diploma, no sentido de os professores titulares com mais de cinco anos e menos de seis anos de tempo de serviço no escalão 245 (a que se refere o citado artigo 8.º, n.º 1), deverem ser posicionados no índice 272, logo com a entrada em vigor daquele Decreto-Lei, tal como sucede com os de menor antiguidade (referidos no respetivo artigo 7.º, n.º 1, alínea b);
E, em consequência,
b) Conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da sentença recorrida de harmonia com esta interpretação.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 29 de maio de 2013. – Pedro Machete – João Cura Mariano - Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro.