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Processo n.º 787/98 Plenário Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O Provedor de Justiça, “no uso da sua competência prevista no art.º 281º, n.º
2, al. d), da Constituição da República Portuguesa” veio requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade da norma contida no n.° 3 do Despacho 5/SEAE/97, de 21 de Janeiro (publicado no Diário da República [DR], II Série, de 10 de Fevereiro), que é do seguinte teor:
“1– Aplica-se aos docentes em exercício efectivo de funções que se aposentem ao abrigo do art. 121º do Dec.-Lei 139-A/90, de 28-4, o disposto no art. 79º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Dec.-Lei 498/72, de 9-12.
2– A remuneração prevista no número anterior é processada nos termos da legislação aplicável aos docentes no activo.
3– O presente despacho produz efeitos a 1-1-97.” O requerente entende que este n.º 3 é inconstitucional, por violar o princípio do Estado de Direito, na sua vertente da proibição do arbítrio, consagrado no artigo 2° da Constituição, e o princípio da igualdade, recebido nos artigos 13° e 266°, n.° 2, da Lei Fundamental. Como fundamentação, alegou, em síntese:
“- Em reclamação apresentada ao Provedor de Justiça, foi posto em causa o não pagamento de qualquer remuneração adicional aos docentes que se aposentassem antes do final do ano lectivo, mas que, por exigência do artigo 121° do Estatuto da Carreira Docente (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril), permaneciam em serviço efectivo de funções até essa altura
- Na sequência dessa reclamação, o Provedor de Justiça formulou a Recomendação n° 2/94 (publicada no Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República – 1994, págs. 59 e segs.), dirigida à Ministra da Educação, onde se defendia que, na ausência de norma especial que afastasse a acumulação-regra do artigo 79° do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de
9 de Dezembro), seria esta a norma aplicável aos casos em questão
- A Secretaria de Estado do Orçamento, porém, propunha solução alternativa da feitura de legislação especificamente direccionada a resolver a situação criada
- O Provedor de Justiça formulou, então, a Recomendação n° 46/B/95
(publicada no Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República – 1995, págs. 192 e segs.), onde se alertava para a necessidade de feitura de legislação especial
- O Secretário de Estado da Administração Educativa entendeu, então, como necessário ouvir o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República
- Este órgão consultivo pronunciou-se em 14 de Junho de 1996, através do Parecer n° 24/96 (cfr. DR, II Série, de 5 de Abril de 1997), o qual foi homologado pelo Secretário de Estado da Administração Educativa em 30 de Dezembro de 1996, nos termos e para os efeitos do artigo 40°, n° 1, da Lei
47/86, de 15 de Outubro, tornando-se interpretação oficial, vinculativa para os serviços públicos dependentes da direcção daquele membro do Governo
- Este parecer optou pela solução primitivamente proposta pelo Provedor de Justiça, isto é, pela aplicabilidade do artigo 79° do Estatuto de Aposentação
- Posteriormente, em 21 de Janeiro de 1997 foi assinado o questionado Despacho 5/SEAE/97, que determina, nos seus n°s 1 e 2, a observância da doutrina do parecer, cumprindo-se os trâmites procedimentais em vigor para os professores no activo
- Contudo, no seu n° 3, dispõe o mesmo despacho que a sua produção de efeitos apenas se reporta a 1 de Janeiro de 1997, sendo certo que o efeito jurídico que se visa inequivocamente produzir com esta norma é o de limitar o efeito temporal do entendimento ora vinculativo para a Administração, tornando-o aplicável apenas para as situações que se verifiquem após 1 de Janeiro de 1997, implicitamente indicando que entendimento diverso pode e deve ser seguido quanto às situações verificadas antes dessa data
- O despacho em causa traduz a expressão geral e abstracta de um entendimento da Administração, constituindo um conjunto de normas administrativas – ou seja, um regulamento –, sujeitas a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade
- «Ao reconhecer como correcta uma interpretação da lei a partir de certo momento, implicitamente reconhecendo-a como incorrecta, não aplicável ou menos adequada para o passado, não se tendo produzido qualquer alteração relevante na esfera legal, não pode deixar de se reconhecer a ilegalidade da norma ora em apreciação, ao traduzir-se num comando à administração para não aplicar a lei como se reconheceu, no n° 1, que ela impõe»
- Para além de ilegal, a norma impugnada afronta directamente a Constituição
- Com efeito, sem que tenha ocorrido qualquer alteração legislativa, tal norma opera uma divisão entre as situações jurídicas dos vários professores que sofram os efeitos do artigo 121° do Estatuto da Carreira Docente: quando a sua aplicação seja posterior a 1 de Janeiro de 1997, reconhece-se a aplicabilidade do artigo 79° do Estatuto da Aposentação; quando a sua aplicação foi anterior a essa data, nega-se a aplicabilidade desse mesmo artigo 79°
- Tal significa que duas situações materialmente idênticas, às quais, pela pura aplicação do artigo 121° do Estatuto da Carreira de Docente e do artigo 79° do Estatuto da Aposentação corresponderia o direito a receber certa remuneração, sofrerão um tratamento pela Administração Pública perfeitamente inverso, conforme os factos se tenham produzido antes ou depois de 1 de Janeiro de 1997 – data fixada com absoluta carência de fundamentação reportada a critérios objectivos
- Assim, decidindo ao arrepio de qualquer critério material constitucionalmente aceitável, a norma do n° 3 do Despacho 5/SEAE/97 viola o princípio da igualdade de tratamento, consagrado constitucionalmente como estruturador do quadro de direitos fundamentais no artigo 13° da CRP, e imposto especificamente como princípio estruturante de toda a actividade administrativa no artigo 266°, n° 2, da mesma Lei Fundamental
- Esse principio é afectado se a Administração, unilateralmente, define quem considera como merecedores da tutela legal, sem qualquer base material e juridicamente sustentada
- Ao fazê-lo sem qualquer critério, mostra-se ainda violado o artigo
2° da Constituição (princípio do Estado de Direito), na sua vertente da proibição do arbítrio.”
2.Notificado o Governo, na pessoa do Primeiro-Ministro, foi apresentada resposta pelo Secretário de Estado da Administração Educativa, onde se conclui pela conformidade constitucional da norma em causa. Sustenta-se, nessa resposta, que o Despacho n° 5/SEAE/97 não é ilegal, nem infringe o princípio constitucional do Estado de Direito, na vertente de proibição do arbítrio, alegando-se, para tanto, em resumo:
“- O Despacho n° 5/SEAE/97 destina-se, tão-só, a informar os serviços das conclusões do Parecer n° 24/96 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, que foi objecto de homologação pelo Secretário de Estado da Administração Educativa em 31 de Dezembro de 1996
- Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 40°, n° 1, da Lei Orgânica do Ministério Público, uma vez homologado, o referido Parecer passou a valer como «interpretação oficial, perante os respectivos serviços, das matérias que se destinou a esclarecer», vinculando, em decorrência, a entidade administrativa decisória à orientação e interpretação da lei nele expressas
- Só que essa vinculação tem, por natureza, efeitos para o futuro e nunca anteriores ao despacho de homologação do parecer
- E, assim, o efeito jurídico visado pela sindicada norma não é o de limitar o efeito temporal da interpretação agora vinculativa para a Administração, tornando-a aplicável apenas para as situações que se verifiquem após 1 de Janeiro de 1997, mas sim o de impor essa interpretação para as situações que se verifiquem após essa data – o que é diferente –, nada dispondo sobre o pretérito
- Aliás, aceitando que «estamos indubitavelmente perante a expressão geral e abstracta de um entendimento da administração: um conjunto de normas administrativas ou regulamento» – e não se inserindo, pois, o regulamento no
âmbito do disposto no n° 1 do artigo 128° do Código do Procedimento Administrativo –, tal acto não carecia obrigatoriamente da atribuição de efeitos retroactivos Discutida e fixada a orientação do Tribunal com base em memorando elaborado pelo Vice-Presidente, por delegação do Presidente, nos termos dos artigos 39º, n.º 2 e 63º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, cumpre agora prolatar a decisão. II. Fundamentos
3.Tendo em conta que alguns professores dos ensinos básico e secundário «atingem o limite de idade ou podem requerer a aposentação voluntária no decurso do ano lectivo», o que pode prejudicar os alunos em termos pedagógicos, o Decreto-Lei n
º 502-A/79, de 22 de Dezembro, veio determinar que, em tais casos, os professores em causa «manter-se-ão em exercício de funções docentes até ao fim desse mesmo ano», em caso algum para além de 31 de Julho. O exercício de funções docentes nessas condições era prestado em regime de «contrato eventual de prestação de serviços», não sendo esse tempo de serviço contado para quaisquer outros efeitos. Face à contestação dirigida contra esse regime legal, o Decreto-Lei n.º 221/80, de 11 de Julho, revogou aquele diploma e passou a permitir que os professores atingidos pelo limite de idade no decurso do ano lectivo pudessem completá-lo, acumulando a pensão provisória de aposentação com um terço dos vencimentos correspondentes às funções exercidas. Estabeleceu-se, assim, solução inspirada no artigo 79º do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro), o qual, na redacção então em vigor, dispunha:
“Nos casos em que aos aposentados seja permitido desempenhar outras funções públicas é-lhes mantida a pensão de aposentação e abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções, salvo se lei especial determinar ou o Conselho de Ministros autorizar abono superior, até ao limite da mesma remuneração.” O mesmo Decreto-lei n.º 221/80 estabelecia ainda, por um lado, que o tempo de serviço prestado nestas condições não seria contado para quaisquer efeitos legais, e, por outro lado, que o vencimento a auferir não ficava sujeito a quaisquer descontos, salvo o correspondente ao imposto de selo. Este último diploma viria, por seu turno, a ser revogado pelo já mencionado Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, o qual veio prescrever, no âmbito do seu Capítulo XII, atinente a Limite de idade e aposentação:
“Artigo 119º São aplicáveis ao pessoal docente os Estatutos da Aposentação e das Pensões de Sobrevivência dos Funcionários e Agentes da Administração Pública, com as alterações constantes do presente capítulo. Artigo 121º
1 – Os docentes que se aposentem por limite de idade ou por sua iniciativa permanecerão em funções até ao termo do ano lectivo, salvo se a aposentação se verificar durante o 1º trimestre desse ano, caso em que lhes não serão já distribuídas actividades lectivas.
2 – O tempo de serviço prestado nos termos do número anterior é contado para efeitos de aposentação, nos casos em que os docentes não tenham ainda completado
36 anos de serviço.” A aplicação deste novo diploma legal, por não conter norma expressa relativa à acumulação da pensão de aposentação com o vencimento, gerou controvérsia sobre a questão respeitante à remuneração dos docentes aposentados que se mantinham obrigatoriamente em exercício de funções até ao fim do ano lectivo. Como decorre do já mencionado Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, enquanto o Ministério da Educação pugnava pela aplicação ao caso do preceituado no artigo 79º do Estatuto da Aposentação, o Ministério das Finanças entendia que a omissão legislativa era deliberada e que, tratando-se de um regime especial, não havia que abonar aos docentes mais do que a respectiva pensão de aposentação. Daí resultaram as queixas dos visados e as consequentes recomendações do Provedor de Justiça, bem como a solução da questão, por via legislativa, em cada uma das regiões autónomas: nos Açores, através do Decreto Legislativo Regional n.º 8/93/A, de 14 de Maio, consagrando a solução da acumulação da pensão com um terço do vencimento; na Madeira, através do Decreto Legislativo Regional n.º
13/93/M, de 24 de Agosto, estabelecendo mesmo a acumulação da pensão com o vencimento integral.
4.Foi esta situação, resumidamente, que conduziu a que o Secretário de Estado da Administração Educativa solicitasse, sobre o assunto, o referido Parecer da Procuradoria Geral da República, cujas conclusões foram as seguintes :
«1ª – O Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (ECD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, impõe, no seu artigo 121º, que os docentes que se aposentem nos 2º e
3º trimestres permanecerão em funções até ao termo do ano lectivo;
2ª – Aos docentes que, após a aposentação, continuem em funções nos termos da conclusão anterior, serão abonadas, nos termos das disposições conjugadas os artigos 119º do ECD e 79º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, a pensão de aposentação e uma terça parte da remuneração que competir a essas funções;
3ª – O artigo 79º do Estatuto da Aposentação, na medida em que permite que o montante da pensão percebida por um aposentado, somado ao abono de uma terça parte da remuneração que competir ao permitido ou imposto desempenho de outras funções públicas por parte do mesmo aposentado, seja inferior ao quantitativo de tal remuneração, é inconstitucional por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo
59º da Constituição;
4ª – O Decreto Legislativo Regional n.º 8/93/A, de 14 de Maio, e o Decreto Legislativo Regional n.º 13/93/M, de 24 de Agosto, enfermam de inconstitucionalidade por falta de «interesse específico» que os justifique.» Este parecer – cuja conclusão 3ª se baseia no Acórdão n.º 386/91 deste Tribunal
(Acórdãos do Tribunal Constitucional [ATC], 20º vol., pág. 355) – foi, como se viu, homologado pelo Secretário de Estado Administração Educativa em 30 de Dezembro de 1996, o que antecedeu a emissão do despacho em apreço.
5.Em 2 de Janeiro de 1998, ainda antes de apresentado neste Tribunal o presente pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, foi publicado o Decreto-Lei n.º 1/98 que altera o Estatuto da Carreira Docente, dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário. Nesse diploma, foi dada uma nova redacção ao artigo 121º:
“Artigo 121º Momento de aposentação
1 – Aos docentes que se aposentem por limite de idade durante o ano escolar não serão distribuídas actividades lectivas.
2 – Os docentes que pretendam aposentar-se por sua iniciativa deverão informar a escola, antes do início do ano escolar em que pretendem exercer tal direito, por forma a não lhes serem atribuídas actividades lectivas.
3 – O não cumprimento no disposto no número anterior prejudica o exercício do direito à aposentação voluntária do docente no referido ano escolar.” Esta nova redacção do artigo 121º do Estatuto da Carreira Docente veio, assim, eliminar o problema da acumulação da remuneração com a pensão de aposentação para os professores que se aposentem durante o ano escolar, aos quais não serão distribuídas actividades lectivas.
6.Cumpre, antes do mais, averiguar se pode tomar-se conhecimento do pedido. Poderá, desde logo, eventualmente duvidar-se de que o despacho onde se insere a disposição impugnada deva ser considerado como verdadeira norma, com eficácia externa, para efeitos do controlo de constitucionalidade exercido pelo Tribunal Constitucional, afigurando-se antes, nesta perspectiva, que contém uma mera instrução interna dirigida aos serviços, que não esteja sujeita ao poder de cognição deste Tribunal (cfr., em sentido contrário ao conhecimento da inconstitucionalidade de normas com eficácia meramente interna, o Acórdão n.º
1058/96, DR, II Série, n.º 294, de 20 de Dezembro de 1996). Esta questão pode, porém, ser deixada em aberto. Tal como se deixa, ainda, em aberto, a questão de saber se os fundamentos trazidos à apreciação deste Tribunal não configurariam também uma mera questão de legalidade (ilegalidade simples) de tal norma infra-legal, e não uma questão de constitucionalidade de que caiba a este Tribunal conhecer – e recorde-se que este Tribunal tem afirmado, em jurisprudência constante, que não cabe na sua competência conhecer dos problemas de mera ilegalidade (ilegalidade simples) de regulamentos (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs. 113/88 e 169/88, in ATC, 11º e 12º vols., e, mais recentemente, o Acórdão n.º 375/01, ainda inédito). Na verdade, seja como for quanto a estas duas questões, não é de considerar existente interesse juridicamente relevante para tomar conhecimento do presente pedido de fiscalização abstracta de constitucionalidade, como se passa a mostrar. A norma impugnada – o citado n.º 3 do Despacho 5/SEAE/97, de 21 de Janeiro, e, repete-se sem qualquer compromisso quanto à qualificação como verdadeira norma, para efeitos de controlo de constitucionalidade por este Tribunal –apenas vem questionada na estrita medida em que exclui as situações constituídas anteriormente a 1 de Janeiro de 1997. O Provedor de Justiça juntou aos autos
(fls. 13 e segs.) cópia de uma informação da Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros sobre um recurso hierárquico para o Primeiro-Ministro interposto de acto de indeferimento do Ministro da Educação, atinente à recusa de pagamento de 1/3 do vencimento referente ao exercício de funções docentes até final do ano lectivo de 1995/96, com fundamento no n.º 3 do Despacho 5/SEAE/97. Embora, face aos elementos constantes dos autos não seja possível saber se, em relação aos casos pendentes a que não se aplicava o despacho em causa, a prática do Ministério da Educação foi no sentido de pagar a remuneração referida no artigo 79º do Estatuto da Aposentação, o documento junto indicia claramente o contrário. Não parece, porém, que tal seja relevante no caso vertente. Com efeito, se o Ministério da Educação procedeu como se indicia – e apenas se indicia – e indeferiu os requerimentos em que se solicitava o pagamento das remunerações devidas, para os casos anteriores a 1 de Janeiro de 1997, uma de duas situações terá ocorrido:
- ou foi interposto recurso contencioso, o que permitia ao recorrente abrir a via da fiscalização concreta da constitucionalidade da norma questionada;
- ou não houve recurso contencioso e o acto administrativo acabou por se consolidar na ordem jurídica, deixando de ser impugnável. Ora, este Tribunal já decidiu expressamente, no Acórdão n.º 786/96 (ATC, 34º vol., pág. 34), que, «nesta ultima hipótese, tal consolidação, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito, por não proceder de decisão judicial, há-de, no entanto, a ele ser equiparada para efeito do disposto no artigo 282º, n.º 3 da Constituição». O que significa, no caso vertente, que aqueles casos em que não foi oportunamente interposto recurso contencioso constituem agora caso administrativo resolvido e se encontram já consolidados, pelo que nunca operaria, quanto a eles, qualquer efeito uma eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
7.A utilidade de uma eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, residiria, pois, na sua aplicação relativamente aos casos em que ocorreu atempada impugnação contenciosa. Todavia, tem este Tribunal entendido que não deverá tomar conhecimento do pedido de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, quando não exista interesse jurídico relevante na emissão de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que atinja a norma impugnada. Esse entendimento tem sido firmado em casos em que as normas acusadas de inconstitucionalidade cessaram já a respectiva vigência, por via da sua revogação ou de caducidade, numa jurisprudência que remonta à Comissão Constitucional, a qual afirmou num desses casos (cfr. Parecer n.º 21/81, Pareceres da Comissão Constitucional, 16º vol., pág. 203):
“Mas ainda que houvesse algum interesse prático em reagir contra uma retenção dessa natureza, com fundamento em inconstitucionalidade, o meio próprio seria o de uma reclamação ou de uma impugnação judicial. Um meio individual e concreto, por conseguinte. E, em face da eliminação da medida em disputa e do circunstancialismo que foi referido, não parece haver dúvida de que seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta como é a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade. Aqui, como em outros inumeráveis casos, há que obedecer a um princípio de adequação e de proporcionalidade. Na esteira dessa linha jurisprudencial, disse o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 238/88 (ATC, 12º vol., pág. 282):
“Há-de (...) tratar-se de um interesse com «conteúdo prático apreciável», pois, sendo razoável que se observe aqui um princípio de adequação e proporcionalidade, «seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de
índole genérica e abstracta, como é a declaração de inconstitucionalidade» (...) para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes ou que possam facilmente ser removidos por outro modo. Por conseguinte, estando em causa normas revogadas, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, só deverá ter lugar – ao menos em princípio – quando for evidente a sua indispensabilidade” E, no já citado Acórdão n.º 786/96, adiantou-se igualmente:
“Na realidade se é indiscutível que o facto de uma norma ter deixado de vigorar não obsta, em si mesmo, à declaração da sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral, como é jurisprudência pacífica deste Tribunal (cf., entre outros Acórdãos n.º 17/83 e 453/95, DR, II série, de 31-1-84 e de 7-10-95, respectivamente), também é igualmente aceite que pode deixar de existir interesse juridicamente relevante quando seja inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta para os casos concretos em que a aplicação da norma subsistiu (neste sentido, Acórdãos n.ºs 17/83 e 453/95 já citados). Ora, na situação presente, a aplicação da norma passou certamente pela prática de actos administrativos de que poderá ter decorrido um de dois desfechos, conforme tenha havido (ou não) recurso contencioso. Se houve recurso contencioso ou ainda puder haver, não é indispensável nem adequada a fiscalização abstracta para resolver o caso, abrindo-se sempre a via do recurso de constitucionalidade.
Se não houve recurso contencioso, o acto administrativo acabou por se consolidar na ordem jurídica, deixando de ser impugnável.” No Acórdão n.º 413/00 (ainda inédito), por seu turno, escreveu-se:
“Ora não existe um interesse jurídico relevante – um interesse prático apreciável – no conhecimento do pedido, por exemplo, quando os meios concretos de defesa postos à disposição dos interessados são suficientes para acautelar os seus direitos ou interesses, impedindo a aplicação da norma inconstitucional
(assim, cf. os casos versados nos acórdãos n.ºs 308/93, 397/93, 188/94, 580/95,
117/97, 592/99 e 140/00 in DR, II Série, de 22 de Julho de 1993, 14 de Setembro de 1993, 19 de Maio de 1994, 30 de Dezembro de 1995, 26 de Março de 1997, 22 de Novembro de 1999, respectivamente; o último não está publicado).
(...) No caso presente, estando revogada a norma que integra o objecto do pedido a título principal, a eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral só teria utilidade para destruir os efeitos entretanto produzidos (...)
(...)Assim sendo, há que concluir que não subsiste um interesse suficientemente relevante no conhecimento do pedido, nem sequer no que toca a tais efeitos. É que (...) são suficientes outras vias ou iniciativas processuais (...).Utilizar o presente pedido de fiscalização abstracta para tão-só apreciar consequencialmente e em globo a conformidade constitucional das normas subsistentes traduzir-se-ia na utilização de um meio excessivo e desproporcionado.” Ora, no presente caso, não estamos perante uma norma revogada, mas estamos perante uma norma que – na parte em que vem questionada – se dirigia apenas a factos anteriores à sua própria entrada em vigor. Na verdade, a norma do n.º 3 do despacho em questão fixa a data a partir da qual se produzem os efeitos dos n.ºs anteriores desse despacho, excluindo, segundo o requerente, situações anteriores a 1 de Janeiro de 1997, e não tendo, nesta medida, qualquer possibilidade de aplicação a situações posteriores. Tudo se passa, pois, em termos inteiramente análogos, no que ora releva – ou seja, para efeitos de interesse juridicamente relevante para o conhecimento de pedido de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade –, aos que se passariam com uma norma já caduca, pois também no presente caso não se mantém a possibilidade de aplicação da norma a situações presentes ou futuras.
8.Nesta conformidade, só poderia existir interesse suficientemente relevante no conhecimento da sua inconstitucionalidade, em sede de fiscalização abstracta sucessiva, se acaso se soubesse da pendência de um número elevado de processos em que esta questão tivesse sido suscitada e fosse decisiva para o respectivo desfecho. Contudo, tudo leva a crer que os casos controvertidos tenham vindo a ser resolvidos na jurisdição administrativa com fundamento na ilegalidade da questionada norma do despacho, como aconteceu no Acórdão de 17 de Fevereiro de
2000, do Tribunal Central Administrativo, e nos Acórdãos de 16 de Junho de 1998 e de 20 de Outubro de 1998, do Supremo Tribunal Administrativo. Deste último aresto, por exemplo, pôde colher-se (em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf) o seguinte sumário:
“I – Aos docentes que após a aposentação continuem em funções, nos termos do art. 121 do ECD aprovado pelo DL 139-A/90, de 28 de Abril, são devidas a pensão de aposentação e 1/3 da remuneração correspondente às funções desempenhadas, de acordo com as disposições conjugadas do art. 119 do ECD e 79 do Estatuto da Aposentação. II – É ilegal a recusa de processamento daquela terça parte do vencimento por exercício de funções por aposentados ocorridas na vigência do ECD, com fundamento em despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa que reconheceu o direito dos docentes ao seu recebimento, mas determinou que tal despacho produza efeitos apenas a partir de 1-1-97.” Nesta conformidade, pode considerar-se que uma eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, seria, muito provavelmente, inteiramente desprovida de qualquer resultado prático, o que torna excessivo e desproporcionado o recurso a um tal meio. E, de todo o modo, se ainda existir algum recurso contencioso pendente, em que a questão de inconstitucionalidade a que se reportam estes autos seja decisiva, sempre tal questão pode ser resolvida neste Tribunal, por via da fiscalização concreta. Consequentemente, considera-se não existir interesse relevante no conhecimento do pedido. III. Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 3 do Despacho 5/SEAE/97, de 10 de Fevereiro.
Lisboa, 22 de Janeiro de
2002 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa