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Processo n.º 245/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação tem o seguinte teor:
«(...)
DA NULIDADE DO DECIDIDO
DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA – Nulidade do art.º 379.º n.º 1 alínea c) do CPP.
Na sua motivação de recurso, o recorrente, alegou, entre outras, as seguintes inconstitucionalidades:
A do art.º 146.º n.º 1 e 2 do CPC se interpretado no sentido ou com a dimensão normativa que dela fez a instância, ao não considerar a prova documental junta pelo mandatário do arguido.
Todavia, no acórdão de que ora se pede a nulidade, escreve-se (a pag.3) que o art.º 146.º, do cpc não foi ratio decidendi ad decisão recorrida, ou seja, não constituiu o fundamento determinante desta…”
Ora, é admissível recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da Lei, de qualquer decisão onde se suscite uma interpretação inconstitucional feita pela instância.
Sendo que a Lei que regula a possibilidade de recurso para o T.C. não é restritiva ao ponto de só cuidar daquelas decisões (alegadamente inconstitucionais) proferidas pelas instâncias que constituam o fundamento determinante da decisão, como parece intuir-se da decisão acabada de transcrever.
Ora, quanto a estas invocada inconstitucionalidades material, a embora douta decisão sumária nada diz, concluindo, de modo tabelar, que “somos levados a concluir pelo não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente o presente recurso de constitucionalidade.”
O que, com o devido e merecido respeito, não será bem assim.
Daí, em nossa modesta opinião, a apontada (e deduzida) nulidade de omissão de pronúncia, uma vez que o douto Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre questões de que deveria ter tomado conhecimento - a da apontada inconstitucionalidade material do art.º 146.º do CPC suscitada pelo recorrente - (art.º 379.º n.º 1 alínea c) do CPP) previsão legal que tem aplicação subsidiária à presente decisão sumária.
Finalmente, deve dizer-se que o Exmo. Relator não fez uso da faculdade que lhe confere o art.º 78.º-B da LTC, não convidando, se fosse o caso, o recorrente, a aperfeiçoar as suas conclusões.
Termos em que, pelos fundamentos expostos se requer a admissão do presente recurso de constitucionalidade.
(...)»
3. O Ministério Público deduziu parecer no qual pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem a seguinte redação:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 5 de março de 2013, pretendendo ver apreciada a “inconstitucionalidade material do art. 146.º, n.º 1 do CPP (por violação dos art.ºs 32.º, n.º 1 e 20º, n.º 4 da Lei Fundamental e art.º 6.º da C.E.D.H) na interpretação normativa feita “in casu” pela instância”.
2. Com efeito, o recorrente interpôs recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, em processo para execução de mandado de detenção europeu, julgou não provida a oposição e, consequentemente, determinou a entrega da pessoa procurada (o recorrente) à autoridade judiciária de emissão. Tal recurso não foi, porém, admitido pelo tribunal recorrido, em despacho de fls. 22, com fundamento em intempestividade. Inconformado, o recorrente apresentou reclamação, argumentando nos seguintes termos:
«(...)
1. O interposto recurso versando apenas matéria de Direito foi interposto atempadamente para este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, como os autos dão conta (Fax enviado em 11.12.2012 e não em 17.12.2012 como certamente por lapso se aponta no antecedente despacho). Havendo depois seguido o original por carta.
2. Tendo sido alegado o justo impedimento (e provada a doença do mandatário, através de atestado médico, cuja autenticidade não foi impugnada – Documento junto aos autos).
3. Contrariamente ao despacho de que ora se reclama, o arguido estava em tempo e tinha legitimidade para recorrer para este Alto Tribunal, sob pena de aplicação inconstitucional do art. 146.º do CPC (justo impedimento) e aplicação subsidiária possibilitada pelo art.º 4.º do CPP ou interpretação inconstitucional do art.º 32.º 1 da CRP, sendo por tal razão admissível o recurso.
4. O recorrente insurge-se contra o facto de o interposto recurso não ter sido aceite pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, já que é possível “in casu” o recurso para o STJ.
(...)»
O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação apresentada, em decisão com o seguinte teor:
«(...)
Vem apenas colocada como objeto da reclamação a tempestividade do recurso.
O acórdão de que se pretende recorrer foi proferido em 22.11.2012 e, como se pode retirar da certidão junta a fls. 7, o mandatário do arguido foi notificado do referido acórdão por via postal expedida em 23.11.2012.
E de harmonia com o disposto no art. 113.º, n.º 2, do CPP, a notificação considera-se efetuada no 3.º útil posterior ao do envio; daí que, no caso, se considere efetuada no dia 28.11.2012.
Assim sendo, como o prazo para a interposição de recurso é de 5 dias, nos termos do art. 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, contados a partir do referido dia 28.11.2012, verifica-se que terminou no dia 03.12.2012, ou em 06.12.2012, considerando o prazo suplementar do art. 145.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 107.º-A do CPP.
Tendo o requerimento de interposição de recurso dado entrada no Tribunal da Relação, via fax, em 12.12.2012 (conforme se encontra narrativamente certificado a fls. 7), a sua apresentação foi intempestiva.
Por outro lado, no respeitante ao justo impedimento, a sua apreciação regula-se pelo n.º 2 do art. 146.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP, com o julgamento do respetivo incidente a cargo do tribunal onde é invocado, e não através da reclamação prevista no art. 405.º do CPP, pelo que não há que conhecer da inconstitucionalidade invocada.
(...)»
Seguiu-se, finalmente, o recurso de constitucionalidade que agora se aprecia.
3. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
4. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Ora, não é isso que sucede no caso vertente, onde se constata que o artigo 146.º, do CPC, não foi ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, não constituiu o fundamento determinante desta, cujo desfecho assentou, fundamentalmente, no artigo 113.º, n.º 2, do CPP, no artigo 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, e no artigo 145.º, n.º 2, do CPC.
Acresce, ainda, que do arrazoado vertido pelo recorrente quer na reclamação apresentada ao abrigo do artigo 405.º, n.º 1, do CPP, quer no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, não resulta qualquer questão de constitucionalidade normativa. Como é consabido, não estando reconhecidas entre nós as figuras do recurso de amparo ou da queixa constitucional, o controlo efetuado pelo Tribunal Constitucional há de incidir – tão-só – sobre normas jurídicas, revelando-se para o efeito necessário que o recorrente demonstre a existência de contradição entre certos preceitos de direito infraconstitucional, por um lado, e o parâmetro normativo-constitucional, por outro. Ao longo da sua intervenção processual, porém, o recorrente limitou-se a invocar uma alegada “aplicação inconstitucional do art. 146.º do CPC”, sem nunca cuidar cabalmente de esclarecer qual o sentido normativo - extraível de tal preceito – cuja conformidade com a Constituição pretendia impugnar.
Destarte, somos levados a concluir pelo não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente o presente recurso de constitucionalidade.
(...)»
5. De acordo com o ‘nomen’ dado à reclamação, pelo recorrente, a decisão sumária proferida enfermaria de vício de ‘nulidade por omissão de pronúncia’. Todavia, o teor da reclamação desmente cabalmente a existência de tal vício, revelando, pelo contrário, que o recorrente/reclamante tão só se não conforma com o que naquela se decidiu, designadamente, que nela se tenha concluído pelo não conhecimento do recurso de constitucionalidade com fundamento na inexistência dos pressupostos processuais de que o mesmo se encontra legalmente dependente, enquanto interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, consubstanciando, por isso, uma reclamação cujo objeto é tão só o juízo de não conhecimento proferido naquela decisão sumária, como tal devendo, consequentemente, ser abordada, tendo-se em atenção o pedido e fundamentos invocados.
6. Sucede que o juízo de não conhecimento, agora objeto de reclamação, se fundou no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, mais concretamente, na circunstância de a norma, cuja desconformidade com a Constituição se invoca, não ter sido ratio decidendi da decisão recorrida, e de à questão de constitucionalidade suscitada nos autos faltar natureza normativa.
No sentido de reverter o juízo expendido, alega o reclamante, em primeiro lugar, que 'a Lei que regula a possibilidade de recurso para o T.C. não é restritiva ao ponto de só cuidar daquelas decisões (alegadamente inconstitucionais) proferidas pelas instâncias que constituam o fundamento determinante da decisão”. Não assiste, porém, qualquer razão ao reclamante. Desde logo, porque o objeto de controlo subjacente aos processos de fiscalização admitidos pelo modelo de justiça constitucional português não integra decisões (alegadamente inconstitucionais), mas apenas normas jurídicas, ou interpretações normativas delas extraídas, sobre as quais venha a recair uma decisão do tribunal a quo quanto à sua (in)constitucionalidade.
Depois, a teleologia do processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, talqualmente confirmado pela jurisprudência e doutrina constitucionais (cfr., entre muitos outros, o Acórdão n.º 101/85, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e Victor Calvete, “Interesse e relevância da questão de constitucionalidade, instrumentalidade e utilidade do recurso de constitucionalidade – quatro faces de uma mesma moeda”, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2004, p. 405), justifica que se condicione a admissibilidade do recurso à circunstância de que o reexame, pelo Tribunal Constitucional, da decisão recorrida no segmento referente à questão de constitucionalidade possa repercutir-se utilmente na decisão quanto à questão principal do processo, moldando o seu sentido. Ora, fácil é de ver que tal afetação só ocorrerá se as normas jurídicas impugnadas houverem constituído fundamento determinante da decisão recorrida, algo que na hipótese constante dos autos – manifestamente, e pelas razões já apontadas na decisão sumária – não ocorre.
Em segundo lugar, o reclamante sustenta que o relator deveria ter mobilizado a “faculdade que lhe confere o art.º 78.º-B da LTC”, convidando, se fosse o caso, o recorrente, a aperfeiçoar as suas conclusões”. Sucede que os poderes conferidos ao relator nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 2 e 6, da LTC, visam tão-só o aperfeiçoamento de aspetos formais do requerimento, não sendo possível, com base nele, permitir ao recorrente que supra os pressupostos processuais em falta e cujo preenchimento é requisito da admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto.
III. Decisão
7. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária proferida.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 8 de maio de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.