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Processo n.º 73/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de acórdão daquele tribunal.
2. Pela Decisão Sumária n.º 85/2013 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto.
3. Desta decisão o recorrente reclamou para a conferência que, pelo Acórdão n.º 191/2013 decidiu indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada. Esta decisão tem a seguinte fundamentação:
“7. Nos presentes autos foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, por falta de efetiva aplicação da norma invocada como inconstitucional pelo tribunal recorrido.
A presente reclamação apresenta a seguinte motivação:
A decisão não teria consagrado «uma fundamentação minimamente clara» (cfr. 3.º e 5.º da reclamação, fls. 742, verso, e 743 dos autos);
Da decisão não constaria «o fundamento expresso e concreto que dava legitimidade para proferir decisão sumária» nem «o pressuposto indispensável ao conhecimento do recurso [que] não foi preenchido e (…) a base legal» (cfr. 4.º e 11.º-13.º da reclamação, fls. 742, verso, e, 745, dos autos);
Discorda da decisão pois «encontram-se preenchidos todos os pressupostos indispensáveis ao conhecimento do recurso» (cfr. 8.º e 13.º-15.º da reclamação, fls. 743, verso, e 745 dos autos);
A decisão teria apreciado do «mérito do recurso sem previamente o recorrente apresentar as suas alegações» (cfr. 9.º e 16.º-18.º da reclamação, fls. 742, verso, a 745, verso, dos autos);
É o que se irá apreciar.
8. Em primeiro lugar, alega o reclamante que a decisão não teria consagrado «uma fundamentação minimamente clara (…), limitando-se a fazer referência genérica à norma legal que a prevê» (cfr. 3.º da reclamação, fls. 742, verso, dos autos). No entanto, o reclamante não identifica os trechos da decisão que considera pouco claros a este propósito, nem fundamenta tal alegação. Alega também que «não se alcança o que se quis dizer» com um trecho da decisão reclamada (cfr. 5.º da reclamação, fls. 742, verso, e 743, dos autos), sem fundamentar o motivo dessa incompreensão ou, sequer, identificar a incompreensão.
Na medida em que não é identificada a razão da alegação de falta de clareza da decisão ou fundamentada tal alegação, não é possível apreciar a reclamação quando a estas questões.
9. Em segundo lugar, ao contrário do alegado pelo reclamante (cfr. 11.º e 12.º da reclamação, fls. 745), resulta claramente da decisão reclamada que o requisito de admissibilidade do recurso que não se encontra preenchido é a necessidade de efetiva aplicação da norma invocada como inconstitucional pelo tribunal recorrido (cfr. n.º 8 da fundamentação da decisão: «A decisão recorrida não aplicou, todavia, a interpretação da norma do Código de Processo Penal invocada pelo recorrente»).
Este requisito de admissibilidade resulta claramente da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. De facto, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto nos preceitos referidos, apenas pode incidir sobre uma questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido. Este facto encontra-se claramente referido no n.º 6 da decisão reclamada:
“6. O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional invocando a alínea b) do artigo 70.º, n.º 1 da LTC.
Nos termos desta disposição legal, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Indispensável é, assim, que a norma, ou o critério normativo cuja inconstitucionalidade se requer tenha constituído o fundamento normativo da decisão recorrida.”
A decisão reclamada é, pois, de meridiana clareza. Não procede, assim, este argumento.
10. Por outro lado, quanto ao preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso, o recorrente limita-se a reproduzir e reiterar o invocado no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e que a decisão ora reclamada expressamente afastou, sem aditar argumentação adicional relevante (cfr. 6.º da reclamação, fls. 743-744, verso, dos autos).
Não se veem motivos para alterar, desde logo por isso, a decisão proferida. De facto, a norma cuja inconstitucionalidade o reclamante vem questionar não foi objeto de aplicação pelo tribunal recorrido.
Note-se:
O reclamante pretende ver apreciada a norma do «artigo 127.º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de ser legítimo à entidade competente (tribunal) fazer uso das regras de experiência para dar um facto como provado ou não provado mesmo não existindo nos autos qualquer prova (direta ou indireta) para apreciar (quanto a esse facto)» (cfr. requerimento de recurso, fls. 724, verso, dos autos).
Ora, em lado algum do acórdão recorrido se encontra a aplicação de tal “norma”. Em nenhum momento o tribunal recorrido afirma ser legítimo «dar um facto como provado ou não provado» apenas com base nas «regras de experiência», dispensando a existência nos autos de «qualquer prova (direta ou indireta) para apreciar (quanto a esse facto)». Pelo contrário o tribunal afirma que «o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis», sendo, «num segundo nível», possível o recurso às regras da experiência (cfr. fls. 641 dos autos) – mas nunca dispensando a existência de meios de prova. Ou seja «a presunção permite, deste modo, que perante factos (…) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (…) certos factos são a consequência de outros» devendo existir «um percurso intelectual e lógico (…) entre facto conhecido e facto adquirido» sem que existam «espaços vazios» (cfr. fls. 642-643 dos autos). De acordo com o tribunal recorrido a presunção, deste modo, é ainda valoração da prova produzida, dela dependente. É, deste modo, evidente que a “norma” cuja inconstitucionalidade se alega – que seria «legítimo à entidade competente (tribunal) fazer uso das regras de experiência para dar um facto como provado ou não provado mesmo não existindo nos autos qualquer prova (direta ou indireta) para apreciar» (realce nosso) - nunca foi aplicada pelo tribunal recorrido.
Nessa medida, não pode ser admitido o recurso.
11. O que consta da decisão reclamada, portanto, é a análise da verificação de um requisito de admissibilidade do recurso – e não a apreciação do seu mérito, como é alegado – não dependendo, por isso, da apresentação de alegações por parte do reclamante (cfr. 9.º-11.º da reclamação, fls. 744, verso, dos autos).
12. Pode-se concluir, assim, que a presente reclamação não apresenta motivos para contrariar os fundamentos da decisão sumária. É de indeferir, pois, a reclamação e de confirmar a decisão de não conhecimento do objeto do recurso.”
4. Notificado desta decisão, o reclamante apresenta agora o seguinte requerimento:
“1.º
o Arguido e Recorrente com os demais sinais dos autos, A., foi notificado do, aliás, douto acórdão n.º 191/2013 do Tribunal Constitucional, datado de 9 de abril de 2013, e em simultâneo da resposta do recorrida Ministério Público.
2.º
Ora, com a devida e justa vénia, ocorreu ostensiva nulidade por omissão porquanto não se procedeu à notificação legalmente devida do arguido da resposta apresentada pelo Ministério Público, para, no respeito do principio do contraditório constitucionalmente consagrado e em respeito da regra da não existência de decisões surpresa, se pronunciar se assim entender.
3.º
Não pode o arguido, sob pena de ostensiva nulidade, ser notificado, em simultâneo, do douto acórdão e da resposta do recorrido Ministério Público.
4.º
Ora, tendo-se omitindo a notificação ao arguido da resposta do Ministério Público, isto, antes de ser proferida a competente decisão, vem este arguir tal ostensiva nulidade, a qual cumpre ser declarada, o que ora se peticiona.
5.º
É ostensivo que não tem qualquer utilidade e validade notificar uma parte processual da resposta da contraparte, quando, no mesmo momento, também se notifica da decisão já tomada pelo tribunal.
6.º
Cumpre, destarte, o que ora se peticiona, decretar a nulidade agora tempestivamente arguida, e, concomitantemente, determinar a nulidade dos atos processualmente subsequentes, neste caso, o acórdão ora notificado.
7.º
De facto, constatando-se a existência da referida nulidade, imperativo é declarar igualmente nulos os atos subsequentes, pois estão inquinados pela nulidade em apreço.
8.º
A omissão da notificação da resposta do Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, em momento prévio à prolação da respetiva decisão, configura uma violação do direito do recorrente a um processo justo e equitativo, bem como um incumprimento do princípio do contraditório, plasmado no artigo 3.º, n.º3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, e ainda artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, bem como artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante, designada por CEDH).
9.º
Conclusão: deve ser decretada a nulidade agora tempestivamente arguida, e, concomitantemente, determinar a nulidade dos atos processualmente subsequentes, neste caso, o acórdão ora notificado, contando-se, a partir da notificação de tal decisão, o prazo para o arguido se pronunciar ou não sobre o avançado pelo Ministério Público em sede de resposta à reclamação.”
5. Notificado, o recorrido pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. O recorrente vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 191/2013, decorrente, em seu entender, da nulidade processual cometida nos autos ao omitir-se, em momento prévio à prolação daquele acórdão, a notificação ao recorrente da resposta apresentada pelo Ministério Público à reclamação por aquele apresentada da decisão sumária que negou conhecimento ao recurso.
7. Como fundamento da nulidade invoca, em síntese, a preterição do processo equitativo em recurso, por privação do direito ao contraditório e conhecimento prévio do articulado apresentado pelo Ministério Público. Tal fundamento não integra, porém, as causas de nulidade da sentença previstas no artigo 668.º do Código de Processo Civil.
8. Sustenta, todavia, o reclamante que a decisão proferida, bem como todo o processado prévio conducente à mesma, padece de nulidade, por preterição de garantias de defesa e direitos constitucionalmente tutelados ao arguido, consagrados no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, e ainda o artigo 20.º, n.os 1 e 4 da Constituição, bem como o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Do teor do requerimento resulta que o reclamante se insurge contra o facto de não lhe ter sido dada oportunidade de conhecer e se pronunciar sobre a resposta, junta pelo Ministério Público, à reclamação para a conferência apresentada pelo reclamante, omissão que colide com o processo justo e equitativo.
A pronúncia do Ministério Público em referência surgiu, todavia, na sequência da reclamação apresentada pelo reclamante, apresentando-se, assim, em resposta à mesma, e sendo delimitada pelo respetivo objeto. Nada de novo foi invocado que pudesse surpreender o reclamante ou prejudicar a defesa do arguido. E sendo assim, nenhuma omissão ocorreu de um ato prescrito por lei capaz de influir no exame ou decisão da causa.
Tão-pouco se pode afirmar a ocorrência de qualquer violação do princípio do contraditório, ou do processo justo e equitativo, uma vez que da intervenção do Ministério Público não decorreu qualquer questão nova relativamente à qual o reclamante tivesse ficado impossibilitado de controlar e responder.
Improcede, portanto, a nulidade invocada.
III - Decisão
9. Pelo exposto, decide-se indeferir a arguição de nulidade formulada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 28 de junho de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.