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Processo n.º 732/01
2ª Secção Relator - Cons.º Paulo Mota Pinto
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1.Em 23 de Novembro de 2001, o Presidente da Câmara Municipal de Celorico da Beira veio recorrer para o Tribunal Constitucional, nos termos dos n.º 5 do artigo 70º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, da “decisão proferida pelo Governador Civil do Distrito da Guarda no recurso interposto pelo presidente da Junta de Freguesia de Vide Entre Vinhas deste município” nos termos do n.º 3 daquele artigo 70º. Este recurso para o Governador Civil do Distrito da Guarda fora interposto de decisão do Presidente da Câmara Municipal no sentido de que a assembleia de voto funcionaria, na freguesia de Vide Entre Vinhas do concelho de Celorico da Beira, na respectiva escola primária, tendo-lhe o Governador Civil concedido provimento e determinado que a assembleia de voto deveria funcionar na sede da respectiva Junta de Freguesia. O Presidente da Câmara Municipal de Celorico da Beira entende, no seu recurso, que tal decisão se fundou em motivos improcedentes. Cumpre decidir. II. Fundamentos
2.Sobre a determinação dos locais de funcionamento das assembleias de voto nas eleições para os órgãos das autarquias locais rege o artigo 70º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, atribuindo ao presidente da câmara municipal competência para determinar tais locais de funcionamento e proceder à requisição dos edifícios necessários, devendo comunicá-los às correspondentes juntas de freguesia até ao 30º dia anterior ao da eleição. Desta decisão cabe recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 70º, para o governador civil (ou para o Ministro da República, nas regiões autónomas), que, segundo o n.º 4 do mesmo artigo “é interposto no prazo de dois dias após a afixação do edital, pelo presidente da junta de freguesia ou por 10 eleitores pertencentes à assembleia de voto em causa”. Por sua vez, o n.º 5 dispõe apenas que da decisão do governador civil ou do Ministro da República cabe recurso, a interpor no prazo de um dia para o Tribunal Constitucional, que decide em plenário em igual prazo.
3.No artigo 70º, n.º 5 da citada lei eleitoral nada se dispõe expressamente sobre a legitimidade para interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Não
é, porém, a primeira vez que este Tribunal se confronta com a questão da legitimidade do presidente da câmara municipal para recorrer de decisão do governador civil relativa ao funcionamento de assembleia de voto. Assim, disse-se no acórdão n.º 266/85 deste Tribunal (Diário da República [DR], II série, de 21 de Março de 1986), considerando o artigo 30º do Decreto-Lei n.º
701-B/76, de 29 de Setembro e as disposições da Constituição da República
(artigo 213º, alínea d)) e da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (artigo 8º, alínea d)) que fundavam então a competência do Tribunal Constitucional para conhecer dos recursos eleitorais:
“Entendemos que o presidente da Câmara Municipal (...) carece de legitimidade para recorrer da decisão revogatória do seu mencionado despacho (...). Em primeiro lugar, porque o recorrente é precisamente o autor do acto administrativo sobre que incidiu o recurso para o governador civil e, em princípio, àquela entidade falece legitimidade para recorrer da decisão revogatória do seu despacho. Em segundo lugar, porque a legitimidade para recorrer se afere em função do interesse directo no recurso. Tal interesse somente se radica nos destinatários do acto recorrido. Ora, no caso sub judice, como destinatário do acto recorrido apenas se reconhecem os eleitores não recorrentes, esses, sim, detentores de interesses virtualmente afectados pela decisão ora recorrida, e a junta de freguesia, porquanto o dito n.º 3 do art. 30º também lhe atribui legitimidade para recorrer do mencionado despacho do presidente da Câmara.”
4.Entende-se que esta doutrina mantém validade perante o artigo 70º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais em vigor. Na verdade, este artigo, no seu n.º 3, atribui a 10 eleitores pertencentes à assembleia de voto em causa e ao presidente da junta de freguesia legitimidade para recorrer para o governador civil. E, no n.º 5, prevê o recurso da decisão deste para o Tribunal Constitucional, sem nada adiantar expressamente quanto à legitimidade para recorrer. Ora, em face de tais disposições, mantêm-se válidas as razões invocadas no aresto citado: o Presidente da Câmara Municipal de Celorico da Beira é o autor do acto administrativo em questão e não seu destinatário, não tendo o autor de um acto administrativo, em princípio, legitimidade para recorrer da decisão administrativa revogatória do seu acto; e, devendo a legitimidade para recorrer aferir-se pela titularidade do interesse afectado pela decisão recorrida, esse interesse (relativo ao local de funcionamento da assembleia de voto) apenas se radica nos destinatários do acto, ou seja, nos eleitores (não recorrentes). Por outro lado, sempre ficará salvaguardada a possibilidade de recorrer, para o Tribunal Constitucional, das decisões do governador civil revogatórias de actos do presidente da câmara relativos ao local de funcionamento de assembleias de voto, desde que o recurso seja interposto, não pelo autor do acto revogado, mas por quaisquer 10 cidadãos eleitores pertencentes à assembleia de voto em questão
– estes, sim, repete-se, destinatários, e não autores, do acto recorrido, e titulares do interesse afectado por este. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso, por falta de legitimidade do recorrente. Lisboa, 26 de Novembro de 2001 Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Artur Maurício Luís Nunes de Almeida