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Processo nº 193/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., SA, foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), do acórdão daquele tribunal de 24 de Maio de 2006.
2. Em 27 de Fevereiro de 2007, foi proferida decisão sumária, mediante a qual se
entendeu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto (artigo 78º-A,
nº 1, da LTC), com os seguintes fundamentos:
«Como decorre do teor do requerimento de interposição de recurso, que delimita o
respectivo objecto, pretende o recorrente que o Tribunal aprecie a
inconstitucionalidade de duas normas: a contida no artigo 119º, nº 2, do Código
Penal de 1982, interpretado no sentido de que a suspensão que ocorre quando o
procedimento está pendente, depois de notificado do despacho pronúncia ou
equivalente, não pode ultrapassar 3 anos se for admissível recurso e 2 anos se
não for admissível recurso; e a contida no artigo 2° da Lei nº 51-A/96, de 9 de
Dezembro, na interpretação segundo a qual o processo penal fica suspenso entre o
despacho de autorização (para efectuar o pagamento em prestações) e um posterior
despacho verificando o incumprimento, ou verificando o total cumprimento, pois
só assim se alcança o entendimento da expressão “enquanto se mantiver o
pagamento pontual das prestações”, que deve ser entendida como significando
enquanto se mantiver vigente o regime de autorização excepcional de
regularização das dividas fiscais, ou seja, enquanto vigorar o despacho de
autorização.
1. No que respeita à primeira das normas enunciadas, retirada da redacção
primitiva do nº 2 do artigo 119º do Código Penal, decorre da leitura da decisão
recorrida que a mesma não foi aplicada, como ratio decidendi, o que obsta a que
se possa dar como verificado um dos requisitos do recurso de constitucionalidade
interposto (artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC).
Na argumentação relativa ao decurso, ou não, do prazo de prescrição do
procedimento criminal, o preceito citado foi convocado no seguinte passo:
«(…) o prazo de prescrição (inicio em 30-5-1995), correu ininterruptamente até à
prisão do recorrente ( em 18-12-95 ), momento em que se operou a interrupção da
prescrição, nos termos da al. b) do n°1 do art. 120.° do CodPenal /82 ; voltou
então a correr novo prazo até à notificação do despacho que recebeu a acusação e
designou dia para julgamento (15-3- 1996, fls. 714, sendo que, nesta data, se
produziu a sua interrupção nos termos da a. c) do n.° 1 do art. 120.°, mas
também a suspensão da respectiva contagem, esta por força da al. b) do n.°1 do
art. 119.° do Cod Penal/82, suspensão esta que se por 3 anos, uma vez que houve
recurso (art. 119.°-2 citado)» (itálico aditado).
O Tribunal da Relação do Porto não aplicou o referido artigo 119º, nº 2, no
sentido de que a suspensão que ocorre quando o procedimento está pendente,
depois de notificado do despacho pronúncia ou equivalente, não pode ultrapassar
3 anos se for admissível recurso e 2 anos se não for admissível recurso –,
interpretando-o, antes, no sentido de o período de suspensão ser de 3 anos
quando haja efectivamente recurso.
Não se podendo dar como verificado o requisito da aplicação, pela decisão
recorrida, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida,
justifica-se a prolação da presente decisão (nº 1 do artigo 78º-A da LTC).
2. No que se refere à segunda das normas enunciadas – a retirada do artigo 2° da
Lei nº 51-A/96, de 9 de Dezembro – verifica-se que o recorrente não suscitou,
durante o processo, de forma adequada, a questão de inconstitucionalidade que
agora pretende que o Tribunal aprecie (artigos 70º, nº 1, alínea b) e 72º, nº 2,
da LTC).
Considerando a primeira peça processual que o recorrente indicou, em cumprimento
do disposto na parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC – “alegações de
recurso da decisão da primeira instância” –, decorre, de forma inequívoca, que
no passo transcrito (supra, ponto 2. do Relatório), reproduzido depois no ponto
19. das conclusões (fl. 3344), não foi suscitada a questão de
inconstitucionalidade agora formulada no requerimento de interposição de
recurso. De resto, de tal passagem não resulta sequer a suscitação de qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, uma vez que o recorrente se limitou
a enunciar o resultado de determinada interpretação das disposições legais em
causa – a suspensão do prazo de prescrição no período de tempo em que o
Ministério Público não cuidou de se informar sobre o incumprimento do Plano
Mateus.
Atendendo à “resposta ao parecer do Ministério Público” – outra das peças
indicadas pelo recorrente –, dela decorre que, para além de dar conta da
interpretação que reputa correcta, o recorrente limita-se a remeter para “a
aplicação dada pelo sr. Magistrado do Ministério Público á Lei 51-A/96 de 9 de
Dezembro no sentido em que a interpretou”, concluindo que “a manter-se esta
interpretação [sempre não identificada], dos arts 1º, 2º nºs 1, 2 e 3, 3º e 4º
todos da lei 51-A/96 de 9 de Dezembro, está esta ferida de
inconstitucionalidade”. Como “o cumprimento do ónus a que se refere o artigo
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional não se basta, com efeito, com a
mera afirmação, perante o tribunal recorrido, de que certa interpretação
normativa, não concretizada, é inconstitucional, pois que tal não traduz a
invocação de uma verdadeira questão de inconstitucionalidade” – de facto, “o
preceito vai mais longe, impondo ao recorrente a delimitação dessa questão, de
forma a possibilitar ao tribunal recorrido a sua cabal compreensão e, portanto,
a sua efectiva decisão” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 361/2006, não
publicado) –, é de concluir que o recorrente não suscitou previamente, de forma
adequada, a questão de inconstitucionalidade formulada agora no requerimento de
interposição de recurso.
Reportando-nos, por último, à “aclaração (…) relativa ao Acórdão que decidiu o
(…) recurso” – a peça processual indicada em terceiro lugar – há que anotar,
desde logo, que neste momento o recorrente já não estava a tempo de suscitar a
questão de inconstitucionalidade em causa, dada a natureza e objecto daquele
incidente pós-decisório (artigos 669º, nº 1, alínea a), do Código de Processo
Civil e 69º da LTC). Na verdade, como se escreveu no Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 61/92 (Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de
1992): “a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se
estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que
pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão
(de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação
da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional 'não
constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna
esta obscura ou ambígua', há-de ainda entender-se que o pedido de aclaração de
uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio,
meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade (cfr.
sobre este tema, por todos, os Acórdãos nºs 62/85 e 94/88, Diário da República,
II série, respectivamente, de 31 de Maio de 1985 e de 22 de Agosto de 1988)”.
A questão de inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida não foi, por
conseguinte, suscitada previamente, de forma adequada, o que justifica a
prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, “nos termos
do art. 78º-A, nº 3, da LTC, na parte em que não conheceu do objecto do recurso
quanto à inconstitucionalidade da norma constante do art. 2° da Lei 51-A/96 de 9
de Dezembro”, com os seguintes fundamentos:
«No recurso para o Tribunal Constitucional, o Recorrente suscitou a
inconstitucionalidade da Art. 2° da Lei 51-A/96 de 9 de Dezembro na
interpretação - ofensiva dos princípios constitucionais da decisão em tempo
razoável e mediante processo equitativo, do poder punitivo do estado baseado em
critérios objectivos e protecção dos arguidos contra abusos processuais,
consagrados no disposto no art. 20° n° 4 da CRP - adoptada pelo Tribunal
recorrido, segundo a qual o processo penal fica suspenso entre o despacho de
autorização (para efectuar o pagamento em prestações) e um posterior despacho
verificando o incumprimento, ou verificando o total cumprimento, e só assim se
alcança o entendimento da expressão” enquanto se mantiver o pagamento pontual
das prestações, que deve ser entendida como significando enquanto se mantiver
vigente o regime de autorização excepcional de regularização das dividas
fiscais, ou seja, enquanto vigorar o despacho de autorização.
O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade que pretende ver
apreciada na aclaração que apresentou relativa ao Acórdão que decidiu o seu
recurso.
Não o fez antes, por não ter tido oportunidade processual para isso.
Isto é, o efeito surpresa, a interpretação inconstitucional da norma em
referência, só surge exactamente no acórdão cuja aclaração se requereu e não era
previsível nem é razoável exigir-se do recorrente que a tivesse antecipado.
Até esse momento, a questão pura e simplesmente não existia nem era previsível.
A douta decisão sumária reclamada não conheceu do objecto do recurso, pelo facto
de o Recorrente “não ter suscitado previamente de forma adequada” a
inconstitucionalidade suscitada.
Refere, a douta decisão, que a inconstitucionalidade alegada aquando do pedido
de aclaração da decisão recorrida é extemporânea “dada a natureza e objecto
daquele incidente pós - decisório (art. s 669°, n°1 alínea a), do Código de
processo Civil e 69° da LCT).” Sic
Ora, salvo o devido respeito, a douta decisão não fez a melhor aplicação da
jurisprudência do TC sobre a matéria, assim invocada.
Com efeito, ainda que o Recorrente tivesse oportunidade de suscitar a questão da
constitucionalidade antes de proferida a decisão final, mormente na resposta ao
parecer do Ministério Público, não lhe era exigível que suscitasse então essa
questão.
Não é exigível que o recorrente suscite a questão de constitucionalidade quando
uma certa interpretação da norma em causa é manifestamente imprevisível, por
contrariar jurisprudência anteriormente seguida pelos tribunais superiores.
Decorre de abundante jurisprudência deste tribunal que:
“é certo que, como o tribunal tem repetidamente afirmado, o recorrente pode ser
dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade “durante o processo” nos
casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto processualmente dessa
possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente”;
Manifestamente é o caso dos autos.
Não é previsível uma interpretação que seja abertamente contrária à letra e ao
espírito da lei.
Foi o que aconteceu no caso vertente.
É que,
A entender-se que não há prazo para esta suspensão, como parece resultar do
acórdão e fazer cessar a suspensão não pelo incumprimento como determina o art.
2° da Lei 51-A/96 de 9/12 mas sim pela existência de um despacho é
manifestamente uma interpretação contraria não só à letra e espírito do como
também ao art. 119º do C P 82, que sequer contemplava na sua génese tal causa de
suspensão pois sequer existia, pelo facto de a mesma ofender os princípios
constitucionais da decisão em tempo razoável e mediante processo equitativo, do
poder punitivo do Estado baseado em critérios objectivos e protecção dos
arguidos contra abusos processuais consagrados no art. 20° n° da CRP.
Ora, o requerente, quando interpôs recurso, respondeu ao parecer do Ministério
Público, não podia adivinhar que o Tribunal da Relação do Porto iria dar uma
interpretação ao art.2°, da Lei 51-A/96, em termos de ir contra a sua letra e o
seu espírito.
Foi contra a letra, porque o art.2° da Lei 51-A/96 determina que o processo
penal fiscal fica suspenso enquanto se mantiver o pagamento pontual das
prestações.
Nada refere sobre a existência/necessidade de um posterior despacho verificando
o incumprimento.
Foi contra o espírito, porque a razão de ser desse preceito é garantir ao
arguido decisão em tempo razoável.
Como se disse no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 318/90 (publicado na II
Série do Diário da República de 15.3.91), há situações excepcionais e anómalas
nas quais o recorrente não pôde suscitar a questão de constitucionalidade
durante o processo, o que se não verifica quando se puder prever a aplicação da
norma corresponder à prática generalizada dos tribunais de recurso.
A interpretação dada pelo Tribunal da Relação do Porto ao disposto art.2° da Lei
51-A/96 subverteu a natureza do mesmo num claro desrespeito pelas garantias e
direitos dos arguidos no processo penal no que concerne à interpretação e
aplicação da lei penal.
Logo, ainda que formalmente o Recorrente tivesse tido a oportunidade de suscitar
a questão antes da decisão final, funcionalmente não lhe era exigível que o
fizesse, pois era manifestamente improvável que o Tribunal da Relação do Porto,
clamorosamente, violasse a letra e o espírito do art.2° da Lei 51-A/96.
De qualquer modo, o Recorrente ainda disse, na resposta ao parecer do Ministério
Público, “sendo que a manter-se esta interpretação, dos art.s 1°,2° n°s 1,2 e3,
3º e 4° todos da lei 51-A/96 de 9 de Dezembro, está esta ferida de
inconstitucionalidade por violação do art. 20° n°4 e 5 da CRP o que se invoca.”
o que implicitamente corresponde a suscitar a questão de constitucionalidade».
4. Notificados os recorridos, respondeu o Ministério Público junto deste
Tribunal nos termos seguintes:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, o reclamante dispõe de plena oportunidade processual para suscitar
adequadamente a questão de constitucionalidade que só tardiamente delineou –
ónus em cujo incumprimento assenta a falta de pressupostos do recurso
interposto».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O recorrente vem agora reclamar para a conferência da decisão sumária proferida
nos autos, na parte em que esta conclui pelo não conhecimento do objecto do
recurso interposto para apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no
artigo 2° da Lei nº 51-A/96, de 9 de Dezembro, na interpretação segundo a qual o
processo penal fica suspenso entre o despacho de autorização (para efectuar o
pagamento em prestações) e um posterior despacho verificando o incumprimento, ou
verificando o total cumprimento, pois só assim se alcança o entendimento da
expressão “enquanto se mantiver o pagamento pontual das prestações”, que deve
ser entendida como significando enquanto se mantiver vigente o regime de
autorização excepcional de regularização das dividas fiscais, ou seja, enquanto
vigorar o despacho de autorização. Concretamente, por o ora reclamante não ter
suscitado previamente, de forma adequada, a questão de inconstitucionalidade
formulada no requerimento de interposição de recurso (artigos 70º, nº 1, alínea
b), e 72º, nº 2, da LTC). Se, por um lado, se considerou que o recorrente não
cumpriu tal ónus quer nas “alegações de recurso da decisão da primeira
instância” quer na “resposta ao parecer do Ministério Público”; por outro,
entendeu-se que a “aclaração (…) relativa ao Acórdão que decidiu o (…) recurso”
não era meio idóneo e atempado para suscitar a questão de inconstitucionalidade.
Sustenta agora o reclamante que, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal,
estaria, no caso em apreço, dispensando de questionar a constitucionalidade da
norma em causa antes de ser proferida a decisão recorrida. Com efeito, este
Tribunal tem entendido que a orientação geral no sentido de a questão de
inconstitucionalidade dever ser suscitada antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria a que tal questão respeita “não será de
aplicar em determinadas situações de todo excepcionais, em que os interessados
não disponham de oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade antes do proferimento da decisão, caso em que lhes deverá
ser salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade” (Acórdão nº
61/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992. Rigorosamente no
mesmo sentido, entre muitos outros, também o Acórdão do Tribunal Constitucional
nº 318/90, citado pelo reclamante).
Sucede, porém, que, nos presentes autos, o recorrente dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade em causa,
designadamente quando respondeu ao parecer do Ministério Público junto do
Tribunal da Relação do Porto, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 417º do
Código de Processo Penal. Neste parecer – por remissão para a resposta do
Ministério Publico à motivação do recurso interposto – foi então, expressamente,
defendida a interpretação do artigo 2º da Lei nº 51-A/96 que o recorrente
pretendia questionar do ponto de vista jurídico-constitucional. Pode ler-se na
resposta do Ministério Publico junto do Tribunal da Comarca de S. João da
Madeira o seguinte:
«(…) a contagem dos períodos de suspensão implica, antes de mais, uma opção
quanto aos factos balizadores desses períodos.
Na verdade, ou se opta pelos despachos judiciais que declararam a suspensão e o
respectivo termo ou pelos despachos das autoridades tributárias – Ministro das
Finanças, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e Subdirector – Geral dos
Impostos – que deferiram os pedidos de adesão ao regime do D.L. n° 124/96 e que,
na sequência do incumprimento da arguida, a excluíram desse regime.
O respondente tem por mais correcta a segunda opção, na medida em que a lei –
n°2 do art° 2° da Lei n° 51- A/96, de 9 de Dezembro – à semelhança do que
acontecia com, por exemplo, o n°1 do art° 50º do RJIFNA, a propósito da
suspensão decorrente da impugnação judicial, não exige a prolação de qualquer
despacho judicial, estatuindo simplesmente que a autorização da administração
fiscal suspende o processo enquanto se mantiver o pagamento pontual das
prestações» (itálico aditado).
Ou seja, contrariamente ao afirmado pelo reclamante, “o efeito surpresa, a
interpretação inconstitucional da norma em referência”, não surgiu só
exactamente no acórdão cuja aclaração foi requerida. Abona também neste mesmo
sentido o que, de seguida, se transcreve da decisão recorrida:
«Deve assim entender-se que o processo penal fiscal fica suspenso entre o
despacho de autorização (para efectuar o pagamento em prestações) e um posterior
despacho verificando o incumprimento, ou verificando o total cumprimento, e só
assim se alcança o entendimento da expressão “enquanto se mantiver o pagamento
pontual das prestações”, que deva ser entendida como significando enquanto se
mantiver vigente o regime de autorização excepcional de regularização das
dívidas fiscais, ou seja, enquanto vigorar o despacho de autorização.
Claro que tais despachos devem ser comunicados ao Ministério Público, a fim de
que este promover a extinção do procedimento criminal, ou prosseguir o
respectivo procedimento
Por outro lado, será ilógico admitir-se que alguém solicite à Administração
Fiscal autorização para pagamento dos créditos que lhe são devidos, ao abrigo do
regime excepcional consagrado no Plano Mateus e que, depois de obtida a
pretendida autorização, venha argumentar que tal autorização não pode produzir
efeitos por a lei não a contemplar
E para terminar, poderemos dizer, tomando de empréstimo as palavras do sr
Procurador Adjunto no tribunal recorrido, que “ Nem se diga que é imprescindível
um despacho judicial a reconhecer a verificação dos pressupostos da suspensão ou
do seu termo.
De facto, ao fim e ao cabo, eles dependem, tão somente, de factos objectivos - a
existência da referida autorização ou o não pagamento pontual das prestações -
cuja verificação não postula a formulação de um qualquer juízo, mas apenas a
constatação de factos ( ... ) os despachos judiciais subsequentes aos despachos
administrativos que incluem ou excluem a arguida do falado regime de pagamento
em prestações são meramente declarativos ou de reconhecimento (de um facto ) e
não constitutivos (de um direito), pelo que os seus efeitos se reportam à data
daqueles outros despachos”» (itálico aditado).
E mais se acrescenta na decisão que indeferiu a aclaração requerida que:
«(…) o dito acórdão não está ferido de qualquer obscuridade, tanto mais que dele
resulta que foi dado acolhimento ao entendimento do Ministério Publico na
primeira instância e nesta Relação e das peças destes magistrados referentes à
dita questão também resulta claro o entendimento perfilhado e o regime
prescricional que se entendeu ser o mais correcto».
De resto, o próprio reclamante acaba por reconhecer que dispôs de oportunidade
processual para, durante o processo, questionar a constitucionalidade da norma
em causa. O problema é que não o fez de forma adequada, quando respondeu ao
parecer do Ministério Público. Como então se deixou escrito na decisão que é
objecto de reclamação não se pode ter por verificado o requisito da suscitação
prévia e de forma adequada da questão de inconstitucionalidade, quando o
recorrente se limita a dizer que a manter-se esta interpretação, dos artigos 1º,
2º, nºs 1, 2 e 3, 3º e 4° todos da Lei nº 51-A/96 de 9 de Dezembro, está esta
ferida de inconstitucionalidade por violação do artigo 20º, nºs 4 e 5 da CRP.
Impõe-se, assim, o indeferimento da presente reclamação, com a consequente
manutenção da decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto para
o Tribunal Constitucional.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 22 de Maio de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão