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Processo n.º 658/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos autos pendentes no 2.º Juízo de Execução de Lisboa, por sentença proferida em 14 de junho de 2012 foi julgada improcedente a oposição deduzida pelo executado A. e ordenado o prosseguimento da execução que lhe foi movida, em 23/11/2007, por B., S.A..
Fundou-se essa decisão, no que interessa ao presente recurso, na seguinte ordem de considerações:
“(...)
II. Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos provados, com relevância para a decisão da causa:
A exequente intentou, em 23.11.2007 ação executiva para pagamento de quantia certa contra o aqui exequente, munida do requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória e que consta a fls. 6 dos autos de execução (que se dá por integralmente reproduzido).
III- Questões a decidir
Trata-se de aferir se o executado pode invocar o pagamento e a prescrição, quanto o título executivo é um requerimento de injunção.
IV. Fundamentação de direito
Nos termos do disposto pelo art. 814 do C.P. Civil, n.º 2, apenas podem servir como fundamentos de oposição à execução baseada em injunção os taxativamente previstos pelo n.º 1, em confronto com os mais abrangentes previstos pelo art. 816 do C.P. Civil, para outros títulos executivos.
E isto porque, em sede de processo declarativo, já teve o executado oportunidade para exercer a sua defesa.
In casu, o título e causa é um requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória, entendendo-se que, pela sua natureza, também os fundamentos de defesa terão de ser os constantes do art. 814 do C.P. Civil, pelo que é um título com valor equivalente ao da sentença: “Estamos, assim, perante um procedimento que, conforme decorre do respetivo regime ínsito no DL 269/98, permite obter, de forma célere e simplificada, um título executivo, quando estão em causa obrigações pecuniárias, balizadas entre determinados montantes.
Formando-se o título, na sequência de notificação do requerido, para no prazo indicado, pagar ao requerente a quantia pedida, caso não haja oposição do primeiro, art.º 11, 14 e 21, do DL 269/98, tem-se como bom o entendimento, que pese embora não resulte de qualquer atividade própria de órgão jurisdicional, contudo, face à sua natureza e modo de formação, deve tal título ser qualificado como um título executivo judicial impróprio, especial e atípico, e nessa medida no que concerne à oposição que possa vir a ser exercida em sede de execução, sendo-lhe atribuído um valor similar à sentença, é permitida, tão só a invocação, por parte do executado, dos fundamentos previstos no art.º 814.º, do CPC (Ac. RL de 10.12.2009, Proc. n.º 4641/06.4TMSNT-A, relatado pela Desembargadora Ana Resende, dgsi.pt).
É isto porque se trata de um título de formação judicial, com um requerimento que dá entrada no Tribunal, citando-se o requerido por via do Tribunal e conferindo-lhe os meios de defesa, incluindo a possibilidade de submeter a questão à apreciação judicial.
Assim, “aos embargos deduzidos nas execuções baseadas nesses documentos executórios deve aplicar-se, na medida do possível, o regime estabelecido para a oposição a sentença judicial” (Miguel Teixeira de Sousa, Ação Executiva Singular, Lex, p. 176).
Ora, não exercendo o requerido os meios de defesa nesse processo, fica o exequente dotado de um título executivo, não se concebendo poder ser dada uma segunda oportunidade de defesa ao executado, quando, citado no processo de injunção, nele não se defendeu: “Era ali que deveria ter sido posta em causa a existência, ou a medida da obrigação definida no respetivo requerimento inicial. Perdida essa oportunidade, já não podem ser suscitadas as questões que não devessem ter sido ali suscitadas, ou que sejam de conhecimento oficioso. Não está na disponibilidade do requerido no procedimento de injunção deixar para momento posterior a sua oposição ao ali requerido, sob pena de ineficácia de tal procedimento.” (ac. RL de 28.10.2004, proc. n.º 5752/2004-2, relatado pelo Desembargador Farinha Alves, dgsi.pt).
Assim, a invocada prescrição do crédito teria que ter sido invocada nos termos da al. do art.º 814. al. g) do C.P.Civil, até à aposição da fórmula executória.
Uma vez obtido título executivo, rege o disposto pelo art. 311 n.º 1 do C.Civil que dispõe que se a lei estabelecer para o direito um prazo de prescrição mais curto que o prazo ordinário, fica sujeito a este último, que é de 20 anos, nos termos do art. 309 do mesmo código, prazo que ainda não decorreu.
Por outro lado, quanto ao pagamento, não estão invocados sequer quaisquer factos (que faturas; quando pagou; o que pagou), mas resulta da própria oposição que se referirá ao período anterior à aposição da fórmula executória.
Como tal, também não é admissível este argumento.”
2. Inconformado, o executado A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:
“A., Recorrente melhor identificado nos autos à margem referenciados, não se conformando com a douta Sentença que negou provimento a oposição a Execução e a julgou improcedente por não provada, vem da mesma recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo do art.º 70º, nº 1, G) e 2 da Lei 28/82 de 15 de novembro com fundamento na inconstitucionalidade do art.º 814 do C.P.C, na interpretação e aplicação que lhe foi dada pela douta recorrida, de “Formando-se o titulo, no sequencia de notificação do requerido, para no prazo indicado pagar ao requerente a quantia pedida, caso não haja oposição do primeiro, artº 1, 14 e 21, do D.L 268/98, tem-se como base o entendimento, que pese embora não resulte de qualquer atividade própria de órgão jurisdicional, contudo face à sua natureza e modo de formação, deve tal título ser qualificado como um titulo judicial impróprio, especial ou atípico, e nessa medida no que concerne a oposição que possa vir a ser exercida em sede de Execução, sendo-lhe atribuído um valor similar a sentença, e permitida, tão só a invocação por parte do Executado, dos fundamentos previstos no artº 814º do CP.C, tem como base o entendimento por tão só, a invocação por parte do Executado por violação dos princípios constitucionais do contraditório e do acesso aos tribunais integrantes no espírito constitucional e consagrados na C.R.P na sequencia de notificação do requerido, para no prazo indicado pagar ao requerente a quantia pedida, caso não haja oposição do primeiro, artº 1, 14 e 21, do D.L 268/98, tem-se como base o entendimento, que pese embora não resulte de qualquer atividade própria de órgão jurisdicional, contudo face à sua natureza e modo de formação, deve tal título ser qualificado como um titulo judicial impróprio, especial ou atípico, e nessa medida no que concerne a oposição que possa vir a ser exercida em sede de Execução, sendo-lhe atribuído um valor similar a sentença, e permitida, tão só a invocação por parte do Executado, dos fundamentos previstos no artº 814º do C.P.C.
Pelo que ao não conhecer da prescrição invocada na oposição da Lei 12/2008 e da Lei 23/96 no que concerne a prescrição retirou o direito de defesa ao Recorrente.
Pelo que na esteira do Acórdão 283/2011, proferido pelo Tribunal Constitucional, deve ser considerada inconstitucional a norma e entendimento que resulta da redação dada ao artº 814º, nº 2 do C.P.C, por violação do art. 20 da C.R.P.”
3. O recurso foi admitido.
4. Neste Tribunal, apenas o recorrente apresentou alegações, com o seguinte remate conclusivo:
“1º Por apenso aos autos de processo Executivo para pagamento de quantia certa que a B., S.A, moveu contra o Recorrente e cujo título é um requerimento de Injunção no qual foi aposta a formula Executória, veio o Recorrente a deduzir oposição a Execução, alegando ter contratado a prestação de serviço telefónico e ter pago as faturas que lhe foram apresentadas.
2º E que o direito ao pagamento do telefone móvel prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação.
3º O tribunal “Ad quo” julgou improcedente por não provada a oposição por entender que os fundamentos do artº 814º nº 2 do C.P.C apenas podem servir como fundamentos de oposição a Execução baseada em Injunção os taxativamente previstos pelo nº 1, em confronto com os mais abrangentes previstos no 816º do C.P.C e isto porque o Recorrente já tinha oportunidade de poder exercer a sua defesa.
4º Entende o Recorrente que a norma em causa na Interpretação dada pelo tribunal “Ad quo” segundo a qual a não oposição e a consequente aposição da fórmula Executória ao requerimento de Injunção determinam a não aplicação do regime de oposição à Execução previsto no artº 813º e seguintes C.P.C e o total afastamento da oportunidade de poder deduzir oposição com os fundamentos do 816º do C.P.C é inconstitucional pois viola o princípio da indefesa.
5º Assim já foi decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 283/2011.
6º Deve ser julgada Inconstitucional, a Interpretação dada pelo tribunal “Ad Quo” no que concerne ao artº 814, nº 2, C.P.C em que os fundamentos de oposição à Execução baseada em Execução os taxativamente previstos pelo nº 1 em confronto com os mais abrangentes de defesa terão de ser os constantes do art.º 814º, C.P.C, e não os mais abrangentes do artº 816º do C.P.C, e o Executado poder assim alegar assim todos os fundamentos de oposição que lhe seria permitido no Processo Declarativo.
7º O Recorrente entende que o artº 814º, nº 2, está ferido de inconstitucionalidade por violar o princípio da indefesa ínsito no direito ao acesso aos Tribunais e plasmado no artº 20º da C.R.P, pelo que a norma que resulta do artº 814º nº 2 do C.P.C deve ser declarada Inconstitucional.”
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
A) Do objeto do recurso
5. O recorrente dirige-se ao Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea g) do n.º1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, estribado na consideração de que o Tribunal a quo aplicou sentido normativo extraído do n.º2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, julgado inconstitucional pelo Acórdão n.º 283/11 (disponível, como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt ).
Na formulação do sentido normativo que impugna sub species constitutiones, o recorrente serve-se de transcrição de segmento da decisão recorrida que, por seu turno, reproduz acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o que dificulta a perceção imediata da dimensão normativa questionada. Porém, cotejando esse requerimento com as alegações, que o precisam, compreende-se que o recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma constante do artigo 814.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, no sentido em que limita os fundamentos de oposição à execução em execução fundada em injunção àqueles previstos no n.º 1 do mesmo preceito, com preclusão de todos os outros, admitidos no artigo 816.º do mesmo Código.
6. Decorre do teor da sentença recorrida que o n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro foi efetivamente aplicado o citado preceito, e no apontado sentido normativo, como ratio decidendi ou determinante judicativa da improcedência da oposição à execução e do afastamento do duplo fundamento da oposição apresentado – extinção da obrigação pelo pagamento e prescrição do direito da exequente.
A tal não se opõe a circunstância da sentença ter feito apreciação negativa sobre o decurso do prazo estabelecido no artigo 311.º, n.º 1 do Código Civil, na medida em que essa apreciação pressupõe a consolidação do título executivo e, inerentemente, não comporta apreciação da ultrapassagem do pertinente prazo de prescrição presuntiva, tal como invocada pelo exequente. Do mesmo jeito, o facto extintivo da obrigação pagamento não é conhecido por se entender que a respetiva alegação não se refere ao período posterior à formação do título executivo e, então, não podia ser admitida como fundamento da oposição apresentada pelo recorrente.
7. Assim colocado, o sentido normativo efetivamente aplicado e questionado encontra-se contido no juízo de inconstitucionalidade proferido no Acórdão n.º 283/11, embora não seja inteiramente coincidente o recorte da questão de constitucionalidade colocada nesses autos e nos presentes, por mais amplo o primeiro.
Com efeito, o objeto do recurso foi delimitado no Acórdão n.º 283/11 nos seguintes termos:
“[O] que vem qualificado como questão de constitucionalidade é o bloco normativo constituído pelos preceitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, na redação procedente do Decreto Lei n.º 226/2008, já referenciado, conjugado com o “regime transitório” deste diploma.
Equaciona-se, portanto, a extensão dos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença “ao requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido”, na medida em que seja aplicado ao requerimento de injunção, onde tenha sido aposta fórmula executória “anteriormente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 226/2008”, por não salvaguardar a aplicação da lei antiga, quanto aos fundamentos de oposição à execução baseada nas injunções a que foi conferida força executiva anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma legal, fundamentos esses que eram mais amplos, pois que se integravam nos referidos fundamentos baseados noutro título que não a sentença (artigo 816.º da redação coeva).”
O recurso em apreço não comporta, na enunciação constante do requerimento de interposição de recurso, a dimensão atinente à ausência de regime transitório mas, na verdade, esse elemento não descaracteriza a questão no seu eixo nuclear, comum a ambos os recursos, da compatibilização do regime da oposição à execução fundada em requerimento ao qual foi aposta fórmula executória, sem que tenha sido apresentada oposição no processo de injunção, decorrente da redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, ao n.º2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, com o princípio da proibição da indefesa, inscrito no direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º1 da Constituição).
8. Assenta-se, pelo exposto, na verificação do pressuposto específico do recurso fundado na alínea g) do n.º1 do artigo 70.º da LTC: identidade da questão colocada no presente recurso e no Acórdão fundamento.
B) Do mérito do recurso
9. A questão em apreço, porque relativa aos fundamentos da oposição do executado em ação executiva fundada em requerimento de injunção provido de fórmula executória, inscreve-se no desenvolvimento do procedimento de injunção, orientado, desde o Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de dezembro, que o instituiu, para o estabelecimento no ordenamento adjetivo civil de uma “fase desjurisdicionalizada”, capaz de facultar ao credor de obrigação pecuniária ou emergente de transação comercial a obtenção de “forma célere e simplificada” de um título executivo, sem necessidade de prévia fase declarativa.
10. Recorrendo à caracterização do escopo do procedimento de injunção, na sua forma originária, e ao cotejo com os institutos próximos presentes noutros ordenamentos, operada no Acórdão n.º 399/95:
“4.1. Visa a injunção facultar, ao credor de uma obrigação pecuniária decorrente de contrato cujo valor não exceda metade do da alçada do tribunal da 1ª instância, um título executivo (v. preâmbulo e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 404/93), ou seja, a condição de acesso ao processo de execução que este representa. Não se trata, portanto, e importa reter este aspecto, da criação de qualquer forma processual diversa das já existentes na nossa lei adjetiva, tanto mais que, se ao requerimento for aposta a “fórmula executória” o que se segue é uma execução sob a forma de processo sumário baseada num título diverso da sentença judicial (cfr. artigo 465.º, n.º 2, do Código de Processo Civil); e, se for deduzida oposição à pretensão ou, como aqui sucede, frustrada a notificação do requerimento (hipóteses previstas no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 404/93), o que se segue é uma ação declarativa com processo sumaríssimo [note-se que a referência do artigo 6.º, n.º 2, à marcação de julgamento – “se o estado do processo o permitir” – aplica-se apenas às hipóteses em que foi deduzida oposição; nos casos em que a notificação postal não ocorre (se frustrou como diz a lei), tem lugar, como não podia deixar de ser, a citação nos termos do artigo 794.º, do Código de Processo Civil].
Trata-se, assim, como refere o preâmbulo do diploma, do estabelecimento de uma “fase desjurisdicionalizada” visando facultar relativamente a dívidas de montante reduzido a possibilidade – mediante a formação de um título executivo decorrente do reconhecimento implícito do devedor – de acesso à ação executiva sem passagem pelo processo declarativo, garantida que se mostra, conforme o legislador expressamente fez questão de indicar, a defesa do devedor através dos mecanismos normais de oposição à execução, decorrentes do artigo 815.º do Código de Processo Civil.
Cabe aqui notar constituírem precisamente este tipo de dívidas (inferiores a 250 000$00) a fatia esmagadora das ações declarativas propostas na justiça cível portuguesa, no que um estudo recente qualifica sugestivamente de “colonização do sistema judiciário pelas pequenas dívidas” (referimo-nos ao trabalho coordenado por Boaventura Sousa Santos, “Os Tribunais na Sociedade Portuguesa”, v. “A Justiça em Tribunal”, Expresso//Revista de 4.3.95, pág. 32/43, cfr. quanto ao peso das ações declarativas de dívida até 250 000$00, os quadros constantes de págs. 40/41).
Assumindo o processo de formação deste tipo específico de título executivo índole essencialmente tabeliónica (trata-se de verificar a regularidade formal de papéis e levá-los, por via postal, ao conhecimento de alguém), é natural que o legislador, em homenagem aos objetivos de simplificação da atividade jurisdicional que motivaram a injunção, não tenha sobrecarregado a atividade do juiz com mais esse encargo. Daí, a sua entrega ao secretário judicial que, exercendo poderes não substancialmente diversos dos já resultantes do artigo 213.º do Código de Processo Civil, constata a não oposição à pretensão (o elemento que leva à formação do título executivo), certificando em conformidade o requerimento de injunção. De forma mais simples ainda, nas hipóteses, como a dos autos, em que o título se não forma, a intervenção do funcionário reduz-se, na prática, à distribuição de uma ação sumaríssima e à conclusão desta ao juiz.
4.1.1. Convém a este respeito esclarecer, na sequência da observação constante das alegações do Ministério Público (2.5 a fls. 37), que a injunção instituída pelo Decreto-Lei nº 404/93 apresenta diferenças radicais relativamente aos institutos que no direito francês e italiano recebem o mesmo nome (a “injonction de payer”, regulada nos artigos 1405.º e 1425.º, do Code de Procédure Civil, e o “Procedimento d'Ingiunzione” referido nos artigos 633.º a 656.º, do Codice di Procedura Civile). Com efeito, assumem estes, por comparação ao direito adjetivo português, natureza de verdadeiras ações declarativas sumaríssimas, culminando com a prolação de uma decisão judicial (artigos 1419.º a 1422.º do CPC francês e 640.º e 641.º do CPC italiano) à qual se pode conferir, posteriormente, caráter executivo (artigos 1422.º do CPC francês e 647.º do CPC italiano).
A lei portuguesa, para além da coincidência no nome e em alguns aspetos de pormenor da tramitação, afastou-se decididamente destes modelos. Não se tratou entre nós de estabelecer um processo especial contendo uma tramitação mais simplificada e célere para ações declarativas; tratou-se antes de eliminar em determinadas situações a própria ação declarativa, conferindo um acesso direto à ação executiva.
O regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 404/93 tem, assim, mais pontos de contacto com figuras, de introdução mais ou menos recente em diversos direitos adjetivos civis, em que os poderes de intervenção dos secretários judiciais em determinados procedimentos relativos a causas mais simples são substancialmente ampliados em aspetos que não traduzam o exercício de competências jurisdicionais. Disto constitui exemplo a chamada “déclaration au greffe”, introduzido em 1989 no processo civil francês (artigos 847-1 e 2, do CPC francês; v. Armindo Ribeiro Mendes, Novo Processo Executivo, Sub Judice, n.º 5, Jan/Abr de 1993, pág. 29).”
11. Em consonância com o desiderato perseguido, a tramitação do procedimento de injunção desenvolve-se de acordo com a matriz de rapidez e simplicidade.
Em traços gerais, apresentado o requerimento de injunção, o requerido é notificado por carta registada com aviso de receção para, em quinze dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou deduzir oposição à pretensão (artigo 12.º, n.º 1, do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro). A lei determina o conteúdo da notificação a efetuar ao requerido (artigo 13.º, n.º 1, do mesmo Regime anexo, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), devendo constar da mesma, além do mais, a cominação de que “na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, será aposta fórmula executória ao requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar ação executiva” (al. c)).
Deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, caso o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição, o processo prossegue para uma fase jurisdicional declarativa (artigos 16.º, n.º 1 e 17.º, n.º 1, do aludido Regime anexo, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho, e artigo 7.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro).
Não sendo deduzida oposição, a menos que o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento, o secretário judicial apõe no requerimento a seguinte fórmula: “Este requerimento tem força executiva” (artigo 14.º, n.ºs 1 e 3, do referido Regime anexo, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho). Foi o que aconteceu no caso em apreço, pois, como reconhece, o recorrente foi notificado do requerimento de injunção e não apresentou oposição.
Com a aposição da fórmula executória pelo secretário de justiça, o procedimento de injunção atinge a sua finalidade, obtendo o credor/requerente título executivo extrajudicial e habilitação para, com base nele, instaurar ação executiva contra o requerido.
Esse constitui, como se disse, o ponto de chegada do procedimento de injunção mas, do ponto de vista do credor/requerente, e da funcionalização do seu direito, integra ao mesmo tempo o ponto de partida para o processo executivo, permanecendo vivas as razões de celeridade que enformaram o procedimento de injunção. Coloca-se, então, o problema de saber em que termos e com que alcance pode o desenvolvimento do procedimento de injunção – maxime o prévio confronto do executado com uma exigência institucional, formal e cominada à satisfação do crédito invocado e a sua inércia quanto à apresentação de defesa perante esse ataque - ser tido como acertamento – ou pelo menos reconhecimento tácito da ausência de litígio - idóneo a repercutir-se, como valor negativo, na limitação dos meios de oposição à execução.
12. Até à alteração do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, a resposta a esse problema foi largamente no sentido negativo, seja no plano hermenêutico do direito infraconstitucional, seja por imperativo da salvaguarda do direito de acesso ao direito e aos Tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição.
Com efeito, o Código de Processo Civil distinguia os possíveis fundamentos de oposição à execução, consoante esta fosse baseada em sentença, em decisão arbitral ou noutro título, inscrevendo-se nesta última tipologia o título executivo obtido com a aposição de fórmula executória em requerimento de injunção sem oposição. E, à data da referida intervenção legislativa, tanto a doutrina, como a jurisprudência vinham maioritariamente entendendo, sustentados na natureza extrajudicial do título executivo em causa e no teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de dezembro, que na oposição à execução fundada em requerimento de injunção a que havia sido aposta a fórmula executória era lícito ao executado lançar mão, não só dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença nos termos do artigo 814.º do Código de Processo Civil, como de quaisquer outros que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, de acordo com o disposto no artigo 816.º do mesmo diploma.
Disso mesmo se dá notícia no Acórdão n.º 669/05, ao considerar decisão surpresa, para efeito de admissibilidade de recurso de constitucionalidade, visão diversa, a saber, a interpretação normativa, extraída do artigo 14.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, segundo a qual na execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção, o executado apenas podia fundar a sua oposição na alegação e prova, que lhe incumbia, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo exequente, que se tem por demonstrado.
Lê-se no Acórdão n.º 669/05:
“A generalidade da doutrina tem considerado que a aposição, pelo secretário judicial, da fórmula executória no requerimento de injunção integra um título executivo distinto das sentenças, sendo admissível que, na oposição à execução nele fundada, o executado invoque, para além dos fundamentos invocáveis na oposição à execução fundada em sentença, “quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”. JOSÉ LEBRE DE FREITAS (A Ação Executiva – Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, 2004, págs. 64 e 182) refere que os títulos em causa, “formados num processo mas não resultantes de uma decisão judicial, têm sido classificados como judiciais impróprios” e que o referido alargamento dos fundamentos da oposição à execução baseada em títulos diferentes das sentenças e das decisões arbitrais se compreende porque “o executado não teve ocasião de, em ação declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão do requerente”. Também FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA (Curso de Processo de Execução, 6.ª edição, Coimbra, 2004, págs. 39-46 e 152-153) salienta a ausência, no sistema português do processo de injunção, da emanação por parte de um juiz de uma ordem de pagamento de determinada quantia ou de satisfação de outra prestação em curto prazo (como sucede nos direitos italiano, francês e espanhol), sendo a fórmula executória aposta por um oficial de justiça, reconhecendo que “não sendo o título executivo uma sentença, o executado está perante o requerimento executivo do exequente na mesma posição em que estaria perante a petição inicial da correspondente acção declarativa”, pelo que “consequentemente, pode alegar em oposição à execução tudo o que poderia alegar na contestação àquela ação”. J. P. REMÉDIO MARQUES (Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Porto, 1998, págs. 79-80 e 153, nota 379) considera que a atividade conducente à aposição da fórmula executória – o “execute-se” – pelo secretário judicial não se insere na função administrativa do Estado, visto que não visa a prossecução de interesses gerais da coletividade, “mas também não é um ato jurisdicional – equiparável”, parecendo-lhe tratar-se “de um ato meramente instrumental, análogo àqueles que se praticam no exercício de uma função, que tanto pode ocorrer em processos jurisdicionais como em procedimentos administrativos”; de qualquer forma, sempre que “não existe um processo declarativo prévio, o executado, nos embargos, pode impugnar ou excecionar – mas nunca reconvir – a obrigação materializada pelo título extrajudicial”. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (A Reforma da Ação Executiva, Lisboa, 2004, pág. 69) faz derivar da alteração da redação do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, o estabelecimento de uma tripartição dos títulos executivos: decisões judiciais (que são as sentenças condenatórias referidas no artigo 46.º, n.º 1, alínea a), do CPC), títulos extrajudiciais (que são os documentos mencionados nas alíneas b) e c) do mesmo preceito) e outros títulos de formação judicial, entendido como os que provêm de um “processo” (e não de uma “ação”, como os títulos judiciais), categoria esta última que seria justamente utilizada para designar os títulos que resultam da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção ao qual o requerido não deduziu oposição. Também CARLOS LOPES DO REGO (obra citada, vol. I, pág. 90) considera que por “título de formação judicial” deve ser considerado o “título judicial impróprio, formado no âmbito de um procedimento cometido aos tribunais judiciais, mas sem qualquer intervenção jurisdicional, como ocorre, de forma paradigmática, no processo de injunção”. Porém, esta autonomização dos “títulos de formação judicial” relativamente aos títulos extrajudiciais apenas releva para efeitos de determinação do tribunal onde deve correr a ação executiva no caso de cumulação inicial de execuções, quer se trate de títulos homogéneos (n.ºs 2 e 4 do artigo 53.º do CPC), quer de títulos heterogéneos (n.º 3 do mesmo artigo), não extraindo os autores citados qualquer outra consequência dessa autonomização, designadamente no sentido de sequer questionarem a aplicação plena do regime do atual artigo 816.º (anterior artigo 815.º, n.º 5) às execuções fundadas em títulos que resultam da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção. Pode, pois, concluir-se que doutrinalmente é pacífico o entendimento assim sintetizado por SALVADOR DA COSTA (A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 2.ª edição, Coimbra, 2002, p. 172), em passagem já reproduzida no pedido de reforma da sentença apresentada pela ora reclamante:
«A aposição da fórmula executória não se traduz em ato jurisdicional de composição do litígio, consubstanciando-se a sua especificidade de título executivo extrajudicial no facto de derivar do reconhecimento implícito pelo devedor da existência da sua dívida por via da falta de oposição subsequente à sua notificação pessoal.
Assim, a fórmula executória é insuscetível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na ação executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito.
Em consequência, pode o requerido utilizar, em embargos de executado, a sua defesa com a mesma amplitude com que o podia fazer na ação declarativa, nos termos do artigo 815.° do Código de Processo Civil.»
Na pesquisa efetuada nas bases de dados jurisprudenciais disponíveis não se detetou nenhuma decisão judicial, designadamente dos tribunais superiores, que tivesse sido proferida e fosse cognoscível por parte dos profissionais forenses, à data em que foram deduzidos os embargos de executado, e que tivesse perfilhado a tese que foi assumida pelo tribunal a quo, na sua sentença de 8 de setembro de 2004. A única decisão encontrada, que se aproxima dessa tese, é posterior à data dessa sentença: trata-se do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de outubro de 2004, proc. 5752/2004, que decidiu, sem citar qualquer jurisprudência anterior no mesmo sentido, que “nos embargos à execução fundada em injunção, só podem ser suscitadas questões que não pudessem ter sido suscitadas em sede de oposição ao requerimento de injunção ou que sejam de conhecimento oficioso”.
As duas decisões judiciais citadas na dita sentença não apoiam a tese nela adotada: o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de fevereiro de 2004, proc. 1566/2004, versa sobre questão diversa (admissibilidade de indeferimento liminar da execução para pagamento de quantia certa fundada em título resultante da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção), e o acórdão da mesma Relação, de 18 de junho de 2003, proc. 3884/2003 (com texto integral disponível, tal como os dois acórdãos anteriormente citados, em www.dgsi.pt/jtrl), embora reportado a título executivo diverso (certidão de dívida a instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde, por serviços e tratamentos prestados, emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 194/92, de 8 de Setembro), sustenta mesmo tese de sinal oposto à que veio a ser adotada na sentença de que se intenta interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
(...)
Conclui-se, assim, que a sentença em causa nestes autos adotou um entendimento que, face aos textos legais e aos pronunciamentos doutrinais e jurisprudenciais cognoscíveis à data da sua prolação, não podia deixar de ser considerada como uma decisão-surpresa. E que, aliás, se mostra desconforme com o fundamento, utilizado pelo Tribunal Constitucional, designadamente nos Acórdãos n.ºs 394/95 e 398/95, para não julgar inconstitucional a norma do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 404/93, que previa, no caso de falta de oposição ou de desistência da mesma, a aposição de fórmula executória no requerimento de injunção, quando consignou que:
“E, mesmo nos casos em que é aposta a fórmula executória na providência de injunção, nem por isso também lhe [ao executado] fica vedada a possibilidade de se opor à futura ação executiva baseada naquele título, de harmonia com as disposições do artigo 815.º do Código de Processo Civil (onde releva a possibilidade de lançar mão dos fundamentos de oposição que ao executado seria lícito deduzir como defesa no processo declarativo como modo de, livremente, impugnar a existência e exigibilidade da obrigação), razão pela qual, logo por aqui, se há-de concluir não impedir a normação em apreço, quer a efetivação dos meios de defesa, quer o asseguramento do princípio do contraditório que, mesmo em processo civil, deflui dos artigos 2.º e 20.º do Diploma Básico.”
13. No seguimento do recurso, em função da admissibilidade decidida no referido Acórdão n.º 669/05, foi julgada inconstitucional a mesma interpretação normativa, limitativa dos fundamentos de oposição do exequente em execução fundada em injunção, por violação do princípio da “proibição da indefesa” ínsito no direito de acesso ao direito e aos Tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição (Acórdão 658/06).
Importa reter os argumentos que o Acórdão n.º 658/06 considerou preponderantes:
“6. No presente caso, porém, a distribuição do ónus da prova que resulta do efeito cominatório previsto na norma impugnada dá-se fora do âmbito do exercício da função jurisdicional, não tendo havido, antes da emissão do título executivo, apreciação da pretensão do autor por parte de um juiz. Não existindo decisão condenatória, o executado não teve ocasião de, em ação declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão do exequente.
Conferida força executiva ao requerimento de injunção em resultado de um procedimento que representa a atribuição de uma especial fé a uma pretensão de pagamento de uma quantia em dinheiro, sem pôr em causa a possibilidade de questionar quer a obrigação exequenda, quer o responsável pelo seu cumprimento, o executado não se pode defender amplamente da pretensão do exequente em fase anterior ao requerimento de execução. Na oposição de mérito à execução, a qual visa um acertamento negativo da obrigação exequenda, incumbe ao exequente o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito substancial, sendo à ação executiva que se devem reportar as normas dos artigos 342.º a 345.º da Código Civil, relativas ao problema do ónus da prova. Assim, quando, como no caso dos autos, o executado ponha em causa ser ele a pessoa responsável pelo cumprimento da obrigação exequenda, é o exequente que, em sede de oposição à execução, terá o encargo de o provar, de acordo com o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Trata-se de “matéria de defesa do devedor; e só por existir um título executivo é que ao devedor cabe a iniciativa de instaurar a ação” (BRUNS-PETERS, Zwangsvollstreckungsrecht, München, 1987, p. 90, citado por JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva – Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, 2004, p. 184, nota 33).
Houve, é certo, por parte do devedor, uma opção no sentido de não deduzir a pertinente oposição no procedimento de injunção, reservando para a ação executiva subsequente à constituição do título executivo a formulação da defesa que anteriormente podia ter formulado, sendo tal falta de oposição subsequente à sua notificação o próprio fundamento da aposição da fórmula executória no requerimento de injunção.
Como afirma o tribunal a quo, “a característica deste título judicial impróprio, que o afasta dos restantes títulos criados por força de disposição legal, resulta, aliás, do facto de a força executiva ser conferida apenas depois de se conceder ao devedor a possibilidade de, judicialmente, discutir a causa debendi, alegada. Ou seja, no processo de injunção, o requerido tem a possibilidade de, deduzindo oposição, impedir que seja aposta força executiva à ação”.
Pode talvez dizer-se que o título executivo não é uma sentença porque o devedor optou por, no procedimento de injunção, não se opor à pretensão do requerente. Mas, seja como for, a falta de oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção não têm o condão de transformar a natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente.
Tendo presente, por um lado, que a demonstração do direito do exequente não tem o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, reconhecendo-se que o título executivo que resulte da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito substancial do exequente, mas não uma sua existência considerada certa, e, por outro lado, que a atividade do secretário judicial não representa qualquer forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado credor de obrigação pecuniária, há que evitar a “indefesa” do executado, entendendo-se por “indefesa” a privação ou limitação do direito de defesa do executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito.
Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, se uma limitação interfere com um direito, restringindo-o, necessário se torna encontrar na própria Constituição fundamentação para a limitação do direito em causa como que esta se limite “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
No caso, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo” (9.º § do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro), assim se alcançando o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 815.º do Código de Processo Civil (correspondente hoje ao artigo 816.º, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março).
Ora a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do atual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar “todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, afeta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua aceção de proibição de “indefesa”.
Ponderadas as considerações referidas, apenas se justificando normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciam uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, entende-se que a norma impugnada se encontra ferida de inconstitucionalidade.”
Como se vê, julgou-se, então, que a salvaguarda do interesse geral do exequente na satisfação expedita do seu crédito não integrava causa justificativa bastante para impedir o executado de suscitar na execução que lhe fosse movida e perante um juiz todos os fundamentos que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, mesmo quando não exerceu, podendo fazê-lo, oposição ao requerimento de injunção. No cerne desse julgamento encontra-se a rejeição da equiparação substancial, no plano da certeza, entre a mera aposição da fórmula executória por secretário judicial e a composição judicial do litígio, por via do sentenciamento fundamentado de órgão judicial.
14. Neste contexto, o Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, veio introduzir alterações nos fundamentos de oposição à execução previstos nos artigos 814.º e 816.º do Código de Processo Civil.
Assim, no que se refere ao artigo 814.º do Código de Processo Civil, agora epigrafado de “Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença ou injunção”, foi mantido o respetivo corpo e foram acrescentados os n.ºs 2 e 3, estatuindo o n.º 2 que: “O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.”
Paralelamente, o artigo 816.º do Código de Processo Civil, mantendo como epígrafe fundamentos de oposição à execução baseada noutro título, passou a ter a seguinte redação: “Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no n.º 1 do art.º 814.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração.”
Verifica-se, portanto, que o legislador veio intervir no sentido de equiparar expressamente a injunção com fórmula executória à sentença, identificando, desse jeito, os meios de oposição oponíveis ao título executivo obtido pela aposição de fórmula executória a requerimento de injunção que não tenha sofrido oposição com aqueles oponíveis à sentença.
15. Face à nova redação do n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil e a restrição dos fundamentos de oposição à execução fundada em título executivo injunção que operou, recolocou-se a questão de saber se essa limitação encontra justificação racional e respeita o equilíbrio de posições subjetivas compatível com a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, na vertente da proibição da “indefesa”.
Porém, ao contrário do que aconteceu no enquadramento anterior ao Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, o novo quadro normativo conduziu a respostas dissonantes.
Com efeito, a solvabilidade constitucional da nova redação do n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil suscitou apreciações divergentes na doutrina (afastam a inconstitucionalidade Salvador da Costa, A injunção e as conexas Ação e Execução, 6ª ed., 2008, p. 325 e Joel Timóteo Pereira, Execução de injunção: questões controvertidas na instauração e na oposição, Revista Julgar n.º 18, p. 117-123; em sentido oposto, José Lebre de Freitas, A ação executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, 2011, p. 182-183) e na jurisprudência (no Ac. da Relação do Porto de 11/10/2012, proferido no processo n.º 1014/11.0TBSTS, acessível em www.dgsi.pt, dá-se notícia que as Relações de Guimarães, Porto e Lisboa têm-se maioritariamente pronunciado pela conformidade constitucional do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro; já na Relação de Coimbra vem prevalecendo o entendimento da inconstitucionalidade material, por violação do artigo 20.º da Constituição).
16. Chamado a pronunciar-se sobre a questão, o Tribunal Constitucional, reiterando entendimento sufragado pelo Acórdão n.º 658/2006, concluiu invariavelmente pela inconstitucionalidade material da norma do n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, no sentido em que circunscreve - limita - a oposição em execução fundada em injunção aos fundamentos tipificados no n.º 1 do mesmo preceito.
16.1. Assim aconteceu no Acórdão n.º 283/11, indicado pelo recorrente como Acórdão- fundamento, quando se escreve:
“Na situação que ora nos ocupa, facilmente se verifica que a mencionada mutação legislativa lesa as legítimas expectativas do executado, que, confiadamente tinha por assente a sua posição jurídica já firmada. Na verdade, considerava, legitimamente, que se poderia defender em termos amplos, face ao facto de a execução ter sido intentada com base em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória no âmbito da lei antiga e não tão-somente como se a oposição à execução se fundasse em situação equiparável à sentença.
Isto é, a lei nova, instituída pelo Decreto-Lei n.° 226/2008, veio limitar a mais ampla defesa judicial, em sede de execução movida com base em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória no âmbito da lei antiga.
10. Acresce que a alteração legislativa em referência, restringindo os meios de oposição do executado, não realiza um interesse proeminente constitucionalmente protegido, que deva prevalecer sobre o direito à tutela judicial.
Ainda, e, conforme consta da decisão recorrida, o Decreto-Lei n.° 226/2008 não consagrou qualquer regime transitório que salvaguardasse as “legítimas expectativas” do mesmo executado à plenitude da defesa judicial, em sede de execução movida com base em injunção, o que também põe em crise o princípio da confiança.
Conclui-se, pois, pela violação do princípio da confiança, ínsito ao Estado de direito democrático (artigo 2.° da CRP).
11. Relativamente ao princípio da tutela judicial plena e efetiva, escreveu-se, no Acórdão n.º 658/2006 (publicado no Diário da República, II Série, de 9 de janeiro), em que, como no caso em apreço, se deparou perante uma situação de privação de defesa por impugnação, o seguinte:
(...)
Ponderadas as considerações referidas, apenas se justificando normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciem uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, entende-se que a norma impugnada se encontra ferida de inconstitucionalidade, porque também viola o princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa). Há, assim, que confirmar a sentença recorrida quanto à questão de constitucionalidade.”
16.2. O mesmo entendimento foi acolhido pelos Acórdãos 437/12, 468/12 e 529/12 (embora com voto divergente). Lê-se neste último aresto:
“3. O Tribunal já foi chamado a apreciar a constitucionalidade da restrição do âmbito de oposição consentido ao executado nas execuções fundadas em injunção, quer anterior, quer posteriormente à disposição expressa do n.º 2 do artigo 814.º do CPC (Cfr: Acórdão n.º 658/06, anteriormente à consagração expressa da solução pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro; Acórdão n.º 283/11, já no domínio da atual regime legal, mas relativamente a execuções fundadas em título formado anteriormente; Acórdão n.º 437/12 e Acórdão n.º 468/12, no domínio da atual redação do artigo 814.º do CPC).
Ponderou-se no Acórdão n.º 437/12 (para que remete o Acórdão n.º 468/12):
“9. O artigo 814.º do Código de Processo Civil, mais propriamente o seu n.º 2 (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro), ao determinar que se aplica «… à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido» o previsto no número anterior, no qual se enumeram os fundamentos que podem ser utilizados pelo executado na oposição à execução fundada em ‘sentença judicial’, procede a uma equiparação entre ambos os títulos executivos – ‘sentença judicial’ e ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’ – (cfr., ainda, o artigo 816.º do Código de Processo Civil na redação dada pelo mesmo diploma legal), limitando-se, desta forma, os fundamentos de oposição à execução também quando esta tenha por base este último título executivo.
Tal equiparação permite-nos concluir que a ‘norma’, que apenas era conseguida pela via interpretativa dos preceitos legais pertinentes, se encontra, após a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, contida de forma explícita no mencionado preceito legal – artigo 814.º, n.º 2 (e, acrescente-se, reafirmada no artigo 816.º); ou seja a ‘norma’ que dantes era alcançada por via interpretativa encontra-se, agora, plasmada na letra da lei, sem que, diga-se, o regime jurídico da injunção tenha sofrido qualquer alteração, de natureza substantiva ou adjetiva, suscetível de influenciar decisivamente a solução a dar à questão.
Não há dúvida que o legislador é livre na conformação da lei, tendo em conta as situações que com ela pretende regular e os resultados que pretende alcançar; porém, não poderá nunca olvidar, no exercício da sua função legislativa, os princípios constantes da Constituição, enquanto parâmetros validadores da eficácia daquela função.
Daí que, ainda que a questão se coloque com um enfoque diverso do que se colocava anteriormente à redação ora resultante do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, se afigure que a solução a dar à questão de (in)constitucionalidade suscitada, tendo em conta o princípio da tutela judicial e efetiva, não possa ser diversa da que foi encontrada nos Acórdãos 658/2006 e 283/2011 deste Tribunal, cuja doutrina, no essencial e decisivo, é aplicável no caso ‘sub judice’.
Ora, no Acórdão n.º 658/2006, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de janeiro, perante uma idêntica situação de limitação dos fundamentos de oposição à execução, cujo título executivo era uma ‘injunção a que havia sido oposta fórmula executória’, tão só aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente, afirmou-se o seguinte:
(…)
4. Não se vê razão para divergir deste entendimento, não sendo decisiva nenhuma das objeções que contra ele podem antever-se.
É certo que o legislador goza de ampla margem de discricionariedade na ordenação dos meios processuais e na conformação do processo civil e que ao referido entendimento poderia contrapor-se que o regime legal, na sua globalidade, concede ao requerido a oportunidade de defender-se com toda a amplitude e de fazer intervir um juiz na apreciação das razões que tivesse contra a pretensão do credor. Basta que se oponha ao requerimento de injunção, fazendo converter o procedimento em ação declarativa. Dir-se-á que, se ficam precludidos os meios que já então poderia opor ao requerente, é porque o requerido optou por não levar oportunamente a sua posição a juízo (“… desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido”).
Afigura-se, todavia, que esta preclusão dos meios de defesa anteriores à aposição da fórmula executória consistira num sibi imputet que é excessivo face ao regime de formação do título. O conteúdo da notificação a efetuar ao requerido no processo de injunção é legalmente determinado (artigo 13.º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro), importando notar que esta notificação provém da entidade a que passou a competir o processamento das injunções – o Balcão Nacional de Injunções – e dela não consta qualquer referência ou advertência de que a falta de oposição do requerido determinará o acertamento definitivo da pretensão do requerente de injunção. Essa notificação apenas não permite ao requerido ignorar que, na falta de oposição, será aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de uma ação executiva. Perante o teor da notificação, o requerido fica ciente de que está sujeito a sofrer a execução, mas não necessariamente de que o âmbito da defesa contra a pretensão do exequente, se essa hipótese se concretizar, estará limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor-lhe no momento do requerimento de injunção. Para que exista um “processo justo” é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cfr. artigo 235.º, n.º 2, in fine do CPC).
E igualmente improcedente se afigura o argumento de que, por esta via, o processo de injunção fica esvaziado de efeito prático, o que vale por dizer que a limitação dos fundamentos de defesa na fase executiva seria necessária para que se atingissem os fins de proteção do credor e, reflexamente, de tutela geral da economia que se visou com o novo mecanismo. Na verdade, esse procedimento permite ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via da ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida (cfr. artigos 812.º-C alínea b) e 812.º-F, n.º 1, do CPC). Assim, sempre se atinge o objetivo de facultar ao credor um meio expedito de passar à realização coerciva da prestação, mediante uma solução equilibrada entre os interesses concorrentes que não comporta compromisso desnecessário da defesa do executado.
5. Nestes termos e no seguimento da referida jurisprudência, o recurso merece provimento, sendo inconstitucional, por violação do artigo 20.º da Constituição, na sua aceção de “proibição da indefesa” a norma do n.º 2 do artigo 814.º do CPC (não se vê necessidade de introduzir especificações no alcance do julgamento de inconstitucionalidade porque a norma não tem outro efeito jurídico senão aquele que se julga inconstitucional, o de limitar aos enunciados no n.º 1 do mesmo preceito legal os fundamentos de oposição à execução titulada por requerimento de injunção).”
17. A jurisprudência firmada nos referidos Acórdãos mostra-se inteiramente transponível para o caso sub judicio e não se encontra razões para a sua alteração.
O direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição compreende, no seu âmbito normativo, o direito de ação, que, por sua vez, terá de efetivar-se através de um processo equitativo, enquanto processo materialmente informado pelos princípios materiais de justiça nos vários momentos processuais (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed. Revista, p. 414 e 415).
Da estrutura complexa decorrente do princípio do processo equitativo, cujo conteúdo se mostra firmemente assente na jurisprudência deste Tribunal (vd., entre muitos, Acórdão n.º 271/95), decorre que, embora o legislador tenha, na concreta modelação do processo, uma ampla margem de liberdade na construção das soluções que adota, encontra-se, contudo, constitucionalmente vinculado a, nomeadamente, garantir o direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito, bem como o direito a uma solução jurídica dos conflitos, obtida em tempo razoável.
Ainda assim, e como aponta Lopes do Rego: “as exigências de simplificação e celeridade - assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil - terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional - podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes (…), sem todavia, aniquilar ou restringir desproporcionalmente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional - não apenas célere - mas também justa, adequada e ponderada” (in, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa”, p. 855).
Na espécie, e como se sublinha no Acórdão 529/2012, a limitação dos fundamentos de oposição operada pelo n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei, não encontra justeza, enquanto instrumento necessário para a satisfação efetiva – porque em tempo útil e congruo - do direito do credor de prestação pecuniária, pois não fica comprometida a acrescida celeridade no acesso à instância executiva, nem o acesso imediato à penhora de bens do executado (artigo 812.º- C, al. b) do CPC).
Tais exigências de eficácia do sistema de execução, e o relevo que reconhecidamente assumem para a dinâmica económica e o tráfego comercial, não consentem que, a partir de uma fase não jurisdicional, sujeita a um controlo meramente formal da competência do secretário judicial, em que se prescinde “de qualquer juízo de adequação do montante da dívida aos factos em que ela se fundaria” (Lebre de Freitas, ob. cit., p. 182-183), se funde mais uma mera aparência da existência de um crédito e se opere efeito preclusivo para o qual não houve advertência. Em substância, essa ausência de advertência, conjugada com a simplificação e desburocratização que caracteriza o procedimento de injunção, significa que as vias de defesa no âmbito da injunção e no processo executivo não podem ser assimiladas, em termos de se conformarem como mutuamente equivalentes na perspetiva de quem organiza a sua defesa processual.
No seguimento da jurisprudência supra referida, não se encontra fundamento idóneo a justificar materialmente a restrição do direito de defesa em sede de execução e da obtenção de pronunciamento judicial sobre as razões oponíveis ao direito exercido pelo credor prévias à aposição da formula executória.
18. Nestes termos, conclui-se que a norma do n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, ao equiparar o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória à sentença judicial, para efeitos de limitação dos fundamentos de oposição à execução, é inconstitucional por violação do artigo 20.º da Constituição, na vertente da proibição da indefesa.
Procede, assim, o recurso.
III. Decisão
19. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 814.º do Código do Processo Civil, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro e, em consequência;
b) Julgar procedente o recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Pedro Machete (acompanho a decisão e a fundamentação tendo em conta que não está em causa a aplicação do regime da rejeição a obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro – cfr. Artigo 7º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro). – Joaquim de Sousa Ribeiro.