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Proc. n.º 7/02 Acórdão nº
25/2002
Plenário Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. Em 3 de Janeiro de 2002, a Coligação “Amar Lisboa” interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da deliberação da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 da Eleição dos Órgãos das Autarquias Locais do Concelho de Lisboa, tomada no dia 2 de Janeiro de 2002, que indeferiu a reclamação, por si apresentada, relativamente aos resultados definitivos apurados para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho, na secção de voto n.º 1 daquela Freguesia (requerimento de fls. 2-6)
Na petição do recurso para o Tribunal Constitucional, a Coligação
“Amar Lisboa” alega, entre o mais, que:
a) A referida deliberação, na parte em que indeferiu a mencionada reclamação, deturpa os resultados eleitorais, tendo como consequência directa a adulteração da distribuição de mandatos; b) A acta elaborada pela mesa da secção de voto n.º 1 da Assembleia Eleitoral da Freguesia de Santos-o-Velho, elaborada e assinada por todos os seus elementos no final das operações eleitorais do dia 16 de Dezembro de 2001, contém um manifesto erro material, consubstanciado no facto de nela ter sido lavrado que a Coligação “Lisboa Feliz” obteve 310 votos e a Coligação “Amar Lisboa” 200 votos; c) Na realidade, foi a Coligação “Amar Lisboa” que obteve 310 votos e a Coligação “Lisboa Feliz” 200 votos, tendo sido estes os resultados proclamados pela Presidente da referida Mesa no edital afixado no edifício da sede da Junta de Freguesia de Santos-o-Velho e transmitidos à Câmara Municipal de Lisboa no decurso do apuramento provisório; d) Todos os membros que constituíam a mesa da secção de voto n.º 1 da Assembleia Eleitoral da Freguesia de Santos-o-Velho declararam perante os Membros da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa, no dia 2 de Janeiro de 2002, que a acta que haviam lavrado padecia de um lapso, sendo que os resultados correctos eram os que constavam do edital afixado.
A Coligação “Amar Lisboa” termina pedindo que o Tribunal Constitucional providencie no sentido da correcção do erro material verificado ou, se alguma dúvida subsistir, que ordene a recontagem dos votos para a eleição da Assembleia de Freguesia na secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho.
Com a petição de recurso, foram juntos, entre outros, os seguintes documentos:
– reclamação dirigida ao Presidente da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2, em 28 de Dezembro de 2001 (documento n.º 1, fls. 7-8, integrando diversos anexos, numerados de 1 a 9, e substabelecimento, de fls. 9 a 105, alguns dos quais serão a seguir discriminados, por serem relevantes para o presente processo);
– cópias do edital relativo aos resultados da eleição de 2001 dos
órgãos das autarquias locais na Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Município de Lisboa, datado de 21 de Dezembro de 2001, bem como da documentação junta a esse edital, na qual se inclui a relativa à Freguesia de Santos-o-Velho
(documentos n.º s 1, 2, 3, 5 e 6, anexos à referida reclamação);
– cópia da acta da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 da Eleição dos Órgãos das Autarquias Locais do Concelho de Lisboa, realizada em 2 de Janeiro de 2002 (documento n.º 2, fls. 106-109);
– cópia do edital do apuramento local da eleição para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 –, datado de 16 de Dezembro de 2001 (documento n.º 4, anexo à referida reclamação, também junto como documento n.º 3, fls. 115);
– declaração, sob compromisso de honra, subscrita pelos membros da mesa da secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho, atestando que “o documento que expressa correctamente os resultados da mesa 1, da Assembleia de voto da Freguesia de Santos-o-Velho, para a eleição à Assembleia de Freguesia, é o edital afixado e não a acta respectiva, onde por lapso foram trocados os votos da coligação «Amar Lisboa», pelos da coligação «Lisboa Feliz»” (documento n.º 4, fls. 116);
– substabelecimento do mandatário da Coligação “Amar Lisboa” em dois advogados (fls. 117).
2. No dia 4 de Janeiro, foi proferido despacho pela relatora (fls. 119), solicitando ao Governo Civil de Lisboa os seguintes elementos:
– cópia integral da acta das operações eleitorais, respeitantes às eleições realizadas em 16 de Dezembro de 2001, da Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 –, incluindo todas as eventuais reclamações, protestos ou contraprotestos apresentados;
– cópia integral da acta da reunião da assembleia de apuramento geral n.º 2 do concelho de Lisboa, realizada entre 18 e 21 de Dezembro de 2001, incluindo todas as eventuais reclamações, protestos ou contraprotestos apresentados;
– cópia integral da acta da reunião da assembleia de apuramento geral n.º 2 do concelho de Lisboa, realizada em 2 de Janeiro de 2002, incluindo todas as eventuais reclamações, protestos ou contraprotestos apresentados;
– cópia do edital contendo os resultados do apuramento local da Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1;
– cópia do edital (ou, eventualmente, dos editais) contendo os resultados do apuramento geral, na parte respeitante à Freguesia de Santos-o-Velho, e respectiva data de afixação.
3. Notificados os mandatários dos partidos políticos concorrentes à eleição da Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 159º, n.º 3, da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º
1/2001, de 14 de Agosto (a seguir designada, simplificadamente, L.E.O.A.L.), não foi recebida qualquer resposta.
4. No dia 4 de Janeiro de 2002, o Governo Civil de Lisboa remeteu a este Tribunal, em mão, entre outros, os seguintes documentos (juntos ao processo em 7 de Janeiro):
– cópia da acta das operações eleitorais, respeitantes às eleições realizadas em 16 de Dezembro de 2001, da Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 (fls. 155-161);
– cópia da acta da reunião da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa, realizada entre 18 e 21 de Dezembro de 2001, e respectivos mapas anexos (fls. 125-140);
– cópia da acta da reunião da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa, realizada em 2 de Janeiro de 2002, e respectivos mapas anexos (fls. 142-154).
Na mesma data, a Câmara Municipal de Lisboa enviou ao Tribunal, por telecópia, os seguintes documentos (juntos ao processo em 7 de Janeiro):
– cópia do edital, com data de 2 de Janeiro de 2002, contendo os resultados do apuramento geral da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Município de Lisboa, depois de “efectuadas as rectificações dos lapsos materiais detectados nas actas de apuramento originárias”, relativamente às freguesias de Beato, Benfica, Marvila e S. João de Deus (fls. 163);
– certidão comprovativa de que este último edital foi afixado no
átrio do Edifício Central da Câmara Municipal de Lisboa desde as 15 horas do dia
2 de Janeiro até às 16 horas do dia 4 de Janeiro de 2002 (fls. 164).
Em 7 de Janeiro de 2002, foi também junto ao processo o ofício n.º
001/2002, da Junta de Freguesia de Santos-o-Velho (fls. 176), recebido por telecópia, que vinha acompanhado dos seguintes documentos:
– cópia do edital contendo os resultados do apuramento local da Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 – relativos à eleição para a Assembleia de Freguesia (fls. 177);
– cópia do edital contendo os resultados do apuramento local da Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 – relativos à eleição para a Assembleia Municipal (fls. 178);
– cópia do edital contendo os resultados do apuramento local da Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 – relativos à eleição para a Câmara Municipal (fls. 179).
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. O recurso apresentado pela Coligação “Amar Lisboa” vem interposto da deliberação tomada pela Assembleia de Apuramento Geral, em 2 de Janeiro de 2002, que indeferiu a reclamação, deduzida por aquela Coligação, relativamente aos resultados definitivos apurados para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho, na mesa de voto n.º 1 daquela Freguesia.
No caso dos autos, a deliberação em recurso não é uma deliberação de uma assembleia normal de apuramento (local ou geral) de resultados eleitorais, mas antes uma deliberação de uma assembleia extraordinária.
Duas questões desde logo se suscitam: a da recorribilidade da deliberação e a da tempestividade do recurso.
Quanto à primeira questão, o recurso previsto no artigo 156º, n.º 1, da L.E.O.A.L. não pode deixar de abranger a deliberação impugnada na petição do presente recurso.
Na verdade, no caso em apreciação, foi invocada perante a Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa, uma irregularidade ocorrida no decurso do apuramento geral, que, segundo se alega, consiste num “manifesto erro material”, traduzido na divergência entre os resultados da votação realizada e os resultados mencionados na acta do apuramento geral, e resultante da circunstância de a Assembleia de Apuramento Geral se ter baseado nos elementos constantes da acta do apuramento local e não nos elementos constantes do edital do apuramento local – “o documento que expressa correctamente os resultados da mesa 1”, tal como se afirma na declaração emitida em 2 de Janeiro de 2002 pelos membros da mesa da secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho.
Ora, a Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa, em reunião extraordinária, realizada no dia 2 de Janeiro de 2002, apreciou, entre outras, a reclamação deduzida pela ora recorrente relativamente aos resultados apurados na secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho, fixando desse modo o número de votos atribuídos a cada uma das forças políticas concorrentes. É pois justificada a admissibilidade da presente impugnação (cfr., relativamente a uma situação próxima da que se discute neste processo, o acórdão n.º 20/98, publicado no Diário da República, II Série, n.º 39, de 16 de Fevereiro de 1998, p. 2123 ss).
Quanto à segunda questão, o prazo fixado no artigo 158º da L.E.O.A.L. não pode naturalmente, neste caso, contar-se a partir da data da afixação do edital contendo os resultados do apuramento geral originário (no caso, do edital afixado em 21 de Dezembro de 2001), mas sim a partir da data da afixação do edital contendo os resultados do apuramento geral corrigido na sequência da mencionada acta da assembleia extraordinária, de 2 de Janeiro de
2002 (o edital que esteve afixado entre 2 e 4 de Janeiro de 2002 ). O recurso é portanto tempestivo.
6. Tendo em conta os resultados apurados na eleição para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho (1110 votos na lista da Coligação “Amar Lisboa”,
1044 votos na lista da Coligação “Lisboa Feliz”, e 330 votos na lista do Partido Popular), tal como resultam do mapa anexo à acta da reunião da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa, realizada entre 18 e 21 de Dezembro de 2001 (fls. 140), e do mapa anexo ao edital relativo aos resultados da eleição de 2001 dos órgãos das autarquias locais na Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Município de Lisboa, datado de 21 de Dezembro de 2001 (fls. 80) – resultados que se mantiveram inalterados nos mapas anexos à acta e ao edital de
2 de Janeiro de 2002 –, conclui-se que a apreciação da questão suscitada pela coligação recorrente é susceptível de influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico.
Com efeito, se aos 1110 votos atribuídos à lista da Coligação “Amar Lisboa” (a que correspondem quatro mandatos) se subtraírem 200 votos e adicionarem 310, o resultado será de 1220 e o quociente para o 5º mandato será de 244; ao mesmo tempo, se aos 1044 votos atribuídos à lista da Coligação
“Lisboa Feliz” (a que correspondem também quatro mandatos) se subtraírem 310 votos e adicionarem 200, o resultado será de 934 e o quociente para o 4º mandato será de 233,5. O quociente apurado para o 5º mandato da Coligação “Amar Lisboa” seria superior ao quociente apurado para o 4º mandato da Coligação “Lisboa Feliz”, o que implicaria a transferência de um mandato da Coligação “Lisboa Feliz” para a Coligação “Amar Lisboa”.
7. Resulta dos autos que:
a) Na acta das operações eleitorais respeitantes às eleições realizadas em 16 de Dezembro de 2001, da Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1
–, lavrada no próprio dia 16 de Dezembro, refere-se que a Coligação “Amar Lisboa” obteve 200 votos e a Coligação “Lisboa Feliz” obteve 310 votos (fls.
157).
b) Do edital relativo aos resultados do apuramento local da eleição para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 –, datado de
16 de Dezembro de 2001, consta que à Coligação “Amar Lisboa” foram atribuídos
310 votos e à Coligação “Lisboa Feliz” 200 votos (fls. 115, 177).
c) Do mapa anexo à acta da reunião da Assembleia de Apuramento Geral n.º
2 do Concelho de Lisboa, realizada entre 18 e 21 de Dezembro de 2001, relativamente à Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 –, consta que, na eleição para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho, a Coligação
“Amar Lisboa” obteve 200 votos e a Coligação “Lisboa Feliz” obteve 310 votos
(fls. 134).
d) Do mapa anexo ao edital relativo aos resultados da eleição de 2001 dos órgãos das autarquias locais na Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Município de Lisboa, datado de 21 de Dezembro de 2001, relativamente à Freguesia de Santos-o-Velho – secção de voto n.º 1 –, consta que, na eleição para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho, a Coligação “Amar Lisboa” obteve 200 votos e a Coligação “Lisboa Feliz” obteve 310 votos (fls. 74).
e) Na reclamação dirigida ao Presidente da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2, em 28 de Dezembro de 2001, a Coligação “Amar Lisboa”, ora recorrente, invocara, a propósito do erro material verificado relativamente aos resultados apurados na Freguesia de Santos-o-Velho, que (fls. 7):
“[...] após consulta do edital afixado na Câmara Municipal de Lisboa vem reclamar do seu conteúdo, o qual contém erros, [...], o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
[...]
3 - Na folha relativamente à secção de voto n.º 1 da Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho os votos atribuídos à Coligação “Amar Lisboa” e à Coligação
“Lisboa Feliz”, respectivamente, encontram-se invertidos, ou seja, os 310 votos da Coligação “Lisboa Feliz” pertencem à Coligação “Amar Lisboa” e os 200 atribuídos à Coligação “Amar Lisboa” pertencem à Coligação “Lisboa Feliz”. Este erro influi na atribuição de mandatos atribuídos a cada uma das Coligações
(vide doc. 3 e 4 )
[...]”.
f) A Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 da Eleição dos Órgãos das Autarquias Locais do Concelho de Lisboa, reunida em sessão extraordinária, em 2 de Janeiro de 2002, indeferiu a reclamação deduzida pela Coligação “Amar Lisboa”, com os seguintes fundamentos (fls. 107-108):
“[...] Preliminarmente, constata-se que não foram deduzidas – nem pela ora Reclamante, nem por qualquer outra candidatura concorrente –, durante o acto de apuramento geral que teve lugar nestas instalações da Câmara Municipal de Lisboa, entre 18 e 21 de Dezembro de 2001, quaisquer reclamações ou protestos. Daí que, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 156º, n.º 1, e 143º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, todas as reclamações apresentadas sejam intempestivas. De qualquer modo, entende esta Assembleia, em homenagem ao princípio do real apuramento da votação, conhecer dos lapsos apontados pela Reclamante.
[...] Da reclamação deduzida contra os resultados do apuramento geral respeitante à freguesia de Santos-o-Velho: A coligação eleitoral reclamante insurge-se contra o apuramento dos resultados eleitorais respeitantes à eleição para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho relativos à Secção de Voto n.º 1 e constantes da respectiva acta, pretendendo que os votos atribuídos às coligações eleitorais “Amar Lisboa” e
“Lisboa Feliz” estariam invertidos. Porém, consultada a acta das operações eleitorais da referida 1ª Secção de voto, elaborada e assinada por todos os membros da respectiva mesa no dia 16 de Dezembro de 2001, verifica-se que – contrariamente ao sustentado pela ora Reclamante – não há qualquer disparidade entre os votos atribuídos às mencionadas coligações na acta de apuramento geral e os que constam da aludida acta das operações eleitorais da 1ª Secção de voto de Santos-o-Velho. Aliás, da mesma acta de operações eleitorais não consta qualquer menção a protestos ou reclamações que, porventura, tivessem sido deduzidos no momento da contagem dos votos ou da elaboração da própria acta (nos termos do art. 134º, n.º 1, da cit. Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto). Ora, como a mencionada acta das operações eleitorais constitui um documento autêntico, o seu valor probatório não pode ser infirmado pela mera apresentação do Edital do Apuramento Local da Eleição da Assembleia de Freguesia do qual constem resultados discrepantes dos que figuram naquela Acta. Assim sendo, esta Assembleia entende não ser caso de se proceder à recontagem dos votos entrados na urna, atenta a fé pública de que é merecedora a referida acta das operações eleitorais.
[...]”
g) Os membros da mesa da secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho subscreveram uma declaração, sob compromisso de honra, atestando que “o documento que expressa correctamente os resultados da mesa 1, da Assembleia de voto da Freguesia de Santos-o-Velho, para a eleição à Assembleia de Freguesia, é o edital afixado e não a acta respectiva, onde por lapso foram trocados os votos da coligação «Amar Lisboa», pelos da coligação «Lisboa Feliz»”
(fls. 116), indicando as seguintes razões para o lapso:
“Este lapso teve em conta os seguintes aspectos.
1) Ter esta mesa tido uma grande afluência às urnas e os votantes serem pessoas de bastante idade.
2) Ter sido esta mesa a última desta secção a terminar o escrutínio e os membros estarem já bastante cansados.
Assim sendo os resultados correctos nesta mesa para a eleição da Assembleia de Freguesia no que diz respeito às duas coligações em causa são os seguintes:
Coligação «Amar Lisboa» – 310 votos.
Coligação «Lisboa Feliz» – 200 votos
Os membros da mesa lamentam o lapso ocorrido e esperam que este lhes seja relevado e que seja considerado nos resultados finais o sentido [do] voto expresso pelos eleitores desta mesa.”
8. Está em causa, no presente recurso, a apreciação da legalidade da deliberação tomada pela Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa, reunida em sessão extraordinária, em 2 de Janeiro de 2002, que indeferiu a reclamação deduzida pela Coligação “Amar Lisboa” no sentido de serem corrigidos os erros materiais verificados na referência aos votos obtidos por essa Coligação e pela Coligação “Lisboa Feliz” na eleição para a Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho, secção de voto n.º 1.
A deliberação assentou essencialmente em dois fundamentos: por um lado, na inexistência de “protestos ou reclamações que, porventura, tivessem sido deduzidos no momento da contagem dos votos ou da elaboração da própria acta
[do apuramento local]”; por outro lado, no argumento de que como a “acta das operações eleitorais constitui um documento autêntico, o seu valor probatório não pode ser infirmado pela mera apresentação do Edital do Apuramento Local da Eleição da Assembleia de Freguesia do qual constem resultados discrepantes dos que figuram naquela acta” (cfr. acta da reunião extraordinária da Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa, de 2 de Janeiro de 2002, a fls.
108).
É certo que não foi deduzida pela ora recorrente qualquer reclamação ou protesto durante os actos de apuramento realizados a propósito da eleição em discussão.
A circunstância apontada poderia justificar que se não tomasse conhecimento do recurso.
Porém, certo é também que a própria Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 do Concelho de Lisboa aceitou apreciar, na sua reunião extraordinária de 2 de Janeiro de 2002, esta e outras reclamações respeitantes a lapsos ocorridos no apuramento geral de resultados eleitorais relativos a diversas freguesias do concelho de Lisboa, apesar de não terem sido deduzidos protestos ou reclamações durante os actos de apuramento, quer local, quer geral.
Além disso, não pode esquecer-se que, no caso dos autos, é invocada a existência de um mero erro ou lapso material – um erro de escrita constante da acta da assembleia de apuramento local.
Em casos como este, é de admitir que à assembleia de apuramento geral seja lícita a realização de determinadas diligências com vista à correcção do erro ou lapso material, o que é susceptível de conduzir a que aquele órgão, ao proceder à “verificação dos números totais de votos obtidos por cada lista”
(operação incluída no “apuramento geral”, nos termos do artigo 146º, n.º 1, alínea c), da L.E.O.A.L.), se não deva limitar a tomar em conta somente as actas das operações de apuramento local. A possibilidade de a assembleia de apuramento geral proceder à realização de determinadas diligências com vista à correcção do erro ou lapso material foi já admitida por este Tribunal nos acórdãos n.ºs 17/90 e 18/90 (publicados, respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional,
15º vol., p. 675 ss, e 679 ss), no já citado acórdão n.º 20/98 e no acórdão n.º
2/02 (ainda inédito). De resto, o próprio artigo 148º, n.º 1, da L.E.O.A.L. determina que “o apuramento geral é feito com base nas actas das operações das assembleias de voto, nos cadernos de recenseamento e demais documentos que os acompanhem”, o que não exclui necessariamente a consideração de elementos constantes de outros documentos ou até a contagem integral dos votos.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem exigido, como requisito da admissibilidade da realização dessas diligências destinadas à correcção do erro ou lapso material, a perceptibilidade da existência do erro ou lapso, em face do teor do documento em que o erro ou lapso se contenha, ou a verosimilhança ou alta probabilidade da existência do erro ou lapso.
Ora, no caso em apreciação, e em primeiro lugar, consta dos autos uma declaração, sob compromisso de honra, subscrita por todos os membros da mesa da secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho, atestando que “o documento que expressa correctamente os resultados da mesa 1, da Assembleia de voto da Freguesia de Santos-o-Velho, para a eleição à Assembleia de Freguesia, é o edital afixado e não a acta respectiva, onde por lapso foram trocados os votos da coligação «Amar Lisboa», pelos da coligação «Lisboa Feliz»” e concluindo que
“seja considerado nos resultados finais o sentido [do] voto expresso pelos eleitores desta mesa” (declaração de fls. 116).
A esta declaração, subscrita pelas mesmas pessoas que assinaram a acta do apuramento local em questão, pode materialmente atribuir-se o significado de um aditamento ou correcção à acta, embora, como é óbvio, do ponto de vista formal, o documento não revista as características para ser como tal qualificado. De todo o modo, é clara, no documento, a afirmação da existência do erro.
Como elemento adicional susceptível de indiciar a falta de exactidão da acta do apuramento local, pode invocar-se a comparação dos resultados apurados na votação para os diversos órgãos autárquicos, na secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho, tal como constam dos mapas anexos a essa acta
(mencionam-se apenas os votos atribuídos às três forças políticas entre as quais serão repartidos os mandatos, e pela ordem em que aparecem elencados no mapa anexo correspondente à eleição para cada um dos órgãos autárquicos):
– Eleição para a Assembleia de Freguesia (cfr. mapa de fls. 157):
Partido Popular 62 votos
Coligação “Lisboa Feliz” 310 votos
Coligação “Amar Lisboa” 200 votos
– Eleição para a Assembleia Municipal (cfr. . mapa de fls. 158):
Coligação “Amar Lisboa” 312 votos
Partido Popular 58 votos
Coligação “Lisboa Feliz” 196 votos
– Eleição para a Câmara Municipal (cfr. . mapa de fls. 159):
Coligação “Amar Lisboa” 306 votos
Partido Popular 54 votos
Coligação “Lisboa Feliz” 204 votos
Perante estes resultados, é de admitir que “causa substancial estranheza” (para utilizar a expressão usada no mencionado acórdão n.º 2/02) que, na secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho, segundo a acta da assembleia de apuramento local, e relativamente à eleição para a Assembleia de Freguesia, tenha sido atribuído à Coligação “Amar Lisboa” um número de votos
(200) que se aproxima da votação atribuída à Coligação “Lisboa Feliz” na eleição para os outros dois órgãos autárquicos (para a Assembleia Municipal, 196, e para a Câmara Municipal, 204), e que à Coligação “Lisboa Feliz” tenha sido atribuído um número de votos (310) que se aproxima da votação atribuída à Coligação “Amar Lisboa” na eleição para os outros dois órgãos autárquicos (para a Assembleia Municipal, 312, e para a Câmara Municipal, 306).
9. Neste contexto, afigura-se como altamente provável que, na acta da assembleia de apuramento local da secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho, tenha ocorrido um erro ou lapso de escrita.
De todo o modo, perante uma dúvida insanável originada pela divergência dos resultados constantes de dois documentos autênticos (a acta da assembleia de apuramento local da secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho e o edital do apuramento local da mesma secção de voto), e tendo decisivamente em conta a existência da declaração, sob compromisso de honra, subscrita por todos os membros da mesa daquela secção de voto, justifica-se que a assembleia de apuramento geral possa proceder à realização de outras diligências destinadas a verificar os resultados obtidos para a eleição da Assembleia de Freguesia de Santos-o-Velho, na secção de voto n.º 1, incluindo a contagem integral dos votos.
Sublinhe-se, a terminar, que a contagem integral dos votos (contagem integral dos votos válidos, entenda-se) nunca foi em si mesma excluída pelo Tribunal Constitucional – naturalmente a título excepcional –, que já no acórdão n.º 322/85 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 88, de 16 de Abril de 1986, p. 3582 s), proferido perante a anterior lei eleitoral, e depois de afirmar que:
“[...] os votos havidos por válidos pelas assembleias de apuramento parcial e relativamente aos quais não foi apresentada qualquer reclamação pelos delegados das listas [...] se tornam definitivos, não podendo ser objecto de reapreciação e modificação da sua validade”. admitiu que:
“[...] poderiam ter sido contados integralmente os boletins de voto válidos, sem que, porém, fosse aproveitada essa contagem para modificar a qualificação atribuída a esses votos pelas mesas das respectivas secções”.
É essa possibilidade excepcional de contagem integral dos votos que agora se admite, pelas razões anteriormente expostas.
III
10. Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, e determina-se que a Assembleia de Apuramento Geral n.º 2 da Eleição dos Órgãos das Autarquias Locais do Concelho de Lisboa proceda à contagem integral dos votos para a eleição da Assembleia de Freguesia, na secção de voto n.º 1 da Freguesia de Santos-o-Velho.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2002- Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa (vencido, em síntese, não só por não considerar suficientemente retratada a verosimilhança do erro, como, também, por não se ter verificado protesto na opocionidade, acompanhando, nesta parte, a declaração de voto do Exmº. Conselheiro Bravo Serra Bravo Serra (vencido. Entendo que, a existir qualquer erro na acta da assembleia de apuramento local, o delegado da coligação ora recorrente deveria, no momento em que a assinou ou deveria assinar, dar sugestão para a sua correcção ou, inclusivamente, protestar ou reclamar desse eventual alegado erro. Não o tendo feito, estará precludida a possibilidade de a Assembleia de Apuramento Geral entrar na apreciação dessa situação. Assim, sou de opinião de que a deliberação em causa não padece minimamente de legalidade, pelo que teria negado provimento ao recurso, fundado no primeiro argumento utilizado no Acórdão deste Tribunal nº. 2/2002). José Manuel Cardoso da Costa (vencido, embora não inteiramente, a dúvida sobre a necessidade de protesto na assembleia de apuramento geral, por se tratar de erro possível contido em secção de voto).
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