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Processo n.º 651/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que são recorrentes A. e B. e é recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 5 de março de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 500/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto.
Desta decisão os recorrentes reclamaram para a conferência. Pelo Acórdão n.º 553/2012 decidiu-se indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada. Para o que agora releva, esta decisão tem a seguinte fundamentação:
“4. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por falta de suscitação adequada durante o processo da questão de inconstitucionalidade colocada e não aplicação pelo tribunal recorrido da norma, ou interpretação normativa, que os recorrentes pretendem ver apreciada.
Na reclamação ora apresentada os recorrentes, discordando da decisão proferida de não conhecimento do recurso, não indicam, todavia, qualquer fundamento em sustentação da sua discordância. Limitando-se a assinalar que suscitaram adequadamente a questão e a insistir que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, entendem que o recurso não deveria ter sido rejeitado.
Na decisão reclamada são desenvolvidamente explanados os fundamentos da rejeição do recurso. Ali se indicam as razões pelas quais se concluiu não apenas que os Recorrentes não suscitaram de forma processualmente adequada a questão da inconformidade constitucional da norma, como a norma formulada não constituiu a razão de ser do decidido.
Analisados os autos confirma-se a falta de verificação do requisito de admissibilidade do recurso de inconstitucionalidade consistente na não aplicação como ratio decidendi da norma impugnada.
Em face de tudo o que ficou dito impõe-se indeferir a reclamação apresentada.”
3. Notificados desta decisão, os reclamantes apresentaram o seguinte requerimento:
“A. e B., arguidos/recorrentes nos autos de processo de recurso à margem referenciados, notificados do douto acórdão que indeferiu a reclamação apresentada e confirmou a decisão reclamada, vêm, respeitosamente arguir a respetiva nulidade e solicitar a supressão do vício e respetiva aclaração e correção do mesmo.
DA NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Salvo o devido respeito – que é muito e absolutamente merecido – e melhor opinião, a Colenda Conferência do Tribunal Constitucional não deu, no douto Acórdão aqui posto em crise, cabal cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código Processo Penal, uma vez que, não fez uma exposição completa dos motivos de facto e direito que fundamentaram a decisão, e que serviram para formar a convicção no sentido de ser indeferida a reclamação.
Na douta decisão, salvo o devido respeito e melhor opinião, estão vertidas apenas algumas considerações genéricas e ainda algumas considerações conclusivas, limitando-se muitas das vezes a fazer uma mera remissão para os argumentos expendidos aquando a decisão sumária que decidiu pelo não conhecimento do objeto do recurso.
Ora, salvo o devido respeito, no acórdão ora em crise, teria que se fazer uma exposição completa dos motivos de facto e direito que fundamentaram a decisão, o que não fez, mesmo considerando-se a subscrição e remissão de argumentos anteriormente expendidos neste processo.
A douta Conferência cingiu-se a afirmar de forma genérica que “…os Recorrentes não suscitaram de forma processualmente adequada a questão da conformidade constitucional da norma, sendo que a norma em causa não foi aplicada na decisão.”
Ora, ao não fundamentar devidamente a sua decisão, nem esclarecer devidamente todo o processo lógico mental de formação da convicção que lhes permitiu concluir que os Recorrentes não suscitaram de forma adequada a questão de constitucionalidade, o douto Acórdão é nulo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379º, n.º 1, alínea a) e 374º, n.º 2 do Código Processo Penal, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.
Pretende-se que o tribunal e o comum dos cidadãos possam compreender com clareza o porquê da decisão à luz das regras da experiência comum pertinentes, bem como das normas lógicas e científicas, e não a explanação exaustiva do processo psicológico que conduz à convicção pois, em boa verdade, para além das dificuldades e limitações ao nível da sua expressão verbal, não pode sequer considerar-se sindicável o processo de formação da convicção em toda a sua extensão e profundidade, desde logo por falta de parâmetros lógicos e científicos que o permitam.
É, pois, neste quadro de fundo que deverá ser apreciada o cumprimento pelo Tribunal dessa exigência legal.
Assim e pelo exposto o Tribunal a quo ao não dar cabal cumprimento ao disposto no n.º2 do artigo 374º do Código Processo Penal, não permitiu, nem permite, aos sujeitos processuais proceder ao exame ou reexame do processo lógico ou racional que subjaz à convicção do julgador.
Face a natureza da motivação constante do douto Acórdão recorrido não é possível perceber-se a “ratio essendi” da decisão, pessoal e concreta, quanto à decisão de indeferimento da reclamação.
Logo, nos termos supra referidos, o douto Acórdão padece, deste modo, da nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea a) do Código Processo Penal, a qual aqui se suscita para os devidos e legais efeitos, sendo igualmente de conhecimento oficioso, face ao disposto no nº 2 do artigo 379º do Código de Processo Penal.
É neste contexto que os fundamentos invocados no douto Acórdão, por omissos ou insuficientemente aduzidos, não são precisos nem suficientemente claros ou esclarecedores devendo este Venerável Tribunal aclarar e corrigir consequentemente a douta decisão.
TERMOS EM QUE respeitosamente se requer a aclaração e correção do douto Acórdão com as legais consequências, assim se fazendo a acostumada Justiça!”
4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Os recorrentes vêm arguir a nulidade do Acórdão n.º 553/2012, por falta de fundamentação, bem como requerer a aclaração e a reforma do mesmo. Suportam-se dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º, n.º 2 do CPP que, todavia, não têm aplicação neste caso.
Segundo o disposto nos artigos 666.º, n.os 1 e 2, e 716.º do Código de Processo Civil e 69.º da LTC, proferida a decisão fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo-lhe, porém, lícito suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na decisão e reformá-la, nos termos dos artigos 668.º e 669.º daquele Código.
Nos termos das aludidas disposições legais, é nula a decisão quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam [alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º];
É passível de esclarecimento, a decisão que seja obscura ou ambígua [alínea a) do n.º do artigo 669.º];
Finalmente, a decisão é reformável quando, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos [alínea a) do n.º 2 do artigo 669.º].
No requerimento ora apresentado os requerentes afirmam que o acórdão n.º 553/2012 enferma de falta de fundamentação, limitando-se a remeter para os argumentos expendidos na decisão sumária.
Não têm razão. Na verdade, se o acórdão em referência pouco acrescenta ao afirmado na decisão sumária, tal deve-se tão-só ao facto de os reclamantes terem fundado a sua reclamação em meras considerações genéricas sem concretizarem, e muito menos demonstrarem, as razões da sua discordância para com o decidido.
Do requerimento em apreciação não é possível extrair nenhum argumento no sentido de dever ser suprida a nulidade invocada pelos reclamantes, ou dever ser aclarado ou reformado o acórdão em causa.
Em conformidade, impõe-se o indeferimento da arguição de nulidade do acórdão, bem como dos pedidos de aclaração e de reforma da decisão.
III – Decisão
6. Pelo exposto, decide-se indeferir o requerido.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 16 de janeiro de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.