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Processo nº: 685/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
1. No presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade em que é recorrente A. e recorrido o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o relator proferiu a seguinte decisão:
“1. O recorrente pretende ver apreciada no presente recurso, interposto do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82, de 15 de novembro (LTC), a inconstitucionalidade da norma do art.º 15.º, n.º3, do Regulamento aprovado pela Portaria n.º 386/02, de 11 de abril, “interpretado no sentido de que atribui ao júri do concurso e, assim, à Entidade Recorrida, um poder discricionário para avaliar candidatos a juiz”.
2. Ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos demais tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Sucede que o acórdão recorrido não aplicou a norma do n.º 3 do art.º 15.º com o sentido que o recorrente pretende submeter a apreciação.
Com efeito, o acórdão do Pleno confirmou decisão da Secção do Contencioso Administrativo em que de modo expresso se negou o caracter discricionário do poder conferido pela norma em causa ao Júri ou ao CSTAF, afirmando-se:
“(...)
6. Por fim, alega o Autor (conclusão 15) que o art. 15º, nº 3 do Regulamento aprovado pela Portaria nº 386/02, de 11 de abril, interpretado no sentido de que confere um poder discricionário para avaliar candidatos a juiz está ferido de inconstitucionalidade formal por violação do art. 112º, nº 5 da CRP; de inconstitucionalidade material, por violação dos arts. 18º, nºs 2 e 3, 47º e 50º CRP; e de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos arts 3º nº l, 111º, 164º, al. m), 202º, nº 1 e 215º, nº 2 da CRP, sendo assim nulo, nos termos dos arts. 3º, nº 3, 277º, nº 1 e 282º, nº 1 da CRP.
Nenhuma razão lhe assiste.
O normativo em causa é do seguinte teor:
Graduação final dos candidatos
1 - No termo do curso de formação, procede-se à graduação dos candidatos, mediante a atribuição a cada um deles de uma classificação final, numa escala valorimétrica de 0 a 20, baseada nos resultados dos exercícios formativos e de avaliação realizados nos diferentes módulos, atendendo-se, em caso de igualdade, sucessivamente, à graduação obtida na 1ª fase do concurso e à nota de licenciatura.
2 - A graduação os candidatos considerados aptos é elaborada pelo júri, que submete a respetiva ata à homologação do CSTAF.
3 - São excluídos da lista de graduação os candidatos que …, mediante decisão devidamente fundamentada, tenham sido considerados não aptos.
Foi efetivamente ao abrigo do inciso normativo visado pelo Autor (realce negrito nosso) que o júri considerou o candidato A. como “não apto”.
Mas isso não significou o exercício, pelo júri, de um poder discricionário ou de arbítrio.
Como se referiu anteriormente, a decisão do júri, homologada pela deliberação impugnada, “reapreciou a situação do Recorrente, subsequente à publicação dos resultados dos 11 (onze) testes que puseram termo ao Curso de Formação Teórica de três meses, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários” … efetuando uma ponderação global do mérito absoluto dos candidatos perante os resultados globais dos testes, sendo o requerente excluído em virtude de “evidenciar graves deficiências em matérias nucleares de direito administrativo e de direito fiscal, patentes concretamente nas classificações obtidas em Procedimento Administrativo (9,5 valores), Contratação Pública (9 valores), Responsabilidade Civil dos Poderes Públicos (8,5 valores) e Direito Fiscal/Parte Geral (8 valores)”, o que levou o júri a concluir que, “na globalidade, não possui os conhecimentos considerados indispensáveis ao desempenho da função soberana de julgar nos tribunais administrativos e fiscais”.
E este juízo de avaliação foi devidamente fundamentado. Perante as classificações por ele obtidas nos testes (classificações em que o júri não interveio e que respeitou), o júri emitiu o seu juízo de “não apto” referente ao Autor, e fê-lo de forma fundamentada, como lhe impunha o art. 15º, nº 3 do Regulamento do Concurso (não possuir “os conhecimentos considerados indispensáveis ao desempenho da função soberana de julgar nos tribunais administrativos e fiscais”, o que resultou da ponderação global do mérito do candidato na qual teve peso negativo o resultado desses mesmos testes que revelavam falta de conhecimento em matérias tão importantes como Procedimento Administrativo ou Direito Fiscal.).
Ou seja, o preceito em causa, ao abrigo do qual foi proferida a decisão do júri, homologada pelo ato impugnado, não confere um poder verdadeiramente discricionário ou de pura liberdade de escolha (arbítrio) para avaliar candidatos a juiz (aliás, e em rigor, qualquer decisão administrativa comporta sempre o exercício de poderes vinculados e de poderes discricionários). Nem foi com essa amplitude de arbítrio que o júri do concurso o aplicou em concreto.
O ato de avaliação ali previsto - ato de exclusão dos candidatos que, “mediante decisão devidamente fundamentada, tenham sido considerados não aptos” - não é o exercício de um puro “poder discricionário”, mas sim de um poder exercido com uma determinada margem de liberdade administrativa, como sucede com todas as avaliações em procedimentos concursais, que implicam, a par de elementos vinculados, uma margem de liberdade de decisão em que a Administração se move a coberto da sindicância judicial.
Por isso, não se vê que o referido preceito, aplicado em concreto pelo júri na definição da situação do Autor, esteja ferido de inconstitucionalidade formal, material ou orgânica, por pretensa violação dos normativos constitucionais invocados: art. 112º, nº 5 [“Nenhuma lei pode criar outas categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”], art. 18º, n° 2 [“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses legalmente protegidos”], arts. 47º e 50° [“Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública” e “Direito de acesso a cargos públicos”], e ainda os arts. 111º [“Separação e interdependência”], art. 164º, al. m) [“Reserva de competência legislativa em relação ao estatuto dos órgãos de soberania”], art. 202º, nº 1 [“Função jurisdicional” e reserva do Juiz] e art. 215º nº 2 [fixação dos requisitos e regras de recrutamento dos juízes].
Termos em que se julga também improcedente esta alegação.”
E, apreciando o correspondente fundamento de recurso, o acórdão do Pleno acrescentou, reproduzindo jurisprudência anterior:
2.2.2. O erro de julgamento
Já no recurso n.º 01388/03, sobre o primitivo ato de exclusão, o ora recorrente concluíra nas suas alegações:
«22. O art° 15°/3 do Regulamento aprovado pela Port. 386/02, de 11.Abr., interpretado no sentido de que confere ao júri do concurso, ou à Recorrida, ou a quem quer que seja, um poder discricionário para avaliar candidatos a juiz é inconstitucional, por violação dos art°s. 18°/2 e 3 CRP, 111° CRP e 215°/2 e 4, 164°/m, 202°/1 e 3°/1 CRP; e assim nulo, nos termos dos art°s. 3°/3, 277°/1 e 282°/1 CRP. Do que decorre a nulidade do ato, nos termos do art° 133°/1a) CPA. (Só a Assembleia da República tem competência para regular a matéria em causa)».
Nesse processo, ponderou o acórdão da subsecção, de 22-02-2006:
«Alegada ilegalidade por não poder ser conferido ao júri poder de avaliação.
Não se afigura admissível a nulidade invocada. Submetido o acesso a concurso público, como deve ser, com certeza que há de existir um júri para apreciar os candidatos e uma entidade para proferir a decisão. Ora, o júri e, em consequência, a entidade decisora, não procedem, na apreciação dos candidatos, a meras operações aritméticas; também procedem a operações aritméticas, mas elas realizam-se sobre elementos obtidos em função da qualidade denotada.
Por outro lado, o Regulamento encontra-se habilitado por Lei, o artigo 7.º da Lei n.º 13/2002.
Não pode, pois, padecer de nulidade em função do vício apontado»
Esse juízo do acórdão foi confirmado e desenvolvido pelo acórdão do Pleno de 3.5.2007, nos seguintes termos:
«Vejamos da última invocação do recorrente, no sentido de que o art° 15º/3 do Regulamento aprovado pela citada Port. 386/02, interpretado no sentido de que confere ao júri do concurso, ou à Recorrida, ou a quem quer que seja, um poder discricionário para avaliar candidatos a juiz é materialmente inconstitucional, por violação dos art°s. 18°/2 e 3 CRP, 111º CRP e 215°/2 e 4, 164°/m, 202°/1 e 3°/1 CRP; e assim nulo, nos termos dos art°s. 3º/3, 277°/1 e 282°/1 CRP.
Donde decorreria a nulidade do ato, nos termos do art° 133°/1a) CPA, visto só a Assembleia da República ter competência para regular a matéria em causa.
Tal ordem de arguições já fora feita sede contenciosa, sendo desatendida pelo acórdão recorrido, em fundamento do que expendeu:
“Não se afigura admissível a nulidade invocada. Submetido o acesso a concurso público, como deve ser, com certeza que há de existir um júri para apreciar os candidatos e uma entidade para proferir a decisão. Ora, o júri e, em consequência, a entidade decisora, não procedem, na apreciação dos candidatos, a meras operações aritméticas; também procedem a operações aritméticas, mas elas realizam-se sobre elementos obtidos em função da qualidade denotada.
Por outro lado, o Regulamento encontra-se habilitado por Lei, o artigo 7.º da Lei n.º 13/2002.
Não pode, pois, padecer de nulidade em função do vício apontado”.
Não interessando para a economia do acórdão abordar toda a problemática que o poder regulamentar coloca, importa apenas ter presente que de harmonia com o princípio da preferência ou preeminência (cf. artº 112º, nº 7, da CRP), os regulamentos apenas podem conter normas secundum legem (sendo a sua autoria da competência de quem detêm o poder legislativo - cf. da CRP os artºs 111º, as normas contidas no Capítulo II do Título III da Parte III, e as normas contidas nos artºs 198º e 200º, quanto à competência legislativa, e o artº 199º, quanto à competência regulamentar do Governo), não sendo admissível “uma área normativa preenchida apenas por via regulamentar sem qualquer lei prévia” (in Constituição Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação à norma em apreço, na redação então vigente - artº115º. A propósito, e na jurisprudência do STA, entre muita outra jurisprudência, cf., v.g., os acórdãos do Pleno de 20 de janeiro de 1998, in AP-DR de 5 de abril de 2001, e de 11.10.06 - Rec. 239/05).
Ora, encontrando-se o Regulamento em causa, contido na Portª 3 [sic] habilitado por Lei (citado artigo 7.º da Lei n.º 13/2002), a função a que se propunha [como ressalta do seu preâmbulo: em concretização da reforma do contencioso administrativo, que constituía uma necessidade urgente resultante das novas competências atribuídas aos tribunais administrativos, reforma essa que exigia modificações infraestruturais no sistema da justiça administrativa portuguesa e, nomeadamente, um recrutamento e seleção de magistrados judiciais e a sua formação especializada], concretamente na parte que se questiona, insere-se cabalmente na sua vocação de adotar os procedimentos necessários ao desenvolvimento regulamentar do regime relativo ao recrutamento e formação de juízes estabelecido na norma habilitante.
E, a um tal recrutamento e seleção, como recorda o aresto impugnado, há de ser conatural a existência de um júri (e da entidade decidente) para aferir da aquisição da pretendia formação especializada pelos candidatos (e consequentemente julgá-los aptos para a função), segundo as práticas requeridas por boa administração, a determinar no exercício da liberdade de conformação que lhe assiste, no fundo como em qualquer outro procedimento de aferição de conhecimentos, tudo a exercer num quadro de respeito pelos princípios impostos à Administração, como o da imparcialidade (cuja violação, aliás, se concluiu ter ocorrido no caso, nos termos vistos em II.2.2.), adequação e proporcionalidade.
Assim sendo, e salvo o devido respeito, não tem sentido nem qualquer fundamento falar em violação dos aludidos princípios constitucionais e bem assim em nulidade da atuação administrativa».
Sem necessidade de argumentação suplementar, considera-se, à luz do decidido pelo acórdão recorrido e das pronúncias sobre a questão nos dois acórdãos proferidos no processo n.º 01388/03, um deles, como se viu, deste mesmo Pleno, que o recorrente não tem razão.
Como claramente resulta desta fundamentação, o Supremo Tribunal Administrativo não considerou que a norma em causa conferisse ao Júri ou ao CSTAF um poder discricionário quanto à avaliação e exclusão dos candidatos a juiz da jurisdição administrativa e fiscal. Reconheceu, apenas, que a exclusão dos candidatos envolve um poder exercido com a margem de decisão administrativa que é inerente a todas as avaliações em processos de recrutamento ou de avaliação do desempenho.
Assim, não versando o recurso de constitucionalidade sobre norma (sentido normativo) que tenha sido efetivamente aplicada pela decisão recorrida, não pode dele conhecer-se.
[…]
3. O recorrente reclama para a conferência, mediante reclamação do seguinte teor:
“1. O Recorrente pretende com o recurso ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artº 15º/3 do Regulamento do curso, aprovado pela Portaria nº 386/02, de 11 de abril, interpretado no sentido do que atribui ao júri do concurso e, assim, à Entidade Recorrida, um poder discricionário para avaliar candidatos a juiz, alegando que a referida norma viola, no sentido em que é interpretada, o disposto nos artigos 112.º/5 CRP; nos artigos 18º/2 e 3, 47.º e 50.º CRP; e nos artigos 3.º/1, 111.º, 164º/m, 202º/1 e 215º/2 CRP. E assim alegou na petição inicial, nas alegações para a subsecção do contencioso administrativo do STA e no recurso para o Pleno da Secção.
2. O Tribunal ora recorrido considerou que a norma em causa não atribuía qualquer poder discricionário ao R., que não teria agido no exercício deste, mas tão-só que «a exclusão dos candidatos [ao concurso em causa] envolve um poder exercido com a margem de decisão administrativa que é inerente a todas as avaliações em processos de recrutamento ou de avaliação do desempenho».
3. E por o STA assim ter decidido, o senhor Juiz Conselheiro Relator no Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso e condenar o recorrente nas custas.
4. Com o devido respeito, esta decisão carece de fundamento, consistindo num raciocínio circular: o STA considerou que não havia sido exercido nenhum poder discricionário; sendo assim, o senhor Juiz Conselheiro Relator entendeu que o Réu não exerceu nenhum poder discricionário, apesar de esta questão ser, justamente, o cerne do recurso.
5. De facto, o Réu diz que a interpretação que fez da norma não a configura como fonte de um poder discricionário, que não teria exercido; e o STA concorda com esta interpretação. Porem, a qualificação feita, quer pelo Réu, quer pelo STA, não podem vincular o Tribunal Constitucional, sob pena de a este poder ser subtraída a apreciação de normas inconstitucionais, unicamente pelo facto de os agentes ou outros tribunais negarem tal qualidade à interpretação que fazem das normas. Como é natural, o Réu justifica-se; como é natural também, o Tribunal pode enganar-se. Ora, para as questões que envolvem um juízo de inconstitucionalidade, existe no sistema jurídico nacional o Tribunal Constitucional, que tem a última palavra neste domínio.
Se assim não fosse, aliás, não haveria recursos, nem sequer ações nos tribunais, porque os de primeira instância acreditavam sempre nos réus; e independentemente disso, os tribunais de recurso nunca haveriam de pôr em causa as decisões da instância precedente.
6. No caso sub judice, o Réu deu um nome diferente àquilo que, no entender do Recorrente, consubstancia o exercício de um poder discricionário, o que, ainda no entender do A., era no caso inadmissível. É esta a matéria do recurso. (E parece claro ao A. que o Réu escondeu assim a ilegalidade cometida, porque não podia ignorar que a estava a cometer... Como se tivesse pintado uns bigodes de gato a um cão, para fazer crer que não levava ali um cão, mas um gato). Na verdade, se o STA tivesse reconhecido que a norma atribuía um poder discricionário, poderia não a aplicar, se a considerasse inconstitucional; ou poderia validar o ato objeto da ação, por considerar não padecer de vício face à lei.
7. Em suma, o que está em causa nos autos é a norma no sentido com que o Réu a interpretou, e não com o sentido em que disse tê-la interpretado. Segundo esta interpretação, aquela não atribui um poder discricionário, que não teria sido exercido; e com este modo de ver concordou o STA; mas é justamente o contrário, aquilo que o A. diz: o exercício de poder tomado pela Administração, com base na interpretação que fez da norma, configura tal norma como atributiva de um poder discricionário, o que, no caso -e ainda no entender do Autor- não seria admissível, por inconstitucional.
8. O STA obviou a esta questão, aceitando o argumento do R., o qual, -usando a imagem supra- disse ao Tribunal: «Isto não é cão, é gato! Pois não se vê que estes bigodes são mesmo de gato?»
9. E o A. insiste, recorrendo ao Tribunal Constitucional, para que este declare que a avaliação e exclusão de candidatos a juiz não pode assentar numa análise casuística -é assim que vem fundamentado o ato, pois a referência a uma “determinada margem de liberdade administrativa” surge só mais tarde no argumentário do R. (e de qualquer forma, fala-se em “determinada”, o que supunha norma prévia que a determinasse, o que aqui é absolutamente inexistente).
10. Chegado o processo a esta fase (e o essencial deste caso remonta a dez anos atrás!...), o A. foi surpreendido quando verificou que logo à entrada do Tribunal Constitucional voltava a mesma reprodução acrítica do argumento do R. olvidando-se que este argumento é justamente a defesa da posição daquele. E que é sobre isto que se vem pedir o juízo deste Tribunal.
11. Todavia, ao verificar quem era o Relator, e sabendo da estreita relação intelectual que este tem com a equipa que levou a cabo a mais recente reforma do contencioso administrativo e que liderou o processo de recrutamento e formação dos juízes para os tribunais administrativos e fiscais, no âmbito do qual a presente ação foi intentada, não ficou o A. já tão surpreso assim. Alias, esse grupo de personalidades, composto de professores universitários e magistrados, tem expressão pública nos Cadernos de Justiça Administrativa, dados à estampa pela Universidade do Minho, onde o nome do senhor Conselheiro Relator figura amiúde, nos comentários de jurisprudência. Não quer com isto o A. sugerir que o mesmo não decida em consciência; mas crê -e pelos motivos invocados, esta convicção não é gratuita- que o senhor magistrado não deveria ser relator deste processo, da mesma forma que a senhora Conselheira Catarina Sarmento e Castro teve a cautela de solicitar a sua dispensa de intervenção, pelos motivos que oportunamente explicitou
12. Depois de obter a anulação do ato que o excluíra do referido curso de formação (demonstrando-se, assim, que os avaliadores dos candidatos a juízes dos tribunais administrativos cometiam ilegalidades administrativas), o A. viu-se novamente excluído, pelo ato que está na base dos presentes autos, na formação do qual chegou a intervir uma senhora juíza que foi sua colega no referido curso onde, naturalmente, concorria com ele. O Tribunal para o qual recorreu era presidido -por inerência- pelo presidente do órgão autor do ato, que tinha competências no controlo disciplinar dos juízes que decidiam a ação. E a primeira vez que o processo atinge uma instância absolutamente separada do autor do ato, que o A. nesta ação demanda, sai-lhe à porta alguém cuja relação intelectual com as mesmas pessoas intervenientes na sua prática é estreita e pública: e logo uma decisão sumária pretende barrar a entrada no Tribunal Constitucional, a este recurso que tem por objeto uma questão fundamental para o Estado de Direito, que é o de se saber se os juízes podem ser recrutados com base em critérios casuísticos e segundo margens de livre apreciação.
13. Esta questão é constitucionalmente relevante, pois toca num ponto muito sensível das garantias da independência e da imparcialidade dos julgadores, de que depende em grande parte a possibilidade real da existência de um Estado regido pelo direito. E curiosamente, surge a propósito da jurisdição administrativa, cujos poderes de conhecimento e de decisão afloram por vezes, com grande proximidade, nas fronteiras da decisão política.
Termos em que, por carecida de fundamento, deve a decisão sumária de que ora se reclama ser revogada, com a consequente admissão do recurso.”
4. O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais não respondeu.
5. Notificado para esclarecer se, com o que refere nos n.ºs 1º a 13 da reclamação, pretendia arguir a suspeição do relator, o recorrente nada disse, pelo que, nada tendo sido requerido suscetível de recondução aos meios à disposição das partes para tutela das garantias de imparcialidade, nada há a decidir a propósito destas considerações do recorrente.
6. A decisão reclamada assenta na verificação de que o acórdão recorrido não aplicou o n.º 3 do art.º 15.º do Regulamento aprovado pela Portaria n.º 386/02 com o sentido que o recorrente submete a fiscalização de constitucionalidade. E que essa divergência recai num ponto nuclear para a questão de constitucionalidade colocada: conferir (ou não) a norma ao júri do concurso e, por decorrência, ao órgão de gestão da magistratura administrativa e fiscal um poder discricionário para avaliar os candidatos a juiz. Insurge-se o recorrente contra essa decisão por ter aceite o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que, por sua vez, acolheu a afirmação da entidade recorrida .Alega que assim se veda a possibilidade de discutir uma questão que é o cerne do recurso, mediante a sucessão acrítica de adesões dos tribunais à posição da entidade recorrida.
Sem razão, nada de substancial se justificando acrescentar à demonstração que se retira das transcrições a que a decisão reclamada procede.
Com efeito, no recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, salvo na situação excecional a que se refere o n.º 3 do art.º 80.º da LTC, o Tribunal toma o sentido do direito infraconstitucional aplicado como um “dado” fornecido pela decisão recorrida. É esse sentido que vai confrontar com o parâmetro constitucional invocado ou outro que julgue pertinente (art.º 79.º-C da LTC), não lhe competindo averiguar se outra seria a correta interpretação das normas aplicadas.
Ora, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que a norma em causa não confere à Administração (lato sensu) poderes discricionários, apenas lhe conferindo a margem de apreciação ou a prerrogativa de avaliação que é inerente aos juízos acerca da capacidade ou dos conhecimentos dos candidatos em exames, concursos ou cursos de formação profissional. E não se trata de uma mera opção de qualificação, ou de colocação arbitrária de “etiquetas” jurídicas a uma mesma realidade normativa. O acórdão procede à demonstração das razões pelas quais o juízo avaliativo efetuado ao abrigo da norma em causa, de que emergiu a exclusão do recorrente, não consistiu no exercício de um poder discricionário. Efetivamente, não pode dizer-se que encerre o exercício de poderes discricionários uma norma que foi interpretada no sentido de permitir a exclusão de um candidato a juiz dos tribunais administrativos e fiscais em função dos resultados dos testes “que puseram termo ao Curso de Formação Teórica de três meses, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários … efetuando uma ponderação global do mérito absoluto dos candidatos perante os resultados globais dos testes, sendo o requerente excluído em virtude de “evidenciar graves deficiências em matérias nucleares de direito administrativo e de direito fiscal, patentes concretamente nas classificações obtidas em Procedimento Administrativo (9,5 valores), Contratação Pública (9 valores), Responsabilidade Civil dos Poderes Públicos (8,5 valores) e Direito Fiscal/Parte Geral (8 valores)”, o que levou o júri a concluir que, “na globalidade, não possui os conhecimentos considerados indispensáveis ao desempenho da função soberana de julgar nos tribunais administrativos e fiscais”.
Tanto basta para que não exista correspondência entre o sentido normativo aplicado pela decisão recorrida e aquele que o recorrente submete a apreciação de constitucionalidade e, face à sua função instrumental, não deva conhecer-se do recurso interposto.
7. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lx, 24/04/13. – Vítor Gomes – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral