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Processo n.º 199/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, A. e outros vieram interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), identificando, como decisão recorrida, o acórdão proferido em 22 de novembro de 2011.
2. No requerimento de interposição de recurso, os recorrentes delimitam o respetivo objeto, nos seguintes termos:
“a. A interpretação feita no douto Acórdão recorrido do n.º 1 do art. 684°-B do Cód. Proc. Civil, segundo a qual um requerimento dirigido ao tribunal a quo, que incluiu as alegações e conclusões de recurso e onde se faz expressa menção à vontade de impugnar, não pode valer como ato efetivo de interposição de recurso, é inconstitucional por violação dos n.ºs 1 e 4 do art. 20.º da CRP e do art. 18.º, n.º 3, da mesma Lei Fundamental;
b. A interpretação do art. 684°-B, n.º 1 do Cód. Proc. Civil feita no Acórdão recorrido no sentido de que, no caso de o requerimento de interposição de recurso padecer de deficiências formais, o recurso deve ser rejeitado sem que o recorrente seja previamente convidado a suprir esse vício, padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 18.°, n.º 3 e 20.°,n.ºs 1e 4 da CRP;
c. A dimensão interpretativa do art. 704°, nº 1, do Cód. Proc. Civil, constante do Acórdão recorrido segundo a qual pode não conhecer-se do objeto do recurso com base em fundamento diferente daquele que o recorrente foi convidado a pronunciar–se, é inconstitucional por violação do n.º 4 do art. 20.º da CRP.”
3. Por decisão de 25 de janeiro de 2013, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, tal recurso não foi admitido.
Para fundamentar a não admissão, o Tribunal considerou que o recurso era manifestamente extemporâneo, já que foi interposto muito após o prazo de dez dias após a notificação do acórdão recorrido, proferido em 22 de novembro de 2011.
Acrescenta o Tribunal que o requerimento de interposição de recurso não foi sequer apresentado no Tribunal da Relação, para que pudesse ser proferido despacho, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, tendo sido apresentado no Supremo Tribunal de Justiça, onde o processo já se encontrava, na altura, tendo sido aí admitido um outro recurso de constitucionalidade relativo a acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
É desta decisão, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, que os recorrentes presentemente reclamam.
4. Para fundamentar a reclamação apresentada, manifestam os recorrentes a sua discordância relativamente à decisão reclamada.
Referem, em síntese, que, tendo interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 22 de novembro de 2011, apenas com a notificação do acórdão daquele Supremo Tribunal, que decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto, é que os reclamantes ficaram em condições de interpor recurso de constitucionalidade relativo ao referido acórdão do Tribunal da Relação.
Mais esclarecem que o requerimento de interposição de recurso foi apresentado no Supremo Tribunal de Justiça por o processo se encontrar em tal tribunal, sendo acompanhado de um requerimento solicitando que os autos fossem remetidos ao Tribunal da Relação para aí ser proferido o competente despacho de apreciação da admissibilidade do recurso.
Nestes termos, concluem que o recurso interposto deve ser admitido, por ter sido tempestivamente apresentado, acrescentando que a decisão reclamada traduz uma interpretação dos artigos 75.º, n.º 1, 76.º, n.º 1, da LTC e ainda do n.º 3 do artigo 145.º do Código de Processo Civil inconstitucional, limitando de forma arbitrária o direito ao recurso.
5. A reclamada Aurora Garcia Fernandes respondeu à reclamação apresentada, pugnando pela sua improcedência.
Fundamenta a sua posição referindo que, estando em causa uma providência cautelar, nos termos do artigo 387.º-A do Código de Processo Civil, não haveria recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que o recurso relativo ao acórdão da Relação do Porto deveria ter sido interposto logo para o Tribunal Constitucional e não para o Supremo Tribunal de Justiça. Não tendo sido essa a opção dos recorrentes, o recurso interposto é extemporâneo, tal como considerou a decisão reclamada.
6. O Ministério Público, no Tribunal Constitucional, referiu, em síntese, que, não obstante o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade apenas ter começado a correr após a prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de junho de 2012, ainda assim o recurso foi interposto após o prazo legal de dez dias, pelo que é extemporâneo.
Concluiu, nestes termos, que a reclamação não deverá merecer provimento.
7. Por despacho de 9 de abril de 2013, foram convidadas as partes a pronunciarem-se sobre a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade - quer na perspetiva da inerente obrigatoriedade de coincidência entre o critério normativo enunciado como objeto do recurso e o critério utilizado pela decisão recorrida como ratio decidendi, quer na perspetiva da eventual inutilidade de apreciação por existência de fundamentação alternativa - relativamente ao caso concreto, ex vi artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e 69.º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro.
Respondendo a tal convite, os reclamantes apresentaram peça processual, reiterando os fundamentos já aduzidos na reclamação.
Alegam ainda que o recurso da decisão proferida em 24 de maio de 2011 foi validamente interposto, aduzindo os argumentos que, na sua perspetiva, conduzem a tal conclusão.
Nestes termos, afirmam que “a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade da interpretação do art. 684.º-A, nº 1, do Cód. Proc. Civil (…) conduzirá necessariamente ao conhecimento do recurso interposto, porquanto daí se seguirá que cumpre ao Tribunal a quo considerar que a recorrente interpôs válida e tempestivamente recurso da decisão proferida pela 1ª Instância em 24.5.11.
(…) Ou, caso assim não se entenda, sempre se seguirá, do provimento do presente recurso por força da inconstitucionalidade invocada na alínea b) do requerimento de interposição de recurso (…) que, admitindo-se a existência de deficiências formais no requerimento de interposição de recurso, cumpre ao Tribunal a quo convidar os recorrentes a supri-las antes de se decidir pela sua rejeição.”
Concluem os reclamantes que, em qualquer um dos casos, existe “utilidade prática e repercussão efetiva do recurso interposto na solução do caso concreto”.
Relativamente à questão referente ao artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, referem os reclamantes que o provimento do recurso de constitucionalidade conduzirá à anulação da decisão recorrida e à sua substituição por outra que ordene a notificação dos recorrentes para se pronunciarem sobre os específicos fundamentos que basearam o não conhecimento do recurso interposto. Concluem, deste modo, que, igualmente quanto a esta questão, existe utilidade prática e repercussão efetiva do recurso de constitucionalidade interposto na solução jurídica do caso concreto.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
8. Para apreciação da presente reclamação, torna-se necessário reconstituir a tramitação do processo:
Os presentes autos tiveram origem em requerimento de procedimento cautelar de arrolamento, interposto como preliminar de ação de inventário.
O arrolamento foi decretado, sem prévia audição dos requeridos, aqui recorrentes.
Após citação, os requeridos deduziram oposição.
Realizada a audiência final, foi proferida decisão, datada de 10 de maio de 2010, mantendo o arrolamento.
Na sequência de deficiente gravação de atos de produção de prova, foi determinada a anulação e repetição de tais atos, bem como da decisão de 10 de maio de 2010.
Repetidos os atos de produção de prova, em conformidade com o decidido, foi proferida nova decisão, datada de 24 de maio de 2011, mantendo o arrolamento.
Os requeridos requereram, então, a “junção aos autos das alegações de recurso”, fazendo referência ao “recurso de apelação” interposto da decisão de 10 de maio de 2010.
O Tribunal da Relação do Porto, após cumprimento do disposto no artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, decidiu rejeitar o recurso, por decisão do Relator, datada de 19 de setembro de 2011, confirmada por acórdão que indeferiu a reclamação apresentada pelos requeridos.
Inconformados com tal acórdão, proferido em 22 de novembro de 2011, os requeridos interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por acórdão de 28 de junho de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não tomar conhecimento do recurso.
Os recorrentes foram notificados deste último aresto, na pessoa do respetivo mandatário, por carta registada enviada a 2 de julho de 2012 (cfr. fls. 156).
Por requerimento dirigido ao Tribunal da Relação e enviado para o Supremo Tribunal de Justiça, – onde o processo se encontrava - a 16 de julho de 2012, os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, identificando como decisão recorrida o acórdão proferido em 22 de novembro de 2011.
9. A primeira questão que cumpre apreciar reporta-se à tempestividade do recurso interposto.
Pressupõe a decisão reclamada que o requerimento de interposição de recurso deveria ter sido apresentado no prazo de dez dias após a notificação do acórdão recorrido.
Os reclamantes, pelo contrário, argumentam que, tendo interposto recurso daquele acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas após a notificação do acórdão deste último tribunal, que decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto, ficaram em condições de interpor o recurso de constitucionalidade agora em análise.
Analisemos, pois, se o requerimento de interposição de recurso é ou não tempestivo.
Nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de dez dias.
Tal prazo inicia-se com a notificação da decisão recorrida, nos termos do n.º 1 do artigo 685.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC.
Porém, o n.º 2 do artigo 75.º da LTC estabelece que, quando a parte interponha recurso ordinário, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, a contagem do prazo inicia-se no momento em que se torna definitiva a decisão que não admite o recurso.
A prorrogação prevista neste normativo contempla a hipótese de o recorrente estar convencido da possibilidade legal de interpor recurso ordinário da decisão, que virá a configurar decisão recorrida em ulterior recurso de constitucionalidade, e, em conformidade, interpor tal recurso dentro da ordem jurisdicional respetiva, sendo de salientar que tal prorrogação apenas opera desde que o acionamento do meio impugnatório não deva ser considerado manifestamente anómalo ou inidóneo.
Ora, no caso, os reclamantes interpuseram recurso do acórdão recorrido, proferido em 22 de novembro de 2011, para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo oportunamente questionado a constitucionalidade do critério normativo extraível do artigo 387.º-A do Código de Processo Civil, relativo à irrecorribilidade para tal instância. Nestes termos, a interposição de tal recurso não corresponde a utilização de meio processual manifestamente anómalo, nem o mesmo foi assim qualificado pela instância que procedeu à sua apreciação e concluiu pela inadmissibilidade do recurso.
Assim, conclui-se que, por força do artigo 75.º, n.º 2, da LTC, a contagem do prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional apenas se iniciou com a notificação do acórdão que, com caráter definitivo na ordem jurisdicional respetiva, declarou a irrecorribilidade da decisão recorrida, deixando claro que o acórdão de 22 de novembro de 2011 correspondia a uma decisão definitiva nas instâncias, ou seja, à última pronúncia dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal a quo.
De facto, se os reclamantes tivessem interposto recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, visando o acórdão de 22 de novembro de 2011, em momento prévio à prolação da decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça, o mesmo não seria admissível, uma vez que, à data da interposição de tal hipotético recurso – data relevante para aferição dos respetivos pressupostos de admissibilidade – a decisão recorrida não se apresentaria como uma decisão definitiva, por não estarem ainda esgotados os meios impugnatórios acionados pelos recorrentes, no âmbito da ordem jurisdicional respetiva.
Aplicando as considerações expendidas ao caso concreto, diremos que, tendo os reclamantes sido notificados do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 28 de junho de 2012 - que não admitiu o recurso interposto da decisão visada pelo presente recurso de constitucionalidade – através de carta registada enviada ao respetivo mandatário, a 2 de julho de 2012, a notificação presume-se efetuada no dia 5 de julho do mesmo ano, por aplicação dos artigos 253.º, n.º 1, e 254.º, n.os 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil. Assim, no dia subsequente – dia 6 - iniciou-se o prazo de dez dias de interposição do recurso de constitucionalidade, concluindo-se, pois, que o respetivo requerimento, apresentado em 16 de julho de 2012, é tempestivo.
10. Analisada a questão da tempestividade do recurso, cumpre verificar se existe algum outro fundamento que obste ao respetivo conhecimento.
Relativamente à questão abordada pela decisão reclamada, atinente à circunstância de o requerimento de interposição de recurso ter sido apresentado no Supremo Tribunal de Justiça, apesar de dirigido ao Tribunal da Relação, igualmente assiste razão aos reclamantes quando justificam tal facto alegando que enviaram o requerimento ao tribunal onde o processo se encontrava no momento, sendo certo que expressamente requereram que os autos fossem remetidos ao Tribunal da Relação, para prolação do despacho de apreciação da admissibilidade do recurso.
O requerimento de interposição de recurso encontra-se corretamente dirigido ao tribunal que proferiu a decisão identificada como decisão recorrida, proferida em 22 de novembro de 2011, tendo os reclamantes alertado para a necessidade de dar cumprimento ao disposto no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, o que veio a ser feito já após a remessa do processo principal, de que a presente reclamação foi extraída, a este Tribunal Constitucional.
Nestes termos, resta apenas analisar se se encontram preenchidos os restantes pressupostos de admissibilidade do recurso.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem pressupostos gerais de todos os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; a natureza jurisdicional da decisão impugnada e a utilidade, conexa com o caráter instrumental do recurso.
Relativamente aos pressupostos específicos dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional, consubstanciam-se os mesmos na exigência de esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); obrigatoriedade de aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Será à luz de tais pressupostos que analisaremos as questões erigidas pelos recorrentes, agora reclamantes, como objeto do recurso de constitucionalidade.
11. No que concerne à primeira questão colocada, - atinente à interpretação do n.º 1 do artigo 684.º-B, do Código de Processo Civil, segundo a qual um requerimento dirigido ao tribunal a quo, que incluiu as alegações e conclusões de recurso e onde se faz expressa menção à vontade de impugnar, não pode valer como ato efetivo de interposição de recurso – verifica-se que a mesma não coincide com a ratio decidendi da decisão recorrida.
Na verdade, a inclusão da significativa referência à ”expressa menção à vontade de impugnar”, na enunciação da questão, corresponde a uma tentativa dos recorrentes de introduzirem a sua subjetiva valoração dos factos que consideram relevantes e que, na sua perspetiva, deveriam ter conduzido a decisão diversa. Porém, tal tentativa apenas tem a virtualidade de tornar ostensiva a falta de coincidência entre a questão, erigida como objeto do recurso, e o fundamento jurídico ou ratio decidendi do acórdão recorrido.
Por ser demonstrativo de tal falta de coincidência, transcreve-se o seguinte excerto da decisão em análise:
“Cremos não haver dúvidas acerca da indispensabilidade de apresentação do requerimento de interposição de recurso, porquanto é através dele que a parte vencida manifesta a sua vontade de recorrer.
Tal requerimento constitui um pressuposto legal da prolação do despacho a que alude o art.º 685.º-C do CPC sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso.
(…)
Parece-nos evidente que, na falta de requerimento a manifestar a vontade de recorrer, não pode ser proferido despacho a admitir um recurso que nem sequer foi interposto.
É certo que naquele normativo não consta como fundamento de indeferimento a falta de requerimento, por razões óbvias, já que não pode ser indeferido o que não foi requerido.
Todavia, na alínea b) do seu n.º 2 prevê-se o indeferimento do requerimento quando “Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não contenha conclusões”.
Estes fundamentos são, sem dúvida alguma, menos gravosos do que a ausência absoluta do requerimento de interposição de recurso, através do qual a parte vencida declara que não se conforma com a decisão e que a impugna por meio de recurso.
Ora, no caso em análise, esse requerimento não existe, tal como revelam os autos, foi dito no despacho reclamado e acaba de ser confessado pelos reclamantes.
Estes invocam o requerimento de 29/6/11, que apresentaram aquando do oferecimento das alegações, supra referido na alínea C).
Mas ali não foi manifestada a vontade de recorrer, nem identificada a decisão que se pretendia impugnar.
Nesse requerimento, foi requerida, apenas, a junção aos autos das alegações a ele anexas, embora referindo que as mesmas visavam a impugnação da matéria de facto.
Todavia, esta referência não supre a falta de manifestação da vontade de recorrer de determinada decisão, tanto mais que não está identificada e as alegações apresentadas reportavam-se a outro recurso interposto da sentença, anteriormente proferida, a qual havia sido anulada e substituída por outra. Acresce que o requerimento de interposição de recurso e a correspondente alegação são peças distintas dirigidas a tribunais diferentes, ainda que esta esteja incluída naquele, não podendo nem devendo ser confundidas (cfr. citado art.º 684.°-B, n.ºs 1 e 2).
Daí que se tenha considerado extemporâneas e inúteis tais alegações e inexistente qualquer requerimento de interposição de recurso da decisão que versou sobre a oposição deduzida pelos requeridos, com a consequente rejeição do “recurso” admitido pela 1.ª instância, dada a falta do respetivo objeto.
Com o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que o aludido requerimento, de 29/6/2011, é inepto, pelo que não deve ser atendido como manifestação de vontade de recorrer.”
Analisado o excerto transcrito, conclui-se que a questão enunciada pelos reclamantes não corresponde ao critério interpretativo adotado na decisão recorrida, sendo certo que a solução a que o tribunal chegou teve em consideração específicas circunstâncias casuísticas – nomeadamente o facto de as alegações se reportarem a “outro recurso interposto da sentença anteriormente proferida, a qual havia sido anulada e substituída por outra” – cuja apreciação não é sindicável por este Tribunal, mas que evidenciam o distanciamento entre o fundamento jurídico da decisão recorrida e a questão enunciada pelos reclamantes, manifestamente não depurada da subjetiva valoração dos factos defendida pelos mesmos, como já referimos.
Pelo exposto, sendo os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade de necessária verificação cumulativa, conclui-se, desde já, pela inadmissibilidade do presente recurso, quanto a esta primeira questão.
Relativamente à segunda questão, valem, mutatis mutandis, idênticas considerações, sendo igualmente patente a falta de coincidência entre a mesma e a ratio decidendi do acórdão recorrido.
Também a este propósito, é manifesto que os reclamantes constroem a enunciação do objeto do recurso com referência à tese que defendem – baseada na asserção de que o requerimento de interposição de recurso em análise nos autos padece de deficiências formais - sem atentarem na circunstância de tal tese não ter merecido acolhimento na decisão recorrida, que, ao invés, considera inexistente qualquer requerimento de interposição de recurso da decisão que versou sobre a oposição deduzida pelos requeridos.
Nestes termos, não incidindo esta segunda questão de constitucionalidade, enunciada pelos reclamantes, no fundamento jurídico ou ratio decidendi do acórdão recorrido, fica igualmente prejudicada a apreciação do objeto do recurso, nesta parte.
A obrigatoriedade de coincidência entre a questão de constitucionalidade erigida como objeto do recurso e a ratio decidendi da decisão recorrida constitui uma dimensão do caráter ou função instrumental do recurso de constitucionalidade, consubstanciada na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, implicando uma reponderação da solução dada ao caso, pelo tribunal a quo. Pelo contrário, a mesma possibilidade é afastada – acarretando a inutilidade da apreciação do mérito do recurso – quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade seja insuscetível de se projetar no caso concreto, nomeadamente por incidir sobre critério normativo que não foi utilizado como ratio decidendi da decisão recorrida.
Quanto à terceira questão enunciada pelos reclamantes, igualmente se justifica chamar à colação o caráter ou função instrumental do recurso de constitucionalidade.
De acordo com tal critério, carecerá de utilidade a apreciação do mérito do recurso quando a decisão que venha a ser proferida seja insuscetível de se projetar no caso concreto, por resultar da decisão recorrida que a solução encontrada se manterá, independentemente do juízo que venha a recair sobre a questão de constitucionalidade colocada, situação que se verifica nos casos em que a decisão recorrida contenha uma fundamentação alternativa, efetiva e suficiente, que conduza, de forma autónoma, à mesma solução a que se chega através da via argumentativa a que subjaz o critério normativo, cuja constitucionalidade é posta em causa.
Ora, no caso concreto, relativamente à temática suscitada por esta terceira questão, pode ler-se na decisão recorrida o seguinte:
“E, ainda que se entendesse que houve omissão de audição prévia das partes sobre este fundamento, estaríamos perante uma nulidade secundária, dependente de arguição pelo interessado que lhe não tenha dado causa, o que não se verifica neste caso, sendo que não afetaria a outra parte da decisão e daria lugar à notificação dos requeridos para se pronunciarem sobre um assunto que acabaram por tratar na presente reclamação, o que redundaria na prática de um ato inútil que a lei proíbe (cfr. art.ºs 137.°, 201.° e 203.°, todos do CPC).”
Da argumentação aduzida no acórdão - especificamente do excerto transcrito - resulta claro que foi estruturada uma fundamentação alternativa, efetiva e suficiente, que se manteria incólume, qualquer que fosse o concreto juízo, relativamente à constitucionalidade, que viesse a incidir sobre a questão enunciada pelos reclamantes.
Assim sendo, forçoso é concluir que o conhecimento do objeto do recurso, nesta parte, não teria utilidade prática ou repercussão efetiva na solução do caso concreto, porquanto o sentido da mesma se manteria intocado, face à coexistência de uma segunda linha de argumentação, que conduziria, na lógica interna da decisão recorrida, ao mesmo resultado prático.
Pelo exposto, mostra-se prejudicada a admissibilidade do recurso, igualmente quanto a esta terceira questão.
Face à inadmissibilidade do recurso, conclui-se pela improcedência da reclamação.
III – Decisão
12. Nestes termos, decide-se julgar inadmissível o recurso de constitucionalidade interposto e, em consequência, julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 23 de maio de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.