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Processo n.º 726/2012
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
2. O objeto do recurso foi delimitado pelo recorrente, no respetivo requerimento de interposição, nos seguintes termos:
“(…) consigna que se pretende que esse Alto Tribunal aprecie a (…) reclamação oferecida perante o STJ, na medida em que a mesma (…) violou o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado nos artºs 20º e 268º, nº 4 da atual CRP (…)”
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem pressupostos gerais, de todos os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; a natureza jurisdicional da decisão impugnada e o caráter instrumental do recurso.
Por outro lado, são pressupostos específicos do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC) e a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) Vejamos, assim, se tais pressupostos se encontram presentes, relativamente ao recurso em apreciação.
Comecemos por analisar a natureza do objeto do recurso.
O recurso de constitucionalidade apenas pode incidir sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional.
Assim, recai sobre o recorrente o ónus de enunciar a concreta norma ou interpretação normativa, cuja sindicância pretende, de forma clara e inequívoca, identificando certeiramente o preceito ou conjugação de preceitos, em que tal critério normativo assenta, de forma a que seja reconhecível no mesmo um mínimo de correspondência à literalidade dos preceitos em causa. “Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição” (cfr. Acórdão n.º 367/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, na presente situação, da mera leitura do requerimento de interposição do recurso resulta que o recorrente pretende, não a apreciação de um verdadeiro critério normativo - interpretação normativa ou norma, entendida esta como uma regra tendencialmente abstrata potencialmente aplicável a uma generalidade de situações - mas a sindicância da própria decisão jurisdicional, na sua dimensão casuística.
Na verdade, nem no requerimento de interposição do recurso, nem na reclamação – peça processual em que o recorrente deveria ter suscitado ou renovado a suscitação da questão de constitucionalidade, que pretendesse erigir como objeto de ulterior recurso de constitucionalidade - o recorrente autonomiza e enuncia um critério normativo, que corresponda a um sentido extraível de determinado preceito legal ou conjugação de preceitos. Ao invés, assaca invariavelmente o vício de inconstitucionalidade à própria decisão jurisdicional.
Pelo exposto, mostra-se prejudicada a admissibilidade do recurso.
De facto, impendia sobre o recorrente o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade, que pretendesse ver apreciada, previamente, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria. Para o efeito, deveria o recorrente proceder a uma precisa delimitação e especificação do objeto de recurso, necessariamente normativo – enunciando a norma ou interpretação normativa, cuja apreciação pretendia, e reportando-a a um concreto preceito ou conjugação de preceitos infraconstitucionais - e ainda aduzir uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que incluísse a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido.
Ora, manifestamente, na presente situação, o recorrente não cumpre tal ónus, pelo que sempre estaria prejudicada a admissibilidade do recurso, ainda que o mesmo tivesse logrado erigir, como objeto do recurso, no respetivo requerimento de interposição, um verdadeiro critério normativo, circunstância que, em todo o caso, como já vimos, não se verifica.
Nestes termos, desde logo por inidoneidade do objeto, julga-se inadmissível o presente recurso. ”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. O reclamante manifesta a sua discordância relativamente à conclusão, plasmada na decisão reclamada, concernente à inidoneidade do objeto do recurso, alegando que “ainda não teve oportunidade de apresentar o objeto do seu recurso”, por não ter ainda junto as suas alegações. Acrescenta que a delimitação do objeto do recurso apenas poderá ser feita em sede de alegações do mesmo.
Conclui, deste modo, que a conclusão aludida, que constitui o primeiro dos fundamentos da decisão sumária proferida, foi extraída prematuramente.
Mais alega que suscitou perante o Supremo Tribunal de Justiça as questões de constitucionalidade, que pretende ver apreciadas, invocando-as em sede de recurso e de reclamação, conclusão a que sempre se chegará por interpretação de tais peças processuais. Identifica, após, tais questões.
Salienta que, nos casos em que o Tribunal considera que o requerimento de interposição de recurso não satisfaz os requisitos do artigo 75.º-A da LTC, deve convidar o recorrente a proceder ao aperfeiçoamento, nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A do mesmo diploma, o que, no caso, não foi feito.
Nestes termos, termina o reclamante, pugnando pela revogação da decisão sumária proferida e pelo prosseguimento dos autos.
Notificado, o Conselho Superior da Magistratura não apresentou resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida, consubstanciando-se sobretudo numa manifestação de discordância face ao sentido de tal decisão.
Na verdade, a reclamação deduzida parece partir de um equívoco do reclamante, traduzido na ideia de que a especificação e delimitação do objeto do recurso apenas teriam lugar em sede de alegações e não no requerimento de interposição de recurso.
Tal equívoco, porém, é suscetível de ser dissipado pela leitura do n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC, que refere a obrigatoriedade de identificação da “norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”, no requerimento de interposição do recurso.
Salienta-se que, no caso, o reclamante não se limitou a omitir qualquer menção identificativa do objeto do recurso; pelo contrário, mencionou expressamente que pretende a apreciação da decisão da reclamação, a que imputa a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Tal especificação legitima a conclusão, plasmada na decisão sumária, no sentido de que “o recorrente pretende, não a apreciação de um verdadeiro critério normativo (…) mas a sindicância da própria decisão jurisdicional, na sua dimensão casuística”, âmbito que se encontra claramente excluído da competência do Tribunal Constitucional.
Acresce que - tal como se refere na decisão sumária - ainda que o reclamante tivesse logrado erigir, como objeto do recurso, no respetivo requerimento de interposição, um verdadeiro critério normativo, sempre a admissibilidade do recurso estaria prejudicada, por incumprimento do ónus de suscitação prévia de qualquer questão de constitucionalidade normativa, perante o tribunal a quo.
De facto, na reclamação dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça – peça processual em que o reclamante deveria ter suscitado ou renovado a suscitação das questões de constitucionalidade normativa que pretendesse erigir como objeto de ulterior recurso de constitucionalidade – o reclamante não autonomiza e enuncia um qualquer critério normativo, que, correspondendo a um sentido extraível de determinado preceito legal ou conjugação de preceitos, fosse suscetível de constituir objeto idóneo de recurso a interpor para o Tribunal Constitucional. Pelo contrário, na referida peça processual, assaca invariavelmente o vício de inconstitucionalidade à própria decisão jurisdicional, mal se compreendendo a afirmação de que, por interpretação, se chegaria à conclusão da existência de suscitação das questões que agora, na reclamação, tardiamente, enuncia.
Mais se salienta que o convite ao aperfeiçoamento, previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, só tem sentido quando o recorrente omite a indicação de algum dos elementos previstos nos n.os 1 a 4 do mesmo preceito e não quando procede a uma indicação incorreta, nomeadamente selecionando um objeto de recurso inidóneo.
Pelo exposto, sendo certo que a decisão reclamada merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III - Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 27 de novembro de 2012, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 22 de janeiro de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral