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Processo n.º 694/00
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório Em 10 de Janeiro de 2000, J... interpôs, junto do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação do acórdão do Conselho dos Oficiais de Justiça de 8 de Novembro de 1999 que lhe aplicou a pena disciplinar de um ano de inactividade por prática de infracção disciplinar gravosa. Por decisão de 4 de Julho de 2000 foi concedido provimento ao recurso nos seguintes termos:
«(...) 'in casu' estamos perante uma arguição de vícios de violação de lei em várias modalidades os quais, em nosso entendimento, conduzem tão-só à anulação do acto recorrido. Importa, no entanto, ter presente que ao tribunal não está vedado o conhecimento oficioso de vícios do acto administrativo recorrido que padeçam de inexistência e/ou de nulidade, devendo o mesmo recusar a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (crf. arts. 204º e 280º da C.R.P.). Daí que se impõe aferir se a deliberação recorrida não foi a mesma proferida no uso e com base em normativo ou normativos que padeçam de inconstitucionalidade material dos arts. 95º e 107º, al. a) do D.L. n.º 376/87, de 11/12, por desrespeito ao art. 218º, n.º 3 da C.R.P., porquanto é naqueles normativos que o COJ funda a sua competência para apreciação do mérito e para o exercício do poder disciplinar em relação aos oficiais de justiça. (...) Na situação vertente temos que a competência atribuída ao COJ para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça reside nos arts. 95º do citado D.L., que define as suas atribuições, e o art.
107º do mesmo diploma, que estabelece a competência do COJ. No caso 'sub judice' está em questão o estatuto disciplinar dos funcionários de justiça, já que o que está em causa neste processo é a aplicação de uma pena disciplinar. Em nosso entendimento os arts. 95º e 107º, al. a) do D.L. n.º 376/87, de 11/12, padecem de inconstitucionalidade material por violação do art. 218º, n.º 3 da C.R.P. tal como foi decidido no douto ac. do Tribunal Constitucional n.º
145/2000, de 21/03/2000, cuja fundamentação aqui se acolhe e secunda.
(...) Como se conclui no acórdão que vem sendo citado e reproduzido
'(...) a norma do n.º 3 do artigo 223º (actual artigo 218º) da Constituição, ao estabelecer que «a lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar dos funcionários de justiça», está a criar, para estes funcionários, relativamente àquelas matérias, um estatuto particular que se justifica à luz da garantia da independência dos juízes e da autonomia do Ministério Público. Ou seja: é a independência dos tribunais que explica que só o CSM possa exercer tal competência em relação aos funcionários de justiça. Por isso, a lei ordinária não pode afectar essa competência a qualquer outra entidade, uma vez que a sua atribuição ao CSM constitui uma verdadeira imposição constitucional. A Constituição da República Portuguesa, quando prescreve que do CSM podem fazer parte funcionários de justiça que intervirão apenas na apreciação do mérito profissional e no exercício da função disciplinar relativa a tais funcionários, autoriza a lei a prever que do CSM façam parte funcionários. Não impõe, porém, tal intervenção. A Constituição não consente, porém, que o legislador atribua tal competência a órgão diferente do CSM. Essa competência só o CSM a pode exercer. Ora, assim entendido o n.º 3 do artigo 223º (actual artigo 218º) da Constituição, não pode a lei ordinária atribuir a competência para se pronunciar sobre aquelas matérias (apreciação do mérito profissional e exercício da função disciplinar) relativas aos funcionários de justiça ao Conselho dos Oficiais de Justiça ou a qualquer outra entidade que não seja o CSM, sem modificação da norma constitucional.
(...) Assim, as normas do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, que estabelecem a competência do Conselho dos Oficiais de Justiça para apreciar o mérito e para exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça ofendem o artigo 218º, n.º 3 da Constituição e são, por isso, materialmente inconstitucionais. Tais normas são concretamente as dos artigos 95º e 107º, alínea a) do referido Decreto-Lei, enquanto determinam as atribuições e competência do Conselho dos Oficiais de Justiça (...).' Assim, considerando a argumentação desenvolvida no citado acórdão e que aqui se acolhe integralmente temos os arts. 95º e 107º, al. a) do D.L. n.º 376/87, de
11/12, são materialmente inconstitucionais por ofensa ao disposto no art. 218º, n.º 3 da C.R.P. e, nessa medida, a decisão disciplinar proferida pelo COJ, aqui autoridade recorrida, objecto do presente recurso assentando os seus pressupostos nos citados normativos, cuja aplicação este tribunal se recusa a fazê-lo por os mesmos contrariarem a C.R.P., padece do vício de violação de lei
(erro sobre os pressupostos de direito) por ocorrência da aludida inconstitucionalidade o que gera a sua invalidade, a qual importa decretar, com as legais consequências. (...)» Desta decisão foi interposto, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo Ministério Público e pelo Conselho de Oficiais de Justiça, o presente recurso de constitucionalidade, para apreciação das normas dos artigos 95º e 107º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 367/87, de 11 de Dezembro. Nas suas alegações, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto em funções junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade das normas sub judicio e, consequentemente, de ser concedido provimento ao recurso. Por seu lado, o Conselho de Oficiais de Justiça defendeu também a constitucionalidade das referidas normas, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
' (...) 3. O artº 218º, n.º 3 da CRP não atribui qualquer competência exclusiva ao CSM em matéria de jurisdição sobre os funcionários judiciais;
4. Permite apenas, como claramente resulta do seu teor, que o legislador ordinário alargue a composição do CSM, definida no n.º 1 deste preceito constitucional, de forma a que dele façam parte funcionários de justiça eleitos pelos seus pares e com intervenção restrita à discussão das matérias relativas à apreciação do mérito e exercício da função disciplinar, se a lei ordinária lhe atribuir tal competência;
5. Ou seja, esta norma constitucional ao referir que ‘a lei poderá prever’ deixa que a lei ordinária institua a forma e por quem deve ser apreciado o mérito e o exercício do poder disciplinar sobre os funcionários de justiça. (...)
11. As normas do EFJ que atribuem jurisdição ao COJ sobre os oficiais de justiça não são inconstitucionais pois não violam quer o artº 218º, n.º 3 da CRP, quer qualquer outro comando constitucional.' Por parte do recorrido não foram apresentadas quaisquer alegações. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos Como se salienta na decisão recorrida, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de apreciar a constitucionalidade das normas em questão no presente recurso – ou seja, os artigos 95º e 107º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro. Fê-lo, pela primeira vez, através da sua 1ª secção, pronunciando-se
(embora com um voto de vencido) no referido Acórdão n.º 145/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de Outubro de 2000) no sentido da inconstitucionalidade da tais normas, por violação do artigo 218º, n.º 3, da Constituição da República. Depois desta decisão (e, também, do Acórdão n.º 292/00, que indeferiu pedido de reforma desta, formulado por um dos actuais recorrentes e fundado em 'manifesto lapso na determinação da norma constitucional' aplicável), tal juízo de inconstitucionalidade foi repetido, novamente com um voto de vencido, na 3ª secção deste Tribunal, pelo Acórdão n.º 159/2001 (Não publicado). E foi, ainda, reiterado, a propósito das normas correspondentes (artigos 98º e 111º, alínea a)) do novo Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
343/99, de 26 de Agosto, no Acórdão n.º 178/01 (Diário da República, II série, de 8 de Junho de 2001). Como resulta da leitura destes arestos, a questão de constitucionalidade discutida (e na qual se centram, quer as alegações dos recorrentes, quer o voto de vencido do Acórdão n.º 145/2000) prende-se com o sentido a atribuir, à luz da garantia de independência dos tribunais, ao artigo 218º, n.º 3, da Constituição. Este dispõe:
'A lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar dos funcionários de justiça.' Na sequência do decidido por este Tribunal nos citados Acórdãos, entende-se que esta norma deve ser interpretada, não apenas como relativa à composição do Conselho Superior da Magistratura, mas como norma impeditiva da atribuição das competências nela referidas a órgão diverso deste Conselho – conforme é, se não imposto pelo princípio da independência dos tribunais, certamente recomendado pela sua funcionalidade (sendo que nada impõe que este elemento seja desconsiderado na interpretação da norma constitucional). Nestes termos, e remetendo para a fundamentação dos Acórdãos citados, há que negar provimento ao recurso, confirmando o julgamento de inconstitucionalidade das normas em questão. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 218º, n.º 3 da Constituição, as normas dos artigos 95º e 107º, alínea a) do Decreto-Lei n.º
376/87, de 11 de Dezembro; b. Em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita. Lisboa, 26 de Setembro de 2001 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa