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Processo n.º 534/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 21 de junho de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 477/2012 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto.
O recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, mas a reclamação foi indeferida pelo Acórdão n.º 548/2012. Para o que agora importa apreciar e decidir, com a seguinte fundamentação:
«1. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade posta pelo reclamante relativamente aos «art.ºs 64.º, n.º 1, alínea b), 98.º, n.º 1, 407, n.º 1, 408.º, n.º 3, 414.º, n.º 3, e 287.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, na incomum interpretação que, sem expressão temática no texto do despacho de admissão do recurso ordinário para o TRL, nem naqueloutro de f1s. 283 que rejeita a reclamação tirada ao abrigo do art.º 405.º, n.º 1, CPP, resulta da lógica indutiva da própria decisão, sem que a Veneranda Relação a quo tenha também deixado consignado a filosofia desse entendimento».
A presente reclamação em nada contraria este fundamento da decisão sumária. Diferentemente do sustentado pelo reclamante, o ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade não se pode dar como cumprido quando o recorrente se limita a enunciar a interpretação que reputa “correta”. Por outro lado, quando o recorrente questiona previamente a constitucionalidade de determinada norma, abrindo a via do recurso para o Tribunal Constitucional, está a antecipar que o tribunal para onde recorre a venha a aplicar, como razão de decidir. Para o fazer de forma processualmente adequada não é, por isso, decisivo que as decisões judiciais anteriores estejam fundamentadas de forma clara. Além de que a lei prevê incidentes pós-decisórios para colmatar vícios das decisões judiciais.
Importa, pois, reiterar o entendimento de o recorrente não suscitou durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa reportada àquelas disposições legais. Concretamente, não o fez nas peças processuais por si indicadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade: no «corpo do requerimento de interposição de recurso decidido pelo aresto aqui em crise» (fl. 242 e ss.) e no «item n.º 11 do incidente de reclamação sobre o efeito fixado ao recurso para o TRL» (fl. 280 e ss.)».
3. Vem agora o reclamante pedir a aclaração desta decisão, sustentando o seguinte:
«1.º Em face do texto do acórdão a aclarar reportado à adequação formal da arguição de inconstitucionalidade de normas jurídicas ante este Tribunal “(…)não é(...)decisivo que as decisões judiciais anteriores estejam fundamentadas de forma clara. (…”) e vista a complementaridade e concomitância das normas legais contidas nos:
art.º 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que proclama que Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.”;
art.º 10.º da mesma DUDH que reforça com que “Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.”;
art.º 6.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e Das Liberdades Fundamentais que reitera, entre o mais, que “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.(...)”;
art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consigna que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa”;
art.º 202.º, n.º 2, CRP, que indica ainda que “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.”;
art.º 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, (com correspondência no art.º 158.º, n.º 1, CPC) que impõe que “Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”;
artº 374.º, n.º 2, CPP, que estipula que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal,” - com sublinhado nosso, data venia;
art.º 380.º, n.ºs 1 e 2, CPP, que relativamente à falta integral dos requisitos elencados na regra anteriormente transcrita dispõe que a correção da sentença, seus erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades que não determinem modificação essencial devem, oficiosamente ou a requerimento, ter lugar no tribunal de origem ou em recurso, se este já tiver subido;
art.º 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, que, mais amplamente, prevê a possibilidade de aclaração sem contenção quanto ao essencial da decisão;
art.º 75.º-A, n.º 5, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, que prevê que “Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias.”;
2.º assim, suscitam-se ao recorrente muito sérias e fundadas dúvidas sobre uma tal desnecessidade de fazer saber ao utente dos serviços de administração da justiça, a fortiori se arguido criminal, com todas as razões que envolvem o improvidente das suas pretensões processuais ou condenação por forma a percecionar estas inteiramente e a elas se poder submeter tranquilamente ou, inconformado, poder recorrer e, neste caso, com eficácia perante esses fundamentos, matéria jurídica que carece de total aclaração através de determinação dos parâmetros concretos em que se pode suster a fundamentação das decisões judiciais, sendo que, a tese jurídica se alcança do texto e alcance da decisão por não estar expresso no seu texto e fica transparente da confrontação dos padrões distintos das leis adjetivas civil e criminal que nesta a aclaração não pode tanger com a decisão, modificando-a, ao contrário daqueloutra.
Termos em que se requer a aclaração da tese jurídica aplicada no acórdão em apreço, adequando a decisão a essa tese, se modificações de substância ocorrerem por via dela».
4. Notificado deste requerimento, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
O Acórdão n.º 548/2012, indeferiu a reclamação da Decisão Sumária n.º 477/2012, pela qual não se conheceu do recurso respeitante às questões colocadas pelo recorrente, porque não tinham sido cumpridos os pressupostos de que depende a admissibilidade de um recurso interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º. da LTC.
2.º
O recorrente vem agora pedir a sua aclaração.
3.º
O Acórdão é perfeitamente claro e insuscetível de dúvida objetiva, não padecendo de qualquer obscuridade ou ambiguidade que, aliás, o recorrente não concretiza, como devia (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
4.º
Pelo exposto, deve indeferir-se o que vem pedido.».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Decorre dos artigos 666.º, n.º 2, 669.º, n.º 1, alínea a), e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 69.º da LTC que, proferida decisão, o recorrente pode pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha.
Considerando o teor do requerimento de aclaração e o que devemos entender por obscuridade ou ambiguidade da decisão, é de concluir pelo indeferimento do requerido. O reclamante não chega sequer a concretizar qualquer vício de obscuridade – “a decisão judicial é obscura quando, em algum passo, o seu sentido seja ininteligível” – ou de ambiguidade – a decisão “é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações distintas” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 533/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Não havendo qualquer razão para aclarar a decisão em causa, é de indeferir o requerido.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de aclaração do Acórdão n.º 548/2012.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 15 de janeiro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.