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Processo n.º 126/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Proferido o Acórdão n.º 184/2013, que indeferiu a reclamação apresentada por A. do despacho do Juiz Conselheiro relator no Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão proferido em 10 de julho de 2012, veio a reclamante apresentar pedido de reforma, com seguinte teor:
“A., reclamante nos presentes autos em epígrafe, vem nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 e nas alínea a) e b), do n.º 2 do artigo 669.º e no n.º 2 do artigo 666.º, ambos do Código de Processo Civil, aqui aplicáveis por força do artigo 69.º, da Lei 28/82, de 15/11, pedir a reforma do Acórdão 184/13, com base no seguinte:
I. Com todo o devido respeito, não pode a recorrente deixar de suscitar certos aspetos de manifesto lapso que incorre o mui douto Acórdão deste Tribunal Constitucional.
Quanto à 2.ª inconstitucionalidade cita-se um excerto do também douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para justificar a não apreciação da inconstitucionalidade, dizendo em síntese que não foi considerado o instituto jurídico de confissão como primordial elemento no julgamento da matéria de facto e nas decisões recorridas.
Acontece que, talvez pela viciação sucessiva da numeração dos autos na primeira instância, houve mais que uma alteração da localização de documentos, não se sabe, o facto é que, é excessiva a matéria de facto dada como provada por confissão do cabeça de casal, constituindo a maior parte do julgamento.
E como se verifica claramente, da motivação do despacho sobre a matéria de facto, o tribunal a quo desconsiderou todos os testemunhos cit. “As testemunhas inquiridas depuseram de forma que não permitiu chegar a qualquer conclusão sobre a factualidade” e que ficara apenas provado o declarado pelo cabeça de casal em 'confissão' no seu articulado (fls. 1306 dos Autos principais).
Depois das alegações, os autos foram literalmente desmanchados, com desaparecimento de alguns documentos de prova, para depois numerar as folhas dos autos com numeração nova. Aliás, ainda são bem visíveis nalgumas folhas dos autos, os números da numeração primitiva.
Logo, não é verdade a desconsideração dada ao instituto jurídico da confissão no excerto do Acórdão do Supremo Tribunal, citado pelo Acórdão deste Tribunal Constitucional pois não tem correspondência com a realidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.
Com o Acórdão da Relação do Porto na sua pág. 35, parág. 4, parte final (ie, linha 21), ficou definitivamente clara, a importância probatória da confissão do cabeça de casal, declarando-se não haver qualquer erro de julgamento e dando-se como plenamente provados os rendimentos declarados em articulado pelo cabeça de casal.
O artigo 1016.º-3 nunca foi citado em qualquer das decisões recorridas, isto porque supõe-se que para uma fundamentação de direito, basta que o tribunal como lhe concede o art. 664.º, expresse os princípios ou institutos jurídicos que se aplicam.
Assim com Acórdão do Tribunal da Relação verificou-se a aplicação implícita do artigo 352.º do Código Civil com o artigo 1016.º - 3 do Código Processo Civil, sem qualquer erro de julgamento envolvido, e como esclarecem os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 88/86, 47/90 e 235/93, a aplicação da norma tanto pode ser expressa como implícita e a questão de inconstitucionalidade tanto pode reportar-se apenas a certa dimensão ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma.
O douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do qual se recorreu para este Tribunal Constitucional, foi proferido com manifesto lapso na consideração dada pelo tribunal a quo às declarações do cabeça de casal, derivado da leitura incorreta da decisão e deste ainda tentou a, ora Reclamante, pedir a sua reforma, mas tal foi indeferida por achar-se que era erro de julgamento e não lapso manifesto. O que, na modesta opinião da Reclamante também tal interpretação não estava correta, podendo e devendo na altura o Supremo Tribunal de Justiça ter procedido à reforma requerida.
O Acórdão citado por este Tribunal devia ter sido reformado assim como pedira, a ora, Reclamante na altura, por manifestamente não estar em conformidade com a realidade dos autos e isso notoriamente condicionou a decisão desse Tribunal Constitucional, tipicamente configurando um lapso manifesto por não consideração de todos os elementos ou dando-se uma qualificação jurídica que não está presente dos autos. Poder-se-ia dizer que, na altura, até haveria um erro material, mas, não foi corrigido ou reformado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, pode questionar-se, se o lapso manifesto que peca o Acórdão recorrido do Supremo Tribunal, prejudica o próprio recurso para este Tribunal Constitucional, que por sua vez encontra-se ferido de um erro devido à falta de correção de elemento fundamental para a devida apreciação da causa.
Com todo o devido respeito, está clara a intenção da Reclamante, que se insurgiu em recurso quanto à inconstitucionalidade do instituto jurídico de confissão como prova plena quando aplicada às declarações prestadas sobre rendimentos pelo cabeça de casal, em processo de prestação de contas.
E sobre essa inconstitucionalidade devia ter sido proferida decisão em conformidade por este Doutro Tribunal, sendo que afetou diretamente o julgamento no processo em causa como é suficientemente importante para todos processos especiais de prestação de contas em futuro.
Sem prescindir,
II. A ora impetrante foi condenada no douto acórdão agora reclamado em custas judiciais de 20 UC.
Acontece que, a reclamante beneficia de apoio judiciário total na modalidade de dispensa de custas e preparos no processo principal Processo 85/98, nos termos do DL 387-B/87 de 29 de setembro,
Assim, esclareceu no seu requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, como na reclamação de não admissão de recurso posterior,
Ora, claramente não foi tomada em consideração.
De acordo com o artigo 17.º, n.º 2 do Dl 387-B/87 de 29 de setembro, o apoio judiciário mantêm-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre o mérito da causa e é extensivo a todos os processos que sigam em apenso àquele em que foi concedido o apoio judiciário.
E assim, de direito, verifica-se que o artigo 85.º da Lei do Tribunal Constitucional estabelece que nos recursos para o Tribunal Constitucional podem as partes litigar com benefício do apoio judiciário, nos termos da lei.
Deve por assim, também, concluir-se pela reforma do douto Acórdão quanto à condenação em custas à Requerente, pois constitui uma decisão incorreta face à lei.
Nos termos expostos e nos mais que os Meritíssimos Juízes Conselheiros venham a suprir requer respeitosamente a V. Exas. se digne proceder à reforma em sede do que sempre se pede e espera Justiça.”
2. O recorrido respondeu, pugnando pela improcedência do pedido de reforma.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3. A reclamante A. vem apresentar pedido de reforma, com dois fundamentos distintos: verificação de lapso manifesto e indevida condenação em custas.
4. Começa a reclamante por sustentar que o Acórdão reclamado incorre em “manifesto lapso”. Porém, para sustentar essa conclusão, alinha argumentos fundados em pretérita viciação da numeração dos autos e afirma que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi proferido “com manifesto lapso na consideração dada pelo Tribunal a quo às declarações do cabeça de casal”, incorreção que, na sua ótica, persistira com o indeferimento do pedido de reforma apresentado no Supremo Tribunal de Justiça.
Assim sendo, constata-se que, na verdade, a imputação de lapso manifesto não é dirigida ao Acórdão proferido no Tribunal Constitucional, mas sim ao julgamento lavrado no Supremo Tribunal de Justiça. Mais, constata-se, pelas palavras da própria peticionante que repete pedido de reforma já formulado perante esse Tribunal e vira indeferido.
Em suma, e no que respeita ao Acórdão n.º 184/2013, e especificamente ao segmento da decisão recorrida nele transcrita, a reclamante aceita que foi esse o entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas discorda do seu acerto e do indeferimento da sua reforma com esse fundamento. E, partindo dessa premissa, considera que o erro se comunica à decisão proferida neste Tribunal e procura, pelo requerimento em apreço, a sua modificação, com a admissão e ulterior conhecimento do recurso de constitucionalidade.
Ora, essa pretensão escapa à cognoscibilidade compreendida na reforma da sentença, seja na previsão do n.º1, seja perante o n.º 2, ambos do artigo 669.º do CPC, pois não se trata de esclarecer obscuridade ou ambiguidade, ou de corrigir lapso manifesto da decisão reformanda (o Acórdão n.º 184/2013), mas sim de procurar reverter a pronúncia confirmatória do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, na sua dimensão de apreciação do mérito e de julgamento da causa. O que, em virtude do esgotamento do poder jurisdicional plasmado no n.º1 do artigo 666.º do CPC, encontra-se vedado.
Como, em termos patentes, se encontra afastada a possibilidade de proceder à reforma de decisão que proferida por outro Tribunal, pois não lhe assiste para tal competência.
Improcede, pelo exposto, e em termos manifestos, o primeiro fundamento da peticionada reforma.
5. Também no segundo fundamento avançado falece razão à peticionante.
A concessão de apoio judiciário, mormente na modalidade de dispensa total de preparos e do pagamento de custas (artigo 15.º, n.º 1 do D.L. 387-B/87, de 29 de setembro, não afasta a decisão quanto à responsabilidade pelas custas do recurso de constitucionalidade, nem a fixação do seu montante, de acordo com o n.º 4 do artigo 84.º da LTC, e o 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Essa afirmação de responsabilidade pelas custas, e a condenação em que se consubstancia, não se confunde com a exigibilidade do seu pagamento enquanto perdurar a concessão de apoio judiciário. Caso seja retirado esse benefício - o que pode, por exemplo, ter lugar quando fique adquirido que litigou de má fé ou atingiu situação superveniente de melhor fortuna – haverá lugar ao pagamento das custas em que a parte foi condenada, incluindo as custas pela reclamação decidida neste Tribunal.
Cabe, então, afastar igualmente a peticionada reforma do acórdão n.º 184/2013 em matéria de custas.
III. Decisão
6. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o pedido de reforma.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça, atendendo aos critérios em uso neste Tribunal e à dimensão do impulso processual em apreço, em 20 (vinte) unidades de conta.
Notifique.
Lisboa, 10 de maio de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.