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Processo n.º 678/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:
«(...)
A., arguido nos autos à margem indicados, notificado da decisão sumário nº 507/2012, não se conformando, vem dela reclamar-se para a conferência, ao abrigo do art. 78º-A da LTC, nos termos seguintes:
1º
O arguido bem sabe que as decisões sumárias proferidas pelo Tribunal Constitucional, no âmbito dos processos de fiscalização concreta, são sentenças praticamente 'inapeláveis'.
2º
Todavia, tão forte é a convicção do arguido de que o Exmo. Senhor Conselheiro Relator avaliou erroneamente a situação - frustrando-lhe, in casu, o direito ao recurso, único 'remédio' para o ato arbitrário praticado pela Relação de Lisboa de que o arguido foi vítima -, que o arguido tem a expectativa de que, desta feita, a decisão sumária, embora douta, seja revogada, dando-se provimento à presente reclamação.
3º
Recordemos que a não admissão do recurso teve fundamentos diferentes na Relação de Lisboa e no Supremo Tribunal de Justiça, a saber:
a Relação não admitiu o recurso fundando-se no art. 400º nº 1- e) do C.P.P., que estabelece que não é admissível o recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que aplicam pena não privativa da liberdade;
mas já o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação fundando-se no art. 400º nº 1c) do C.P.P., que considera irrecorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, o que seria o caso, uma vez que o acórdão não teria fixado a pena a aplicar, tendo-se limitado a julgar da culpabilidade.
4°
É neste contexto que a decisão sumária refere que não se tem que pronunciar sobre o entendimento normativo adotado pela Relação de Lisboa - referente à alínea e) do nº 1 do art. 400º do C.P.P. -, mas apenas sobre o entendimento normativo adotado pelo STJ - referente à alínea c) do nº 1 do art. 400º do C.P.P. -, o qual, na sua argumentação central, adota o entendimento normativo objeto do recurso, como a própria decisão sumária reconhece:
'É certo, com efeito, que o STJ extrai do preceito vertente farto 400º nº 1-c) do C.P.P.] um sentido normativo que é equivalente àquele que o recorrente contesta quer na reclamação apresentada junto do STJ, quer no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional'.
5º
Porém, a decisão sumária descortina na decisão reclamada do STJ um fundamento alternativo para a rejeição do recurso, já que o STJ refere que, de qualquer modo, mesmo que pudesse ser autonomizada a parte condenatória, também não haveria recurso, porque não foi aplicada qualquer pena concreta, a qual seria um critério essencial para decidir sobre a admissibilidade do recurso.
6º
E tem a decisão sumária razão, porque esse fundamento alternativo foi efetivamente adotado, como, de resto, se refere no art. 7º do recurso interposto para o T.C..
7º
Da existência desse fundamento alternativo é que não se retira a conclusão formulada na decisão sumária no sentido de que tal fundamento alternativo não teria sido igualmente objeto de impugnação.
8º
Tenha-se em conta que o fundamento alternativo tem a ver com a circunstância de não estar fixada a pena concreta, o que seria o critério essencial a avaliar nos termos do art. 400° n'T-c) do C.P.P..
9º
Isto é, o STJ começa por recusar o recurso com base na alínea c), mas, em alternativa, também o recusaria por referência à alínea e), pelo facto de ainda não se conhecer a pena, a qual poderá ser uma pena não privativa da liberdade.
10º
Ora, tal entendimento normativo é igualmente inconstitucional, tendo a inconstitucionalidade sido arguida quer no art. 11º da reclamação para o STJ, quer no art. 12º do recurso apresentado junto do T.C., o que foi feito nos seguintes termos:
'Tal inconstitucionalidade [no sentido de que, baseado no art. 400º nº 1-e) do C.P.P., devidamente conjugado com os arts. 399º e 432º nº 1 do C.P.P., não haveria recurso do acórdão da Relação que, após absolvição em lª instância, condena o arguido por crime punível com pena de prisão ou multa, a qual não fixa, remetendo para a 1ª instância] ocorre qualquer que seja a pena aplicada ou aplicável ao arguido, mas o juízo de inconstitucionalidade é reforçado nas situações em que possa ser aplicada ao arguido pena de prisão.'
11°
Pelo exposto, seja qual for o ângulo de abordagem do tema, a verdade é que o arguido previu todas as hipóteses dos vários entendimentos alternativos possíveis
12º
Compreenderão V. Exas, Senhores Juízes Conselheiros, que o arguido - depois de vítima de uma pura arbitrariedade - tenha tido tal cuidado.
13º
Acresce que também não se aceita a decisão sumária quando sustenta que não há coincidência entre o vício de inconstitucionalidade suscitado - quer no art. 12º da reclamação para o STJ, quer no art. 13º do recurso interposto junto do TC - e a ratio decidendi da decisão recorrida.
14°
É que, ressalvado o devido respeito, tal correspondência - naquilo que é substancial e relevante - manifestamente existe.
15º
15º
A inconstitucionalidade foi arguida nos seguintes termos:
'(...) tal vício de inconstitucionalidade [referente ao entendimento normativo, baseado nos arts. 399º, 400º nº 1 e 432º nº 1 do C.P.P., no sentido de que não há recurso para o STJ de acórdão da Relação que, após absolvição na 1ªinstância, condena o arguido por crime punível com pena de prisão ou multa, a qual não fixa, remetendo a questão da pena para a 1ª instância] é ainda agravado - o que igualmente se argui - quando aquele entendimento normativo abrange - como é o caso - a situação em que o acórdão condenatório da Relação procede oficiosamente, sem ocorrência de qualquer contraditório - nem renovação da prova, nem audição do arguido, nem qualquer ponderação da prova testemunhal em que se funda a 1ª instância -, à alteração da matéria de facto, de forma a dar como assente a factualidade que permite o preenchimento do tipo legal do crime e a viabilizar desde logo a condenação do arguido.'
16º
E foi esse o entendimento normativo que foi adotado pelo STJ, como já tinha sido adotado pela Relação de Lisboa.
17º
Não se pode nem deve jogar com as palavras.
18º
É certo que o STJ entende que o contraditório foi exercido na resposta ao recurso interposto da decisão da lª instância, mas admite, como é óbvio, que a apreciação oficiosa operada pela Relação foi efetuada sem qualquer contraditório posterior a esse outro que supostamente se teria exercido na resposta ao recurso (que, na verdade, nem existiu, porque o recorrente da decisão da 1ª instância não formulou qualquer pedido da alteração da matéria de facto; senão, não teria sido necessária uma intervenção oficiosa).
19º
E o que está em causa neste recurso de constitucionalidade não é se a resposta ao recurso interposto da decisão da lª instância assegura ou não o contraditório.
20º
O problema deste recurso de constitucional idade - no segmento ora em pauta - reside no facto de que as normas em apreço foram aplicadas no sentido de que não há recurso mesmo quando a relação altera oficiosamente a matéria de facto sem ouvir o arguido - nem renovar a prova, nem sequer considerar a prova testemunhal produzida na lª instância, isto é, sem verdadeiro contraditório -, no quadro de tal intervenção oficiosa.
21º
Ora, é esse o entendimento normativo, especialmente gravoso para o arguido, que ofende as garantias constitucionais referidas no art. 14º do requerimento de interposição do recurso, como, em situações equivalentes, quer o TC, quer o TEDH já julgaram.
Termos em que a presente reclamação deve ser deferida, com as legais consequências.
(...)»
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada, em parecer que se passa a transcrever:
«(...)
O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, vem dizer o seguinte:
1º
Concedendo provimento ao recurso interposto pelo assistente da decisão absolutória proferida em 1.ª instância, a Relação de Lisboa alterou a matéria de facto; revogou a decisão recorrida na parte em que absolveu o arguido da prática do crime que lhe havia sido imputado; condenou o arguido pela prática de um crime de gravações ilícitas, p. e p. nos termos do art.º 199.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; determinou que os autos fossem remetidos à 1.ª instância a fim de, com base na matéria de facto fixada, ser proferida a respetiva decisão condenatória.
2º
Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez este não admitido, reclamou o arguido para o senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (art.º 405.º do CPP), que indeferiu a reclamação.
3º
Dessa decisão foi interposto recurso para este Tribunal Constitucional.
4º
Pela douta Decisão Sumária n.º 507/2012, não se conheceu do recurso no que respeita às duas questões de constitucionalidade colocadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso.
5º
A primeira questão foi assim enunciada:
“Assim sendo, o Supremo Tribunal de Justiça adotou – em relação aos artigos 399.º, 400.º/n.º 1/als. c) e e) e 432.º /n.º 1 do CPP, conjugadamente considerados – o entendimento normativo de que não há recurso para o STJ do acórdão da Relação que, após absolvição em 1.ª instância, condena o arguido por crime punível com pena de prisão ou de multa, a qual não fixa, remetendo a questão da pena para a 1.ª instância.”
6º
Na Decisão Sumária entendeu-se que a decisão recorrida havia extraído do preceito, um sentido normativo equivalente àquele que o recorrente enunciara e previamente suscitara.
7º
Estariam, pois, reunidos os requisitos de admissibilidade.
8º
No entanto, na decisão recorrida, consta um outro fundamento para o indeferimento da reclamação.
9.º
Quanto ao primeiro o Supremo Tribunal entendeu que o Acórdão da Relação não conhecera, a final, do objeto do processo uma vez que não aplicara qualquer pena, antes tendo ordenado a remessa dos autos à 1.ª instância.
10.º
Quanto ao fundamento alternativo, o Supremo é claro ao dizer:
“De qualquer modo, mesmo que pudesse ser autonomizada a parte condenatória, não se verificariam, quanto a ela, os pressupostos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo em conta que não foi aplicada qualquer pena concreta, que ainda depende de decisão posterior.
Como a natureza concreta da pena aplicada constitui critério essencial para a decisão sobre a admissibilidade do recurso, não é possível no estado atual do processo decidir sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade”
11.º
Ora, como se considerou na Decisão Sumária, o recorrente não questionou a inconstitucionalidade desta dimensão normativa.
12.º
Na verdade, como já se depreendia da reclamação para o Senhor Presidente do Supremo e consta de forma mais evidente, quer do requerimento de interposição do recurso, quer na presente reclamação da Decisão Sumária, o recorrente acaba por reportar a questão de inconstitucionalidade à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, do CPP – que aliás refere expressamente -, norma que não foi aplicada, como se disse na douta Decisão Sumária e que o recorrente, aliás, nesta parte, não impugna.
13.º
Efetivamente, tal resulta claramente do afirmado na parte final do artigo 11.º do requerimento:
“(…) idem se se pretender restringir a questão à interposição do artigo 400.º/n.º 1/als c) e e) do CPP, pelo facto de ainda não se conhecer a pena.”
14.º
“Tal inconstitucionalidade ocorre, qualquer que seja a pena aplicada ao arguido (…)”.
15.º
Ora, sendo evidente que não foi aplicada qualquer pena, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, não sendo, sequer, esta norma, mencionada, como é natural.
16.º
Nunca o recorrente afirma, nem identifica qualquer interpretação normativa nesse sentido, que é inconstitucional entender que não é possível decidir sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade de recurso interposto de acórdão da Relação, proferido em sede de recurso, que não aplicou qualquer pena.
17.º
Assim, como o recorrente não enunciou adequadamente a questão da inconstitucionalidade no que respeita ao fundamento alternativo, o indeferimento da reclamação sempre se manteria, independentemente do juízo de constitucionalidade, positivo ou negativo, que viesse a ser proferido quanto ao primeiro fundamento.
18.º
Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade, parece-nos evidente que as instâncias não acolheram a interpretação normativa que o recorrente identifica como objeto do recurso.
19.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
(...)»
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 25 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que indeferiu a reclamação apresentada do despacho do Tribunal da Relação de Lisboa, despacho esse que não havia admitido o recurso interposto pelo recorrente relativamente ao Acórdão proferido por aquela Relação em 26 de abril de 2012.
O requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apresenta o seguinte teor:
‹(…)
9º
Assim sendo, o Supremo Tribunal de Justiça adotou – em relação aos artigos 399º, 400º/nº 1/al. c) e e) e 432º/nº 1 do CPP, conjugadamente considerados – o entendimento normativo de que não há recurso para o STJ de acórdão da Relação que, após absolvição em 1.ª instância, condena o arguido por crime punível com pena de prisão ou de multa, a qual não fixa, remetendo a questão da pena para a 1.ª instância.
10º
Ora, para o arguido – como foi suscitado na reclamação (cfr. art. 10º e ss., acima transcritos) – tal entendimento normativo é inconstitucional, por intolerável restrição ao direito ao recurso, tal como está consagrado no artigo 32º/nº 1 da CRP e no artigo 2º do Protocolo nº 7 à CEDH.
11º
Se se pretender restringir a questão à interpretação do artº 400º/nº 1/al. c) do CPP. – no sentido de que não seria recorrível, por não se tratar de uma decisão que conheça, a final, do objeto do processo, o acórdão da Relação que condena o arguido por crime punível com pena de prisão ou multa, a qual, porém, não fixa, remetendo a questão para a 1.ª instância – a inconstitucionalidade subsiste nos termos já assinalados; idem, se se pretender restringir a questão à interpretação do artº 400º/nº 1/al. e) do C.P.P. pelo facto de ainda não se conhecer a pena.
12º
Tal inconstitucionalidade ocorre qualquer que seja a pena aplicada ou aplicável ao arguido, mas o juízo de inconstitucionalidade é reforçado nas situações em que possa ser aplicada ao arguido pena de prisão.
13º
Por outro lado, tal vício de inconstitucionalidade é ainda agravado – o que igualmente se argui – quando aquele entendimento normativo abrange – como é o caso – a situação em que o acórdão condenatório da Relação procede oficiosamente, sem ocorrência de qualquer contraditório – nem renovação da prova, nem audição do arguido, nem qualquer ponderação da prova testemunhal em que se funda a primeira instância – à alteração da matéria de facto, de forma assente a factualidade que permite o preenchimento do tipo legal de crime e viabilizar desde logo a condenação do arguido.
14º
Nesta situação particular, além do direito ao recurso, está em causa o núcleo essencial das garantias de defesa que têm tutela constitucional nos termos do artigo 32º/nº 1 da CRP e o próprio princípio do direito a um processo equitativo, previsto no artigo 20º da CRP e no artigo 6º da CEDH (cfr. jurisprudência, igualmente muito clara, do acórdão do TEDH Constantinescu v. Roménia, de 27/06/2000, §59).
15º
Nesse âmbito, em situação equivalente, o Tribunal Constitucional já proferiu juízo de inconstitucionalidade da norma da alínea c) do nº 1 do artigo 400º do C.P.P., interpretada no sentido de que não há recurso para o STJ de acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1ª instância, de decisão condenatória do arguido (cfr. acórdãos nº 107/2012 e nº 191/2012).
(…)›
2. Ora, em decisão com data de 15 de novembro de 2011, o 4.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa julgou improcedente a acusação e absolveu o arguido – agora recorrente – do crime de gravações ilícitas. Em recurso interposto pelo assistente (fls. 55 a 73), o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 26 de abril de 2012, um Acórdão no qual condenou o arguido como autor de um crime de gravações ilícitas, nos termos do artigo 199.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, não fixando a pena e decidindo que a mesma deveria ser determinada pela 1.ª instância após remessa dos autos.
Inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em requerimento com data de 25 de maio de 2012 (fls. 100 a 128), o qual não foi, porém, admitido por despacho do Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento na alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP. Deste despacho apresentou o recorrente reclamação, em requerimento com data de 6 de julho de 2012, produzindo as seguintes alegações:
‹(…)
4º
Sustenta o despacho ora reclamado que a pena do arguido ainda não se encontra fixada, pelo que só da decisão oportunamente a proferir na 1.ª instância é que poderá ser interposto o respetivo recurso – circunscrito naturalmente à medida da pena, porque a condenação já está inapelavelmente garantida – e apenas para o Tribunal da Relação, mesmo que o arguido seja condenado a pena de prisão, que não pode exceder um ano.
(…)
6º
Acontece, porém, que, in casu, não se verifica a exceção prevista no artigo 400º/nº 1/al. e), in fine, do CPP, a qual, não havendo dupla conforme, restringe o recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, às situações que apliquem pena não privativa da liberdade (e sem prejuízo de se entender, o que também fica arguido, que tal restrição também é, ela própria, desproporcionada e violadora do direito ao recurso).
(…)
8º
E mesmo que se queira – numa outra interpretação da lei – aplicar a exceção em apreço às situações em que, não tendo sido aplicada uma pena, há que ter em conta a moldura penal em abstrato aplicável pela 1ª instância, a verdade é que, neste caso, a pena em abstrato aplicável pode ser pena de prisão, razão pela qual a exceção em apreço nunca se aplicaria ao caso dos autos.
9º
Por outro lado, apesar de ainda não se conhecer a pena – decisão remetida para a 1.ª instância -, o certo é que o acórdão em apreço se pronunciou sobre o objeto do processo, uma vez que condenou o arguido, pronunciando-se sobre os factos que lhe são imputados e sobre a sua qualificação jurídica, razão pela qual também não ocorre a exceção prevista no artigo 400º/nº 1/al. c) do CPP.
(…)
10º
Em qualquer caso, fica desde já arguida a inconstitucionalidade do entendimento normativo dado aos artigos 399º. 400º/nº 1 e 432º/nº 1 do CPP, conjugadamente considerados, no sentido de que não há recurso para o STJ de acórdão da Relação que, após absolvição em 1.ª instância, condena o arguido por crime punível com pena de prisão ou multa – a qual não fixa, remetendo a questão para a 1ª instância –, por intolerável restrição ao direito ao recurso, tal como está consagrado no artigo 32º/nº 1 da CRP e no artigo 2º do Protocolo nº 7 à CEDH.
(…)
12º
Tal vício de inconstitucionalidade é ainda agravado – o que igualmente se argui – quando aquele entendimento normativo abrange a situação em que o acórdão condenatório da Relação procede oficiosamente, sem ocorrência de qualquer contraditório – nem renovação da prova, nem audição do arguido, nem qualquer ponderação da prova testemunhal em que se funda a primeira instância – à alteração da matéria de facto, de forma assente a factualidade que permite o preenchimento do tipo legal de crime e viabilizar desde logo a condenação do arguido.
13º
Nesta situação particular, além do direito ao recurso, está em causa o núcleo essencial das garantias de defesa que têm tutela constitucional nos termos do artigo 32º/nº 1 da CRP e o próprio princípio do direito a um processo equitativo, previsto no artigo 20º da CRP e no artigo 6º da CEDH (cfr. jurisprudência, igualmente muito clara, do acórdão do TEDH Constantinescu v. Roménia, de 27/06/2000, §59).
14º
Se fosse entendido que o recurso não é admissível porque estamos perante um crime que em abstrato não admite a aplicação de pena superior a 5 anos, fundando-se tal entendimento numa interpretação conjugada nos artºs 400º/nº 1/al. e) e 432º/nº 1/al. c) do CPP., o arguido não aceita que tal interpretação seja admissível e aplicável no caso dos autos, porque o artº 432º/nº 1/al. c) tem a ver com o recurso per saltum (da 1ª instância para o STJ) e não com a situação em que, depois de absolvido na 1ª instância, o arguido se vê confrontado, na Relação, com uma condenação.
15º
Nesse caso, a interpretação conjugada de tais normas legais no sentido de que não há recurso para o STJ de acórdão da Relação que, após absolvição em 1ª instância, condena o arguido por crime punível com pena de prisão (não superior a 5 anos) ou multa – a qual não fixa, remetendo a questão para a 1ª instância -, é igualmente inconstitucional, por intolerável restrição ao direito ao recurso, tal como está consagrado no artigo 32º/nº 1 da CRP e no artigo 2º do Protocolo nº 7 à CEDH.
(…)›
O STJ, em decisão com data de 13 de setembro de 2012, indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente.
3. O presente recurso de constitucionalidade foi admitido pelo tribunal a quo, sendo que tal decisão, em face do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, não vincula o Tribunal Constitucional. Assim, uma vez que o presente caso se enquadra na hipótese delineada no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, passa a decidir-se nos termos e com os seguintes fundamentos.
4. Como é consabido, constitui pressuposto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, a circunstância de o tribunal recorrido ter aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e que tal norma haja sido efetiva “ratio decidendi” da decisão recorrida. Cumpre explicitar melhor estas considerações.
Assim, em primeiro lugar, a norma (ou interpretação normativa dela extraída) deve ter constituído “fundamento determinante” da decisão recorrida (v. o Acórdão n.º 101/85, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no sentido de que o juízo explícita ou implicitamente veiculado pelo tribunal a quo no que concerne a respetiva conformidade com o bloco de constitucionalidade – e que justificou ou viabilizou a sua aplicação no processo-base – se haja objetivamente projetado no conteúdo da decisão, moldando-a e determinando o seu conteúdo (Blanco de Morais, Justiça Constitucional – Tomo II, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2011, p. 750). Neste sentido, a não ativação dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional nesta espécie de recursos de constitucionalidade não surge perturbada pelo facto de, em “obter dictum” ou como simples argumento “ad ostentationem”, o tribunal recorrido se ter pronunciado sobre a questão de inconstitucionalidade levantada. Isto porque tal pronúncia só tem relevância processual se o juízo que comporta puder alterar o sentido ou o conteúdo da decisão exarada (cfr. Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 110, e ainda, entre muitos outros, o Acórdão n.º 48/85, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Depois, associado ao requisito que agora se analisa e à própria natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional tem vindo a formular, como pressuposto de admissibilidade do recurso, a exigência de que a decisão da questão de constitucionalidade possa influenciar a decisão final sobre a questão de fundo. Ora, é certo que esta influência não ocorrerá – frustrando-se, nessa medida, a utilidade e a relevância do recurso – quando a decisão recorrida tenha subjacente um fundamento alternativo, que sempre imporia a solução enunciada pelo tribunal a quo (Victor Calvete, “Interesse e relevância da questão de constitucionalidade, instrumentalidade e utilidade do recurso de constitucionalidade – quatro faces de uma mesma moeda”, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2004, p. 405).
5. Excogitadas estas considerações, há que concluir que o presente recurso de constitucionalidade não preenche as exigências conectadas com o requisito delineado supra, circunstância que obsta ao respetivo conhecimento pelo Tribunal Constitucional. Vejamos.
No requerimento de recurso de constitucionalidade apresentado, o recorrente circunscreve, fundamentalmente, duas questões.
Uma prende-se com a alegada inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e do artigo 2.º, do Protocolo n.º 7 da CEDH, das alíneas c) e e), do n.º 1, do artigo 400.º, - quando conjugadas com os artigos 399.º e 432.º, n.º 1, todos do CPP - interpretadas no sentido de que não seria recorrível o “acórdão da Relação que condena o arguido por crime punível com pena de prisão ou multa – a qual, porém, não fixa, remetendo a questão para a primeira instância” - por, respetivamente, “não se tratar de uma decisão que conheça, a final, do objeto do processo”, e “pelo facto de ainda não se conhecer a pena.”
A outra, que tem por objeto os mesmos preceitos, prende-se com a inconstitucionalidade, por violação do núcleo essencial das garantias de defesa, do entendimento normativo que abrange “a situação em que o acórdão condenatório da Relação procede oficiosamente, sem ocorrência de qualquer contraditório – nem renovação da prova, nem audição do arguido, nem qualquer ponderação da prova testemunhal em que se funda a 1ª instância – à alteração da matéria de facto, de forma a dar como assente a factualidade que permite o preenchimento do tipo legal do crime e viabilizar desde logo a condenação do arguido.”
Ora, em primeiro lugar, o tribunal recorrido (STJ) não aplicou a alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, pelo que não constituindo tal norma ratio decidendi da decisão veiculada pelo STJ não pode o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a interpretação normativa cujo acerto com a Constituição o recorrente contesta.
Já a alínea c), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, dispõe o seguinte:
‹(…)
Artigo 400.º
Decisões que não admitem recurso
1. Não é admissível recurso:
(...)
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objeto do processo.
(…)›
É certo, com efeito, que o STJ extrai do preceito vertente um sentido normativo que é equivalente àquele que o recorrente contesta quer na reclamação apresentada junto do STJ, quer no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional. De facto, na resposta do STJ à reclamação apresentada, pode ler-se o seguinte:
«(...)
Estando em causa a definição da responsabilidade criminal, a decisão final sobre o objeto do processo será aquela que define a culpabilidade (factos) e a pena (consequências).
No caso o acórdão questionado não conheceu, a final, do objeto do processo ou um elemento essencial do objeto – a determinação da pena, tendo em conta que foi ordenada a remessa dos autos à 1.ª instância, para determinação da pena a aplicar ao arguido – isto é, a hipótese de irrecorribilidade prevista na referida alínea c) do n.º 1 do art. 400.º, do CPP.
(...)»
No entanto, o tribunal a quo não deixa de sublinhar que, mesmo que assim não se entendesse – leia-se, mesmo que fosse possível autonomizar a parte condenatória da sentença, não aplicando a alínea c), do n.º 1, do artigo 400.º – não estariam ainda assim verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso para o STJ, “tendo em conta que ainda não foi aplicada qualquer pena, que ainda depende de decisão posterior.” Visto que “a natureza da pena concreta aplicada constitui o critério essencial para a decisão sobre a admissibilidade do recurso, não é possível no estado atual do processo decidir sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade.” Noutros termos, à luz da decisão recorrida, é possível descortinar um fundamento alternativo, o qual sempre suportaria o sentido daquela decisão mesmo que o STJ não tivesse extraído da alínea c), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, o entendimento normativo objeto de contestação.
Assente a existência desse fundamento alternativo, cuja inconstitucionalidade – sublinhe-se – o recorrente não suscitou em momento processual adequado (o qual só poderia ser, bem entendido, o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional), decorre de imediato que o juízo referente à (in)constitucionalidade da alínea c), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, veiculado pelo tribunal recorrido (fls. 137-138), constitui um mero “obiter dictum”. Isto porque tal juízo, mesmo que propendesse para a inconstitucionalidade do entendimento normativo sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa – algo que não acontece – nunca poderia alterar ou comprometer o sentido da decisão recorrida, que sempre permaneceria incólume.
Quanto à segunda questão fixada pelo recorrente no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, cumpre esclarecer que nem o tribunal recorrido nem o Tribunal da Relação de Lisboa interpretaram aqueles preceitos com o sentido cuja constitucionalidade o recorrente predica inquinada.
Recorde-se que, desta feita, o recorrente sustenta que o entendimento normativo extraído quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quer pelo STJ, dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alíneas c) e e), e 432.º, n.º 1, do CPP, segundo o qual o “acórdão da Relação procede oficiosamente, sem ocorrência de qualquer contraditório – nem renovação da prova, nem audição do arguido, nem qualquer ponderação da prova testemunhal em que se funda a primeira instância – à alteração da matéria de facto, de forma a dar como assente a factualidade que permite o preenchimento do tipo legal de crime e a viabilizar desde logo a condenação do arguido” é inconstitucional, por violação do núcleo essencial das garantias de defesa.
Ora, é patente, acedendo ao despacho da Relação que não admite o recurso interposto para o STJ (fls. 130), que tal tribunal não interpreta aqueles preceitos no sentido vertente, pois considera que:
«(...)
Finalmente, ao ter sido interposto recurso pelo assistente para esta instância, visando, com o mesmo, a revogação da decisão recorrida e a consequente condenação do arguido, como veio a acontecer, com esta possibilidade teve o mesmo arguido/requerente a oportunidade de ser confrontado, exercendo o contraditório.
Por isso, em sede de “resposta” ao citado recurso exerceu o requerente, como quis, o seu direito de defesa, o que não pode pretender ver agora repetido, em direito que a lei não lhe confere nem em privilégio que não lhe pode ser concedido.”
(...)»
Não resulta do exposto, portanto, que haja estrita coincidência entre, por um lado, a interpretação normativa que no entender do recorrente está em desacerto com o núcleo essencial de garantias de defesa, e por outro, o entendimento normativo que os tribunais em causa extraíram dos preceitos em crise, visto que também desse entendimento não está ausente uma exigência de contraditório e a intenção de conservar intactas aquelas garantias. Destarte, aquela interpretação não foi, afinal, ratio decidendi da decisão recorrida.
Assim sendo, somos levados a concluir que o recurso de constitucionalidade em análise não reúne os pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(...)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante em nada determina a alteração da decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, concretamente, na circunstância de a interpretação normativa cuja constitucionalidade se contestou não ter sido ratio decidendi da decisão recorrida.
Recorde-se que a primeira questão levantada pelo recorrente no requerimento de recurso de constitucionalidade prendia-se com alegada inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e do artigo 2.º, do Protocolo n.º 7 da CEDH, das alíneas c) e e), do n.º 1, do artigo 400.º, - quando conjugadas com os artigos 399.º e 432.º, n.º 1, todos do CPP - interpretadas no sentido de que não seria recorrível o “acórdão da Relação que condena o arguido por crime punível com pena de prisão ou multa – a qual, porém, não fixa, remetendo a questão para a primeira instância” - por, respetivamente, “não se tratar de uma decisão que conheça, a final, do objeto do processo”, e “pelo facto de ainda não se conhecer a pena.”
Considerou a decisão sumária, quanto a este ponto, que o tribunal a quo não tinha mobilizado a alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, e que, mesmo tendo interpretado a alínea c) no sentido predicado pelo recorrente, soçobrava na decisão recorrida um fundamento alternativo, cuja inconstitucionalidade aquele não havia arguido. Ora, na reclamação agora objeto de apreciação, o reclamante questiona, precisamente, esta última proposição, avançando que “o STJ começa por recusar o recurso com base na alínea c), mas, em alternativa, também o recusaria por referência à alínea e), pelo facto de ainda não se conhecer a pena, a qual poderá ser uma pena não privativa da liberdade.” Ou seja, para o reclamante, o fundamento alternativo apontado na decisão recorrida e do qual o STJ se serviu para indeferir a reclamação apresentada foi a alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, preceito cuja inconstitucionalidade também fora por ele objeto de suscitação.
É indesmentível, sublinhe-se, que o reclamante suscitou o incidente de inconstitucionalidade relativamente àquela alínea e). Sucede, porém, que, ao contrário do veiculado pelo reclamante, o fundamento alternativo em que o tribunal recorrido estribou a rejeição da reclamação não foi aquela alínea, algo que avulta por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, não tendo o STJ invocado expressamente esse fundamento, não pode o reclamante nem tampouco o Tribunal Constitucional dá-lo como assente. Em segundo lugar, talqualmente esclarece o Ministério Público no parecer submetido, resulta evidente que, dependendo a irrecorribilidade prevista na alínea e) da aplicação de uma pena, a ausência, in casu, deste pressuposto sempre obstaria a que o recurso houvesse sido rejeitado com base naquela alínea.
Reitera-se, pois, o expedido na decisão sumária reclamada, dado que em momento algum da sua intervenção processual logrou o reclamante arguir a inconstitucionalidade deste fundamento alternativo, ou seja, nunca o reclamante predicou a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual não é possível decidir sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade de recurso interposto de acórdão da Relação, proferido em sede de recurso, que não haja aplicado qualquer pena.
No recurso de constitucionalidade interposto, o recorrente sustentou ainda que o entendimento normativo extraído quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quer pelo STJ, dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alíneas c) e e), e 432.º, n.º 1, do CPP, segundo o qual o “acórdão da Relação procede oficiosamente, sem ocorrência de qualquer contraditório – nem renovação da prova, nem audição do arguido, nem qualquer ponderação da prova testemunhal em que se funda a primeira instância – à alteração da matéria de facto, de forma a dar como assente a factualidade que permite o preenchimento do tipo legal de crime e a viabilizar desde logo a condenação do arguido” seria inconstitucional, por violação do núcleo essencial das garantias de defesa. Na decisão sumária objeto de reclamação, o Tribunal considerou, uma vez mais, não ter o tribunal recorrido interpretado os preceitos em crise com o sentido cuja constitucionalidade o reclamante contesta.
Sustenta, então, o reclamante, na reclamação apresentada, que “é certo que o STJ entende que o contraditório foi exercido na resposta ao recurso interposto da decisão da lª instância, mas admite, como é óbvio, que a apreciação oficiosa operada pela Relação foi efetuada sem qualquer contraditório posterior a esse outro que supostamente se teria exercido na resposta ao recurso (que, na verdade, nem existiu, porque o recorrente da decisão da 1ª instância não formulou qualquer pedido da alteração da matéria de facto; senão, não teria sido necessária uma intervenção oficiosa).” Conclui, portanto, que 'o problema deste recurso de constitucional idade - no segmento ora em pauta - reside no facto de que as normas em apreço foram aplicadas no sentido de que não há recurso mesmo quando a relação altera oficiosamente a matéria de facto sem ouvir o arguido - nem renovar a prova, nem sequer considerar a prova testemunhal produzida na lª instância, isto é, sem verdadeiro contraditório -, no quadro de tal intervenção oficiosa” (o sublinhado é nosso).
Não obstante a argumentação expendida, cumpre confirmar, também quanto a este segmento, a decisão sumária reclamada. Na verdade, reitera-se a inexistência de estrita coincidência entre a interpretação normativa contestada pelo reclamante e o que soçobra da decisão recorrida, fundamentalmente porque a ligação que, na formulação enunciada, se estabelece entre a não admissibilidade do recurso, por um lado, e a alegada ausência de contraditório, por outro, resultam já – pois – de uma construção subjetiva do (ora) reclamante, que não tem reflexo na decisão recorrida. De facto, independentemente de saber se a questão em causa assume caráter normativo, o certo é que – verdadeiramente - o que reclamante pretende contestar é o facto de, tendo o Tribunal Relação operado uma alteração oficiosa da matéria de facto dada como provada, enquanto arguido não ter podido exercer o contraditório. Sucede, porém, que o entendimento normativo extraído dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alíneas c) e e), e 432.º, n.º 1, do CPP, cuja constitucionalidade o reclamante contesta, em nada contribuiu para essa omissão de contraditório. Na verdade, esta resultou, quando muito, da não aplicação, in casu, dos preceitos que, no Código Penal (e na própria Constituição), asseguram o direito do arguido a ser ouvido pelo tribunal sempre que este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete – preceitos esses cuja inconstitucionalidade não foi objeto de arguição pelo reclamante em nenhum momento da sua intervenção processual (aliás, ‘a latere’, dir-se-á que tais preceitos sustentam ou sustentariam, em primeira linha, a arguição de nulidade de acórdão irrecorrível, no plano infraconstitucional).
Confirma-se, portanto, que a combinação proposta pelo reclamante na formulação enunciada, estando absolutamente desfasada da decisão recorrida, não foi ratio decidendi desta.
III. Decisão
6. Assim sendo, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 15 de janeiro de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro