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Processo n.º 333/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 26 de fevereiro de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 243/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.
O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade de norma que reporta aos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; de norma que referencia ao artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; de norma que reporta ao artigo 127.º do Código de Processo Penal; e, ainda, dos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, e 50.º, do Código Penal. Sucede, porém, que o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, tais normas. No acórdão recorrido, para indeferir o pedido do recorrente, o Tribunal da Relação de Évora aplicou as normas atinentes ao esclarecimento ou reforma das decisões judiciais.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
2. Segundo o recorrente, «ao condenar em quantia pecuniária, além de pena de prisão suspensa, o TRE incorre em ilegalidade e inconstitucionalidade», além de que «a condenação de um arguido, simultaneamente, em pena de prisão (suspensa), indemnização civil e esmola para luxos de associações de duvidosa “utilidade pública”, não tem assento legal ou constitucional».
Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
É manifesto que aqueles enunciados não correspondem à indicação de uma qualquer norma cuja apreciação possa ser deferida ao Tribunal Constitucional. Significam antes que o recorrente questiona a conformidade constitucional da decisão judicial condenatória.
Não pode, pois, tomar-se conhecimento do objeto do recurso, também quanto a esta parte, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«(…)
3 – Na doutrina portuguesa, são diversos os autores que, referenciados na obra “Direito Constitucional, Tomo I” (Rei dos Livros), de BENJAMIM SILVA RODRIGUES, no segmento que se transcreve, apontam para uma interpretação diferenciada do conceito de norma funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LOFTC. Vejamos, pacientemente, essa resenha:
(…)
5 – A Decisão Sumária lavra em erro quando refere, por um lado, que o recorrente não terá suscitado qualquer norma que haja sido a “ratio decidendi” do acórdão do TRE; e, por outro lado, quando refere que, relativamente a este último Tribunal, estavam em causa as normas aplicadas e reportadas ao esclarecimento ou reforma das decisões judiciais. Ora,
6 – Na verdade,
7 – Não é verdade que foram aplicados os artigos 401.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, do CPP? Quando se impossibilitou a correta continuidade da vida recursória e uma total ausência de fundamentação expressa e acessível?!.
8 – Não é verdade que, com a decisão do TRE, está em causa diretamente o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP?
9 – Não é verdade que foi aplicado o artigo 127.º, do CPP, em termos constitucionalmente censuráveis na tese do recorrente?
10 – Não é verdade que foi aplicada a suspensão da pena e a sua sujeição a uma condição de índole económica, assim se aplicando o disposto nos artigos 152.º, n.os 1, alínea a), e 2, e 50.º, do Código Penal? Ora,
11– Ora,
12 – O arguido, quando pediu esclarecimento ou reforma, da decisão do TRE, fê-lo por entender que a decisão final – o acórdão – tinha violado princípios e normas constitucionais. Acresce que,
13 – As normas e dimensões constitucionais implicadas foram de tal modo corretamente bem formuladas que a Relatora as identificou corretamente. Ora,
14 – O artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LOFTC coaduna-se com a evolução doutrinária em sede de norma para efeitos de censura constitucional, pois há que entender abrangidas as dimensões normativas aqui sindicadas, subjacentes ao acórdão do TRE, e bem compreendidas pelo Tribunal Constitucional. Ademais,
15 – Nem mesmo pelo facto de estarmos perante uma Decisão Sumária pode justificar uma menor fundamentação, expressa e acessível, tal qual o exige o artigo 205.º, n.º 1, da CRP 1976. De facto,
16 – Condena-se o arguido, que tem apoio judiciário, em 7 UC´s mas não se indicam as regras específica do atual diploma que vigora tal matéria, mesmo sabendo que o arguido tem apoio judiciário deferido no presente processo? (Doc.1)
17 – Não é, por isso, verdade, que o arguido não haja identificado apenas “normas” jurídicas e, ainda e apesar disso, sempre se dirá que a doutrina e jurisprudência constitucional tem vindo a entender igualmente sindicáveis certas “dimensões normativas subjacentes a decisões judiciais e reconduzíveis a certas normas jurídicas” – como foi e é o caso.
18 – O Tribunal Constitucional não pode fazer o jogo de deitar fora o recurso com o argumento de que o arguido não deveria ter pedido esclarecimentos e reforma do acórdão do TRE e deveria ter vindo diretamente para o TC, pois, isso, significa uma verdadeira denegação de tutela jurisdicional efetiva, à luz do artigo 20.º, n.os 2 e 4, e 202.º,n.os 1 e 2, da CRP 1976».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
O arguido A. pediu o “esclarecimento ou reforma” do acórdão proferido pela relação de Évora que negou provimento ao recurso interposto da sentença que, em 1.ª instância e pela prática de um crime de violência doméstica, o condenara na pena de 4 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, mediante condição.
2º
A Relação de Évora, por acórdão de 26 de Fevereiro de 2013, indeferiu o pedido formulado.
3º
Notificado desse acórdão o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
4º
No requerimento começa por dizer:
“(…) arguido nos autos supra referenciados, tendo sido notificado da resposta do TRE ao seu pedido de “Esclarecimento/Reforma”, e não se conformando com a mesma, por conter interpretações que afrontam contra normas constitucionais, VEM, respeitosamente, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 75.º-A, n.ºs 1 e 5, e 79.º, da LOFTC, interpor e requerer a admissão para o Tribunal Constitucional (…)”
5.º
Ora, parece-nos, pois, que, de uma forma expressa, clara e inequívoca, a decisão da qual foi interposto recurso é o acórdão que se limitou a indeferir o pedido de reforma e aclaração.
6.º
Assim, tal como se conclui na douta Decisão Sumária, parece-nos evidente que aquele aresto não aplicou as diversas normas que o recorrente identifica no requerimento para este Tribunal Constitucional.
7.º
Sobre esta matéria que, sublinhe-se, constitui o fundamento para a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, o recorrente, na reclamação, nada de concreto diz.
8.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Na decisão sumária reclamada entendeu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, na parte relativa à apreciação da constitucionalidade de norma que o recorrente reporta aos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; de norma que referencia ao artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; de norma que reporta ao artigo 127.º do Código de Processo Penal; e, ainda, dos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, e 50.º, do Código Penal. Entendeu-se que não se podia dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de tais normas (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
Em bom rigor, o reclamante em nada contraria este fundamento, quando argumenta que tais normas foram, de facto, aplicadas pelo Tribunal da Relação de Évora, uma vez que não distingue o acórdão de 20 de dezembro de 2012 do acórdão de 26 de fevereiro de 2013. Quanto a este – a decisão recorrida nos presentes autos – o recorrente não contraria em nada o decidido. E a verdade é que, tendo sido interposto recurso de constitucionalidade de acórdão que indeferiu o pedido de esclarecimento ou reforma do acórdão de 20 de Dezembro de 2012, a decisão ora recorrida não aplicou, como razão de decidir, qualquer uma das normas indicadas pelo recorrente, mas sim normas atinentes ao esclarecimento ou reforma das decisões judiciais.
Por outro lado, tudo o que diz sobre o conceito de norma funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC não tem a ver, em nada, com a razão que levou ao não conhecimento desta parte do objeto do recurso.
Há que confirmar, pois, quanto a esta parte, a decisão reclamada.
2. Entendeu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, também na parte em que o recorrente sustentava que «ao condenar em quantia pecuniária, além de pena de prisão suspensa, o TRE incorre em ilegalidade e inconstitucionalidade» e que «a condenação de um arguido, simultaneamente, em pena de prisão (suspensa), indemnização civil e esmola para luxos de associações de duvidosa “utilidade pública”, não tem assento legal ou constitucional». Entendeu-se que estes enunciados não correspondem à indicação de uma qualquer norma cuja apreciação possa ser deferida ao Tribunal Constitucional, quando só normas – não decisões judiciais – podem ser objeto de apreciação ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
E o que acaba de ser dito em nada contraria o que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo quanto ao conceito de norma para efeito de fiscalização concreta da constitucionalidade. É por demais evidente que aqueles enunciados, que nem sequer estão suportados num qualquer preceito legal, são significativos da pretensão de ver apreciada a conformidade constitucional de uma decisão judicial. Não correspondem, de todo, à identificação de interpretação normativa feita pela decisão recorrida, o que já poderia ser objeto de apreciação por este Tribunal. É entendimento jurisprudencial reiterado que pode ser requerida a apreciação de uma norma «considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. Itálico aditado).
Há, por isso, também quanto a esta parte, que confirmar a decisão reclamada.
3. O reclamante alega que foi condenado em custas, mas que não são indicadas as regras específicas do diploma que vigora em tal matéria, sendo certo que beneficia de apoio judiciário.
A taxa de justiça (7 unidades de conta) foi fixada de acordo como o Regime de Custas no Tribunal Constitucional, previsto no Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, tendo sido fixada dentro dos limites estabelecidos no artigo 6.º, n.º 2 (entre 2 UC e 10 UC), segundo o critério constante do artigo 9.º (a taxa de justiça é fixada tendo em atenção, nomeadamente, a complexidade e a natureza do processo e a relevância dos interesses em causa). Corresponde, além do mais, ao montante que tem vindo a ser determinado por este Tribunal em situações idênticas.
A circunstância de o reclamante beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de custas e demais encargos com o processo não obsta à condenação em custas. Pelo contrário, porque não se trata de caso de isenção, compete ao Tribunal proceder a tal condenação. Coisa diferente é o recorrente estar, por ora, dispensado do pagamento das custas.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Lisboa, 28 de junho de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros - Maria Lúcia Amaral.