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Processo n.º 419/00
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório M... deduziu perante o Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto oposição à execução instaurada pela 1ª Repartição de Finanças de Santo Tirso contra L..., Ld.ª por dívidas relativas a contribuições ao Centro Regional de Segurança Social de Braga relativas aos meses de Outubro de 1990 e de Março de 1991 a Dezembro de 1992, excepto o mês de Julho de 1991, no montante global de 4 192
734$00. Esta execução veio a reverter contra a oponente na sua qualidade de sócia-gerente da referida empresa e face à ausência de bens penhoráveis pertencentes à mesma. Por sentença de 19 de Maio de 1998 foi a oposição à execução considerada parcialmente procedente e declarada a oponente '[...] parte ilegítima na execução no que tange à dívida respeitante aos meses de Outubro de 1990 e de Março a Maio de 1991[...]'. Da referida sentença foi interposto recurso pela oponente para o Tribunal Tributário de 2ª Instância do Porto, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
'5. ‘Entre os princípios fundamentais do sistema tributário está o da proibição do excesso. Aplicando-se a proibição do excesso também à actividade legislativa, ao processo judicial e ao procedimento administrativo’.
6. ‘Também o princípio da proporcionalidade exige que não sejam impostos aos destinatários das normas, prejuízos desproporcionalmente elevados em relação ao objectivo a atingir.’ Ora,
7. O disposto no art. 13º do CPP [rectius CPT] é excessivo, na medida em que lança sobre a recorrente o ónus excessivo da prova de um facto negativo, assim a transformando, afinal, em verdadeira e directa contribuinte, e isto como se alcança dos autos, sem capacidade contributiva própria. Por isso padece o dito art. 13º do vício da inconstitucionalidade por violação do art. 2º e 266º, n.º 2 da Constituição. Pelo que,
8. A douta sentença na parte aqui recorrida, salvo o devido respeito e mais douta opinião violou, e, ou, interpretou erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 513º, 515º, 655º e segs. do CPC e o art. 13º do CPT, bem como os arts.
2º e 266º n.º 2 da Constituição da República.' Também a representante da Fazenda Pública junto desse tribunal interpôs recurso da referida decisão para o Tribunal Central Administrativo - Secção de Contencioso Tributário alegando que:
'6. Tendo sido dado como provado ter a oponente exercido efectivamente a gerência até 18/2/93, data em que a ela renunciou e resultando dos depoimentos das testemunhas que ela expressamente sancionou a decisão de não pagar as contribuições à Segurança Social, por opção de gestão, é lícito concluir ter sido produzida prova positiva prova material demonstrativa da culpa da oponente na insuficiência do património social para pagamento da totalidade dos créditos exequendos, por omissão da diligência exigível.' Por Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 20 de Abril de 1999 foi negado provimento a ambos os recursos, tendo assim sido confirmada a sentença recorrida. Desta decisão interpôs a oponente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por Acórdão de 29 de Março de 2000, decidiu negar provimento ao mesmo nos termos seguintes:
'3.3 Na perspectiva da recorrente por força do princípio da proibição do excesso e da proporcionalidade o disposto no art. 13º do CPT, interpretado com o sentido que lhe foi dado pelo acórdão recorrido lança sobre a recorrente o ónus da prova de um facto negativo, assim a transformando, afinal, em verdadeira e directa contribuinte sem capacidade contributiva própria pelo que padece a interpretação dada ao dito art. 13º do vício inconstitucionalidade por violação do art. 2º e
266º, n.º 2 da Constituição. Uma interpretação daquele art. 13º do C.P.T. conforme à Constituição há-de impor, de acordo com a recorrente, que só a culpa concreta e demonstrada, pode ser o pressuposto da responsabilidade civil de um gerente e essa culpa incumbe à Fazenda Pública demonstrá-la nos termos do art. 342º do C. Civil.
(...) Contrariamente ao sustentado pela recorrente entende-se que não sofre este preceito da inconstitucionalidade que lhe vem atribuída. (...) Esta responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes de sociedades comerciais é uma responsabilidade de natureza extracontratual por facto ilícito. O pressuposto de tal responsabilidade é a culpa daqueles administradores ou gerentes na génese da insuficiência do património da sociedade para satisfação dos créditos fiscais. Contudo, neste art. 13º do CPT, não fixou o legislador qualquer norma de incidência pois que apenas pretendeu efectivar aquela responsabilidade extracontratual baseada na culpa daquele a quem a lei passou a exigir a prestação. (...) Relativamente à violação dos questionados princípios constitucionais da proporcionalidade e da proibição do excesso, não concretiza a recorrente a forma como os mesmos são violados pela interpretação do mencionado art. 13º. Contudo a responsabilidade que este preceito normativo consagra pretende assegurar um meio necessário para a cobrança dos créditos fiscais nos casos em que o património da empresa deixou de possuir bens suficientes para os satisfazer, já que sem tais créditos necessidades públicas relevantes deixarão de poder ser satisfeitas. Daí que se encontre justificada a necessidade de um tal preceito legal criando a dita responsabilidade subsidiária. Entende-se ainda que esta responsabilidade não é desproporcionada nem excessiva pois assenta na culpa da pessoa a quem é exigida e é limitada ao montante das dívidas cujo não pagamento é imputável actuação culposa daquela. (...) O interesse público inerente à cobrança dos créditos fiscais explica um regime de responsabilidade que dê maiores garantias de cobrança pois que a situação dos credores fiscais é diferente dos restantes credores socais, quanto às possibilidades de prova da culpa dos gestores das sociedades pela insuficiência patrimonial e quanto à protecção que merecem as expectativas de cobrança dos créditos fiscais.' Inconformada, interpôs a oponente o presente recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, com vista à apreciação da norma contida no artigo 13º do Código de Processo Tributário, alegando a sua inconstitucionalidade 'ao menos na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido por violação, entre outros, dos princípios da Proporcionalidade, da ‘Proibição do Excesso’ consagrados no art. 2º da Constituição e da estipulação de obrigações tributárias, para quem não é directo contribuinte e não tem capacidade contributiva própria, assim se violando também os princípios constitucionais consagrados nos arts. 103º n.º 3, 104º e 266º da Constituição da República.' Nas suas alegações, a recorrente pugnou pelo julgamento de inconstitucionalidade da norma em causa, concluindo assim:
'1ª O Estado tem outras obrigações e determina ao cidadão o cumprimento de outros deveres fundamentais e constitucionalmente reconhecidos, dentre os quais se destaca os princípios da Segurança no Emprego, Direito ao Trabalho, Direito ao pagamento da respectiva Retribuição, Direito dos cidadãos à sua independência social e económica.
2ª O Estado e os cidadãos têm também o direito e o dever de promover e apoiar que as empresas privadas possam ser recuperadas e sobrevivem económicamente por forma a se integrarem no tecido industrial do país e promovam o emprego e o desenvolvimento da respectiva actividade industrial.
3ª 'Entre os princípios fundamentais do sistema tributário está o da proibição do excesso. Aplicando-se a proibição do excesso também à actividade legislativa, ao processo judicial e ao procedimento administrativo'.
4ª 'Também o princípio da proporcionalidade exige que não sejam impostos aos destinatários das normas, prejuízos desproporcionalmente elevados em relação ao objectivo a atingir.' Ora,
5ª O disposto no art. 13º do C.P.T., interpretado com o sentido que lhe foi dado pelo Acórdão recorrido lança sobre a recorrente o ónus da prova de um facto negativo, assim a transformando, afinal, em verdadeira e directa contribuinte, e isto como se alcança dos autos, sem capacidade contributiva própria. Por isso padece a interpretação dada ao art. 13º do vício da inconstitucionalidade por violação do art. 2º e 266º nº 2 da Constituição.
6ª Ou seja, quer por essas razões, quer porque o artigo 13º do C.P.T., devidamente interpretado de acordo com o disposto nos supra citados preceitos constitucionais e designadamente nos arts. 2º, 107º e 266º nº 2 da Constituição, não atribui aos gerentes das sociedades por quotas, uma responsabilidade civil objectiva ou funcional, pelas dívidas fiscais das mesmas, antes uma interpretação daquele art. 13º do C.P.T. conforme à Constituição há-de impor que só a culpa concreta e demonstrada, pode ser o pressuposto da responsabilidade civil de um gerente.
7ª E essa culpa incumbe à Fazenda Pública, demonstrar – art. 342º do C. Civil –
8ª Como resulta dos autos, a recorrida, Fazenda Pública, não veio deduzir qualquer contestação e nem juntar quaisquer provas a esse respeito, nada tendo vindo provar.
9ª Pelo que , se dúvidas houver quanto à culpa, ou não culpa, da recorrente, as mesmas devem levar ao julgamento da causa contra a parte onerada com o respectivo ónus da prova qual seja a Fazenda Pública.
10ª Não há Estado sem sujeição ao Direito, no duplo sentido de Estado que age segundo processos jurídicos e que realiza uma ideia de Direito que, no nosso caso, consiste necessariamente no Princípio da subordinação do próprio Estado a critérios materiais que o transcendem e que limitam materialmente e formalmente a actuação dos seus próprios órgãos.
11ª No actual estádio civilizacional cumpre fazer a síntese entre estas duas teorias antagónicas e procurar uma solução que harmonize o normal equilíbrio entre estes princípios constitucionais, ambas com acento constitucional. Por um lado, a necessidade de o Estado arrecadar receitas que lhe permitam fazer face às obrigações sociais a que está vinculada; Por outro lado, os princípios da livre iniciativa privada e da propriedade privada.
12ª Do mesmo modo que se encontra estruturado aquele art. 13º, o Estado limita-se a lançar sobre o cidadão um custo que deveria ser assumido pela Administração. E isto sobretudo quando constatámos que o faz à custa e em desrespeito pelos supra-citados preceitos fundamentais da nossa Constituição.
13ª Compreende-se assim a invocação da violação do Princípio da Proporcionalidade na aplicação de direitos fundamentais que é perpetrada pela dita norma do art. 13º do C.P.T., ao menos na interpretação que lhe foi dada pelo recorrido Acórdão do S.T.A..
14ª De facto, e salvo mais douta opinião, através daquele art. 13º o Estado legisla sem ter em consideração os limites a que o próprio poder legislativo necessariamente deverá estar submetido, entrando em confronto com aquele Princípio da Proporcionalidade, enquanto ' instrumento de funcionalização de todas as actuações susceptíveis de contenda com o exercício de direitos ou com a adstrição de deveres' ( Jorge Miranda).
15ª Violou, por isso o legislador o art. 18º nº 2 da C.R.P., na medida em que as restrições a direitos, liberdades e garantias devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e de dignidade ou valor superior.
16ª Convindo acrescentar que não faz mais sentido dotar o Estado, enquanto credor social, de um estatuto desproporcionalmente previligiado' – ou seja, o art. 13º do C.P.T. vem ao arrepio daquele que é a normal função do Direito Tributário deixando por resolver um problema de operacionalidade , com a solução mais fácil, mas simultaneamente mais injusta por desproporcional à natureza do ordenamento jurídico.
17ª Assim o douto Acórdão na parte aqui recorrida, salvo o devido respeito e mais douta opinião violou, e, ou, interpretou erradamente o conjugadamente disposto nos princípios constitucionais da Proporcionalidade, da ' Proibição do Excesso', e o Princípio da Não Estipulação de Obrigações Tributárias, para quem não é directo contribuinte e não tem capacidade contributiva própria, assim violando o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 53º, 58º, 59º, 67º, 88º, 103º nº 3, 104º, 107º e 266º nº 2 da Constituição. A recorrida não apresentou qualquer alegação dentro do prazo legal. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 13º do Código de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto-Lei n.º
154/91, de 23 de Abril), que prevê a responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada por dívidas fiscais. Está em causa o n.º 1 de tal norma (pois a recorrente era sócia-gerente da sociedade devedora das contribuições em questão), segundo o qual:
'1 – Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.' Esta norma – alterada pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, por forma a abranger também os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração – prevê, pois, a responsabilidade pessoal e solidária dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo. Trata-se de uma responsabilidade subsidiária relativamente à da sociedade. Foi com base em tal norma que a recorrente foi chamada a responder pelas dívidas de contribuições à segurança social posteriores a Maio de 1991 da sociedade de que havia sido gerente, não tendo feito prova de que não foi por culpa sua que o património desta sociedade se tornara insuficiente para a satisfação de tais créditos. Como se sabe, o regime da responsabilidade dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração pelas dívidas fiscais tem sofrido várias alterações (sobre as vicissitudes da responsabilidade subsidiária e as questões que levantava, v. J.J. Teixeira Ribeiro, anotação in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3815, págs. 49-50, A. P. Dourado, 'A responsabilidade tributária dos gerentes: pressupostos', Fisco, Setembro de
1993, págs. 38 e segs., J.L. Saldanha Sanches/Rui Barreira, 'Culpa no incumprimento e responsabilidade dos gerentes', Fisco, Maio-Junho 1995, págs. 98 e segs., Diogo Leite de Campos, 'A responsabilidade subsidiária, em direito tributário, dos gerentes e administradores das sociedades', Revista da Ordem dos Advogados, Agosto de 1996, págs. 477-97, Paulo Pitta e Cunha/Jorge Costa Santos, Responsabilidade tributária dos administradores e gerentes, Lisboa, 1999, págs.
9-93). Na sequência do disposto artigo 1º do Decreto n.º 17 730, de 7 de Dezembro de
1929, no artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45.005, de 27 de Abril de 1963 (que o artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e, já antes, o Decreto-Lei n.º 512/76, de
3 de Julho, mandava aplicar à falta de pagamento de contribuições do regime geral de previdência), previa-se uma responsabilidade puramente objectiva, vedando a prova de inexistência de culpa dos administradores ou gerentes no não pagamento (ou no surgimento da impossibilidade de pagamento) de dívidas fiscais. Tal regime veio a ser rejeitado pelo Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, que mandou aplicar à responsabilidade dos administradores e gerentes por dívidas fiscais o artigo 78º do Código das Sociedades Comerciais, equiparando, desta forma, as condições de responsabilidade perante o Estado às exigidas em face de outros lesados – isto é, exigindo a prova da culpa por parte do credor, para responsabilizar os administradores e gerentes. O regime do artigo 13º do Código de Processo Tributário, ora em questão, prevê a responsabilidade dos administradores e gerentes, mas possibilita o seu afastamento mediante a prova da ausência de culpa no surgimento da insuficiência patrimonial para o pagamento das contribuições, cabendo o ónus da prova da falta de culpa ao administrador ou gerente – ou seja, estabelecendo uma espécie de presunção de culpa pelo não pagamento das dívidas em causa. Actualmente, o artigo 24º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei Geral Tributária
(aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) admite, também, a prova de que o não pagamento não foi imputável aos administradores, ou exige a prova da culpa no surgimento da insuficiência patrimonial (v. Pedro Sousa e Silva, 'A responsabilidade tributária dos administradores e gerentes na Lei Geral Tributária e no novo CPT', Revista da Ordem dos Advogados, ano 60º, Dezembro de 2000, tomo 3, pp. 1445 e ss). O Tribunal Constitucional teve já por várias vezes ocasião de apreciar a conformidade constitucional de normas relativas à responsabilidade dos administradores e gerentes pelo pagamento de impostos e contribuições para a previdência. Assim, no Acórdão n.º 328/84 (publicado na II Série do Diário da República de 9 de Novembro de 1994) não se julgou inconstitucional a norma do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio. segundo a qual 'pelas contribuições [do regime geral da previdência] e respectivos juros de mora e pelas multas (...) que devem ser pagas por sociedades de responsabilidade limitada, são pessoal e solidariamente responsáveis, pelo período da sua gerência, os respectivos gerentes ou administradores'. Tal norma tornava aplicável à falta de pagamento de contribuições do regime geral de previdência o que se prescrevia no artigo
16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos – ou seja, a responsabilidade objectiva de administradores e gerentes por tal falta de pagamento. Entendeu-se neste Acórdão n.º 328/94 (e o mesmo julgamento foi repetido no Acórdão n.º 203/98) que a solução normativa em questão não era violadora do princípio da igualdade, por não se afigurar arbitrária ou irrazoável – 'pelo contrário, de um ponto de vista lógico, é perfeitamente razoável e justificado que aos gerentes ou administradores que de direito e de facto exerceram funções de gerência ou administração – ou seja, tiveram uma actuação que, ao fim e ao resto, foi aquela que ditou a condução da vida negocial da sociedade – sejam assacados os aspectos positivos e negativos decorrentes dessa condução de vida negocial.' E, da mesma forma, considerou-se não existir violação, nem da liberdade de escolha de profissão e da iniciativa económica privada, nem do direito de propriedade privada do administrador ou gerente, concluindo, aliás, que 'o denominado ‘princípio da culpa’ invocado pelo recorrente, não tem, seguramente, afora o domínio criminal e contra-ordenacional e, quiçá, o domínio sancionatório público, uma consagração a se na lei fundamental de sorte a implicar que, para além daqueles domínios, seja constitucionalmente vedada, em casos específicos, a responsabilização pelo cumprimento de obrigações independentemente da prova concreta (ou mesmo impedindo essa prova) de factos de onde se extraia a imputação subjectiva ao responsabilizado.' A norma foi, pois, julgada compatível com a Constituição. No Acórdão n.º 220/98 (embora como obiter dictum) referiu-se que 'este Tribunal Constitucional tem admitido que não é inconstitucional a responsabilidade fiscal subsidiária de administradores ou gerentes de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada (artigo 13º do Código de Processo Tributário) que justifica a reversão de execuções fiscais contra esses administradores, forçando-os a opor-se à execução para demonstrarem que não são responsáveis pela dívida exequenda'. Por sua vez, a norma do artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos foi apreciada e julgada não inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 576/99
(in DR, II série, de 21 de Fevereiro de 2000) e 577/99 (não publicado), remetendo-se, designadamente, para a fundamentação do referido Acórdão n.º
328/94. Aderindo plenamente a esta jurisprudência do Tribunal Constitucional – que conclui pela não inconstitucionalidade de normas que previam a responsabilidade subsidiária objectiva de administradores e gerentes, sem admitir estes a provarem a ausência de culpa no surgimento da insuficiência patrimonial –, apenas haveria que aplicá-la à norma ora em questão (o artigo 13º do Código de Processo Tributário), para concluir igualmente pela inexistência de inconstitucionalidade material desta última. Dir-se-á, mesmo, que tal conclusão se imporia a fortiori, posto que nesta norma apenas se responsabilizam os administradores e gerentes se estes não provarem a falta de culpa no surgimento da insuficiência patrimonial, não se prevendo qualquer responsabilidade objectiva. E assim, a norma do artigo 13º do Código de Processo Tributário, em apreciação no presente recurso, foi já julgada não inconstitucional no Acórdão n.º 681/99, que confirmou a decisão sumária do ora relator em tal sentido. A tal julgamento de não inconstitucionalidade chegará, porém, também quem apenas entenda que o artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos era inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, apenas na medida em que nele se previa a responsabilidade objectiva dos administradores e gerentes. Lê-se, nesta perspectiva, na declaração de voto aposta pelo relator aos referidos Acórdãos n.ºs 576/99 e 577/99:
'é certo que, como se diz no Acórdão, a exigência de culpa para imposição de responsabilidade não é objecto de genérica consagração constitucional. Contudo, como salientou o próprio legislador do Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, o ‘princípio da culpa é na responsabilidade civil de decisivo relevo para a configuração da esfera jurídica das pessoas, na qual elas se poderão disponivelmente mover’, e ‘pressupõe uma regra de justiça’ (...). O que, sendo obviamente relevante à luz de eventual fim sancionatório do preceito, não pode também deixar de ser considerado na definição dos limites de fins puramente garantísticos do Estado, que levam a fazer impender o dever de responder sobre pessoas diversas do originário devedor fiscal.'
(...) A ofensa ao princípio da igualdade resulta, pois, da inexistência de diferenciação entre administradores e gerentes diligentes e administradores e gerentes negligentes – e não da discriminação entre Estado e outros credores, ou entre administradores sociais e outros devedores, ou, ainda, de uma diferença de tratamento de gerentes de facto e gerentes de direito. O Acórdão n.º 328/94 analisou esta última para o regime (paralelo) da responsabilidade por dívidas à segurança social, incidindo sobretudo aí a sua fundamentação – embora não deixando de pressupor a conformidade constitucional da responsabilidade objectiva, a qual é justificada (nomeadamente considerando a distinção entre gerentes de facto e apenas de direito) porque, diz-se, ou as dificuldades económicas resultaram da actuação da gerência em causa, ou, se esta foi assumida em plena situação de dificuldade, os futuros gerentes sabiam que, estando a empresa em má situação, lhes incumbia uma gestão particularmente exigente, esforçada. Ora – e o ponto é relevante precisamente em sede de preclusão da prova da inexistência de culpa –, pode não ter sido da actuação da gerência que se pretende responsabilizar, porventura exercida de forma diligente e avisada, que resultaram as dificuldades económicas, mas de outras circunstâncias, como a conjuntura económica geral (já para não falar de casos em que os impostos não foram pagos para evitar situações de ‘urgência social’ com salários por pagar). Nestes casos, não pode argumentar-se com o referido conhecimento pelos administradores e gerentes da situação da empresa, e de que lhes incumbe uma gestão exigente e esforçada, e, chegado o momento da efectivação da responsabilidade, vedar-se-lhes a possibilidade de provar justamente esse esforço e diligência, presumindo, juris et de jure, a sua culpa.
(...) Nem é aceitável a objecção de que, com uma presunção juris tantum (como a partir de 1991), a prova de inexistência de culpa se fará em regra, inviabilizando a satisfação das obrigações fiscais. Pelo contrário, considerando a dificuldade de provar a inexistência de culpa depois de demonstrado o não pagamento ou a insuficiência do património social (v. J. J. Teixeira Ribeiro, anotação cit., pág. 50: ‘se era difícil à Fazenda Pública fazer a prova positiva da culpa, ainda é mais difícil aos administradores ou gerentes fazer a sua prova negativa’), excluir em absoluto tal prova será antes, nos casos em que ela, apesar de tudo, se lograria, tendencialmente ‘fechar os olhos’ à diligência comprovável – e, portanto, solução particularmente excessiva.' Também, pois, nesta perspectiva – para a qual a solução da responsabilidade objectiva apenas é violadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade por precludir em absoluto a possibilidade de se provar a inexistência de culpa na insuficiência patrimonial –, o artigo 13º do Código de Processo Tributário não é de considerar inconstitucional. Na verdade, tal norma, embora impondo aos administradores e gerentes o onus probandi – solução que se justifica na linha da fundamentação do Acórdão n.º
328/94, considerando, designadamente, que se está perante as pessoas que exerceram funções de administração ou gerência durante o exercício ao qual se referem as contribuições e impostos em questão – sempre lhes permite a prova de ausência de culpa no surgimento da insuficiência patrimonial (ou seja, de uma actuação diligente no exercício das suas funções), com a sua consequente não responsabilização. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional o artigo 13º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, na sua redacção originária. Custas pela recorrente, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 26 de Setembro de 2001 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa