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Processo n.º 415/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a B., Ld.ª, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 3 de dezembro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 282/2013, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Deduzida reclamação ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC a mesma foi indeferida através do Acórdão n.º 654/2013, com a seguinte fundamentação:
«Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia de uma questão de inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Entendeu-se que a recorrente questionou, então, a conformidade constitucional de uma decisão judicial na sua concreta conformação e não um sentido normativo referível a esta disposição legal.
A argumentação da reclamante é claramente significativa do bem fundado da decisão. Toda ela pretende ser demonstrativa de que a decisão recorrida não obedeceu ao dever de fundamentação, mais concretamente à norma prevista nos artigos 205.º da Constituição da República Portuguesa e 653.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tendo reiterado o desrespeito por esta disposição legal quando não reconheceu a nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), daquele Código. Daqui decorre que não foi, de facto, suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa.
A reclamante argumenta, a título subsidiário, que a irrecorribilidade para o Tribunal Constitucional de decisões que, em si mesmo consideradas, enfermem de manifestamente de inconstitucionalidade acarreta a violação dos artigos 20.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição. Sem razão. É a própria Constituição que concebe o Tribunal Constitucional como um órgão jurisdicional de controlo normativo – não de controlo das decisões judiciais –, ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigos 221.º, 280.º e 281.º)».
3. Notificada desta decisão, a reclamante «vem, ao abrigo do disposto nos artigos 669.º e 670.º do Código de Processo Civil, requerer a aclaração e, porventura, a reforma do douto acórdão», nos termos e com os fundamentos seguintes:
«O acórdão proferido que indeferiu a reclamação para a conferência e, em consequência, confirmou a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento de recurso interposto assentou totalmente em aspetos formais designadamente pelo facto de “não foi, de facto, suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa”.
Ora, acontece, porém, o que e pretende com a presente aclaração e o que, efetivamente, se pretendeu com o douto recurso para o Tribuna1 Constitucional, é e sempre foi requerer a V. Exas. que apreciassem a vio1ação, de forma crassa, do dever de fundamentação previsto no art. 205.º da CRP.
Conforme dispõe o artigo 653.º nº2 do CPC, alegando em sede do pedido de reforma de sentença, “a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho se o julgamento incumbir a juiz singular: a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.”
O artigo supratranscrito não se contenta com a fundamentação dos factos positivos, mas exige, de igual modo, que os factos não provados sejam devida e criteriosamente fundamentados, através da apreciação crítica das provas propostas pelas partes, de molde a evidenciar a razão ou razões que levam o tribunal a concluir não serem as mesmas suficientes para infirmarem conclusão diversa de considerar tais factos como não provados, fundamentação essa que a generalidade dos Juízes omite, o que, é tanto mais grave e injustificado quanto é certo que a sorte das ações assente.
Daqui resulta que o MM. Juiz a quo efetivamente não obedeceu ao disposto no art. 653º nº2 do CPC, norma de direito infraconstitucional, tendo recusado a sua aplicação, ou fazendo uma aplicação, salvo o devido respeito, deficiente do referido normativo legal.
O que reiterou quando não reconheceu a manifesta nulidade prevista no art. 668.º nº1 a1ínca d), não obedecendo ao dever de fundamentação, mais concretamente à norma prevista no art. 205.º da CRP e 653.º nº 2 do CPC.
Pelo que, e sa1vo o devido respeito, estão preenchidos os pressupostos do art. 70.º nº1 a1ínca b) da LTC, motivo pelo qual, deverá a presente reclamação ser considerada procedente com as devidas consequências legais.
Proferir outra decisão que não sendo apreciar o mérito constitucional e ao invés, debruçar sobre meros aspetos formais, será, tão só, sobrevalorizar a forma em detrimento da justiça material.
Pelo que, não se compreende o sentido e teor do douto acórdão de que agora se requer a aclaração visto que, salvo melhor opinião em contrário, os requisitos formais de violação de normativo constitucional em causa estão preenchidos.
Nestes termos, afigura-se-nos, e assim se requer, que o douto acórdão seja esclarecido no que toca à falta de requisitos formais que obstaram à tutela constitucional e, porventura, devidamente retificado com as devidas consequências legais.
No mesmo sentido, no pode a aqui recorrente conformar-se com a conclusão constante no acórdão ora em apreço, segundo o qual “É a própria Constituição que concebe o Tribuna1 Constitucional como um órgão jurisdicional de controlo normativo - não de controlo das decisões judiciais.”
A não admissibilidade do presente recurso, como fundamento que não é possive1 recorrer para o Tribunal Constitucional de decisões em si mesmo consideradas ainda que, como no caso apreço, estas enfermam manifestamente de inconstitucionalidade configura, salvo o elevado respeito, uma intolerável restrição do direto de acesso à justiça e violação dos preceitos constitucionais dos art. 20. nº1, 202º, nº2 e 268.º nº4 da CRP.
Ao não serem admitidos tais recursos, estaremos clara e inequivocamente a restringir os direitos fundamentais de qualquer cidadão, na medida em que, estaremos a correr o risco de decisões não fundamentadas e violadoras de princípios constitucionais se tornem definitivas e sejam insuscetíveis de recurso, violando a tutela jurisdicional efetiva.
Ora o direito a um processo equitativo – uma das vertentes do “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva” – “significa o direito a um processo honesto ou justo, ou seja, aquele em que as partes têm os mesmos direitos na defesa das sua pretensões, podendo ser equiparado ao da igualdade de armas na litigância.
É pois, um princípio de equilíbrio e é nesta perspetiva que tem de ser visto. Ou seja, na perspetiva de ambas as partes em confronto, independentemente do valor da causa.
Assim sendo, estaremos a considerar que todas as ações de valor inferior ao da alçada da primeira instância, não têm dignidade jurídica suficiente para verem assegurados todos os direitos constitucionalmente consagrados e garantidos num Estado de Direito Democrático, o que, manifestamente não nos parece ser o intuito do legislador.
Nestes termos, e sob pena, de qualquer cidadão ver vedada a possibi1idade de recorrer de uma decisão que enferma manifestamente de ilega1idade e de inconstitucionalidade só porque, na génese de tal pedido de inconstitucionalidade não se vislumbra uma norma aplicada ou cuja aplicação foi recusada pelo Juiz que proferiu a sentença, requer- se a V. Exas. que admitam o presente recurso com as devidas consequências legais».
4. Notificada da reclamação, a recorrida veio dizer, entre o mais o seguinte:
«6. Acresce que, à presente data não prevê qualquer pedido de aclaração, atento facto do disposto no art. 669º nº 1 do CPC (na versão anterior à entrada em vigor da Lei 41/2013), não encontrar par na presente redação (vide para este efeito o disposto no art. 616º do CPC, na redação introduzida pela Lei 41/2013, aplicável por força do disposto nos artigos 5º a 7º do referido diploma),
7. pelo que deverá ser indeferido o pedido formulado, por falta de fundamento legal para o efeito;
8. O pedido de aclaração visa esclarecer ambiguidades ou obscuridades da decisão objeto do pedido;
9. A Recorrente, conforme resulta da sua alegação, não invoca a existência de qualquer ambiguidade ou obscuridade, mas apenas ver novamente sindicada uma decisão relativamente à qual inexiste forma de reagir, usando dos presentes expedientes com o intuito único de dilatar o inevitável trânsito em julgado de uma decisão desfavorável e dessa forma tentar, por qualquer forma, prejudicar a Recorrida,
10. usando do presente expediente processual, com o único intuito de entorpecer a justiça e protelar, sem fundamento, o trânsito em julgado da decisão,
11. o que certamente fará, continuamente, até que seja condenada, como litigante de má fé, para além das custas devidas, que se deverão fixar em 50 UC (cfr. art. 7º do DL 303/98), em multa e indemnização a favor da Recorrida, o que desde já se requer;
12. Porque advoga contra o direito e utiliza dos presentes expedientes com propósitos meramente dilatórios, deverá reconhecer-se que o mandatário da Recorrente teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má-fé na causa e, consequentemente, disso dar conhecimento à Ordem dos Advogados, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 545º do CPC».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Decorre da lei processual civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da LTC, que, proferida decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo, porém, lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a decisão, nos termos dos artigos 614.º a 618.º (artigo 613.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Atendendo ao teor do Acórdão n.º 654/2013 e ao conteúdo do presente requerimento, é de concluir que a requerente discorda apenas do decidido quanto ao não conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto. Nada alega no sentido de estarmos perante um incidente pós-decisório legalmente admissível.
É de indeferir, pois, o requerido, não sendo apreciada, por ora, a questão relativa à litigância de má-fé.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir o requerido.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 25 de novembro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.