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Proc. nº. 109/01
1ª Secção Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – B..., Lda., identificada nos autos, foi punida, na sequência de auto de notícia instaurado por falta de liquidação e entrega do IVA, com uma coima no montante de 1 165 400$00.
Inconformada, recorreu para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga arguindo a ilegalidade da decisão de aplicação da coima, a prescrição do procedimento contra-ordenacional e a isenção de pagamento do imposto em causa por respeitar a transacções intercomunitárias.
Por sentença de 10.12.1999, veio o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga declarar extinta a responsabilidade contra-ordenacional da B..., Lda., por força do disposto no artigo 1º da Lei nº 51-A/96, de 9 de Dezembro, julgando extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.
A Fazenda Pública recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo concluindo que 'O DL 51-A/96 de 9 de Dezembro não tem aplicação às contra-ordenações, como ressalta da própria lei, pelo que não compete ao intérprete dar-lhe o sentido que o legislador não lhe quis dar'.
Por acórdão de 4.10.2000, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida para ser 'substituída por outra que não declare a extinção do procedimento pelos motivos invocados'.
Em cumprimento do referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, foram os autos remetidos ao Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga; neste Tribunal, por sentença de 3.11.2000, foi recusada a aplicação da norma constante do artigo
1º da Lei nº. 51–A/96, de 9 de Dezembro, na interpretação de que ela não abrange a responsabilidade contra-ordenacional, por alegada violação do princípio do Estado de direito democrático, declarada a extinção da responsabilidade contra-ordenacional da ora recorrida e extinta a instância por inutilidade superveniente
Afirmou-se na sentença o seguinte:
'Pensamos, com o devido respeito pela opinião expendida no douto acórdão que antecede (onde se conclui não haver ofensa do princípio da igualdade, por isso que as infracções – crime e contra-odenação – são de natureza diferente), que a igualdade a que deverá atender-se é aquela em que devem situar-se os agentes das infracções que se cotejam, e não a destas. Assim, resultará violado este princípio se, a agentes de infracções (embora de natureza diversa) com idêntico grau de repercussão e censura social, a lei dispensar tratamento diferenciado, designadamente se tratar de modo mais benevolente aqueles que, normalmente, pune mais gravosamente; seria o caso de amnistiar roubos e já não furtos, ou, como aqui acontece, permitir a extinção do procedimento criminal contra agentes do crime de abuso de confiança fiscal, e não o fazer relativamente àqueles que, por mera negligência, deixaram de entregar, num primeiro momento, aquilo que deveriam ter entregue. Estar-se-ia, por outro lado, deste modo, a sancionar a possibilidade do puro arbítrio legislativo, algo que se tem entendido (ver Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição Anotada, 3ª edição – '(...) constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça') ser contrário ao princípio do Estado de direito democrático de que fala o artº 2º da lei fundamental, ou a dar cobertura a legislação feita intuitu personae, algo de frontalmente contrário à generalidade que caracteriza a norma jurídica. Assim, por violação do princípio do Estado de direito democrático (na nossa anterior decisão, este argumento não era esgrimido) de que fala o artº 2º da Lei Fundamental, por banda do artº 1º da Lei 51-A/96, no segmento que diz ser aplicável apenas aos crimes ali enunciados, se interpretado como não cabendo no seu espírito a sua aplicabilidade a outras infracções de idêntica caracterização e menos graves, recusamos a aplicação desta norma (...)'
Desta sentença recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, nº.1, alínea a) da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 13 – A/98, de 26 de Fevereiro.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
'1 – Sendo clara e substancialmente diferenciada a responsabilidade criminal e a decorrente do ilícito de mera ordenação social, não viola os princípios da igualdade e do Estado de direito democrático a interpretação normativa do artigo
1º da Lei nº 51 – A/96 que exclui a aplicabilidade da causa de extinção do procedimento, aí prevista, ao âmbito das contraordenações fiscais – puníveis exclusivamente com sanções pecuniárias e onde não vigora o princípio da necessidade da pena e da máxima restrição das sanções criminais.
2 – Termos em que deverá proceder o presente recurso'.
Notificada a recorrida para contra-alegar, querendo, não apresentou alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
2 - A norma constante do artigo 1º da Lei nº. 51-A/96 define o âmbito de aplicação do diploma nos seguintes termos:
'O presente diploma é aplicável aos crimes de fraude fiscal, abuso de confiança fiscal e frustração de créditos fiscais que resultem das condutas ilícitas que tenham dado origem às dívidas abrangidas pelo disposto no Decreto-Lei nº 225/94, de 5 de Setembro, e no Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto'
Na sentença recorrida, a recusa de aplicação só formalmente se reporta apenas a esta norma. Na verdade, ela só tem obviamente sentido na relação que se estabelece com o regime jurídico concretamente instituído pela Lei nº 51-A/96 e, no caso, em exclusivo, com a norma do artigo 3º que dispõe o seguinte:
'O pagamento integral dos impostos e acréscimos legais extingue a responsabilidade criminal'.
Com efeito, o que na mesma sentença fundamenta a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente é a extinção da responsabilidade contra-ordenacional da recorrida que se faz decorrer do citado artigo 3º o qual, por virtude da recusa de aplicação da norma definidora do âmbito de aplicação do diploma interpretada no sentido de não abranger aquela responsabilidade, se entende igualmente aplicável ao caso.
Nesta medida e considerando o que na sentença recorrida se diz ('Assim, por violação do princípio do Estado de direito democrático (na nossa anterior decisão, este argumento não era esgrimido) de que fala o artº 2º da Lei Fundamental, por banda do artº 1º da Lei 51-A/96, no segmento que diz ser aplicável apenas aos crimes ali enunciados, se interpretado como não cabendo no seu espírito a sua aplicabilidade a outras infracções de idêntica caracterização e menos graves, recusamos a aplicação desta norma (...)'), do que verdadeiramente se trata no presente recurso é de saber se constitui uma medida legislativa arbitrária extinguir a responsabilidade criminal desde que o agente proceda ao pagamento integral dos impostos e acréscimos legais devidos sem que, do mesmo passo, se extinga a responsabilidade contra-ordenacional, verificado o mesmo condicionalismo.
A temática da distinção entre direito criminal e direito de mera ordenação social tem sido abundantemente tratada pela doutrina e jurisprudência nacionais, pelo menos há cerca de 30 anos. De facto, já em 1973 afirmava Eduardo Correia que '(...) uma coisa será o direito criminal, outra coisa o direito relativo à violação de uma certa ordenação social, a cujas infracções correspondem reacções de natureza própria. Este é, assim, um aliud que, qualitativamente se diferencia daquele, na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitos aos princípios e corolários do direito criminal' (cfr. 'Direito penal e direito de mera ordenação social', in Direito penal económico e europeu: textos doutrinários, I vol., pág.9).
Por seu turno, também já o Tribunal Constitucional teve oportunidade para se pronunciar sobre o regime jurídico das contra-ordenações, bem assim sobre a respectiva natureza, entre outros no Acórdão nº. 158/92, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., págs. 713 a 729 - em que se aborda historicamente a génese do direito de mera ordenação social no nosso ordenamento jurídico -, de que se extrata o seguinte trecho:
'Entretanto, porque o Presidente da República e o Procurador-Geral da República solicitaram, nos termos do artigo 281º, nº. 1, da versão originária da Constituição, ao Conselho da Revolução a apreciação e declaração da inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº. 232/79, (o qual, aliás, foi parcialmente revogado pelo Decreto-Lei nº. 411-A/79, de 1 de Outubro), veio aquele diploma a ser objecto de um parecer da Comissão Constitucional, concretamente, o Parecer nº. 4/81, publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, 14º vol., pp. 205 a 272, no qual se tratou longamente daquele tema, fazendo-se minuciosa referência às posições mais significativas da doutrina portuguesa e estrangeira. E, na linha de orientação já traçada no preâmbulo do respectivo diploma, a Comissão Constitucional, a propósito da natureza do ilícito de mera ordenação social, ponderou o seguinte:
(...) Para o legislador português – ao que parece único legislador europeu que seguiu até agora a solução germânica – o direito de mera ordenação é um aliud relativamente ao direito penal, um ramo diverso, um 'ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal'.
(...) Entretanto, e porque após a publicação do Decreto-Lei nº. 411-A/79, o regime das contra-ordenações introduzido pelo Decreto-Lei nº. 232/79 havia ficado desprovido de qualquer eficácia directa e própria, tornou-se mais instante a necessidade de reafirmar a vigência do direito de mera ordenação social, introduzindo-se, do mesmo passo, algumas alterações no respectivo regime. Em ordem à prossecução deste objectivo, foi publicado o Decreto-Lei nº. 433/82, revogando o Decreto-Lei nº. 232/79, e instituindo o quadro geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo, que ainda hoje se mantém em vigor. E, no preâmbulo deste diploma, de novo se reafirmam as grandes linhas de separação e distinção entre os crimes e as contra-ordenações, no plano da sua regulamentação substantiva e processual. Esta progressiva autonomização do direito de mera ordenação social, em termos de lhe ser conferida efectividade distinta e autónoma do direito penal, veio a ser confirmada no novo Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 400/82, de 23 de Setembro, no qual se aderiu decididamente ao 'movimento de descriminalização', projectando-se, por fim, num conjunto de transformações do próprio quadro jurídico-constitucional. Com efeito, na sequência da revisão constitucional operada pela Lei Constitucional nº. 1/82, de 30 de Setembro, a Constituição acolheu expressamente o direito das ordenações e o ilícito contra-ordenacional, em termos de se poder dizer que o ilícito criminal sticto sensu e o ilícito contra-ordenacional passaram a ser os únicos ilícitos sociais constitucionalmente referidos [cfr. os artigos 168º, nº. 1, alínea d), 229º, alínea m), e 282º, nº. 3, da versão de
1982, e artigos 168º, nº.1, alínea d), 229º, alínea p), e 282º, nº. 3, da versão actual]. Nesta linha de continuidade da crescente institucionalização do direito de mera ordenação social, a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional nº.
1/89, de 8 de Julho, veio assegurar aos arguidos, nos processos por contra-ordenação, os direitos de audiência e defesa, em termos similares aos que já eram garantidos nos processos instaurados no âmbito da função pública (cfr. artigos 32º, nº. 8 e 269º, nº. 3, da Constituição). De tudo o exposto pode dizer-se, acompanhando Figueiredo Dias, 'Movimento da Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social ', Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal – O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, 1983, p. 328, que são diferentes, com efeito, os princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra-ordenações (...)'
Após o aludido 'reconhecimento constitucional' do direito de mera ordenação social pela Lei Constitucional nº. 1/82, as revisões constitucionais de 1989,
1992 e 1997 deixaram intocado esse domínio, referindo a Lei Fundamental a autonomia dos dois ilícitos no artigo 165, nº. 1, alínas c) e d), por referência
às diferentes natureza e ressonância ética dos bens jurídicos tutelados, bem como às sanções aplicáveis.
Por seu turno, o legislador ordinário procedeu à revisão do regime geral das contra-ordenações pelo Decreto-Lei nº. 244/95, de 14 de Setembro, que manteve na essência os princípios orientadores do direito de mera ordenação social, reforçando, em geral, a autonomia dogmática deste último ilícito, apesar de, em alguns domínios – v.g., a comparticipação, a omissão, o concurso de contra-ordenações -, se ter 'revigorado' a aplicação subsidiária do direito penal.
No sentido de que, não obstante a distinta natureza dos ilícitos criminal e contra-ordenacional, se devem assegurar certas garantias do processo penal ao processo de/por contra-ordenações já por várias vezes este Tribunal se pronunciou, referindo-se a título de exemplo os acórdãos nº. 150/94, 496/97,
303/99 e 319/99, jurisprudência que se identifica com a posição de Gomes Canotilho e Vital Moreira segundo a qual '(...) há-de porém admitir-se que algumas das garantias de defesa fazem parte do cerne do princípio do Estado de direito democrático, pelo que não podem deixar de ter-se por inerentes a todos os processos sancionatórios, qualquer que seja a sua natureza. (...). Em relação ao ilícito de mera ordenação social, a lei respectiva (Decreto-Lei nº. 433/82) manda aplicar ao respectivo processo, por via de direito subsidiário, a lei do processo criminal' (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 208).
Por força, nomeadamente, do conceito de 'Estado (Administração) do bem-estar', a partir da última década tem vindo a verificar-se um alargamento das áreas de intervenção do direito de mera ordenação social a sectores para os quais este sistema sancionatório não foi originariamente concebido, em particular a circuitos económicos, financeiros e tecnológicos mais avançados. Esta tendência
– não acompanhada por qualquer inovação no regime substantivo e processual adequada às novas realidades entretanto abrangidas por este ramo do direito – originou no plano sancionatório um considerável agravamento dos montantes das coimas e um alargamento do leque de sanções acessórias aplicáveis (cfr. no mesmo sentido, Frederico da Costa Pinto, 'O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade', in Direito penal económico e europeu: textos doutrinários, vol. I, pág. 215).
Não obstante este alargamento a novas áreas de intervenção do direito de mera ordenação social e a par da já assinalada consagração de certas garantias processuais criminais ao processo contra-ordenacional, tem-se assistido mais recentemente ao fenómeno inverso, ou seja, ao movimento de neo-criminalização, seja por reforço, seja por tomada de consciência da dimensão ética de determinadas condutas e ilícitos, apontando-se com especial ênfase o direito penal fiscal versus direito de mera ordenação social ('fiscal').
Sendo '(...) através da cobrança de impostos que o Estado realiza em grande parte os objectivos de justiça social que a sua dimensão democrática lhe impõe', facilmente se compreende o movimento de neo-criminalização destes domínios, consagrando-se como 'bens jurídicos dignos desta protecção (...) tanto aqueles que surgem como concretização de valores jurídico-constitucionais ligados aos direitos sociais e à organização económica, como os que surgem como concretização de valores ligados aos direitos, liberdades e garantias. Este fundamento ético do imposto, legitimando a expansão do direito penal a um domínio tradicionalmente alheio a essa dignificação, está contido claramente na Constituição (arts. 103º e 104º), que aponta ao sistema fiscal uma finalidade de
'repartição justa dos rendimentos e da riqueza', a 'diminuição das desigualdades', a 'igualdade dos cidadãos' e a 'justiça social'. Com isto, é inequivocamente o critério político-criminal da necessidade que se reconhece como critério decisivo legitimador da criminalização de comportamentos que implicam fuga ilegítima ao Fisco. Que, entretanto, implica que a decisão criminalizadora não se baste com a pura dignidade constitucional dos valores a proteger, mas obedeça a razões de subsidiaridade e eficácia. Significa isto, então, que a decisão de criminalização só está legitimada se revela, em primeiro lugar, dimensão de última ratio: não se encontram à disposição do Estado meios não criminais de política social adequados e suficientes para a protecção dos valores que está em causa garantir. E, em segundo lugar, que a referida legitimidade da criminalização só se alcança se os meios de natureza penal utilizados são aptos a tutelar, de modo eficaz, os bens ou valores que importa garantir' (Cfr. Anabela Miranda Rodrigues,
'Contributo para a fundamentação de um discurso punitivo em matéria penal fiscal', in Direito penal económico e europeu: textos doutrinários, II vol., págs.481 e 482).
Ora, se a actividade fiscal do Estado assume importância crucial na distribuição da riqueza e do rendimento, associada à realização da justiça social enquanto concretização do estado de direito democrático, a que correlativamente corresponde por parte dos cidadãos o 'dever fundamental de pagar impostos', não será de estranhar que em domínio tão sensível o legislador delimite clara, restrita e precisamente as situações em que pode haver lugar à extinção da responsabilidade criminal e à extinção da responsabilidade contra-ordenacional.
É que, como é sabido, o direito penal obedece ao princípio da necessidade e da intervenção subsidiária, só podendo intervir quando se verifiquem lesões insuportáveis da convivência humana em sociedade, o que inibe a sua intervenção quando as condutas não violam bens jurídicos individualizáveis e, mesmo aí, só pode intervir quando as sanções dos outros ramos do direito se revelem manifestamente ineficazes para tutela do bem jurídico em presença, o que serve por dizer que o direito penal se há-de configurar como a ultima ratio da política social.
Se assim é, bem se compreende a existência de ilícitos diferentes (v.g., contra-ordenação, ilícito disciplinar, ilícito administrativo) ainda que a conduta não mereça tutela penal, se encontre descriminalizada ou extinta (e até prescrita) a respectiva responsabilidade penal.
Ora, como bem acentua o Exmo Magistrado do Ministério Público nas suas alegações, a solução legislativa de extinguir a responsabilidade criminal desde que pagos os impostos devidos, sem que se extinga a responsabilidade contra-ordenacional 'pode inclusivamente encontrar suporte no princípio constitucional da estrita necessidade e proporcionalidade do direito criminal, radicando na desnecessidade da punição – com uma pena eventualmente privativa de liberdade – o arguido que acaba por satisfazer os interesses patrimoniais do Estado', já não se impondo, à luz de princípios que constitucionalmente não são próprios do direito sancionatório contra-ordenacional, a extinção da inerente responsabilidade contra-ordenacional.
Nada tem, assim, de arbítrio legislativo ou de ofensivo do princípio do Estado de direito democrático uma norma interpretada no sentido de excluir a responsabilidade contra-ordenacional do âmbito de aplicação de um diploma que, entre outras medidas, extingue a responsabilidade criminal verificado determinado condicionalismo (o pagamento dos impostos em dívida).
No sentido da não inconstitucionalidade da norma do artigo 3º da Lei nº 51-A/96, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 245/00 (in Diário da República, II Série, de 3/11/2000).
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1º da Lei nº 51-A/96, interpretada no sentido deste diploma se não aplicar às infracções contra-ordenacionais;
b) Determinar a reforma da sentença recorrida em conformidade com o presente julgamento sobre a questão de inconstitucionalidade.
Sem custas. Lisboa, 26 de Setembro de 2001 Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa