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Processo n.º 810/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 810/12, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, 15 de novembro (LTC), do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido em 18 de janeiro de 2012.
2. Por decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso, por ilegitimidade do recorrente.
3. Inconformado, a recorrente reclama da decisão sumária para a conferência, nos seguintes termos:
1º - A questão que nos ocupa, muito breve, prende-se em saber se a inconstitucionalidade, tal como o fez o reclamante, pode ou não ser suscitada no pedido de aclaração da decisão do Tribunal a quo;
2º - Pois, por tê-lo sido, é que se decidiu, sumariamente, não conhecer do recurso interposto;
3º - Como sabemos, a fiscalização concreta da constitucionalidade assenta num controlo difuso (feita por todos e cada um dos Tribunais), incidental (só é possível invocar a inconstitucionalidade por via de incidente, no decurso de uma ação, das normas que sejam relevantes para o caso concreto, oficioso (o Tribunal deve conhecer oficiosamente da inconstitucionalidade, independentemente da arguição das partes), e concreto (os Tribunais não aplicam ou, se quisermos, desaplicam, a norma ao caso concreto a ser julgado);
4º - Mas a aclaração faz ou não parte integrante do processo? Apesar do Acórdão citado na decisão sumária – nº 165/2012, o mesmo não é convincente, mesmo na parte transcrita;
5º - Com efeito, o mesmo, apesar dos considerandos sobre o momento oportuno (de controlo discricionário indecifrável), releva que se traduz na necessária suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo;
6º - Ora, o incidente da aclaração acontece durante o processo, tanto mais que, deferida ou indeferida, é proferido novo acórdão;
7º - Neste sentido, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, pg. 331, diz:
São em princípio momentos idóneos para suscitar a questão da inconstitucionalidade o pedido de aclaração da decisão do tribunal a quo, a arguição da nulidade da mesma decisão, o requerimento de interposição do recurso de inconstitucionalidade ou as alegações deste recurso;
8º - Nem vemos como a decisão sumária reclamada possa harmonizar-se com o disposto na al. b), do artigo 280º, da CRP.
4. O Ministério Público e a Fazenda Nacional tomaram posição, no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
5. Confrontado com a decisão sumária de não conhecimento do recurso, fundada na ausência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade, vem o recorrente reclamar para a conferência, manifestando discordância com o entendimento sufragado, na medida em que, sustenta, suscitou a questão de constitucionalidade em requerimento de aclaração e esse incidente “acontece durante o processo”.
Sem razão.
6. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC (na redação conferida pela Lei n.º13-A/98, de 26 de fevereiro), os recursos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo diploma “só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Ora, o último segmento normativo denota a intenção do legislador de permitir ao Tribunal recorrido a apreciação da questão de constitucionalidade colocada, em termos de influir na aplicação ou recusa de aplicação da norma (ou interpretação normativa) cuja legitimidade constitucional se impugna, o que pressupõe a preservação da integralidade dos poderes cognitivos do julgador sobre o thema decidendi potencialmente afetado pelo verificação da inconstitucionalidade apontada. Tal não acontece, como se indica na decisão sumária, aquando da apreciação de pedido de aclaração, circunscrito à remoção de eventuais ambiguidades ou obscuridades, sem possibilidade de reponderação do mérito e modificação substancial da decisão aclaranda.
Como se escreve no Acórdão n.º 61/92 (disponível, como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt) “a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão (de constitucionalidade) que é objeto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional 'não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura ou ambígua', há de ainda entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade”.
Esse tem sido o sentido uniforme da jurisprudência do Tribunal Constitucional, em que se inscreve o acórdão citado na decisão sumária reclamada, podendo indicar-se muitos outros, como os Acórdãos n.ºs 167/12, 303/12 e 317/12, dentre os mais recentes.
7. É, pois, de confirmar a decisão sumária que, com fundamento em ilegitimidade do recorrente, não conheceu do objeto do recurso.
III. Decisão
8. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada.
9. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Notifique.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.