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Processo n.º 182/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 22 de janeiro de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 202/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Do artigo 75.º-A, nº 1, parte final, da LTC decorre que o recorrente tem o ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie. Notificada para o efeito, nos termos do disposto no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, a recorrente continua a não satisfazer este requisito do requerimento de interposição de recurso.
No requerimento de interposição de recurso, a recorrente aludiu a uma determinada interpretação que o Tribunal recorrido terá feito do artigo 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sem, no entanto, a especificar. Na resposta ao convite, a recorrente alude agora às normas que resultam do conjunto das normas, na respetiva concatenação e necessária interpretação sistemática, que, no Código de Processo Penal, definem os poderes do Tribunal da Relação na re-discussão de uma questão civil, enunciando depois alguns preceitos deste Código. Ou seja, a recorrente continua a não especificar a norma cuja apreciação pretende, não identificando, designadamente, a interpretação sistemática em causa. Por outro lado, nem sequer especifica os preceitos legais (diferentes do indicado no requerimento) a que se reportará tal norma (refere, por exemplo, os artigos 71.º e segs.).
Constitui entendimento reiterado deste Tribunal que o recorrente pode requerer a apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre muitos, o Acórdão n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Mas, neste último, caso tem «o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional» (Acórdão n.º 21/2006, disponível no mesmo local), uma vez que o objeto do recurso é definido no requerimento de interposição de recurso (cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 286/2000 e 293/2007, disponíveis no mesmo local).
Resta, pois, concluir pelo não conhecimento do objeto do recurso, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, nos seguintes termos:
«A contrario sensu, diz-se na douta Decisão Sumária aqui respeitosamente reclamada que a recorrente não terá cumprido o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.
Quando interpôs o seu recurso para este alto Tribunal, a recorrente disse ou quis dizer que o Tribunal da Relação de onde o processo vem não pode deixar de ter em conta as respostas nele oportunamente apresentadas, por ela própria e pelo Ministério Público, nos termos do artigo 413º do Código de Processo Penal, no caso (um caso de processo penal em que se discute a questão civil conexa), uma vez que a desconsideração destas respostas significaria interpretar e aplicar esse artigo desconformemente com, entre outros, os princípios da igualdade e da contraditoriedade constitucionalmente consagrados.
Entendeu a Exma. Senhora Conselheira-Relatora que esse pedido de apreciação concreta de constitucionalidade careceria de aperfeiçoamento e assim o ditou.
Em resposta, o mandatário da arguida/recorrente e ora também subscritor desta respeitosa reclamação, não terá sido feliz porque em vez de insistir nessa referência ao art. 413º do Código de Processo Penal (segundo a douta Decisão Sumária ora reclamada, ter-se-á cometido a gralha, no recurso inicial, de referir 412º e não 413º, mas na resposta ao convite para aperfeiçoamento parece ficar claro que é deste último preceito que se trata), procurou concretizar ainda mais a situação dos autos e acabou por tomar esse artigo e a interpretação conforme à Constituição que do mesmo tem de ser feita como pórtico de uma sucessão normativa.
Tudo o que pensou poder vir a explicar melhor em alegações, nos termos da lei.
Mas o que não se pode, salvo o devido respeito pela douta Decisão Sumária sob reclamação, é dizer que não é claro, nem percetível o sentido normativo cuja inconstitucionalidade baseia efetivamente o presente recurso.
Com efeito, constitui uma interpretação inconstitucional dos artigos que, no Código de Processo Penal, obrigam a considerar os argumentos dos contra- recorrentes (e que são o artigo 413º e, na sua sequência normativa, os artigos 424º e 425º, como na resposta ao convite para aperfeiçoamento se voltou a dizer) a situação concreta em que um Tribunal (como, no caso, a Relação de Évora) não aplica as normas que, no mesmo Código de Processo Penal, definem a questão cível conexa com o processo criminal, em termos respeitadores dos princípios constitucionais da igualdade e do contraditório».
4. Notificados os recorridos, respondeu apenas o Ministério Público, dizendo o seguinte:
«2º
Como no requerimento de interposição de recurso a questão de inconstitucionalidade não vinha claramente identificada, foi a recorrente notificada para “indicar, com precisão”, a norma cuja apreciação pretendia.
3º
Apresentou, então, a peça junta a fls. 1127 e 1128.
4º
Ora, vendo o ali afirmado, parece-nos evidente, como se entendeu na douta Decisão Sumária, ora reclamada, que não se logrou identificar de forma minimamente clara e adequada, qual a questão de inconstitucionalidade normativa que deveria constituir objecto do recurso.
5.º
Lendo a própria reclamação da Decisão Sumária nº 202/2013, continua a não se alcançar que questão de inconstitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
6.º
Naturalmente que, nestas circunstâncias, só poderia ser, com foi, proferida decisão sumária a não conhecer do objecto do recurso (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
7.º
O processo apenas deveria prosseguir com a apresentação de alegações se a conferência deferisse a reclamação por considerar que verificavam os pressupostos de admissibilidade, estando, assim, reunidas as condições para se conhecer do mérito do recurso (e a questão não fosse simples ou manifestamente infundada), o que não é manifestamente o caso, como decorre do que dissemos anteriormente.
8.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por a recorrente não ter satisfeito um dos requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade interposto – a indicação da norma cuja constitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC).
Para contrariar o decidido, a reclamante não só não demonstra que satisfez o requisito mencionado, como continua a não identificar a norma cuja apreciação pretendia. O que, de qualquer forma, seria já num momento processual inaceitável. É um ónus do recorrente indicar a norma cuja apreciação pretende no requerimento de interposição de recurso (ou no aperfeiçoamento deste), uma vez que é aqui que se fixa o objeto do recurso de constitucionalidade. Diferentemente do que entende a reclamante, a produção de alegações pressupõe que já esteja definida a norma que é objeto do recurso de constitucionalidade.
No requerimento de interposição de recurso e na resposta ao convite para aperfeiçoar o mesmo, a reclamante não identificou a interpretação normativa cuja apreciação pretendia, em termos de o Tribunal, no caso de julgar inconstitucional tal norma, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários dela e os operadores do direito em geral fiquem a saber que esses preceitos legais não podem ser aplicados com um tal sentido (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 21/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). A recorrente não enunciou de forma clara e percetível a norma cuja apreciação pretendia. O que é claro e percetível na resposta dada ao convite para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso:
«As normas e princípios constitucionais cuja violação está, portanto, concretamente em causa são, pelo menos, as que resultam da interpretação e aplicação do conjunto das normas (na respetiva concatenação e necessária interpretação sistemática) que, no Código de Processo Penal (CPP), definem os poderes do Tribunal da Relação na re-discussão de uma questão civil(no CPP),cf., pois, os arts. 71º e segs., os arts. 399ºesegs. – com destaque, in casu, para os arts. 413º, nº 1, e 424º, nº 2 – e os arts. 427ºesegs. – com destaque, também in casu, para o art. 431 º, alínea a)».
Há que confirmar, pois, a decisão sumária prolatada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 28 de junho de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros - Maria Lúcia Ama