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Processo n.º 198/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, considerando que a interpretação por este adotada “ao admitir a violação do art. 403.º, da Lei n.º 25/2004 é claramente inconstitucional por se traduzir numa limitação inadmissível do exercício legítimo das funções de dirigente sindical, violando o entendimento que pacificamente decorre do art. 55.º, n.º 6, da Constituição e violando ainda o art. 112.º da Constituição, ao admitir que o citado art. 403.º, como norma regulamentar que é, podia alterar o regime constante do Código do Trabalho de 2003 em matéria de faltas justificadas.”
2. A recorrida – B., S.A - intentou ação contra a recorrente, pedindo a condenação desta no pagamento de quantia de 9663,8 €, referente a remunerações salariais e outras prestações laborais indevidamente pagas, durante um período de tempo em que, por força do disposto no artigo 403.º, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, o respetivo contrato de trabalho se encontrava suspenso. A decisão da primeira instância julgou procedente o pedido da (ora) recorrida. Inconformada, a recorrente interpôs recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa, que indeferiu o pedido, considerando que:
«(…)
O referido art. 55.º consagra a liberdade sindical, fazendo-o nos seguintes termos:
1. É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.
(…)
6 – Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.
Garante-se, assim, aos representantes eleitos dos trabalhadores o direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.
Todavia, como se assinala no Ac. do Tribunal Constitucional de 12 de julho de 2001 (…), do ponto de vista constitucional, não é de excluir que a proteção do exercício da atividade sindical dos representantes dos trabalhadores se possa concretizar por diferentes formas, designadamente no que toca à extensão e tipo de regime de proteção.
(…)
Na subsunção destes princípios ao caso concreto, o que está em causa, ao fim e ao resto, é a justificação das faltas dadas pela ré, dirigente sindical, precisamente para o exercício dessas funções, e que o legislador admite sem limitação temporal, embora, naturalmente, considerando os interesses do empregador, sem direito à remuneração.
A apelante entende que o art. 403.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, também é inconstitucional por violar o disposto nos n.ºs 2 e 7 do art. 112.º da Constituição da República Portuguesa (…).
A Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, foi aprovada pela Assembleia da República, nos termos da alínea c) do art. 161.º da Constituição, que lhe confere competência para fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo, ou seja, nos termos da mesma alínea à luz da qual foi aprovada a Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto que aprovou o Cod. do Trabalho, razão pela qual não têm aqui qualquer aplicação os preceitos invocados.
Acrescenta, finalmente, a apelante que como a ré é membro da Direção do STAD desde 1 de abril de 1999 e, desde há mais de 9 anos que as sucessivas empresas de prestação de serviços de limpeza que foram suas empregadoras na execução daqueles serviços no Aeroporto de Lisboa lhe pagaram a retribuição correspondente a uma semana de trabalho, acrescida do pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal ainda que a ré estivesse a faltar para o exercício de funções sindicais por mais de um mês por forma consecutiva existe uma situação de autovinculação da autora ao pagamento daquela retribuição.
Ficou provado que a apelada desde 2004 pagou à apelante o referido crédito de horas, o que sucedeu porque a sua máquina de recursos humanos se limitou a continuar a uma prática anterior (factos provados 32 a 36 e 38) e provado ficou também que a apelada é uma grande empresa, com centenas de estabelecimentos e mais de 400 trabalhadores, com uma rotatividade de pessoal de cerca de 40% ao ano (factos provados 7, 8, 30 e 31).
(...)
Improcedem assim in totum as conclusões do recurso.
(…)»
Seguiu-se, finalmente, o recurso de constitucionalidade que agora se aprecia.
Notificada, a recorrente concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
«(...)
1.
A Recorrida intentou ação contra a ora Recorrente invocando e pedindo em suma o seguinte:
a) No dia 1 de fevereiro de 2004 tomara a seu cargo a execução dos serviços de limpeza no Aeroporto de Lisboa, sucedendo na execução dessa prestação de serviços a outra empresa onde de que a Recorrente era trabalhadora, tendo a Recorrente ficado ao serviço da Recorrida desde então mas não mais tendo prestado trabalho por estar a tempo inteiro no desempenho de funções de Dirigente Sindical no STAD;
b) Nos termos do art. 403º do Regulamento do Código do Trabalho de 2003, quando as faltas dadas para o exercício de funções sindicais se prolongassem por mais de 30 dias, o contrato de trabalho de trabalho existente com o trabalhador faltoso considerava – se suspenso;
c) Não tendo a Administração da Recorrida detetado que o serviço de processamento de remunerações continuara a pagar à Recorrente o crédito de dias devido por faltas dadas para o exercício de funções de Dirigente Sindical pela Recorrente, a Recorrida só por mero acaso se apercebera desse facto;
d) Razão porque pedia a condenação do R. a devolver – lhe a quantia de € 9.663,18, referente a pagamentos indevidos nos anos de 2006, 2007 e 2008 atenta a suspensão do contrato de trabalho;
2.
Proferida sentença, foi o pedido deduzido pela Recorrida julgado procedente, condenando – se a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia peticionada, uma vez deduzida do montante de € 536,88, acrescido de juros e peticionados pela A. em sede de reconvenção, sentença esta confirmada pelo Acórdão recorrido que se fundamentou na validade do art. 403º do Regulamento do Código do Trabalho de 2003, norma que, no entender da Recorrente é claramente inconstitucional por conter uma limitação inadmissível ao direito do exercício legitimo das funções de dirigente sindical, violando o art. 55º, nº 6, da Constituição, e violando ainda o art. 112º da Constituição, pois como norma regulamentar que é não podia alterar o regime de faltas justificadas do diploma que regulamentava, no caso o Código do Trabalho de 2003;
3.
A questão da suspensão do contrato de trabalho antes da entrada em vigor do Código do Trabalho não se colocava nos termos em que a Recorrida a coloca nos autos;
4.
Na verdade, como salienta Jorge Leite ( in “Crédito remunerado para o desempenho de funções sindicais”, Questões Laborais, Ano I, 1994 ), o direito ao recebimento da retribuição do empregador no caso de trabalhadores em exercício de funções sindicais não se equaciona à luz do impedimento prolongado por facto imputável ou não ao trabalhador, ocorrendo antes uma situação de impedimento voluntário do trabalhador no exercício de um direito constitucionalmente garantido ( art. 55º - da Constituição ), direito à liberdade sindical que nasce do reconhecimento pelo legislador constitucional de que as Associações Sindicais são “indispensáveis centros de referência de determinados interesses dos trabalhadores que representam e interesses do próprio regime democrático elevados que foram a seus agentes essenciais”;
5.
As faltas prolongadas para o exercício de funções sindicais reconduziam – se pois ao exercício de um direito constitucionalmente garantido não se inserindo pois no regime legal do impedimento prolongado e não determinando por essa razão a suspensão do contrato de trabalho – Ver no mesmo sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 15/6/88 e de 22/5/2002 e do STJ, de 16/12/83 e de 22/5/2002;
6.
Com a entrada em vigor do Regulamento do Código do Trabalho, em 28 de agosto de 2004 (Ver art. 3º da Lei 35/2004), entrou em vigor o art. 403º daquele Regulamento, no âmbito do qual as faltas dadas pelo exercício da atividade sindical que se prologuem efetiva ou previsivelmente para além de um mês se aplica o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador;
7.
Como se pode ler no Parecer da PGR, de 20 de novembro de 2009,
«O crédito de horas ou de tempo, figura jurídica que, estando implicada na situação que determinou esta pronúncia, vai merecer especial atenção, pode definir-se como uma «faculdade que a lei concede aos trabalhadores de interromperem a sua prestação de trabalho por períodos de tempo de duração variável, sem prejuízo de qualquer direito ou regalia, para que eles possam exercer determinadas atividades, as quais se entendeu deverem ser especialmente protegidas»;
8.
Seguindo essa mesma orientação, já o art. 8º do Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, assinado em Nova Iorque, em 7 de outubro de 1976, e ratificado pelo Estado Português em 31 de outubro de 1978, vinha estabelecer que o direito dos sindicatos exercerem livremente a sua atividade, apenas podia sofrer as limitações previstas na lei e que fossem necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança social ou da ordem pública ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem;
9.
O citado art. 403º vem limitar a possibilidade das Associações Sindicais se organizarem de modo eficaz na defesa dos interesses dos seus associados, e a questão a decidir nestes autos é a de saber se tal limitação é compatível com o art. 55º da Constituição e se respeita as regras do art. 18º, nº 2, também da Constituição;
10.
Não se vislumbrando nenhuma justificação no quadro dos direitos potencialmente em conflito que confira legalidade às limitações daquele direito nos termos previstos no art. 18º, nº 2, da Constituição;
11.
O art. 403º do Regulamento do Código do Trabalho aprovado pela Lei 35/2004 é inconstitucional por violação dos arts. 55º, nº 6, e 18º, nº 2, da Constituição, quando prevê a suspensão do contrato de trabalho dos dirigentes sindicais nos casos em que as faltas dadas para o exercício de funções sindicais se prolongam por mais de 30 dias;
12.
O art. 112º, nº 2 e nº 7, da Constituição, estabelece o principio geral de que as normas regulamentares, ainda que assumam a forma de Leis ou Dec. – Leis, se têm de subordinar aos princípios estatuídos nas normas que visam regulamentar;
13.
O Regulamento do Código do Trabalho aprovado pela Lei 35/2004, era uma norma regulamentar do Código do Trabalho de 2003, como de modo expresso consta do seu preâmbulo e, por isso, estava limitado pelo estatuído nas normas que regulamentava;
14.
Sobre o assunto interessam as seguintes normas do Código do Trabalho de 2003:
a) - art. 225º, nº 2, g) - que considera justificadas as faltas dadas pelos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação coletiva, nos termos do art. 455ª
b) - art. 230º - que estabelece a regra geral de que as faltas justificadas não determinam a perda ou prejuízo de quaisquer direitos do trabalhador exceto no que toca á retribuição nos casos previstos no seu nº 2, casos de exceção em que não se contemplam as faltas dadas pelos dirigentes sindicais;
c) - art. 455º, nº 1 - que estabelece que as faltas dadas pelos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação coletiva dos trabalhadores no desempenho das suas funções e que excedam o crédito de horas consideram – se faltas justificadas e contam, salvo para efeito de retribuição, como tempo de serviço efetivo;
15.
Da leitura destas normas, e do seu cotejo com o art. 403º do Regulamento do Código do Trabalho de 2003, facilmente se constata que o mesmo não regulamenta aquelas normas do Código do Trabalho mas antes introduz uma alteração limitativa dos direitos dos dirigentes sindicais não consentida pelo art. 112º da Constituição;
16.
Sobre essa matéria o Acórdão recorrido introduz duas ordens de argumentos, quais sejam:
a) O art. 403º do Regulamento do Código do Trabalho de 2003, não visava regular as faltas justificadas dos dirigentes sindicais mas antes as condições em que ocorria a suspensão do contrato de trabalho, tal como o Código do Trabalho previa;
b) Não ocorre a inconstitucionalidade decorrente da violação do art. 112º da Constituição pois essa inconstitucionalidade apenas poderia ter sido equacionada se o Regulamento fosse da autoria do poder legislativo conferido ao Governo;
17.
O art. 454º, nº 2, do Código do Trabalho de 2003 não previa a regulamentação constante do art. 403º do Regulamento, porquanto o art. 454º, nº 2, apenas previa a regulamentação por diploma posterior do regime aplicável às faltas justificadas e a atribuição do crédito de horas em função da dimensão das empresas e do numero de filiados no respetivo sindicato, regulamentação que se mostra deste modo confinada àquelas matérias, nos termos exatamente previstos no artº 454º, nº 2, do Código do Trabalho de 2003, e sem ofensa do principio geral previsto nos citados arts. 225º, nº 2, g), 230º e 455º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, situação que não é, obviamente, a prevista no art. 403º do Regulamento do Código do Trabalho de 2003;
18.
E não colhe o argumento expendido na sentença recorrida de que se trata antes de uma regulamentação dos arts. 330º e 331º do Código do Trabalho de 2003, a qual se mostrava claramente prevista no art. 332º do mesmo Código;
19.
E não colhe tal argumento por duas ordens de razões, quais sejam:
a) A regulamentação daqueles arts. 330º e 331º está feita nos arts. 293º a 299º do Regulamento do Código do Trabalho de 2003, como expressamente se prevê no seu art. 292º, não se inserindo pois o art. 403º do citado Regulamento na regulamentação do regime de suspensão do contrato de trabalho previsto no Código;
b) E o regime de suspensão previsto no art. 330º do Código do Trabalho de 2003, tem como pressuposto de aplicação do regime da suspensão a ocorrência de uma impossibilidade temporária de prestação de trabalho, quando no caso dos dirigentes sindicais as faltas dadas para o exercício dessas funções não resultam de uma impossibilidade de o trabalhador poder prestar o seu trabalho mas antes do exercício livre e voluntário pelo trabalhador “de um direito constitucionalmente garantido ( art. 55º - da Constituição ), direito à liberdade sindical que nasce do reconhecimento pelo legislador constitucional de que as Associações Sindicais são “indispensáveis centros de referência de determinados interesses dos trabalhadores que representam e interesses do próprio regime democrático elevados que foram a seus agentes essenciais”;
20.
O Acórdão recorrido considera por outro lado que não existe violação dos nºs 2 e 7 do art. 112º da Constituição porque o Regulamento do Código do Trabalho consta de uma Lei da Assembleia da República e como tal não está sujeita às limitações impostas no nº 2 do art. 112º da Constituição aos Regulamentos da autoria legislativa do Governo;
21.
É evidente que a Assembleia da República, no uso do seu poder legislativo pode alterar normas que ela própria aprovou ou criar normas que alteram o sentido que consta de outra Lei anterior, mas o que a Assembleia da República não pode fazer é legislar na feitura de um Regulamento de uma Lei alterando as bases gerais que constam da Lei que está a regulamentar;
22.
E entende – se que é mais do que uma deficiente redação legislativa, pois a Assembleia da República chama a si a responsabilidade de regulamentar uma Lei, dando – lhe o nome de Regulamento do Código do Trabalho, e, nessa atividade Regulamentar que a Assembleia da República resolva chamar a si, está ela sujeita às regras da subordinação ao previsto no diploma que visa regulamentar;
23.
Ocorre por isso a inconstitucionalidade suscitada, não obstante a Assembleia da República dispusesse de poderes legislativos para alterar o Código através de Lei Nova, poder que não usou, circunscrevendo – se a uma atividade legislativa meramente regulamentar sobre que impendem as limitações constitucionais já referidas;
24.
Conclui – se pois pela inaplicabilidade ao caso dos autos do art. 403º do Regulamento do Código do Trabalho de 2003, atenta a sua evidente inconstitucionalidade.
(...)».
A recorrida, por seu turno, produziu as seguintes conclusões:
«(...)
i. O disposto no artigo 403.º da Lei de Regulamentação do Código do Trabalho limita-se a esclarecer e especificar que o regime da suspensão do contrato de trabalho se aplica aos dirigentes sindicais profissionais e a tempo inteiro, previsto no artigo 333.º do Código do Trabalho.
ii. O disposto no artigo 403.º da Lei de Regulamentação do Código do Trabalho não limita o direito de exercício de atividade sindical, não sendo portanto inconstitucional por violação do disposto no artigo 55.º, 6, da Constituição.
iii. A Recorrente descurou de ponderar todas as aflorações positivadas no Código do Trabalho quanto ao exercício da atividade sindical e, de relacioná-las com o normativo ora em crise, artigo 403.º da Lei de Regulamentação do Código do Trabalho.
iv. A presente norma, ao contrário do defendido pela Recorrente, não se traduz numa limitação à liberdade sindical dos dirigentes sindicais.
v. Os dirigentes sindicais têm, outrossim, um regime especial de proteção laboral nos termos do artigo 55.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, estabelecendo-se, neste ponto, algumas particularidades.
vi. O legislador estabeleceu em relação aos dirigentes sindicais um regime particular de defesa para melhor permitir o exercício da sua atividade dentro e fora da empresa, de modo a evitar “quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções” (artigo 55.º, n.º 6da Constituição da República Portuguesa);
vii. E pretendeu-se que os dirigentes sindicais não pudessem ser alvo de perseguição movida pelos empregadores, evitando, assim, um eventual tratamento discriminatório.
viii. A este propósito, o Código do Trabalho distingue duas situações quanto ao exercício de atividades de índole sindical, a considerar:
ix. Os casos em que os dirigentes sindicais se dedicam a tempo parcial ao exercício das atividades sindicais, por um lado, e os casos em que aqueles se dedicam a tempo inteiro ao exercício dessas atividades.
x. Na primeira situação enunciada, o Código do Trabalho concede um crédito de horas mensal aos dirigentes sindicais para que possam exercer livremente as suas atividades sindicais e, ainda, no caso de excederem o crédito de horas a que tem direito dispõem cumulativamente de um regime especial de faltas, considerando-se justificadas as ausências ao serviço do trabalhador que tenha de se ausentar para o efeito de exercer funções sindicais de caráter imprescindível e inadiável – cfr. artigos 225.º, n.º 2, alínea g), 454.º e 455.º do Código do Trabalho e artigos 399.º e seguintes da Lei de Regulamentação do Código de Trabalho.
xi. Na segunda hipótese, em que o trabalhador/dirigente sindical se dedica a tempo inteiro ao exercício das funções sindicais, o legislador mui doutamente - a nosso ver - considerou que as faltas determinadas pelo exercício de atividade sindical que se prolongarem efetiva ou previsivelmente para além de um mês aplica-se o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador – cfr. artigo 403.º do Código do Trabalho.
xii. Senão, caso contrário assistiríamos ao curioso fenómeno de serem as empresas a financiar a atividade sindical - o que, em bom rigor, poderia sim perigar o princípio da total independência dos sindicatos face ao patronato, previsto no artigo 55.º, n.º 4, da Constituição.
xiii. Desta forma se compreende e explica a ratio do artigo 403.º da Lei de Regulamentação do Código de Trabalho, afastando-se assim, em nosso entender e sempre por respeito por opinião diversa, a alegada inconstitucionalidade da norma.
xiv. A norma não impede assim, em nosso entender e sempre com respeito por opinião diversa, os dirigentes sindicais de exercerem a atividade sindical, ao invés, considera que não se estando perante uma situação temporária ou parcial de exercício da atividade sindical, então, não faz sentido, por um lado, conceder àqueles um crédito de horas para o exercício de tal atividade e, por outro lado, impor à entidade patronal o pagamento de uma retribuição a um trabalhador sem usufruir da correspetiva prestação de trabalho.
xv. O disposto no artigo 403.º da Lei de Regulamentação do Código do Trabalho não é inconstitucional por violar os limites dos regulamentos, conforme previsto no artigo 112.º, n.º 2 e 7, da Constituição.
xvi. A Lei de Regulamentação do Código do Trabalho é uma Lei, aprovada pela Assembleia da República, tendo a mesma dignidade constitucional que o Código do Trabalho e não sendo limitada pela necessidade de Lei de autorização.
xvii. O que desde logo afasta qualquer possibilidade de inconstitucionalidade por alegada violação do disposto no n.º 7 do artigo 112.º da Constituição, que visa definir os termos dos regulamentos, proprio senso.
xviii. A temática da suspensão do contrato de trabalho dos dirigentes que não prestem trabalho por período superior a 30 dias já estava regulamentada pelo disposto no artigo 333.º do Código do Trabalho e dos regimes da suspensão geral anteriores.
xix. O que a Lei de Regulamentação do Código do Trabalho se limitou a fazer foi esclarecer, positivando, esta temática.
xx. Ao contrário do entendimento da Recorrente, o artigo 403.º visa sim regulamentar as normas do Código do Trabalho quanto à suspensão do contrato de trabalho – cfr. artigos 330.º e 331.º do Código do Trabalho - esclarecendo que as mesmas se aplicam igualmente aos dirigentes sindicais, o que de resto já era considerado pela Jurisprudência antes sequer da entrada em vigor da Lei de Regulamentação do Código do Trabalho.
xxi. Os argumentos aduzidos pela Recorrente quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 403.º, da Lei de Regulamentação do Código do Trabalho, por violação do disposto no n.º 2 e 7 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, não procedem.
(...)»
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3.. A norma cuja conformidade com o parâmetro normativo-constitucional se contesta – o artigo 403.º, da Lei n.º 35/2004, de 29 de setembro (doravante, Lei n.º 35/2004) – tem a seguinte redação:
«(...)
Artigo 403.º (Suspensão do contrato de trabalho)
Quando as faltas determinadas pelo exercício de atividade sindical se prolongarem efetiva ou previsivelmente para além de um mês aplica-se o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.
(...)»
Igualmente pertinentes para a análise do presente recurso de constitucionalidade são os artigos 333.º, 454.º e 455.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Trabalho de 2003, que dispõem nos seguintes termos:
«(...)
Artigo 333.º (Factos determinantes)
1 – Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente o serviço militar obrigatório ou serviço cívico substitutivo, doença ou acidente.
2 – O contrato considera-se suspenso, mesmo antes de decorrido o prazo de um mês, a partir do momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo.
3 – O contrato de trabalho caduca no momento em que se torne certo que o impedimento é definitivo.
4 – O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei.
(...)
Artigo 454.º (Crédito de horas)
1 – Beneficiam de crédito de horas, nos termos previstos neste Código, os trabalhadores eleitos para as estruturas de representação coletiva.
2 – O crédito de horas é referido ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efetivo.
3 – Sempre que pretendam exercer o direito ao gozo do crédito de horas, os trabalhadores devem avisar, por escrito, o empregador com a antecedência mínima de dois dias, salvo motivo atendível.
Artigo 455.º (Faltas)
1 – As ausências dos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação coletiva no desempenho das suas funções e que excedam o crédito de horam consideram-se faltas justificadas e contam, salvo para efeito de retribuição, como tempo de serviço efetivo.
2 – Relativamente aos delegados sindicais, apenas se consideram justificadas, para além das que correspondam ao gozo do crédito de horas, as ausências motivadas pela prática de atos necessários e inadiáveis no exercício das suas funções, as quais contam, salvo para efeito de retribuição, como tempo de serviço efetivo.
(...)»
Assim, o presente recurso de constitucionalidade, talqualmente delimitado pela recorrente, tem – pois - por objeto a alegada inconstitucionalidade do artigo 403.º, da Lei n.º 25/2004, quando aí se prevê a suspensão do contrato de trabalho dos dirigentes sindicais nos casos em que a faltas dadas para o exercício de funções sindicais se prolongam por mais de 30 dias, seja por violação dos artigos 55.º, n.º 6 e 18.º, n.º 2 da CRP, seja por violação do artigo 112.º, n.º 2 e 7, da CRP. Analisemos, então, as questões em causa.
4. Sustenta a recorrente, em primeiro lugar, que “o art. 403º vem limitar a possibilidade das Associações Sindicais se organizarem de modo eficaz na defesa dos interesses dos seus associados (...)”, sendo certo que “não se vislumbrando nenhuma justificação no quadro dos direitos potencialmente em conflito que confira legalidade às limitações daquele direito”, aquele preceito está necessariamente em contradição com o disposto nos artigos 55.º, n.º 6, e 18.º, n.º 2, da CRP.
Ora, o artigo 55.º, da CRP reconhece a titularidade, pelos trabalhadores, da liberdade sindical, um direito, liberdade e garantia com caráter autónomo relativamente à liberdade de associação (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 730), circunstância que evidencia a compreensão das associações sindicais, pelo legislador constituinte, como “indispensáveis centros de referência de determinados interesses – interesses dos trabalhadores que representam e interesses do próprio regime democrático, elevadas que foram a seus agentes essenciais” (Jorge Leite, “Crédito Remunerado para desempenho de funções sindicais”, Questões Laborais, n.º 1, 1994, p. 4).
Na verdade, a liberdade sindical desdobra-se num feixe de direitos e liberdades, individuais e coletivos, de entre os quais se destacam o direito de exercício de atividade sindical na empresa (cfr. artigo 55.º, n.º 2, alínea d)) e o direito de proteção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores (cfr. artigo 55.º, n.º 6). Dispõe este n.º 6, com efeito, que “os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.” Tal direito comporta, pois, duas dimensões: uma dimensão subjetiva, visto que através de tal preceito se reconhece aos trabalhadores um direito de defesa aquando do exercício das suas funções; e uma dimensão objetiva, dado que as formas de concretização daquela dimensão defensiva carecem de determinação pelo legislador ordinário, para o qual se opera uma remissão expressa e inequívoca (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, 2007, p. 737).
Na concretização desta incumbência constituinte, maxime, no que toca “à extensão e tipo de regime de proteção” adequada, goza o legislador de alguma “liberdade de conformação”, “ressalvados que sejam sempre o fim e o efeito de proteção constitucionalmente devida aos representantes dos trabalhadores” (v. o Acórdão n.º 362/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Tal margem de conformação deve ser lida no quadro internacional, tendo em conta as Convenções da Organização Internacional do Trabalho a que Portugal se acha vinculado (v., nesta matéria, as Convenções n.º 98 e 135).
No entanto, como qualquer outro direito fundamental, a liberdade sindical e, concretamente, o direito de proteção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores, não existe desgarrado de outros bens e direitos constitucionalmente protegidos, designadamente o direito de iniciativa económica privada, na sua modalidade de liberdade de atividade da empresa (cfr. artigo 61.º, da CRP). Tal circunstância já por diversas vezes foi enfatizada pela jurisprudência constitucional.
No Acórdão n.º 1172/96 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), por exemplo, o Tribunal Constitucional foi confrontado com a questão da alegada inconstitucionalidade do artigo 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de abril, na interpretação segundo a qual as faltas dadas pelos dirigentes sindicais, para além do crédito de horas que lhes é atribuído, podem ter reflexos, nomeadamente de ordem económica (quanto à atribuição de prémios de assiduidade e de participação nos lucros das entidades patronais) para além dos que resultam da perda de retribuição pelo tempo de serviço perdido.
Refutando a inconstitucionalidade de tal entendimento normativo, considerou aí o Tribunal que seria “desproporcionado pôr a cargo da entidade patronal o pagamento das retribuições e gratificações, sem quaisquer limites, não obstante a ausência do trabalhador, que é dirigente sindical, para assegurar as suas tarefas e funções sindicais.” Na verdade, “o legislador ordinário procurou compatibilizar as pretensões em conflito, estabelecendo uma solução compromissória: a entidade patronal não pode pôr termo ao contrato de trabalho invocando a ausência de serviço do trabalhador, quando este dê faltas por causa da sua atividade de dirigente sindical, não podendo verificar se se justificam tais ausências; o trabalhador não tem o direito de exigir remuneração pelos períodos de ausência justificada ao serviço da organização sindical que dirige e que excedam um crédito máximo de dias atribuído pela lei. A suspensão do contrato de trabalho durante as ausências justificadas não tutela a estabilidade de emprego, em si mesma, mas traduz a proteção da liberdade sindical enquanto direito fundamental do trabalhador (...)” – os itálicos são nossos.
Decorre do exposto, portanto, que o legislador ordinário vem almejando equilibrar os interesses em presença, procurando, em face da colisão de direitos fundamentais, chegar a uma solução de compromisso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, vol. I, 2007, p. 389). A avaliação desse compromisso pressupõe, nesta medida, a análise do direito infraconstitucional que vem sendo produzido nesta matéria.
Destarte, há que realçar os artigos 22.º, 23.º e 24.º, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de abril.
No primeiro destes preceitos, podia ler-se o seguinte:
«(...)
Art. 22.º
1. As faltas dadas pelos membros da direção das associações sindicais para desempenho das suas funções consideram-se faltas justificadas e contam para todos os efeitos, menos o da remuneração como tempo de serviço efetivo.
2. Para o exercício das suas funções cada membro da direção beneficia do crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à remuneração.
3. A direção interessada deverá comunicar, por escrito, com um dia de antecedência, as datas e o número de dias de que os respetivos membros necessitam para o exercício das suas funções, ou, em caso de impossibilidade, nas quarenta horas imediatas ao primeiro dia em que faltarem.
(...)»
Tais preceitos seriam revogados pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, passando então a vigorar os preceitos transcritos supra (cfr. os artigos 454.º e 455.º).
O instituto da suspensão do contrato de trabalho pressupõe a “coexistência temporária da subsistência do vínculo contratual com a paralisação de algum ou alguns dos principais direitos e deveres dele emergentes”, de tal forma que o contrato fica como que em estado de “hibernação” ou de “morte aparente” (Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. II, Coimbra, p. 170; Júlio Gomes, Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 853). De entre as suas diversas modalidades, destaca-se a suspensão do contrato de trabalho por impedimento voluntário do trabalhador, à qual se reconduz a ausência dos responsáveis sindicais para desempenho das suas funções. Subjacente a tal suspensão está a intenção de “proteger outros direitos fundamentais cujo exercício se mostra incompatível com a normal execução da prestação de trabalho”, de tal forma que “se o contrato não ficasse suspenso, com a inerente garantia do direito ao lugar, tais direitos fundamentais só muito dificilmente poderiam ser exercidos pelo trabalhador” (João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra, 2011, p. 343). Como resulta das normas transcritas supra, mormente do artigo 333.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2003, em matéria de causas voluntárias vale o princípio da taxatividade, algo que se justifica não só por razões de ordem pública, mas também atento o facto de tais causas implicarem a exoneração do dever de prestar trabalho, algo que não deixa de ser prejudicial para os legítimos interesses do empregador (João Reis, A suspensão do contrato de trabalho por motivos respeitantes ao trabalhador, Coimbra, 1993, p. 139).
Destarte, o regime que desde há muito vale neste âmbito passa por considerar o exercício do cargo de dirigente sindical como facto justificativo da ausência, independentemente da sua duração, sendo certo que à licitude da ausência – leia-se, à impossibilidade de o empregador resolver o contrato tendo em conta o incumprimento do dever de prestar trabalho - acresce a figura do crédito de tempo remunerado. Referindo-se ao crédito previsto no artigo 22.º, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, lembra Jorge Leite que tal crédito “não constitui um limite ao tempo de ausências justificadas para desempenho de funções. Estas, excedam ou não o respetivo crédito, são sempre justificadas. O crédito constitui, sem dúvida, salvo acordo em contrário, um limite à remuneração das ausências” (Jorge Leite, op. cit., p. 8).
Percebe-se, pois, que na ausência de um preceito como o artigo 403.º da Lei n.º 35/2004, doutrina e jurisprudência se questionassem sobre se, quando as faltas ao serviço, por motivo de exercício de funções sindicais, excedessem os 30 dias, deveria aplicar-se o regime da suspensão do contrato de trabalho. Questão cujo efeito em plano não teórico sempre foi o de saber se o trabalhador (cujas faltas continuadas haviam ultrapassado os 30 dias) deveria manter o direito às remunerações relativas aos quatro dias por mês em que a sua ausência era remunerada, ou se tal direito entrava em estado de paralisação por força da aplicação do regime da suspensão (v., a este propósito, o Acórdão de 10 de maio de 1989, do Tribunal da Relação de Lisboa, e o Acórdão de 16 de dezembro de 1983, do STJ).
É neste contexto – no seguimento, inclusivamente, de propostas doutrinárias - que emerge a opção legislativa plasmada no artigo 403.º da Lei n.º 35/2004. Tem razão a recorrente quando contesta o acerto da remissão em bloco, operada pelo legislador ordinário, para o regime da suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador. Com efeito, este regime-regra tem como pressuposto que o impedimento para prestar trabalho resulte de facto não imputável ao trabalhador, algo que não sucede na situação em apreço. Porém, a solução gizada pelo legislador, admitindo que, com a suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador perde o seu direito ao crédito de tempo remunerado, bem como a parte proporcional do subsídio de férias e de Natal (cfr. artigos 254.º e 255.º, do Código do Trabalho de 2003), mostra-se – ainda assim – proporcionada, estabelecendo uma ponderação equilibrada dos interesses em jogo. Vejamos.
O núcleo essencial do direito dos representantes dos trabalhadores a uma proteção legal adequada, constante do n.º 6, do artigo 55.º, da CRP, concretiza-se numa proibição de constrangimentos à respetiva atividade sindical, proibição essa que reclama – certamente – a consagração da figura das ausências justificadas, e até mesmo a figura das ausências remuneradas. Os artigos 454.º e 455.º, do Código de Trabalho de 2003, são, neste sentido, normas jurídicas concretizadoras, mas também – em certa medida – conformadoras de um direito fundamental, atenta a extensão da imposição expressa de intervenção legislativa constante do artigo 55.º, n.º 6, da CRP (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 2012, p. 211).
Destarte, a introdução do artigo 403.º da Lei n.º 35/2004 vem, no fundo, balizar o exercício de uma posição jurídica ativa – o direito ao crédito remunerado – cuja concreta configuração (v.g., n.º de dias, duração) não resulta imediatamente da Constituição nem integra o âmbito de proteção do direito fundamental consagrado no artigo 55.º, n.º 6, da CRP. O mesmo é dizer que a norma impugnada pela recorrente não afeta o âmbito de proteção deste direito, não se reconduzindo, nessa medida, a uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias, cuja validade haja de ser apreciada nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, da CRP. Tal circunstância não o dispensa, bem entendido, de respeitar os princípios estruturantes do Estado de Direito, entre eles o princípio da proibição do excesso.
Tratando-se de uma medida legislativa em cuja emanação o legislador goza de alguma liberdade de conformação, reconhece-se-lhe um crédito de confiança, o que significa que só o caráter manifesta ou ostensivamente desproporcionado é suscetível de afetar a constitucionalidade daquela (v., entre outros, os Acórdãos n.ºs 484/00, 187/01 e 200/01, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt; e também Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 196). Ora, a opção legislativa de aplicar o regime da suspensão do contrato de trabalho à hipótese vertente assume-se não só tolerável no quadro da margem de conformação de que dispõe o legislador ordinário na configuração daquele direito fundamental, como exprime – na verdade - uma solução razoável no que concerne a composição dos interesses constitucionalmente protegidos em presença.
De facto, o crédito remunerado verte-se “numa fração do tempo normal de trabalho reservada ao exercício do cargo, ou melhor, traduz-se no direito de dispor, sem perda de quaisquer regalias, de uma parte do período normal de trabalho para desempenho das funções de representação”, razão pela qual deve ser pago juntamente com o salário do período a que respeita (Jorge Leite, op. cit., p. 4 – os sublinhados são nossos). Vale por dizer que há como que uma relação simbiótica entre o crédito remunerado e o salário devido pela prestação de trabalho, a qual é quebrada quando a ausência do trabalhador se prolonga continuamente por mais de 30 dias, deixando de fazer sentido a própria ideia de remuneração das ausências. Acresce que a ausência prolongada do trabalhador, concretizando, mutatis mutandis, o que foi dito no Acórdão n.º 454/97 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), implica uma “desconfiguração substancial da prestação do trabalhador”, que “afeta o equilíbrio essencial entre as prestações principais das duas partes do contrato de trabalho”, algo que não pode deixar de se repercutir na remuneração devida, maxime, no direito ao crédito remunerado e ao subsídio de férias e de Natal.
Conclui-se, pelo exposto, que o artigo 403.º, da Lei n.º 35/2004, ao estabelecer que quando as faltas determinadas pelo exercício da atividade sindical se prolongarem para além de um mês se aplica o regime da suspensão do contrato de trabalho, não só não afeta o núcleo essencial da proteção conferida pelo n.º 6 do artigo 55.º, da CRP, como não se afigura desproporcionado no quadro de uma adequada composição dos interesses em presença, reclamada pelo princípio da proporcionalidade.
5. Em segundo lugar, a recorrente alega que o artigo 403.º, da Lei n.º 35/2004, que visa regulamentar a Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, altera as “bases gerais” que constam dessa lei, algo que se configura como uma violação dos n.ºs 2 e 7 do artigo 112.º, da CRP. Tais preceitos, no seu entender, estabelecem o princípio geral de que as normas regulamentares, ainda que assumam a forma de leis ou decretos-leis, devem subordinar-se aos princípios estatuídos nas normas que visam regulamentar.
Esta argumentação, assente na alegada violação do princípio da legalidade da administração, só poderia vingar se se concluísse pela natureza regulamentar da Lei n.º 35/2004. Não é manifestamente isso que sucede. Sem cuidar de saber se a Constituição consagra uma ou várias “reservas de administração” ou “reservas de regulamento”, figuras que permitiriam sindicar da constitucionalidade da intervenção do legislador em certos domínios “próprios” da atividade administrativa (sobre o tema, v., entre outros, os Acórdãos 1/97 e 214/11, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), certo é que o diploma que contém a norma impugnada é uma lei em sentido formal, cujo conteúdo e importância são materialmente idênticos aos do Código do Trabalho e em certa medida igualmente inovadores (v., Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho – Dogmática Geral, Coimbra, Almedina, 2005, p. 196). Vale por dizer que não estamos perante um regulamento sob a forma de lei, que se ocupa exclusivamente de aspetos técnicos ou de pormenor de um determinado regime jurídico.
Deflui do exposto que tal diploma não tem natureza regulamentar, e que, nessa medida, não valem para ele as normas constitucionais definidoras das relações de hierarquia entre leis e regulamentos, consagradas no artigo 112.º, da CRP, não se denotando, portanto, qualquer inconstitucionalidade por violação das mesmas.
III. Decisão
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 55.º, n.º 6, e 112.º, n.ºs 2 e 7, da CRP, o artigo 403.º, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 25 (vinte e cinco) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 15 de janeiro de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Joaquim de Sousa Ribeiro