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Processo nº 284/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
'1. C...,, LIMITADA, S... e N..., com os sinais identificadores dos autos, vieram interpor recurso para este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro', do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Março de 2001, pretendendo 'ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 6º, 7º, 24º e 25º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA)-dec. lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro', porque essas normas 'violam o disposto no artigo 1º do protocolo nº 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como os artigos 8º, nº 2; 27º, nºs 1 e 2; e
29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa'. Nesse acórdão foram julgados não providos os recursos interpostos pelos recorrentes e mantida a condenação deles ditada na primeira instância, 'pela prática dos crimes de abuso de confiança fiscal p.p. pelo artº 24º, nºs 1 e 5 e frustração de créditos fiscais p.p. pelo artº 25º, nº 1, todos de R.J.I.F.N.A., na redacção dada pelo Dec.-Lei nº 394/93 de 24.11'.
2. São duas as questões de inconstitucionalidade que vêm postas pelos recorrentes e que se colhem entretanto da motivação e depois das alegações escritas de recurso exibidas perante o Supremo Tribunal a quo:
o uma que se prende com as 'disposições do RJIFNA que prevêem penas de prisão para as pessoas singulares que não procedam ao pagamento de impostos e acréscimos legais', particularmente os artigos 24º e 25º, que seriam
'inconstitucionais, por estabelecerem uma possibilidade manifesta de prisão por dívidas'. o outra que se prende com 'a punição simultânea de pessoas singulares que actuam como órgãos e representantes da pessoa colectiva, nos termos do artº 6º daquele diploma, e a própria pessoa colectiva', o que constituiria 'flagrante violação do princípio constitucional ‘ne bis in idem’ (na modalidade de dupla punição indevida pelo mesmo facto)'. A elas foi já dada resposta pelo Tribunal Constitucional em jurisprudência que entendo dever seguir, o que leva ao não provimento do presente recurso (e daí impõe-se lavrar esta decisão sumária). Quanto ao questionado artigo 24º - e o mesmo vale para o artigo 25º, prevendo o crime de frustração de créditos fiscais – e remetendo para anterior jurisprudência, o recente acórdão nº 312/2000, inédito, concluiu que 'a norma constante do artigo 24º do RJIFNA não viola o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança consagrado no artigo
27º, nº 1, da Constituição, em consonância com o previsto no artigo 1º do Protocolo nº 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem' (e, por isso, também negou provimento ao recurso de constitucionalidade assente em violação das mesmas normas aqui apontadas pelos recorrentes). Aderindo à fundamentação desse aresto, nada mais há a adiantar de útil, e não há razões novas avançadas pelos recorrentes que levem a alterar o decidido no acórdão nº 312/2000. Quanto à outra questão, traduzida, conforme linguagem dos recorrentes, na
'responsabilidade solidária das pessoas colectivas e dos seus órgãos e agentes', por aplicação dos questionados artigos 6º e 7º, também o Tribunal Constitucional já se posicionou, embora relativamente a outras normas, no sentido de que o
'princípio do non bis in idem contido no nº 5 do artigo 29º da Constituição não obsta a que pelo mesmo facto objectivo venham a ser perseguidas penalmente duas pessoas jurídicas diferentes, sendo também passíveis de sanções diferentes' e a
'consagração legal da responsabilidade individual, ao lado da responsabilidade do ente colectivo, porque não implica um duplo julgamento da mesma pessoa pelo mesmo facto, não viola o artigo 29º, nº 5, da Constituição' (pontos VI e VII do sumário do acórdão nº 212/95, nos Acórdãos, 30º vol., pág 968; cfr. ainda os acórdãos nºs 213/95, loc. cit., pág. 985 e seguintes, e 569/98, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Novembro de 1999). Aderindo igualmente à fundamentação desses arestos, há apenas que confirmar aqui a orientação jurisprudencial por eles firmada e que é transponível para o presente caso.
3. Termos em que, DECIDINDO, nego provimento ao recurso e condeno os recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta, por cada um'. B. Vieram os recorrentes 'reclamar da mesma para a Conferência, nos termos do disposto no nº 3 do artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional', sustentando que 'deve em Conferência ser ordenado o prosseguimento do recurso, com todas as legais consequências - designadamente, notificando-se os recorrentes para apresentarem as suas alegações (artº 78º-A, nº 5 da Lei do Tribunal Constitucional)', porque entendem que ambas 'as questões suscitadas são de grande complexidade e relevância, carecendo de ser examinadas pelo Venerando Tribunal Constitucional à luz dos princípios explanados - e sendo certo que nelas se equacionam alguns dos mais importantes direitos fundamentais constituciona1mente proclamados e garantidos'. Os recorrentes, sem porem em causa a jurisprudência do Tribunal Constitucional identificada na Decisão reclamada, limitam-se a : o quanto à 'primeira questão', que 'consiste na inconstitucionalidade das disposições do RJIFNA, particularmente os seus artºs 24º e 25º, que prevêem penas de prisão para as pessoas singulares que não procedam ao pagamento de impostos e acréscimos legais, ou seja, a possibilidade manifesta de prisão por dívidas', dizer que isto 'coloca o credor Estado numa situação de privilégio desproporcionado em relação aos credores ordinários, aos cidadãos comuns que carecem igualmente de tutela para a cobrança dos seus créditos – em violação do princípio constitucional da igualdade, que vincula todas as entidades públicas e privadas'. o Quanto à 'outra questão' e que 'é a da punição simultânea de pessoas singulares que actuam como órgãos e representantes da pessoa colectiva, nos termos do artº 6º do RJIFNA, e a própria pessoa colectiva – o que constitui flagrante violação do princípio constitucional ‘ne bis in idem’ (na modalidade de dupla punição indevida pelo mesmo facto)', remetem para um parecer académico junto aos autos, no Supremo Tribunal a quo, em que se sustenta que se trata de problema 'ainda não suficientemente amadurecido entre nós e, por isso, longe de estar definitivamente superado' ('Como se verifica, o Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre a questão concretamente suscitada da prevalência do princípio constitucional da culpa ‘quando pelo mesmo facto, sc., pela mesma culpa ,se punem dois agentes distintos (a pessoa colectiva e as pessoas físicas dos seus órgãos ou representantes)'; ou seja, a inconstitucionalidade das normas legais que admitem que a mesma culpa legitime a punição de duas pessoas distintas - a empresa, e as pessoas físicas dos seus órgãos ou representantes' – acrescentam ainda). C. Na sua resposta 'o representante do Ministério Público junto deste Tribunal' veio dizer que a 'presente reclamação carece obviamente de fundamento, face aos precedentes jurisprudências invocados na douta decisão sumária proferida nos autos', acrescentando depois:
'Sendo certo que tal corrente jurisprudencial não é, a nosso ver, abalada pelas razões aduzidas – não nos convencendo minimamente a tese de que traduziria violação do princípio ‘ne bis in idem’ a responsabilização cumulativa da pessoa colectiva e da pessoa física que é responsável, como órgão daquela, pelo cometimento da infracção em causa'. D. Cumpre decidir. Como diz o Ministério Público, a Decisão reclamada, assentando na jurisprudência corrente deste Tribunal, não sai minimamente abalada pela reclamação, colocando-se nesta a mesma problemática, ainda que seja complexa, suscitada já perante o Supremo a quo e aí dada uma resposta, face àquela jurisprudência, que agora há que confirmar (isto mesmo no plano em que se colocam os reclamantes, na linha do citado parecer, 'da prevalência do princípio constitucional da culpa'). Não se vendo motivo bastante para alterar o rumo de tal jurisprudência, não pode proceder a presente reclamação. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e nega-se provimento ao recurso, condenando-se os recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta, por cada um. Lisboa, 26 de Setembro de 2001- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa