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Processo nº 370/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - J..., identificado nos autos, impugnou perante o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Bragança o despacho lavrado em 20 de Dezembro de
1999 pelo Comandante do Grupo Fiscal do Porto da Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana que, no uso da competência delegada pelo Comandante da Guarda Fiscal – consoante despacho de 20 de Outubro desse ano, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Novembro seguinte – o condenou na coima de 400.000$00, pela infracção prevista e punida pelo artigo 28º do Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio, aditado pelo artigo 50º da Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, na redacção dos artigos 41º e 55º da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, e, bem assim, na perda de duas máquinas tipo retro-escavadoras, a ele pertencentes, uma da marca Komatsu, mod. 95, de cor verde, e outra da marca Fiat
, mod. 264, de cor vermelha, avaliadas, respectivamente em três mil e mil contos, uma vez que os depósitos das referidas máquinas continham gasóleo colorido e marcado, sem para o efeito estar autorizado.
Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto – para onde os autos transitaram –, de 23 de Novembro de 2000, manteve-se a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso.
Aí se desatendeu, nomeadamente, a questão equacionada pelo recorrente relativa à constitucionalidade da norma do nº 7 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 132/94 (na redacção da Lei nº 52-C/96), por alegada violação dos princípios de proibição dos efeitos necessários das sanções e da proporcionalidade, previstos nos artigos 30º, nº 4, e 18º, nº 2, da Constituição da República.
2. - Inconformado, interpôs J... recurso do assim decidido para o Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Tributário), o qual, por acórdão de 21 de Março de 2001, negou provimento ao recurso quanto à questão da nulidade da sentença – relativa à omissão de pronúncia, que ora desinteressa considerar – e ao pedido de absolvição. Se bem que tenha concedido provimento ao recurso quanto à perda das máquinas apreendidas, revogando, nessa parte, a sentença recorrida e mantendo-a na parte restante, designadamente quanto à condenação em coima e custas.
Escreveu-se, no acórdão, no tocante à questão de constitucionalidade suscitada:
'A outra questão que o recorrente coloca no presente recurso é a da constitucionalidade do nº 7 do art. 28º do Decreto-Lei nº 132/94, na redacção da Lei nº 52-C/96, por violação dos princípios da proibição de efeitos necessários das sanções e da proporcionalidade, previstos nos arts. 18º, nº 2, e 30º, nº 4, da CRP. Este nº 7 do art. 28º estabelece que «os veículos referidos no nº 2 serão apreendidos e declarados perdidos a favor da Fazenda Nacional, salvo se pertencerem a pessoa a quem não possa ser atribuída responsabilidade no cometimento da infracção». O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a questão da constitucionalidade desta norma, nos acórdãos nºs. 327/99, de 26-5-99, e 176/2000, de 22-3-2000, publicados no Diário da República, II Série, de 19-7-99 e 27-10-2000, respectivamente. No primeiro, entendeu-se que aquela norma não é inconstitucional, interpretada
«no sentido de que a perda do veículo nele prevista (ou seja, de veículo com que foi cometida a contra-ordenação) não pode ser nunca um efeito automático da coima aplicada, nem pode ser decretada se for manifestamente desproporcionada à gravidade da contra-ordenação e da culpa do agente». No segundo, aquela norma foi considerada inconstitucional, «por violação do nº 4 do artigo 30º e do artigo 62º, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, um e outro da Constituição», de que resulta que
-«à aplicação da coima prevista no mencionado nº 2 do artigo 28º, não pode seguir-se, ope legis, como efeito automático, a perda do veículo. E esta perda também não pode ter lugar, ‘independentemente da natureza e gravidade da infracção e da responsabilidade do agente’»;
- «do artigo 18º, nº 2, da Constituição e do próprio princípio da proporcionalidade, inerente ao Estado de direito, decorre o princípio da necessidade das sanções: estas (no caso das contra-ordenações, as coimas e as respectivas medidas acessórias) só devem ser aplicadas quando outros meios menos onerosos de política social se mostrem insuficientes ou inadequados para organizar a protecção dos respectivos bens jurídicos. E mais: as coimas impostas pela prática de contra-ordenações devem ser proporcionadas à gravidade da contra-ordenação e, bem assim, à intensidade de culpa e à situação económica do agente. Do mesmo modo, as apreensões de objectos, visando o seu perdimento a favor do Estado, não devem decretar-se, se isso for desproporcionado à gravidade da contra-ordenação e à culpa do agente». Entendeu-se que este preceito é desproporcionado por «a ablação, efectuada de modo automático, da propriedade dos veículos ditada pela norma sub specie (e não estando agora em causa, como parece claro, uma situação de perigosidade especial, nomeadamente quanto ao uso de determinados instrumentos) não respeita, em face desse automatismo, o princípio segundo o qual se deverá ponderar as adequação e proporção dessa reacção criminal incidente sobre o direito civil de propriedade (...) em face das concretas circunstâncias do caso». Esta última posição é a que está em sintonia com o texto do referido nº 7 do art. 28º, que não deixa entrever suporte consistente para a interpretação sustentado no acórdão nº 327/99. Por isso, aderindo à fundamentação do referido acórdão nº 176/2000, considera-se esta norma materialmente inconstitucional, por violação dos referidos arts. 18º, nº 2, e 30º, nº 4, da CRP, pelo que se recusa a sua aplicação (art. 204º da CRP). Consequentemente, a sentença recorrida tem de ser revogada na parte em que declarou a perda das máquinas referidas. Quanto à absolvição do recorrente, incluída no ponto B do pedido, a final da alegação (fls. 139), o recorrente não invoca qualquer razão que a possa justificar. Na verdade, a inconstitucionalidade do citado nº 7 do art. 28º, a única que invoca, apenas pode justificar a revogação da decisão recorrida quanto à perda das máquinas, pois é apenas essa perda que aí se prevê. Por isso, não sendo inconstitucional o nº 2 do referido art. 28º, que prevê a sanção, e preenchendo a conduta do recorrente a sua previsão, não há fundamento para a pedida absolvição.'
3. - O competente magistrado do Ministério Público interpôs deste acórdão recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por no mesmo 'se ter recusado a aplicação da norma do nº 7 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 132/94, de
18 de Maio, na redacção da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, por violação dos artigos 18º, nº 2, e 30º, nº 4, da Constituição'.
Notificadas as partes para alegações, ambas a fizeram oportunamente, concluindo pela confirmação do juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
Para o efeito, o magistrado do Ministério Público concluiu assim:
'1- É inconstitucional, por violação do nº 4 do artigo 30º e do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, a interpretação normativa do artigo 28º, nº 7, do Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio, na redacção emergente da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, que atribui, como efeito automático da infracção aí revista, a perda do veículo, sem que deva ser ponderada pelo julgador a natureza e gravidade da infracção e da responsabilidade do agente.
2- Termos em que deverá confirmar-se o juízo inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.-'
E o recorrido, por sua vez, defendeu que:
'A) Seja considerada inconstitucional, por violação do nº 4 do artigo 30º e do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, a interpretação normativa do artigo 28º, nº 7 do Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio, na redacção emergente da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, que atribui como efeito automático da infracção aí prevista, a perda do veículo, sem que deva ser ponderada pelo julgador a natureza e gravidade da infracção e da responsabilidade do agente. B) Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.'
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II
1. - O Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio – sucessivamente alterado pelas Leis nºs. 39-B/94, de 27 de Dezembro, 10-B/96, de 23 de Março,
52-C/96, de 27 de Dezembro e 87-B/98, de 31 de Dezembro – transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva do Conselho, nº 92/81/CEE, de 19 de Outubro e o artigo 2º da Directiva do Conselho, nº 92/108/CEE, de 14 de Dezembro, deste modo adequando o regime fiscal dos produtos petrolíferos aos actos comunitários que harmonizaram o imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (artigo 1º), determinando-se, além do mais, que ficam sujeitos á incidência desse tributo os produtos destinados a serem utilizados, colocados à venda ou a serem consumidos em uso como carburante [alínea b) do artigo 3º], dele se encontrando isentos os
óleos minerais que, comprovadamente, tenham determinados destinos.
Nos termos do artigo 27º do citado Decreto-Lei nº
123/94, as infracções ao disposto no diploma e na respectiva regulamentação estão sujeitos ao Regime Jurídico das Infracções Fiscais Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 376-A/89, de 25 de Outubro.
E, de acordo com o disposto nas várias alíneas do nº 1 do artigo 28º tipificam-se várias contra-ordenações fiscais, punindo-se, no seu nº 2 – na redacção da Lei nº 52-C/96 –, com a coima de 200.000$ a 100.000.000$, a utilização de gasóleo ou querosene marcados, ou coloridos e marcados, por veículos que não estejam legalmente habilitados para tal consumo.
Ora, segundo o nº 7 do mesmo artigo 28º - também na redacção da Lei nº 52-C/96 – esses veículos 'serão apreendidos e declarados perdidos a favor da Fazenda Nacional, salvo se pertencerem a pessoa a quem não possa ser atribuída responsabilidade no cometimento da infracção'.
2. - É esta norma que constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade, na medida em que foi desaplicada no julgamento da infracção cometida em 9 de Setembro de 1998, na vigência daquele texto legal.
Como então se escreveu, considerou-se tal norma como violadora do disposto nos artigos 18º, nº 2, e 30º, nº 4, da Constituição, utilizando-se, para o efeito, a fundamentação invocada pelo acórdão deste Tribunal nº 176/2000, tirado por maioria.
Com efeito, dispondo o nº 4 daquele artigo 30º que nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, decorre a proibição não propriamente da existência de penas que impliquem a perda de direitos daquela natureza, mas sim que essa perda resulte de modo automático da condenação em outra pena ou pela omissão de determinado ilícito, ou seja, independentemente da aplicação concreta pelo juiz, que pondere a tipificação da infracção, a culpabilidade e a adequação da sanção à gravidade do ilícito, e, bem assim, a culpa e outras circunstâncias envolventes do ilícito e do respectivo cometimento.
No entanto, se bem que no aludido acórdão nº 176/2000 se tenha julgado inconstitucional a norma do nº 7 do artigo 28º, interpretada no sentido de na mesma ser determinado o perdimento automático dos veículos que não estejam legalmente habilitados ao consumo de gasóleo ou querosene marcados ou coloridos e marcados, independentemente de se entrar na questão de saber se o teor da norma não permitiria outra interpretação, o certo é que, no acórdão nº
327/99 – que viria a ser seguido pelo acórdão nº 87/2000, inédito, ambos tirados igualmente por maioria – fez-se uma outra leitura, acolhendo uma interpretação constitucionalmente conforme, na linha do decretamento da perda do veículo não como efeito necessário, automático, da prática da infracção, de modo a que a mesma só ocorre se 'em face dos contornos do caso, se apresentar como necessária e adequada (proporcionada)à gravidade da contra-ordenação e à intensidade da culpa do agente, como claramente resulta do que se prescreve no artigo 21º, nº
1, alínea a), da [...] lei quadro das contra-ordenações', ou seja, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
Como, de resto, se observou em declaração de voto aposta no citado acórdão nº 176/2000 (Conselheira Maria Fernanda Palma), esta
'interpretação da norma em crise não viola o artigo 30º, nº 4, da Constituição, cujo sentido normativo é tão-só impedir a atribuição de penas não justificadas directamente pela natureza do ilícito e pela gravidade da culpa, nomeadamente porque se revelem como consequência automática de uma condenação em outra pena ou porque não possam ser afastadas pelo julgador em função da gravidade da culpa ou da necessidade da sua aplicação. Ora, no caso vertente, não está vedado ao intérprete adequar os princípios gerais em matéria das infracções fiscais a aplicabilidade desta sanção. Diria mesmo que a boa interpretação jurídica exigirá que qualquer norma que preveja contra-ordenações ou infracções penais deve ser interpretada de acordo com os princípios gerais constantes das partes gerais dos diplomas basilares nessas matérias, alguns dos quais, como o princípio da culpa, decorrem da Constituição'.
3. - Mantém-se o entendimento que suportou o acórdão nº 327/99 e foi secundado pelo acórdão nº 87/2000, assim se remetendo para a fundamentação nesses lugares lavrada.
Inexiste, de resto, no tocante à questão de constitucionalidade, um julgamento, no fundo, divergente com o do acórdão nº
176/2000, como se decidiu, em plenário, convocado ao abrigo do artigo 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, no acórdão nº 466/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Junho de 2001.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) conceder provimento ao recurso;
b) interpretar o nº 7 do artigo 28º do Decreto-Lei nº
123/94, de 18 de Maio, na redacção da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, no sentido de a perda do veículo nele prevista (ou seja, do veículo com que foi cometida a contra-ordenação) não pode ser nunca um efeito automático da coima aplicada, nem pode ser decretada se for manifestamente desproporcionada à gravidade da contra-ordenação e da culpa do agente;
c) revogar a decisão recorrida, para que, sendo reformada, aplique o nº 7 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio, na redacção da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, com a interpretação que se indicou na alínea b). Lisboa, 26 de Setembro de 2001 Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, conforme declaração junta) Luís Nunes de Almeida
Voto de Vencida
Votei vencida, tal como no acórdão nº 327/99, essencialmente, porque considero que a norma impugnada não comporta a interpretação que fez vencimento, sendo inconstitucional por violação do disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição e do princípio da proporcionalidade. Em meu entender, o texto do nº
7 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio, na redacção resultante do nº 1 do artigo 41º da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, só admite a interpretação perfilhada pela decisão recorrida, como claramente resulta da ressalva feita na sua parte final.
Não me parece possível interpretá-lo, nem à luz do regime constante da al. A) do nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 433/82, de 17 de Outubro, porque, não existindo nenhuma subordinação hierárquica entre os dois diplomas, prevalece o regime especial, nem de acordo com o princípio que informa o artigo
45º do Decreto-Lei nº 376-A/89, de 25 de Outubro, apenas aplicável aos crimes nele referidos, e cuja razão de ser não está presente na norma em apreciação. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza