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Processo 791/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, veio o Ministério Público interpor recurso, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão de 2 de julho de 2012, que recusou a aplicação das normas do artigo 67.º, n.os 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.
Prosseguindo o recurso, o Ministério Público alegou e concluiu nos seguintes termos:
1.ª) O objeto do presente recurso por inconstitucionalidade, é “interpretação normativa” que a decisão recorrida realizou das disposições dos n.ºs 2 e 3, do DL n.º 457/99, de 17 de dezembro, segundo a qual “o legislador não cuidou de as articular devidamente por forma a que da sua aplicação não resultassem situações de injustiça relativa”, mas antes foram mesmo “elaboradas de modo a conferir um tratamento desigual e injustificado”.
2.ª) Tal “interpretação normativa” infringe o princípio consagrado no artigo 59.º (Direitos dos trabalhadores), al. a), “de que para trabalho igual, salário igual” (na medida em que, para estes efeitos, os funcionários da administração tributária são “trabalhadores”, pois no caso se trata da respetiva “relação de serviço”), o qual constitui uma particular manifestação do “princípio da igualdade”, consagrado no artigo 13.º da Constituição e integrado na parte I (Direitos e deveres fundamentais), título I, dedicado aos respetivos “Princípios gerais”.
2. O Ministério das Finanças contra-alegou e concluiu do modo seguinte:
1) Ao invés do que é pretendido pelo Recorrente, a decisão recorrida não merece ser mantida no que respeita à suscitada questão de inconstitucionalidade.
2) No caso, ao contrário do que é aduzido pelo Recorrente, não é de convocar a jurisprudência firmada por este douto Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão nº 378/12 - processo nº 435/2010.
3) A invocada desigualdade de posicionamento remuneratório, ocorrida a partir de 2004, entre os AA. e os colegas que, em 2004, foram posicionados no escalão 3, índice 720, da escala indiciária do nível 2 das categorias de inspetor tributário e de técnico de administração tributária, não teve a ver com a regra constante do nº 2 do artigo 67º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17.12.
4) Quer os AA., quer os seus colegas aquando da transição para o GAT - grupo de pessoal de administração tributária, ocorrida em 1.01.2000, adquiriram a categoria de inspetor tributário ou técnico de administração tributária e beneficiaram de um impulso salarial superior a 10 pontos.
5) Por conseguinte, no caso, não ocorreu a aplicação da regra constante do nº 2 do artigo 67º do Decreto-Lei nº 557/99, de 17.12.
6) Por outro lado, foram os AA. que beneficiaram da aplicação da regra constante do nº 3 do artigo 67º do Decreto-Lei nº 557/99, de 17.12.
6) A aplicação dessa regra trouxe para os AA. um benefício remuneratório e, ainda, não influenciou negativamente o subsequente posicionamento remuneratório na nova tabela constante do anexo V ao Decreto-Lei nº 557/99 e, bem assim, não gerou qualquer desigualdade negativa entre os AA. e os colegas em causa.
7) A desigualdade de posicionamento remuneratório, ocorrida a partir de 2004, entre os AA. e os colegas em causa tem fundamento na diferente situação em que acederam ao nível 2 da categoria de inspetor tributário ou de técnico de administração tributária.
8) Na verdade, os AA. ingressaram nesse nível 2 sem terem passado pelo nível 1.
9) Logo, os AA. nunca progrediram nos escalões do nível 1 e não contam qualquer antiguidade nesse nível.
10) Por isso, relativamente aos AA. não foram aplicáveis as regras previstas no artigo 44º do Decreto-Lei nº 557/99, designadamente a do nº 2, por força da remissão contida no nº5 do mesmo preceito legal.
11) Diferentemente, os colegas dos AA. acederam ao nível 2 depois de terem permanecido vários anos no nível 1, no qual progrediram nos respetivos escalões e, por conseguinte, foi-lhes aplicada a regra do nº 2 do artigo 44º do Decreto-Lei nº 557/99.
12) Foi em resultado da aplicação dessa regra do nº 2 do artigo 44º do Decreto-Lei nº 557/99 que os colegas dos AP. foram posicionados no escalão 3, índice 720, da escala salarial das categorias de inspetor tributário e técnico de administração tributária.
13) Perante essa desigualdade de situações, não tem, no caso, aplicação o princípio da igualdade, consagrado nos artigos 13º e 59º, nº 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa.
14) O entendimento perfilhado pelo douto Acórdão recorrido levaria, conforme concluiu o Acórdão do STA nº 6/2012, “à introdução de uma nova regra de progressão automática - segundo a qual todos os funcionários do GAT progrediriam ao escalão seguinte àquele em que fossem posicionados os funcionários entretanto promovidos à mesma categoria”.
15) Essa pretendida regra, conforme salienta esse mesmo aresto do STA, “não consta do art. 44º do DL nº 557/99 - e é, por isso, ilegal”.
Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas, o Acórdão recorrido não merece ser mantido no que respeita à suscitada questão de inconstitucionalidade
Os autores não alegaram.
II. Fundamentos
3. A decisão recorrida, na parte que interessa à questão de constitucionalidade, é do seguinte teor:
À face do princípio da não inversão das posições relativas de funcionários ou agentes, não poderá admitir-se, por carência de justificação objetiva e racional, que, por mero efeito da reestruturação de carreiras, funcionários da mesma categoria profissional que exercem funções num mesmo serviço público e transitem para uma mesma categoria ou sejam promovidos a uma mesma categoria passem a auferir remunerações diferentes por efeito apenas do momento em que ocorreu a transição ou promoção e, designadamente, não será tolerável que, por mero efeito da reestruturação, passe a ser auferida remuneração superior por funcionários de categoria inferior, nem remuneração igual por funcionários com menor antiguidade na mesma categoria e idêntica qualificação, apenas porque promovidos após a entrada em vigor do Decreto Lei n.º 5557/99.
Na situação dos autos, tudo aponta para que se esteja perante um caso de inversão de posições relativas, tomando por referência a data da entrada em vigor do Decreto Lei n.º 577/99, de 17/12.
Na verdade, em virtude da aplicação aos AA. do disposto no n.º3 do art. 67.º do DL 577/99 estes foram remunerados pelo escalão 4, índice 660, da anterior escala salarial, até janeiro de 2003, data a partir da qual foram posicionados no escalão 2, índice 690, da nova tabela salarial.
No entanto, os colegas dos AA., que em 2000, não tinham categoria dos AA, não ficaram sujeitos à aplicação da referida norma transitória, tendo, em virtude do disposto no n.º 2 e 3 do artigo 44.º do DL 557/99, sido integrados, com efeitos a partir de janeiro de 2004, no escalão 3, índice 720. Os colegas dos AA. que foram opositores ao concurso de progressão, em dezembro de 1999 eram peritos de fiscalização tributária de 2.ª classe e perito tributário de 2.ª classe, por força das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 67.º foram posicionados no escalão 3, índice 615 da nova escala salarial, passando a auferir pelo índice 655 a partir de janeiro de 2003. Acresce que, em janeiro de 2004,após aprovação em concurso, esses funcionários foram posicionados para a categoria de IT nível 2 e TAT, nível 2, a categoria dos AA., sendo posicionados, em virtude do disposto no n.º 2 do artigo 44.º do DL 557/99 no escalão 3, índice 720, aquele em que estão posicionados os AA..
Esta factualidade implicou que, pelo menos em 2004, aqueles colegas dos AA., auferissem pelo índice 720 enquanto os AA. auferiram, no mesmo período, pelo índice 690, índice este inferior.
Desta situação decorre que foi dado um tratamento desigual aos AA., relativamente àqueles seus colegas, desigualdade que subsistiu, quando aqueles seus colegas, na sequência de concurso, foram integrados na categoria de IT nível 2 e TAT nível 2, no escalão 3, índice 720, não obstante deterem menor antiguidade e menor experiência no exercício das funções correspondentes.
Esta situação ocorreu por força de aos AA. não ser contado o tempo de permanência no anterior escalão e por não poderem beneficiar, nos mesmos moldes dos seus colegas, da aplicação da nova tabela salarial prevista no anexo V do Decreto Lei 557/99, de 17/12, podendo os colegas dos AA. dela beneficiar apenas porque foram promovidos já na vigência do DL 557/99.
Da confrontação entre a norma transitória do n.º 3 do art. 67.º com o disposto no n.º 2 do art. 67.º, verifica-se que o legislador não cuidou de as articular devidamente, por forma a que da sua aplicação não resultassem situações de injustiça relativa ou de prever uma norma que permitisse ultrapassar situações como a verificada.
Na verdade, se por um lado se justifica o benefício concedido pelo n.º 2 do art.67.º aos funcionários que sofreram um impulso salarial inferior ou igual a 10 pontos, de poderem ver contado o tempo de permanência no escalão de origem, como ocorreu com os ditos colegas dos AA., por outro lado havia que considerar a possibilidade de existir um prejuízo ilegítimo para os funcionários que, tal como os AA., tiveram um impulso salarial superior a 10 pontos, e que, em 2000 adquiriram por progressão na anterior escala salarial remuneração superior à que lhes foi atribuída pela transição.
É que, não determinando a lei que lhes seja contado o tempo de permanência no escalão de origem, com a consequente progressão na nova escala salarial, os AA. viram-se prejudicados em face daqueles referidos colegas.
A lei não prevê que para estes funcionários lhes seja contado o seu tempo de permanência no esca1ão de origem, com a consequente progressão na nova escala salarial, mas apenas e só que aufiram pela anterior tabela salarial até nova progressão.
Daqui decorre, por um lado, que aos AA., a nova tabela salarial constante do anexo V do DL 557/99, só 1hes tenha sido efetivamente aplicada a partir de janeiro de 2003, enquanto que aos outros colegas, que só em 2004 transitaram para a sua categoria, foi logo aplicada em janeiro de 2000.
Nenhuma razão válida existe para que uns funcionários aufiram pela nova tabela salarial de imediato e outros só possam usufruir dessa mesma tabela salarial três anos após a sua entrada em vigor.
Aqui chegados, forçoso é concluir-se que as normas transitórias do n.º 2 e n.º 3 do art. 67.º foram elaboradas de modo a conferir um tratamento desigual e injustificado, verificando-se a violação do artº 13.º da Constituição e bem assim do princípio consagrado na alínea a) do n.º1 do art. 59.º da CRP.
O disposto nos artigos 67.º, n.º 2 e n.º 3, pelas razões supra referidas, violam o disposto no art. 13.º e 59.º da CRP, o que inquina tais normas de inconstitucionalidade material, afetando, consequentemente a validade do posicionamento dos AA.
Nesta medida, impõe-se condenar o Ministério das Finanças a proceder ao reposicionamento dos AA., levando em consideração aquela inconstitucionalidade, ou seja, a reposicionar os AA. como se aquelas normas não existissem, e que, por via desse reposicionamento, lhes sejam pagas as diferenças salariais entre o que receberam e o que deveriam ter recebido se tivessem sido pagos pelo escalão 3, índice 790.
Finalmente, no que concerne ao pedido de indemnização, uma vez que o mesmo foi deduzido a título subsidiário, o seu conhecimento mostra- se prejudicado pela procedência de parte dos pedidos formulados pelos AA..
Diga-se, ainda que, uma vez que compete exclusivamente ao Ministério das Finanças efetivar as operações necessárias para dar cumprimento ao ora decidido, impõe-se absolver o Estado Português do pedido.
IV.
Neste termos, julgamos a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, absolve-se o Estado Português do pedido e declaram-se materialmente inconstitucionais as normas dos artigos do artigo 67.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto Lei 557/99, de 17 de dezembro, por violação dos princípios constitucionais constantes dos artigos 13.º e 59.º da CRP, condenando-se o Ministério das Finanças a posicionar os AA., com efeitos desde janeiro de 2004, no escalão 3, índice 720, da categoria IT nível 2 e TAT, nível 2, pagando-lhes as remunerações correspondentes ao referido escalão desde essa data até à data em que, efetivamente, foram posicionados nesse índice e escalão bem assim como refletir este reposicionamento nos posicionamentos futuros dos ora AA.
4. O critério normativo que a sentença recorrida considerou incompatível com a Constituição foi aquele que se transcreveu. A partir destas considerações e imputando ter havido inversão de posições remuneratórias dos recorrentes relativamente a funcionários com a mesma ou inferior antiguidade na categoria por efeito da aplicação das regras dos nºs 2 e 3 do artº 67.º do DL 557/99, a sentença “declarou-os” materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios constantes dos art.ºs 13.º e 59.º da Constituição.
Sustenta o Ministério das Finanças que na base deste juízo está uma interpretação errada do regime legal, não se devendo o diferente posicionamento remuneratório, entre os Autores e os trabalhadores com quem se comparam, à aplicação da regra constante do n.º 2 do art.º 67.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de dezembro. E invoca em favor da sua posição o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2012, do Supremo Tribunal Administrativo, publicado no DR I Série, de 27/11/2012.
Não cabe nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional saber se destes preceitos decorre o efeito jurídico que a decisão recorrida afastou com fundamento em inconstitucionalidade, ou se tais preceitos devem ser interpretados de outro modo, em si mesmos, ou em conjugação com outros do mesmo diploma legal ou do regime jurídico da remuneração dos trabalhadores em funções públicas. Esse eventual erro de determinação do direito aplicável, ou da sua interpretação e aplicação pela sentença recorrida, é questão que apenas pode ser apreciada em recurso perante os tribunais superiores da respetiva ordem jurisdicional, aliás já interposto.
Assim sendo, no presente recurso o Tribunal apreciará a constitucionalidade do entendimento normativo que a sentença entendeu decorrer dos preceitos legais em causa e a que recusou aplicação, sem prejuízo de a dimensão normativa que agora é apreciada poder vir a ser afastada da solução do litígio em recurso ordinário, seja porque os factos não convocam a sua aplicação ao caso, seja porque outra venha a ser a interpretação que deve ser conferida ao regime jurídico em causa. Essa é uma consequência de o recurso de constitucionalidade, nos casos de recusa de aplicação de normas, não estar sujeito ao princípio da exaustão dos recursos ordinários e de a sua apreciação ter prioridade sobre os recursos ordinários que caibam da mesma decisão.
Deste modo, delimitando mais precisamente o objeto do recurso, passar-se-á a apreciar a constitucionalidade da norma dos n.ºs 2 e 3 do art.º 67.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de dezembro, quando interpretados no sentido de que deles resulta que trabalhadores com maior antiguidade na categoria passem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores com inferior antiguidade na mesma categoria e carreira.
5. O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre dimensões aplicativas da disposição legal aqui em análise, isolada ou conjuntamente com outras, na perspetiva do princípio geral de não inversão das posições relativas de trabalhadores por mero efeito da reestruturação de carreiras, julgando inconstitucionais interpretações normativas conducentes ao resultado de trabalhadores com maior antiguidade em determinada categoria passarem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores com menor antiguidade na mesma categoria, apenas por efeito da entrada em vigor de regime de reestruturação de carreiras e sem qualquer fundamento material (cfr. Acórdãos n.os 105/2006, 167/2008, 195/2008, 196/2008, 197/2008 e 378/2012, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Como se disse neste último acórdão,
“Os referidos arestos vieram confirmar a jurisprudência consolidada do Tribunal, a propósito das normas do regime da função pública, no sentido da vinculação – constitucionalmente imposta - à observância de um princípio geral de coerência e equidade nos sistemas de carreiras, que tem, como corolário, a proibição de inversão das posições relativas de trabalhadores, por mero efeito da entrada em vigor de um regime de reestruturação de carreiras ou de alterações do sistema retributivo, ou seja, quando a inversão é determinada pela interferência de um “fator anómalo, de circunstância puramente temporal, estranho à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações ou experiência dos funcionários confrontados” (cfr. Acórdão n.º 323/2005, disponível no sítio da internet já aludido).
É este entendimento jurisprudencial que agora se reitera, realçando-se que o artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, consagrando o direito a uma justa retribuição do trabalho, embora não vede a diferenciação da remuneração, impõe que essa diferenciação obedeça a critérios de justiça. Isto é, o princípio da igualdade, no âmbito laboral, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Lei Fundamental, como projeção do princípio geral plasmado no artigo 13.º do mesmo diploma, implica que se trate como igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
A este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º 584/98 (disponível no mesmo sítio da internet):
«O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa – ao preceituar que “todos os trabalhadores [...] têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” – impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
Ora a justiça exige que quando o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade seja igual a remuneração. E reclama (nalguns casos apenas consentirá) que a remuneração seja diferente, pagando-se mais a quem tiver melhores habilitações ou mais tempo de serviço. Deste modo se realiza a igualdade.”
No mesmo sentido, pode ainda ler-se, no Acórdão n.º 313/89, o seguinte:
“O princípio “para trabalho igual salário igual” não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm.”
No caso em apreciação, segundo a sentença recorrida foi da aplicação das regras de transição e integração nas categorias do GAT, extraídas dos n.ºs 2 e 3 do art.º 67.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de dezembro, que resultou que os Autores passassem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores com idêntica ou inferior antiguidade, na mesma categoria e carreira. Assim sendo, trata-se de uma distorção introduzida por efeito da entrada em vigor de um regime de reestruturação de carreiras ou de alterações do sistema retributivo, em violação do princípio geral de equidade e coerência nos sistemas de carreiras da função pública, que proíbe a alteração arbitrária das posições relativas de trabalhadores, determinada pela interferência de um “fator anómalo, de circunstância puramente temporal, estranho à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações ou experiência dos funcionários confrontados” (cfr. Acórdão n.º 323/2005, já citado).
Deve todavia deixar-se uma nota final, para perfeita compreensão do alcance do julgamento efectuado. Como se salientou no Ac. n.º 323/2005, “não se apresenta como solução normativa destituída de fundamento material face ao princípio da igualdade, a diferenciação remuneratória na categoria superior, mesmo que implique o recebimento de remuneração superior pelo funcionário menos antigo nessa categoria, que resulte do diferente posicionamento atingido nos escalões da categoria de origem, desde que isso corresponda a um factor objectivo, susceptível de repercutir-se nas características do trabalho prestado ou nas capacidades e qualificações profissionais dos trabalhadores em causa, como sucede com a maior antiguidade na carreira. Face à substancial homogeneidade do conteúdo funcional das diversas categorias que a compõem, a valorização da experiência profissional inerente ao maior tempo de serviço na carreira não colide com os parâmetros da igualdade retributiva da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, visto que não é desrazoável presumir que essa maior experiência global se possa traduzir num melhor desempenho. Por outro lado, não se trata de uma solução dirigida a beneficiar ou desfavorecer uma classe de funcionários determinada segundo um elemento arbitrariamente fixado, porque a antiguidade ou tempo de serviço na carreira é uma característica que todos compartilham e com que todos contam na melhoria da sua situação retributiva”.
Um sistema retributivo assim concebido, designadamente quando os índices dos últimos escalões de uma categoria superem os índices dos primeiros escalões da categoria seguinte da mesma carreira, independentemente de qualquer juízo sobre o seu mérito na gestão dos quadros, ainda caberia na discricionariedade legislativa. Porém, segundo o julgado pelo tribunal a quo, a inversão de posições remuneratórias sob apreciação é produto da mera anomalia de articulação das normas de transição.
Tanto basta – repetindo que não cabe neste recurso averiguar se a diferença remuneratória dos trabalhadores em cotejo foi efeito automático destas regras, como a sentença considerou - para que deva julgar-se inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, a norma resultante da conjugação do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto – Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, quando interpretados no sentido de que deles resulta que trabalhadores com maior antiguidade na categoria passem a auferir remuneração inferior à de outros com idêntica ou inferior antiguidade na categoria e carreira do grupo de pessoal de Administração Tributária.
III - Decisão
6. Nestes termos, negando provimento ao recurso, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, a norma resultante da conjugação do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto – Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, quando interpretados no sentido de que deles resulta que trabalhadores com maior antiguidade em determinada categoria do G.A.T. passem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores da mesma categoria e com inferior antiguidade na mesma categoria e carreira.
b) Sem custas.
Lisboa, 11/04/2013.- Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.