Imprimir acórdão
Processo nº 735/01 Plenário Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. No processo eleitoral organizado no círculo eleitoral de Vila Nova de Gaia, para eleição dos órgãos das autarquias locais – 2001, apresentaram candidaturas para o órgão Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, entre outros proponentes, o Partido Socialista e a coligação eleitoral PPD/PSD –CDS/PP, com a denominação
“Gaia na Frente”, doravante Coligação.
2. Com a data de 23 de Outubro de 2001, o Mmº Juiz do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia proferiu despacho a determinar para esse mesmo dia “a realização do sorteio previsto no artº 30º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais – Lei nº 1/2001 de 14-8”, tendo também nessa data sido “afixados os Editais para a afixação das listas nos termos do disposto no artº 25º da – Lei nº 1/2001 de 14 de Agosto”.
3. Com data de 26 de Outubro de 2001 deu entrada naquele Tribunal um requerimento subscrito pelo mandatário da lista de candidatura do PS, agora com a denominação “Viva Gaia com Qualidade”, no qual, invocando-se o “nº 3 do Artº
25, da Lei Orgânica nº 1/2001 de 14 de Agosto”, vem impugnada “a legitimidade da elegibilidade dos candidatos” nos seguintes termos:
“Nº 2 – Engº P...; nº 4 – Dr. C...; nº 7 Dr. J..., da lista da coligação do PSD/PPD/CDS/PP à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, pelo facto de desconhecermos se os mesmos procederam em conformidade com a alínea d) do nº 1 do Artº 7º da referida lei, porquanto os mesmos integram os Conselhos de Administração de Empresas Municipais, onde o Município de VN de Gaia detém posição totalitária”.
4. Por despacho do Mmº Juiz a quo, de 6 de Novembro de 2001, e no que toca
àquela inelegibilidade, foi ordenada a “notificação do Exmº Sr. Mandatário da Coligação PSD-PPD/CDS-PP à Câmara Municipal de V.N. de Gaia, a fim de que o mesmo proceda nos termos que lhe são postos à disposição pelo nº 2 do artigo 26º da Lei nº 1/2001 de 14-8”.
5. Acatando a notificação veio responder o mandatário da Coligação, em requerimento entrado no Tribunal três dias depois, começando por levantar como questão prévia o entendimento de que, “no caso em apreço, o fundamento da notificação é o contido no nº 2 do artigo 29º da mencionada lei, já que é neste caso que o mandatário será notificado ‘para responder’ a ‘reclamação apresentada contra a admissão de qualquer candidatura’ e sustentando estar em tempo “posto que, apesar da reclamação em causa ter dado entrada neste Tribunal, nos idos de
26 de Outubro, apenas foi notificado para responder no dia 7 de Novembro”.
Depois, quanto ao fundo da questão, veio dizer, no essencial, que é “manifesto que nenhuma razão assiste ao reclamante”, pois, face ao quadro legal da Lei nº
58/98, de 18 de Agosto, “flui com clareza que não há nenhuma relação laboral ou de vínculo semelhante a funcionário público ou agente da Administração Pública entre os administradores das empresas municipais e a Câmara Municipal, quer pelo que decorre appertis et expressis verbis do teor da lei, quer do entendimento que sempre foi unânime na doutrina quanto ao carácter não vinculado e autónomo do estatuto dos administradores face ao designado Estatuto do ‘Pessoal da Empresa’, aliás tratado em sede própria no artº 73º da Lei que vem sendo citada”
(“E do regime jurídico do administrador de empresas municipais resulta, sem margem para dúvidas, que nenhuma equiparação pode ser feita entre o seu estatuto e o de funcionário” – acrescentando-se depois e assinalando-se que “a norma que estabelece a inelegibilidade, é uma excepção a um direito constitucionalmente consagrado no artº 50º da C.R.P. e por isso não aceita a aplicação analógica”.
Por fim, segue-se o que fica transcrito, para se concluir que “deve ser rejeitada a impugnação/reclamação deduzida pelo mandatário do PS para o Município de Vila Nova de Gaia, com todos os efeitos legais”:
“26° Os candidatos supra identificados – Engº P..., Dr. C... e Dr. J... - não são funcionários da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia ou de qualquer empresa por esta participada, nem têm com a mesma Autarquia qualquer vínculo laboral, sendo administradores respectivamente, das seguintes empresas públicas municipais:
. Águas de Gaia, EM
. Gaia Social - Empresa Municipal de Habitação, EM
. Gaianima - Equipamentos Municipais, EM
27° As empresas em causa foram constituídas, respectivamente, por escrituras de
12 de Abril de 1999, 20 de Março de 2000 e 31 de Maio de 2001 - doc. 2 a 4 ao diante juntos.
28° Dos referidos estatutos alcança-se, sem esforço, que o regime jurídico da Administração é o decorrente da já falada Lei nº 58/98 e que nenhuma derrogação ou especialização desse regime faz aproximar de que forma for o administrador de tais empresas da qualidade de funcionário das mesmas.
29° Tanto basta para que se verifique a total falta de sentido do requerimento apresentado e agora em resposta.
30º E compreende-se que assim seja, porquanto a admitir-se, por absurdo que seja, que um administrador de empresa pública municipal não seria elegível para a Câmara respectiva, estaríamos perante situações generalizadas, por todo o País, de inelegibilidade dos Presidentes de Câmara e Vereadores que se recandidatam, sabido como é que, invariavelmente, desempenham, em acumulação, cargos de administração em tais empresas, ao abrigo do disposto na alínea i) do no 1 e no 8 da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro.
31° Aliás, deveras caricato seria que um candidato, uma vez eleito, e nomeado, em acumulação, ao abrigo da referida disposição legal, administrador de uma empresa pública municipal, se colocasse após a eleição em situação de inelegibilidade e, por via disso, incorresse em perda de mandato, nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 8° da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto...”
Com a resposta foram juntos quatro documentos: um Parecer da CNE sobre a interpretação da citada alínea d) do nº 1 do artigo 7º, a escritura autenticada de constituição da empresa pública municipal “Águas de Gaia, EM”, outorgada em
12 de Abril de 1999, com o anexo dos Estatutos e rectificações posteriores, a escritura autenticada de constituição da empresa pública denominada “Gaia Social
- Empresa Municipal de Habitação, EM”, outorgada em 20 de Março de 2000, com o anexo dos Estatutos, e a escritura autenticada da constituição da empresa pública municipal “Gaianima - Equipamentos Municipais, EM” outorgada em 30 de Maio de 2001, com o anexo dos Estatutos.
6. Em 9 de Novembro de 2001 o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho a entender que improcede “a arguição feita”, concluindo, para o efeito, que os candidatos “não são susceptíveis de ser enquadrados no âmbito do nº 1 alínea d) do citado artigo
7º, sendo elegíveis”, na base da seguinte consideração:
“É pois, e sobretudo, urna questão ética aquela que está em causa.
Compreende-se assim que só alguém que detenha um lugar permanente nos quadros da administração possa beneficiar à partida da vantagem que se pretende evitar .
Também, e por essa mesma razão, se compreende, e tal como o refere o mandatário da coligação PPD-PSD/CDS-PP - Gaia na Frente, que o conceito de funcionário plasmado no citado artigo 7° assente no conceito de funcionário, ou de agente, próprio do direito público, que pressupõe os atributos de profissionalidade e permanência.
Com efeito, e tal como o define o Prof. Marcello Caetano, Manual do Direito Administrativo, vol. 11, 1990, pág. 669, o funcionário ‘é o agente que ocupa um lugar permanente nos quadros da administração’.
Posto isto pode-se constatar através da mera leitura do artigo 9° da Lei n.º
58/98 de 18-8, que regulamenta as Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais, que os ditos atributos de permanência e profissionalidade não estão subjacentes aqueles que integram os órgãos sociais das empresas públicas, que são aquelas em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham a totalidade do capital, designadamente o conselho de administração, uma vez que o respectivo mandato será coincidente com o dos titulares de órgãos autárquicos - n.º 3 do preceito citado.
Ora na situação presente os três candidatos cuja inelegibilidade vem arguida integram, respectivamente os conselhos de administração de três empresas públicas, a Águas de Gaia EM, a Gaia Social - Empresa Municipal de Habitação EM e a Gaianima - Equipamentos Municipais EM, tendo por conseguinte os seus cargos limitados no tempo, mais concretamente circunscrito ao período de tempo do mandato dos titulares dos órgãos autárquicos”.
7. Dessa decisão veio reclamar em tempo (48 horas após a notificação do despacho, feita em 12 de Novembro de 2001) o Partido Socialista nos termos do nº
1 do artigo 29º da LOEAL, insistindo que os candidatos em causa são
“inequivocamente inelegíveis”, pois “o legislador não distingue naquela disposição legal os funcionários por período de tempo determinado dos funcionários sem tempo determinado” e “entende-se que assim seja uma vez que o legislador ao contrário do regime jurídico anterior pretendeu desta feita abranger os funcionários dos entes da administração indirecta das autarquias locais”, apelando para a “chamada captatio benevolentiae”.
8. À reclamação veio responder atempadamente a Coligação, sustentando ser
“manifestamente espúria, produzida ‘fora do ciclo próprio’, a reclamação em apreço” (“Produzido que foi, em 9NOV2001, douto despacho judicial declarando improcedente a arguição feita pelo PS, não se vislumbra que outro meio de reacção contra tal despacho pudesse ter o PS senão o previsto no artigo 31º da citada Lei” – é a argumentação da Coligação) e mantendo a sua anterior posição quanto ao fundo da questão, porque – e volta a insistir – “os administradores das empresas públicas municipais não são funcionários, já que o conceito de funcionário, há muito fixado na doutrina e na jurisprudência, assenta, como bem se assinalou na douta decisão ora reclamada, nos atributos de permanência e profissionalidade não subjacentes a quem integra os órgãos sociais das empresas públicas”.
9. Em 16 de Novembro de 2001 o Mmº Juiz a quo julgou “improcedente a reclamação apresentada, reiterando serem elegíveis os candidatos da apresentados pela lista da coligação PPD-PSD/CDS-PP – Gaia na Frente à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, ou seja o Engenheiro P..., o Dr. C... e o Dr. J...” e mandou dar
“cumprimento ao disposto no artigo 29º nºs 5 e 6 da Lei Orgânica nº 1/2001 de
14-8”
É este o texto da decisão:
“No que toca à questão prévia, ou seja a da admissibilidade da reclamação ora apresentada, não creio que se suscitem grandes dúvidas, quanto à pertinência da mesma, uma vez que a arguição anteriormente feita o foi ao abrigo do disposto no artigo 25° nº 3 da supra citada Lei Orgânica.
Quanto à questão de fundo, não vejo que haja grandes razões para alterar a decisão de que ora se reclama, face à fundamentação apresentada.
Com efeito, o artigo 7° da Lei Orgânica nº 1/2001, estabeleceu serem inelegíveis
‘para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem as funções de jurisdição os funcionários dos órgãos das autarquias locais ou dos entes por estas constituídos ou em que detenham posição maioritária que exerçam funções de direcção, salvo no caso de suspensão obrigatória de funções desde a data de entrega da lista de candidatura em que se integram’ – nº 1 alínea d).
Confrontando a redacção deste preceito com o preceito equivalente do anterior diploma, ou seja o artigo 4° nº 1 alínea c) do Decreto Lei nº 201-B/76 de 29-9, verifica-se que o mesmo se limita a acrescentar que também são inelegíveis os funcionários dos entes constituídos pelas autarquias locais ou em que estas detenham posição maioritária.
No entanto uma tal alteração não veio, no meu entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, alterar em nada a verdadeira essência do preceito, designadamente no que respeita ao conceito do funcionário nele plasmado, já que a mesma acabou por ser ditada por força da alteração introduzida pela Lei 58/98de 18-8 que prevê a constituição de Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais.
Na verdade, e em bom rigor, a haver diferenças entre ambos os preceitos estas consistiram fundamentalmente numa maior clarificação de redacção do mesmo, introduzida na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional, e numa restrição das situações que implicam inelegibilidade, referindo-se a título de exemplo a situação dos funcionários judiciais, que no domínio da lei anterior eram inelegíveis o que não acontece na actual em que só são inelegíveis os secretários de justiça, e a dos funcionários autárquicos que só são inelegíveis, ao contrário do que acontecia, no círculo eleitoral onde exercem funções, e desde que exerçam funções de direcção.
Daí que mantenham toda a pertinência as considerações anteriormente expendidas na decisão de que ora se reclama, designadamente as enunciadas em anotação ao preceito que aqui está em causa na Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, anotada e comentada, de Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Migueis, pág. 18, na parte em que se refere que o escopo de um tal preceito é afastar a elegibilidade daqueles que, através do exercício das suas funções ou da sua situação perante a autarquia, podem utilizar a chamada captatio benevolentiae na
área geográfica onde actuam.
É pois, e sobretudo, como aliás já se disse, uma questão ética aquela que está em causa.
Daí que se defenda que o conceito de funcionário plasmado no citado artigo 7° assente no conceito de funcionário, ou de agente, próprio do direito público, que pressupõe os atributos de profissionalidade e permanência, nos moldes em que este é definido pelo Prof. Marcello Caetano, no Manual do Direito Administrativo, vol. II, 1990, pág. 669, onde, a dado passo se refere que funcionário ‘é o agente que ocupa um lugar permanente nos quadros da administração’.
Ora assim sendo, fácil se torna constatar, através da mera leitura do artigo 9° da Lei nº 58/98 de 18-8, que regulamenta as Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais, que os ditos atributos de permanência e profissionalidade não estão subjacentes aqueles que integram os órgãos sociais das empresas públicas, que são aquelas em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham a totalidade do capital, designadamente o conselho de administração, uma vez que o respectivo mandato será coincidente com o dos titulares de órgãos autárquicos - nº 3 do preceito citado.
Aliás, se assim não fosse, não se vê como seria de admitir a elegibilidade dos titulares dos órgãos autárquicos em funções.
São pois os três candidatos cuja inelegibilidade vem arguida e que integram, respectivamente, os conselhos de administração de três empresas públicas, a
Águas de Gaia EM, a Gaia Social - Empresa Municipal de Habitação EM e a Gaianima
- Equipamentos Municipais EM, elegíveis, em virtude dos seus cargos estarem limitados no tempo, mais concretamente circunscritos ao período de tempo do mandato dos titulares dos órgãos autárquicos, não integrando por uma tal razão o conceito de funcionário subjacente ao citado artigo 7° nº 1, alínea d)”.
10. Com a mesma data de 16 de Novembro foram afixadas à porta do Tribunal “as listas definitivas à Câmara Municipal de Gaia” e três dias depois (18 foi domingo) o Partido Socialista veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional “nos termos dos artigos 31, 32 e 33 da Lei Orgânica 1/2001”, concluindo o requerimento deste modo:
“1.- De acordo com o disposto no nº.1, alínea d) do artigo 7º. da Lei Orgânica
1/2001 de 14 de Agosto são inelegíveis: ‘Os funcionários dos órgãos das autarquias locais ou dos entes por estas constituídos ou em que detenham posição maioritária que exerçam funções de direcção, salvo no caso de suspensão obrigatória de funções desde a data de entrega da lista de candidatura em que se integrem’.
2.- Os candidatos supra identificados: Engº. P...; Dr. C... e Dr. J... integram respectivamente, os Conselhos de Administração de três empresas públicas municipais, a ‘Águas de Gaja EM’, ‘Gaianima -Equipamentos Municipais EM’ e ‘Gaia Social Empresa Municipal de Habitação EM’.
3.- São assim inequivocamente inelegíveis porquanto estão abrangidos pela alínea d)- do nº.1 do artigo da supra citada Lei Orgânica.
4.- Com efeito o legislador não distingue naquela disposição legal os funcionários por período de tempo determinado dos funcionários sem tempo determinado.
5.- De resto entende-se que assim seja uma vez que o legislador ao contrário do regime anterior pretendeu desta feita abranger os funcionários dos entes da administração indirecta das autarquias locais.
6.- E fê-lo por se aperceber de que também estes poderiam ‘utilizar a chamada captatio benevolentiae na área geográfica onde actuam’.
7 .- E no caso dos candidatos em causa por maioria de razão dado que são administradores das descritas empresas, ou seja, quem em última instância decide, podendo assim servir-se dos cargos para obter vantagens eleitorais indevidas.
Nestes termos e nos mais de direito devem V.as Ex.as revogar a douta decisão recorrida e substituí-la por outra que julgue inelegíveis os supra identificados candidatos da coligação PSD/PPD-CDS/PP, à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia”.
11. Admitido aquele recurso, respondeu em tempo às alegações a Coligação, a sustentar o julgado, e mantendo as posições anteriormente assumidas nos outros articulados (“tentará mais uma vez explicitar a situação dos candidatos e designadamente o regime dos Conselhos de Administração das empresas públicas municipais, instituídas pela Lei nº 58/98, de 18 de Agosto” – é como se expressa a Coligação).
12. Cumpre decidir, inexistindo obstáculos processuais a que se conheça da matéria de fundo.
Preceitua o artigo 7º, nº 1, alínea d), da LEOAL que «não são elegíveis para os
órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções», «os funcionários das autarquias locais ou dos entes por estas constituídos ou em que detenham posição maioritária, que exerçam funções de direcção» (cfr. Declaração de Rectificação nº 20-A/2001, Diário da República, I Série-A, suplemento, de 12 de Outubro).
Em hipótese similar pronunciou-se já o acórdão do Tribunal Constitucional nº
511/01, cuja fundamentação, no essencial, se acompanha e se reproduz.
A propósito da inelegibilidade dos «funcionários dos órgãos representativos das freguesias e dos municípios», constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º da anterior lei eleitoral (Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro), expressou este Tribunal a seguinte opinião, no Acórdão nº 244/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., págs. 221/222):
“Tais razões – e assim chegamos ao que o Tribunal julga ser o fundamento ou justificação decisiva da disposição em análise – podem, desde logo, reconduzir-se a estas duas ideias básicas: de um lado, a de preservar a independência do exercício dos cargos electivos autárquicos; do outro, a de assegurar que os respectivos titulares desempenhem esses cargos com isenção e
«desinteresse», ou seja, com «imparcialidade» (cf. precisamente, já neste sentido, a declaração de voto do que foi o ilustre Conselheiro Costa Aroso, aposta ao Acórdão n.º 12/84).
Na verdade, compreende-se que não possa ser eleito para um órgão autárquico, nem aquele que, na sua actividade profissional, é um «executor» das deliberações desse órgão, e no exercício de tal actividade bem pode depender hierarquicamente de outros funcionários da autarquia (pense-se, por exemplo, na hipótese de um funcionário dos serviços e limpeza de uma câmara que seja eleito vereador da mesma, e ao qual seja atribuído o pelouro da higiene municipal); nem tão-pouco aquele que, em razão do seu vínculo profissional à autarquia, é titular, face a ela, de interesses pessoais próprios e permanentes. Ou seja, e numa palavra: compreende-se que se queira evitar qualquer confusão – e antes garantir uma clara «separação» - entre o nível, que se poderá dizer ainda «político», da tomada das deliberações e decisões autárquicas e o nível puramente
«administrativo» da sua execução”.
E, interpretando-se o preceito em causa, entendeu-se, então, que ele não abrangia os funcionários da administração autárquica autónoma ou mesmo só indirecta, embora também valesse, quanto a eles, «ao menos em parte e em certa medida», por à extensão da inelegibilidade «esse mais amplo círculo de destinatários» obstar a «letra da lei e a sua história»(ibidem, pág. 225).
De uma forma clara e expressiva, viria mais tarde este Tribunal a sublinhar, em matéria de inelegibilidades, que, estando-se «na presença de um direito fundamental de natureza política», «não é lícito ao intérprete proceder a interpretações extensivas ou aplicações analógicas que se configurariam como restrições de um direito político», sendo certo que «a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria eleitoral tem acentuado que as normas que estabelecem casos de inelegibilidade contêm enumerações taxativas e não meramente exemplificativas» (Acórdão nº 735/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º vol., pág. 516).
O artigo 7º, nº 1, alínea d), da recente LEOAL introduziu profundas alterações ao regime constante do artigo 4º, nº 1, alínea c), da lei anteriormente vigente.
Na parte que ora nos interessa, duas modificações de relevo devem ser assinaladas:
- passaram a ficar abrangidos pela inelegibilidade não só os funcionários dos
órgãos das autarquias locais, como os dos entes por estas constituídos e os dos entes em que elas detenham posição maioritária
- todavia, a inelegibilidade em causa só atinge os funcionários que exerçam funções de direcção
É este o quadro legal à luz do qual se há-de apurar se são inelegíveis para uma câmara municipal os candidatos que, como resulta provindo dos autos e ambas as partes aceitaram (cfr. ponto 5.), são administradores ou membros dos conselhos de administração das empresas públicas municipais já referenciadas.
Que tais empresas são entes constituídos pela autarquia local que é o município de Vila Nova de Gaia, é ponto que não oferece dúvidas.
13. A outra questão – e é o punctum saliens do presente caso – é saber qual o conceito de funcionário constante da alínea d), do nº 1, do artigo 7º.
Na verdade, se existem inelegibilidades que atingem o exercício de certas funções desempenhadas em empresas públicas municipais, e sendo certo que as relações entre tais empresas e os respectivos trabalhadores se regem pela legislação laboral comum, forçoso se torna igualmente concluir que o conceito de funcionário, adoptado na lei eleitoral, se não pode confundir com o conceito geralmente acolhido no âmbito do Direito Administrativo.
Assim, os funcionários a que se refere a alínea d) do nº 1 do artigo 7º da LEOAL não serão apenas «os trabalhadores da função pública que integram o quadro de um organismo ou serviço» (Acórdão nº 244/85, cit., pág. 226), mas antes todos aqueles que exerçam uma actividade profissional com subordinação jurídica, no
âmbito da autarquia ou de qualquer dos entes por ela constituídos ou em que detenha posição maioritária.
Resta, pois, averiguar se o membro do conselho de administração de uma empresa pública desempenha funções de direcção, no quadro de uma actividade profissional que exerce com subordinação jurídica, de tal sorte que, para efeitos da lei eleitoral, possa ser tido como um funcionário da mesma empresa.
Ora, os membros dos conselhos de administração, cuja nomeação e exoneração, neste caso, estatutariamente é da competência da câmara municipal, com um mandato de 4 anos, coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, não se encontram numa relação de subordinação jurídica no âmbito da empresa pública, gozando antes de autonomia perante a empresa (ou os seus outros órgãos), que permite diferenciar dos trabalhadores subordinados. A empresa não tem sobre tais membros um poder de direcção, com a intensidade característica de uma relação laboral. (cfr. Luís Brito Correia, Os Administradores das Sociedades Anónimas, Almedina, 1993).
Nesta conformidade, e tendo igualmente em conta que a jurisprudência deste Tribunal tem entendido, como se observou, que se não devem efectuar interpretações extensivas em matéria de restrições ao exercício de direitos políticos, não podem os membros dos conselhos de administração das empresas públicas constituídas pela autarquia ser considerados como funcionários, para o efeito de serem tidos como inelegíveis para os órgãos dessa autarquia.
Para tal efeito, funcionários «que exerçam funções de direcção» serão, assim, os trabalhadores da empresa que nela tenham a responsabilidade de superintender, coordenar ou chefiar – ainda que a título vicariante – a actividade de um ou mais sectores, serviços ou departamentos, na directa dependência dos órgãos de administração ou gestão, mas não já os próprios titulares destes órgãos. Ou seja, a inelegibilidade abrange aqueles quadros da empresa que desempenhem tais
«funções de direcção» no âmbito de uma relação laboral, com subordinação jurídica, portanto, aos órgãos da sociedade (no sentido de que «o trabalhador subordinado pode ser um empregado altamente qualificado e com funções directivas, distinto do administrador», cfr. Inocêncio Galvão Teles, anotação, O Direito, ano 104º, 1972, pág. 337).
Não sendo esta última situação a que vem invocada no caso dos autos, não se verifica a pretendida inelegibilidade.
15. Nestes termos, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 26 de Novembro de 2001 Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida