Imprimir acórdão
Processo nº 452/01 Plenário Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. No recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Maio de 1996 que, conhecendo do recurso que antes interpusera do acórdão da 8ª Vara Criminal de Lisboa, o condenou na pena de cinco anos de prisão pelo crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto no artigo 36º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, J... apresentou umas alegações relativamente às quais foi proferido o seguinte despacho (de fls. 1862):
“(...) Ora, o recorrente (...) formulou 74 conclusões, traduzidas num extenso texto que ocupou 16 páginas. Sucede ainda que, nas conclusões 5ª, 38ª e 52ª, o recorrente remete para o que foi dito por ele nas peças processuais juntas aos autos. Portanto, o recorrente não foi capaz de resumir as razões do seu pedido
(...).
Daí que estas conclusões não possam, como tal, ser consideradas; tudo se passando como se as não tivesse formulado. Assim, nos termos do nº 3 do artigo 690º do CPC, aplicável ex vi dos artºs 1º e
649º do CPP, convido o recorrente a apresentar conclusões (...)”. Na sequência deste despacho, J..., explicando que a complexidade do caso lhe não permitia ser menos extenso, veio apresentar 45 conclusões, para substituir as anteriores (cfr. fls. 1871). Pelo despacho de fls. 1901, vº, entendeu-se que 'os fundamentos por que se pede o provimento do recurso não foram resumidos como é característico das conclusões, pelo que não se tornam, fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ad quem'; assim, decidiu-se que “o recorrente Canto e Castro não apresentou conclusões, pelo que, não tendo cumprido o convite que lhe foi feito, não se pode conhecer do seu recurso – artigo 690º, nº 3, do C.P.C”.
2. Pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1998, de fls.
1921, foi indeferida a reclamação que J... apresentou, e na qual suscitou a inconstitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, na interpretação adoptada pelo despacho reclamado, por violação dos
“princípios fundamentais do acesso à tutela jurisdicional efectiva (artº 20 da C.R.P, redacção actual) e o constante do nº 1 do artº 32º da C.R.P. (...)”, que
“ficariam gravemente cerceados, o que seria ilegal por força do disposto no artº
18º da nossa Lei Fundamental”. E sustentou que, a assim se não entender, haveria, pelo menos, de ser aplicado o disposto no nº 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil, do qual decorre que o Supremo Tribunal de Justiça deveria conhecer do recurso na parte não afectada. O Supremo Tribunal de Justiça, porém, pelo acórdão de fls. 1921, de 30 de Abril de 1998, manteve a decisão de não conhecimento. Para o que agora releva, e para além da afirmação de que não é aplicável ao recurso o regime constante do nº 4 do artigo 690º citado, onde diz «...sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada», por ter sido interposto de uma decisão anterior à data da entrada em vigor da redacção actual deste preceito, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “a norma do nº 3 do art. 690º do CPC na redacção anterior à que lhe foi dada pelo referido Dec. Lei [o Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro] não põe, de forma alguma, em crise, os princípios constitucionais constantes do art. 20º - acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva - e
32º, nº 1, da CRP - garantias de defesa, incluindo o recurso, do processo criminal”.
3. J... interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional
(requerimento de fls. 1926), ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo, quanto ao que interessa considerar, que fosse julgada inconstitucional a norma constante do nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, na interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por violação dos artigos 18º, 20º e
32º, nº 1 da Constituição. Este recurso veio a ser julgado pelo Acórdão nº 275/99, de 5 de Maio de 1999, de fls. 1983, no qual se decidiu:
“(...) b) julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, e 32º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo 690º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Lei nºs 329/A-95 e 180/96, subsidiariamente aplicável em processo penal ainda regido pelo Código de 1929), quando, para o efeito de decidir que certa alegação não contém conclusões - o que implica o não conhecimento do recurso - ela se interpreta em termos de considerar relevante um critério baseado exclusivamente no número das conclusões formuladas ou das páginas por elas ocupadas; c) julgar inconstitucional o artigo 690º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Lei nºs 329/A-95 e 180/96, e subsidiariamente aplicável a processo penal ainda regido pelo Código de 1929), por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado nos nºs 2 e 3 do artigo 18º, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, quando interpretado no sentido de que a consequência aí prevista do não conhecimento do recurso se não restringe à parte das conclusões que se mostra efectivamente afectada; d) em consequência, conceder [nesta] parte provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada, de acordo com os anteriores juízos de inconstitucionalidade”.
4. Regressaram os autos ao Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 1 de Julho de 1999, de fls. 2006, indeferiu novamente a reclamação, voltando a não conhecer do recurso, nos seguintes termos:
“(...) A reforma do referido acórdão deste Supremo Tribunal assentou nos seguintes juízos de inconstitucionalidade:
1) por violação dos artigos 20º, e 32º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo
690º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Lei nºs 329/A-95 e 180/96, e quando subsidiariamente aplicável em processo penal ainda regido pelo Código de 1929), quando para o efeito de decidir que certa alegação não contém conclusões – o que implica o não conhecimento do recurso – ela se interpreta em termos de considerar relevante um critério baseado exclusivamente no número das conclusões formuladas ou das páginas por elas ocupadas;
2) da mesma norma, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado nos nºs 2 e 3 do artigo 18º, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, quando interpretado no sentido de que a consequência aí prevista do não conhecimento do recurso se não restringe à parte das conclusões que se mostra efectivamente afectada. Assim, segundo estes juízos de inconstitucionalidade, há que interpretar o art.
690º, nº 3 do CPC, na redacção em questão, segundo um critério que não se baseie exclusivamente no número de conclusões formuladas ou de páginas por elas ocupadas, e que restrinja o não conhecimento do recurso à parte das conclusões que se mostre efectivamente afectada. Ora, no que concerne ao primeiro juízo de inconstitucionalidade, há que dizer que o critério adoptado pelo acórdão deste Supremo Tribunal – bem como pelo despacho-convite e pelo despacho reclamado – para apurar da existência de conclusões não se baseou exclusivamente no número de conclusões formuladas ou de páginas por elas ocupadas. De qualquer modo, reforma-se o referido acórdão, que manteve e, portanto, incorpora o despacho reclamado e o despacho-convite, na parte em que se refere a extensão das conclusões aferida pelo número destas e das páginas por elas ocupadas, retirando-se agora tal referência, bem como a respeitante à inexistência de inconstitucionalidade do art. 690º, nº 3 do CPC, enquanto interpretado no sentido de dar relevância ao critério baseado na extensão das conclusões entendida da referida maneira. Porém, afirma-se, muito concretamente, que o critério normativo a ter em conta para apurar da existência de conclusões, como resulta claramente do acórdão recorrido, do despacho-convite e do despacho reclamado, traduz-se na necessidade de resumir os fundamentos do recurso, ou as razões do pedido a que se reporta, hoje, o art. 412º, nº 1 do CPP, com o fim de proporcionar ao tribunal ad quem uma maior facilidade e rapidez na apreensão dos referidos fundamentos ou razões. Tudo isto está afirmado pela doutrina e jurisprudência – V. , J. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V-359; Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, III-299, e os acórdãos deste STJ, de 2 de Fevereiro de
1984, in BMJ 334-401 e de 4-2-1993, in Colectânea de Jurisprudência, I-I-140 e de 10 de Julho de 1996, in BMJ 459-462. Ora, foi a incapacidade revelada pelo recorrente para enunciar, de forma abreviada, os fundamentos ou razões jurídicas com que pretendia obter o provimento do recurso que afectou totalmente as conclusões deste. De facto, a questão não está na obscuridade ou deficiência das conclusões, mas sim na própria falta destas, como, aliás, se afirma claramente nas decisões impugnadas deste STJ, nomeadamente no acórdão recorrido – v. fls. 1922 v; e o citado acórdão deste STJ, de 4-2-1993. Logo, embora se reforme o acórdão recorrido na parte em que se possa entender que a consequência prevista no art. 690º, nº 3, do CPC do não conhecimento do recurso se não restrinja à parte das conclusões que se mostra efectivamente afectada, bem como quanto à inexistência, nestes termos, de inconstitucionalidade daquela norma, o certo é que, como as conclusões inexistem, estas estão totalmente afectadas, pelo que, sendo assim, é perfeitamente constitucional esta interpretação do art. 690º, nº 3 do CPC, como, aliás, o é a que foi feita quanto ao critério normativo atrás enunciado para concluir pela inexistência de conclusões. Por conseguinte, face a tudo o que vai exposto, acorda-se em manter, nos termos agora sustentados, o despacho reclamado, indeferindo-se, pois, a reclamação do arguido, J... e, em consequência, não se conhecendo do seu recurso”.
5. J... reclamou deste acórdão, por nulidade, que foi indeferida pelo acórdão de
11 de Novembro de 1999, de fls. 2048.
6. De novo recorreu J... para o Tribunal Constitucional (requerimento de fls.
2056), ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, recurso que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 184/01, adiante referido, veio a entender “como dirigido antes de mais contra o acórdão
‘reformador’ de 1 de Julho de 1999”, nos seguintes termos:
“1. Na Reclamação para a Conferência subsequente ao douto Acórdão Reformador de
1 de Julho de 1999, veio o Recorrente suscitar as seguintes questões: A) Não ter o Supremo Tribunal de Justiça reformado o douto Acórdão de 30.4.98, em conformidade com o Acórdão do Tribunal Constitucional de 5.5.99, que na sua fundamentação, defendeu ser de ‘considerar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, e 32º nº 1, da Constituição, a norma do artigo 690º, nº 3 do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Leis nºs
329/A/95 d 180/A/96, e subsidiariamente aplicável em processo penal ainda regido pelo Código de 1929), quando interpretada no sentido de considerar relevante - para efeitos de decidir se um determinado conteúdo integrante de uma alegação de recurso tem ou não a natureza de 'conclusões' - qualquer outro critério normativo de decisão - designadamente um critério puramente formal traduzido no número de artigos ou de páginas utilizadas pelo recorrente - que não seja um critério funcional, que faça assentar a decisão na questão de saber se o conteúdo da peça processual apresentada permite ou não realizar as funções que legitimam a exigência de conclusões, sob a cominação de não se conhecer do objecto do recurso, e que são as de determinar claramente as questões em que o recorrente discorda e os fundamentos por que discorda da decisão recorrida bem como a solução que sustente e os fundamentos da mesma’.
(sic do douto Acórdão do Tribunal Constitucional de 5.5.99). Ao desatender, nesta parte, a Reclamação apresentada, o S.T.J. violou o disposto nos artºs 2º e 80º nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro e as normas dos artºs 668º nº 1 al. d) (1ª parte) e 690º nº 3 do CPC, na redacção aplicável, em colisão com o disposto nos artºs 18 nº 2, 20º nº 1 e 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, porquanto restringiu o direito do Recorrente de ver aplicado o douto Acórdão do Tribunal Constitucional de 5.5.99, nos termos em que foi proferido e que fixavam determinado sentido de interpretação da norma do artº 690º nº 3 do C.P.C., e, em consequência, lhe coartou o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para aí fazer valer a garantia constitucional do recurso em processo criminal;
B) Ter o STJ no douto Acórdão Reformador, aduzido e elencado novos fundamentos para justificar a conclusão de que inexistiam as conclusões, e a decisão de, por isso, não conhecer do recurso a que se referem os autos, quando já estava esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal para decidir tal questão, o que fez em violação da norma do artº 666º nº 1 do CPC, ex vi dos artºs 732º e 716º do mesmo diploma, e que constitui a nulidade do artº 668º nº 1 al. d), 2ª parte. O que visou restringir o direito de o recorrente ver fiscalizada a constitucionalidade da interpretação e aplicação do artº 690º nº 3 feitas com base nos referidos fundamentos, e lhe restringe o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para ver apreciado um recurso em processo criminal, tudo em violação das normas dos artºs 18º, 20º e 32º da CRP.
C) Não se encontrar fundamentada a decisão do S.T.J. de que ‘inexistem as conclusões e que, por isso, não pode conhecer-se do recurso’ ignorando, consequentemente, o recorrente por que razões concretas, de facto e de direito, o S.T.J. considerou que o recorrente, ao responder ao despacho convite que lhe foi dirigido nos termos em que o fez, não determinou de uma forma razoavelmente clara os pontos em que discordava e os fundamentos por que discordava da decisão recorrida, bem como a solução que sustentava e os fundamentos dela, como lhe era imposto pelo douto Acórdão do Tribunal Constitucional de 5.5.99. E assim é, porquanto, retirados que forem os fundamentos já censurados pelo referido douto Acórdão do Tribunal Constitucional, os fundamentos apenas aduzidos no douto Acórdão Reformador, quando já estava esgotado o poder jurisdicional do Tribunal para sobre essas questões se pronunciar, não sobram razões de facto e de direito para a decisão que voltou a ser inconstitucionalmente proferida. Saliente-se, a este propósito, que o S.T.J. não cuidou sequer de rebater a argumentação deduzida pelo recorrente ao reclamar para a Conferência do despacho de 12.7.97. Desta forma, ocorre a nulidade a que se refere a al. b) do nº1 do artº 668º do CPC, e violação da norma do artº 690º nº 3 do C.P.C., aqui também em colisão do disposto nos artºs 18º, 20º e 32º da C.R.P., porquanto se está a restringir os direitos de o Recorrente ver declarada a referida nulidade e, em consequência, aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, para o exercício da garantia do recurso em processo criminal.
2. Todas as identificadas ilegalidades e inconstitucionalidades foram expressamente suscitadas pelo Recorrente na sua Reclamação para a Conferência, entrada em juízo em 14 de Setembro de 1999.
3. E foram julgadas improcedentes no douto Acórdão de 11 de Novembro de 1999, que desatendeu in totum a referida reclamação.
4. No âmbito dos presentes autos, já anteriormente foi julgada inconstitucional a norma do nº 3 do artº 690º do Código de Processo Civil, nos termos em que havia sido interpretada e aplicada, o que sucedeu através do douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 275/99 (...).
5. São as seguintes as normas constitucionais e legais violadas pela decisão recorrida: artºs 18º, 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa; artºs
2º e 80º nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro e artºs 666º nº 1, ex vi dos artºs 732º 2 716º, 668º nº 1 als. b) e d) e 690º nº 3, todos do Código de Processo Civil.
(...)”
7. Este recurso não foi, porém, admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por ser 'manifestamente infundado, como exuberantemente resulta do despacho de fls.
1.862 vº. a 1863 vº., do despacho de fls. 1.901 vº. a 1902 vº. e dos acórdãos de fls 1.921 a 1922 vº., 2.006 a 2008 e 2.048 a 2050, que aqui dou por integralmente reproduzidos' (despacho de 15 de Dezembro de 1999, de fls. 2062). J... reclamou, então, para o Tribunal Constitucional, que, pelo acórdão nº
184/01, constante de fls. 2170, aprovado em plenário, deferiu a reclamação. Na sequência desse deferimento, o Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso
(despacho de fls. 2197).
8. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações. O recorrente formulou as seguintes conclusões:
“Conclusões
1. Ao proceder à reforma do seu Acórdão de 30 de Abril de 1998, através do Acórdão recorrido, nos termos ordenados no douto Acórdão n° 275/99 deste Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça limitou-se, confessadamente, a dar retoques cosméticos na fundamentação, mas manteve a interpretação e aplicação da norma do artº 690° n.º 3 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (na sua redacção ao caso aplicável) já declarada inconstitucional por este Tribunal, e fazendo tábua rasa do critério normativo de interpretação superiormente fixado, para no fim repetir o decidido.
2. O Tribunal a quo entendeu que o recorrente, através das conclusões que apresentou, terá revelado capacidade para enunciar os fundamentos ou razões jurídicas com que pretendia obter o provimento do recurso, sem sequer o fazer de maneira obscura ou deficiente, mas não já para o fazer de forma abreviada!
3. Continuou, pois, o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA a interpretar e a aplicar a referida norma, baseando-se num critério exclusivamente baseado na extensão das conclusões, e na não restrição do não conhecimento do recurso à parte das conclusões efectivamente afectadas, mas a todas elas, dessa forma torneando o sentido da decisão, a que estava vinculado, do Tribunal Constitucional.
4. A Conferência do STJ apenas competia proceder à reforma do seu anterior Acórdão, nos termos estrictamente conformes com o julgamento das inconstitucionalidades feito pelo Tribunal Constitucional (artºs 2° e 80º da Lei n° 28/82 de 15 de Novembro), limitando-se a retirar do mesmo as referências desconformes ao julgamento de constitucionalidade feito, e aplicando a norma do n° 3 do artº 690° do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL com a interpretação definida por este Tribunal, e daí, consequentemente, retirando os inerentes efeitos jurídicos.
5. Ou seja, não a interpretando ‘no sentido de considerar relevante – para efeitos de decidir se um determinado conteúdo integrante de uma alegação de recurso tem ou não a natureza de 'conclusões' – qualquer outro critério normativo de decisão - designadamente um critério puramente formal traduzido no número de artigos ou de páginas utilizadas pelo recorrente - que não seja um critério funcional, que faça assentar a decisão na questão de saber se o conteúdo da peça processual apresentada permite ou não realizar as funções que legitimam a exigência de conclusões, sob a cominação de não se conhecer do objecto do recurso, e que são as de determinar claramente as questões em que o recorrente discorda e os fundamentos por que discorda da decisão recorrida bem como a solução que sustenta e os fundamentos da mesma’.
6. Não se indicam no Acórdão recorrido razões de facto que possam ser identificadas como críticas concretas às conclusões oferecidas; e/ou que justifiquem uma afectação total das mesmas, ou que expliquem qual ou quais, se todas ou parte, e por que razão, não realizam a função de determinar claramente as questões por que o recorrente discordava e os fundamentos por que discordava da decisão recorrida bem como as de determinar a solução que sustentava e os fundamentos da mesma;
7. Nem se indicam razões de direito que permitam associar a tais (inexistentes) críticas a conclusão de que ocorre o vício da 'falta de alegações', ou sequer da sua deficiência ou obscuridade.
8. Ocorre, por isso, a nulidade da falta de fundamentação, nos termos da alínea b) do n° 1 do artº 668 do Código de Processo Civil.
9. Norma esta que o Tribunal recorrido interpretou e aplicou em colisão com a norma do artº 205° n° 1 da Constituição.
10. Em consequência, voltou o Tribunal a quo a aplicar a norma do n.º 3 do artº 690º do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (na redacção que releva), de forma formal e materialmente inconstitucional:
- quer porque em desrespeito directo do caso julgado formado pelo douto Acórdão n° 275/99 deste Tribunal Constitucional que lhe impunha a aplicação daquela norma com determinada interpretação,
- quer ainda porque, para o efeito de decidir que certa alegação não contém conclusões – o que implica o não conhecimento do recurso –
voltou a interpretar a norma em causa em termos de considerar relevante um critério baseado exclusivamente na extensão das conclusões formuladas, desatendendo o critério funcional fixado por caso julgado;
- quer também porque voltou a violar o princípio constitucional da proporcionalidade, quando interpretado no sentido de que a consequência prevista na norma em questão do não conhecimento do recurso se não restringe à parte das conclusões que se mostra efectivamente afectada, mas à totalidade das mesmas;
11. E, incorrendo em tais vícios, a consequente decisão foi a do não conhecimento do recurso penal em questão, por falta de conclusões.
12. Apesar de ter procedido e decidido da forma que ficou descrita, o Tribunal a quo pretende ter reformado o seu anterior Acórdão de 30.4.98 de acordo com o caso julgado formado pelo douto Acórdão n.º 275/99 do Tribunal Constitucional;
13. 0 que necessariamente implica que interpretou e aplicou as normas da Lei n° 28/82 de 15 de Novembro, restringindo a um sentido apenas formal, mas não já material, os princípios da obrigatoriedade legal para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões do Tribunal Constitucional (artº 2° da Lei n.º 28/82), e do alcance e dos efeitos do caso julgado constitucional no processo quanto à questão da inconstitucionalidade suscitada (artº 80º n.ºs 1, 2 e 3 do dito diploma), em termos que envolvem um gravoso parcial não acatamento das decisões judiciais, tão mais grave tratando-se de matéria criminal.
14. O eventual trânsito em julgado da decisão recorrida teria, para o ora recorrente, pelo menos as seguintes consequências:
- não ver executada uma decisão do Tribunal Constitucional que lhe aproveita e que faz caso julgado nos autos;
- ver afectada a possibilidade do conhecimento no seu todo de um recurso, sem ver devidamente ou sequer fundamentada a decisão de que todas as conclusões que apresentou na sua alegação se apresentavam afectadas do vício de não realizarem as funções que legitimam a respectiva exigência legal;
- não ter possibilidade de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça para aí ver apreciado o recurso de uma decisão judicial que o afecta;
- não ter possibilidade de poder exercer a garantia do recurso de uma decisão em matéria penal que o condenou em pena de prisão efectiva, deixando de beneficiar do duplo grau de jurisdição;
15. E, por estas razões, a decisão recorrida, ao interpretar e aplicar, pela forma por que o fez, as normas do artº 690º n.º 3 do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Lei n.ºs 329/A/95 e
180/A/96, e subsidiariamente aplicável ao processo penal ainda regido pelo Código de 1929), e as normas dos artºs 2° e 80º n.ºs 1, 2 e 3 da Lei n° 28/82 de
15 de Novembro, na sua actual redacção, colidiu com as normas dos artºs 18° n.ºs
2 e 3, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, e as dos artºs 20º n° 1 e 32° n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
16. Ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artº 20º) e, especificamente, ao prever que 'o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso' (artº 32° n° 1), a Constituição não só assegura que ao arguido sejam facultados todos os meios necessários e adequados para que possa defender a sua posição em juízo, como impede a existência de normas processuais
– ou de interpretações normativas – que se traduzam numa limitação inadmissível ou injustificada das suas possibilidades de defesa.
17. São de considerar inconstitucionais, por violação do disposto no n° 1 do artigo 32° da Constituição, todas as interpretações normativas que se traduzam num 'encurtamento inadmissível', num prejuízo insuportável e injustificável das garantias de defesa do arguido em processo penal; e é justamente a utilização deste critério interpretativo, já fixado pelo Tribunal Constitucional para o caso presente, que o douto Acórdão recorrido deixou de fazer, como era seu mister . Nestes termos, deverá este Tribunal Constitucional determinar que o Supremo Tribunal de Justiça proceda à reforma do Acórdão recorrido nos termos acabados de expor, de acordo com os juízos de inconstitucionalidade que vierem a ser formulados, concedendo provimento ao presente recurso, como é de
JUSTIÇA!!!”
Quanto ao Ministério Público, concluiu assim:
“3.Conclusão Nestes termos e pelo exposto conclui-se:
1º
É inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18°, n.ºs 2 e 3 ( com referência ao direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa) a interpretação normativa do n° 3 do artigo 690° do Código de Processo Civil (na redacção anterior à edição dos Decretos-Leis n.ºs 329-A/95 e 180/96 e subsidiariamente aplicável a processo penal ainda regido pelo Código de 1929) que se traduz em equiparar a falta de concisão das conclusões da alegação do recorrente – valorada em termos de pura extensão material da peça processual que as incorpora – à total omissão de apresentação de conclusões, sem que deva ter lugar a aplicação do princípio da redução dos efeitos da invalidade dos actos processuais à parcela ou segmento dos mesmos que se mostre efectivamente inquinada.
2° Na verdade, decorre de tal princípio da proporcionalidade que as cominações e preclusões decorrentes de uma nulidade ou irregularidade cometida pela parte não deverão exceder o que se mostre necessário e adequado à razão de ser da invalidade, não podendo os efeitos desta ultrapassar a parcela ou segmento do acto processual afectado pelo vício.
3° A excessiva e, porventura, desnecessária prolixidade do recorrente na formulação das conclusões – tendo este diligenciado cumprir o convite, ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido pelo Tribunal, no sentido de sintetizar as inicialmente apresentadas – não deve precludir a apreciação de questões de direito que o recorrente haja conseguido colocar, em termos de aceitável inteligibilidade, à apreciação do Tribunal ‘ad quem’ não sendo esta prejudicada irremediavelmente pelo excesso de argumentação ou fundamentação cometido.
4° Realizando o acórdão recorrido – embora de forma implícita – uma aplicação inconstitucional da norma que integra o objecto do presente recurso, deve o mesmo ser julgado procedente”.
9. Cumpre, então, conhecer do presente recurso, na parte em que o recorrente coloca efectivamente uma questão de constitucionalidade, e em que foi deferida a reclamação (cfr.nº 4 do artigo 77º da Lei nº 28/82), ou seja, no que toca à norma, constante do nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997, na interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
O texto era o seguinte:
Artigo 690º
Ónus de alegar e formular conclusões
1. (...)
2. (...)
3. Quando as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não especifique a norma jurídica violada, o juiz ou o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de não se conhecer do recurso; os juizes adjuntos podem sugerir esta diligência, submetendo-se a proposta à decisão da conferência.
Com efeito, no acórdão nº 184/01 decidiu-se da seguinte forma:
“16. Ora o que o reclamante pretende com o recurso é que seja cumprido o acórdão do Tribunal Constitucional nº 275/99 e revogado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1999, confirmado pelo acórdão do mesmo Tribunal de 17 de Novembro de 1999. E para tal alega que o Supremo Tribunal de Justiça, ao reformar o seu acórdão para dar cumprimento ao acórdão deste Tribunal nº 275/99, voltou a aplicar a norma do artigo nº 690, nº 3 do Código de Processo Civil, na dimensão que este Tribunal julgou inconstitucional e cuja inconstitucionalidade foi por si suscitada. Do que se disse antes decorre que foi isso que aconteceu no processo e, por isso, verificam-se os pressupostos do recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º” da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
“Independentemente de saber se desse modo o Supremo no acórdão recorrido também violou o caso julgado formado pelo acórdão nº 275/99 - e se se verifica, por consequência, também este outro pressuposto do recurso, de conhecimento oficioso
(cfr. os acórdãos do plenário do Tribunal Constitucional, nºs 340/2000, Diário da República, II série, de 9 de Novembro de 2000, p. 18221 ss. e 532/99, Diário da República, II série, de 27 de Março de 2000, p. 5725) -, há que deferir a reclamação.
(...) Pelo exposto, defere-se a reclamação e, em consequência, revoga-se o despacho de indeferimento”.
O Tribunal Constitucional não se pronunciará, portanto, por se tratar de questões subtraídas ao seu poder de cognição, nem das nulidades, nem das violações de preceitos do Código de Processo Civil ou de disposições constitucionais apontadas ao próprio acórdão recorrido no requerimento de interposição de recurso, ou seja:
– da alegada violação, por parte do acórdão recorrido, das “normas dos artºs
668º nº 1 al. d) (1ª parte)” – omissão de pronúncia – “e 690º nº 3 do CPC, na redacção aplicável”;
– da alegada “violação da norma do artº 666º nº 1 do CPC, ex vi dos artºs 732º e
716º do mesmo diploma, e que constitui a nulidade do artº 668º nº 1 al. d), 2ª parte” – excesso de pronúncia;
– da alegada “nulidade a que se refere a al. b) do nº1 do artº 668º do Código de Processo Civil' – falta de fundamentação – “e [da] violação da norma do artº
690º nº 3 do C.P.C.” Finalmente, também se não torna necessário curar de saber se ocorreu ou não violação do caso julgado formado pelo julgamento de inconstitucionalidade (e nesse sentido se interpreta a afirmação do recorrente de que “o S.T.J. violou o disposto nos artºs 2º e 80º, nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro”). Como se julgou no acórdão nº 184/00, a reclamação foi deferida por se verificarem “os pressupostos do recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º” da Lei nº 28/82, “independentemente de saber se”, ao voltar a aplicar o nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil na dimensão julgada inconstitucional, “o Supremo no acórdão recorrido também violou o caso julgado formado pelo acórdão nº 275/99 – e se se verifica, por consequência, também este outro pressuposto do recurso, de conhecimento oficioso”. Note-se que, nas alegações (de fls.2211 e segs.), o recorrente, ao definir o objecto do recurso, inclui nele, para além da norma do nº 3 do artigo 690º:
– “a da alínea b) do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil (...) por ter sido interpretada e aplicada contrariando o disposto no artº 205º da Constituição da República Portuguesa;
– “a do artº 2 º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, por ter sido interpretada e aplicada contrariando o disposto nas normas dos artºs 18º, 20º e 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa”;
– a do artº 80º nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por ter sido interpretada e aplicada também em colisão com o disposto nos artºs 18º, 20º e
32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa”. Ora nenhuma destas normas vai ser apreciada, como se disse. No que respeita à norma contida na alínea b) do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil, desde logo porque o sentido com que foi referida no requerimento de interposição de recurso foi o de fundamentar a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação, e não este. Quanto às demais, porque o sentido útil com que são referidas só pode ser o de sustentarem a alegação de desrespeito pelo julgamento de inconstitucionalidade formulado no acórdão nº 275/99.
10. Como se observou já no acórdão nº 184/2000 deste Tribunal, o Supremo Tribunal de Justiça, não obstante ter sido julgada inconstitucional a norma que, no acórdão de fls. 1921, extraíra do nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, voltou a aplicá-la no acórdão de fls. 2006, mediante o qual se propôs executar o julgamento de inconstitucionalidade. Com efeito, este acórdão, agora recorrido, considerou que, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável ao caso, faltavam as conclusões da alegação do recorrente porque ele não conseguiu, no texto apresentado para o efeito, “resumir os fundamentos do recurso, ou as razões do pedido a que se reporta, hoje, o art. 412º nº 1 do CPP, com o fim de proporcionar ao tribunal ad quem uma maior facilidade e rapidez na apreensão dos referidos fundamentos ou razões”. O Supremo Tribunal de Justiça voltou, pois, a entender que o critério definido por aquela norma era um critério quantitativo – o que releva é a extensão das conclusões, a sua aptidão para permitir uma leitura breve e rápida das razões do recorrente –, e não um critério funcional, único que, no julgamento constante do acórdão nº 275/99 deste Tribunal, é conforme com os princípios decorrentes dos artigos 20º e 32º, nº 1, da Constituição. Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça não pode proceder à restrição da decisão de não conhecimento do recurso à parte correspondente às conclusões que se revelassem incapazes de preencher a sua finalidade. O acórdão recorrido aplicou, portanto, a norma constante do nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à que resultou do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, norma subsidiariamente aplicável a processo penal regido pelo Código de Processo Penal de 1929, no sentido de que “para o efeito de decidir que certa alegação não contém conclusões – o que implica o não conhecimento do recurso –, ela se interpreta em termos de considerar relevante um critério baseado exclusivamente no número das conclusões formuladas ou das páginas por ela ocupadas” (acórdão nº 275/99). Ora esta norma foi julgada inconstitucional no mesmo acórdão nº 275/99, “por violação dos artigos 20º e 32º, nº 1, da Constituição”; e é a esse julgamento de inconstitucionalidade que agora se recorre para conceder provimento ao presente recurso.
Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade formulado no acórdão nº 275/99, proferido nestes autos.
Lisboa, 4 de Dezembro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa