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Proc. nº 167/01
1ª Secção Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. M... intentou, no Tribunal de Círculo de Coimbra, acção ordinária de condenação contra CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA..., CRL, pedindo, além do mais, a condenação desta Ré no pagamento da quantia de 10.000.000$00.
Por acórdão de 10 de Dezembro de 1998, o Tribunal de Círculo de Coimbra julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré do pedido contra ela formulado.
Não se conformando com esta decisão, o recorrente interpôs recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Por acórdão de 14 de Dezembro de 1999, a Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso de apelação interposto e confirmou a sentença recorrida.
2. Novamente inconformado, o recorrente interpôs então recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nas suas alegações, suscitou a questão de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 653º, nº 2, e 655º, nº
1, do Código de Processo Civil.
Aí afirmou:
[...] lê-se na decisão recorrida:
O n. 2 do art. 653º do Código de Processo Civil comete ao colectivo
(e ao juiz singular) que especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e não que demonstre nesses fundamentos que a resposta teria de ser aquela. Isto porque a convicção que releva é a do julgador, como decorre do nº 1 do artigo 655º do Código de Processo Civil.
Salvo o muito e devido respeito, não pode o recorrente concordar com o douto entendimento assim vertido no acórdão recorrido.
De facto, no normativo em apreço verificamos a existência de três comandos, em sede de apreciação factual, aos quais se subordina a actividade do julgador:
1- fixar os factos provados e não provados;
2- discussão crítica das provas;
3- especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção.
Assim, desde logo, a actividade crítica que incumbe ao julgador efectuar sobre os meios de prova não permite extrair do normativo em análise a conclusão perfilhada na decisão recorrida. Se é certo que o momento da convicção
última do julgador é virtualmente insindicável, impõe-se-lhe todavia a preceder tal momento, um processo lógico e crítico, esse sim sindicável, que justamente justifica a possibilidade de esse último momento, o da convicção, diremos intuitivo.
[...]
Num estado de direito democrático a actividade judicativa não é voluntarista e/ou autocrática. Pelo contrário, a mesma constitui o último reduto de agregação dessa mesma comunidade obstando assim à anomia.
O que acaba de ser exposto tem, aliás, directa consagração constitucional. Assim, o art. 205º, 1 C.R.P. exige que as decisões judiciais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas, do mesmo modo que o princípio de estado de direito democrático plasmado no art. 2º C.R.P. impõe o respeito pelo princípio da confiança nas decisões e actividades dos Tribunais.
Só deste modo, aliás, pode o princípio da proibição da autotutela plasmado no art. 1º C.P.C. adquirir pleno sentido e, sobretudo, o respeito e geral aceitação dos membros da comunidade a que se dirige.
Entende, porém o Venerando Tribunal da Relação que a fundamentação cumpre o preceito legal (art. 653º,2 ), encontrando-se ainda em consonância com o disposto no art. 655º do mesmo código. Mas será assim?
Será que o legislador ao consagrar tais comandos pretendeu com os mesmos “abrir a porta” à ocorrência de decisões em matéria de facto que plasmem o absurdo, a coberto da convicção do julgador?
Será que o legislador ao proceder por tal forma entendeu assim salvaguardar a confiança, que urge acautelar, dos cidadãos no aparelho judiciário?
[...] entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que a fundamentação se encontrava conforme à lei, Ou seja, que a lei prevê, ou, ao menos, não reprime, a consagração de factos absurdos.
[...]
Deste modo, urge igualmente concluir que os arts. 653º, 2 e 655º, 1 C.P.C. são inconstitucionais na interpretação que lhes foi dada, explicitamente, no douto acórdão ora recorrido, por violação dos princípios da confiança, contido no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2º C. R. P., bem como por violação do princípio da fundamentação das decisões judiciais ínsito no art. 205º, 1 C.R.P.
Por acórdão de 3 de Outubro de 2000, o STJ negou a revista pretendida, tendo, no tocante à questão de inconstitucionalidade suscitada, entendido o seguinte:
Como é bem sabido, nos termos do art.º 729º do C.P.C. o Supremo aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado, e só pode alterar a matéria de facto no caso excepcional do art.º 722º do C.P.C. “haver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Foi nessa conformidade e nesse pressuposto que o acórdão recorrido decidiu não se podendo, assim, aceitar a tese do recorrente de que houve omissão de pronúncia referida no art.º 668º n.º 1 d) do C.P.C..
Na jurisprudência crítica que compete a este Supremo Tribunal se acentuará que os factos dados como provados se não encontram em contradição com o conteúdo dos documentos que o recorrente aponta (art.º 712º, 264º e 664º do C.P.C.) e, por outro lado, nada há na lei que proíba a produção da prova testemunhal efectuada no processo (cfr. art.º 392º do C.P.C.).
Tal significa, além do mais, que não pode vir agora o recorrente com a pretensão de ver alterada a interpretação, boa ou má, levada a cabo pelos julgadores, segundo a sua intima convicção, não tendo, assim, havido violação do preceituado nos art.ºs 653º n.º 2 e 655º n.º 1 do C.P.C., nem são estes preceitos inconstitucionais, na interpretação que lhes foi dada nas instâncias, por violação do princípio da confiança contido no Estado de Direito Democrático consagrado no art.º 2º da C.R.P. e do princípio da fundamentação das decisões judiciais estabelecido no art.º 205º nº 1 da C.R.P..
3. O recorrente pediu então esclarecimentos desse aresto, nos termos do disposto no artigo 669º, nº 1, alínea a) do CPC.
Indeferido esse pedido, pelo acórdão proferido em conferência de 28 de Novembro de 2000, veio o recorrente então arguir diversas nulidades do acórdão em causa, aí suscitando a inconstitucionalidade de diversas normas. Assim, e como se pode ler no seu requerimento, em primeiro lugar, relativamente
às normas constantes dos artigo 722º e artigo 729º do CPC:
O que não faz nenhum sentido e é por isso contraditório é que no acórdão cujas nulidades aqui se assinalam se diga que a Relação não teria que tomar conhecimento de questões a si submetidas, em matéria de facto, porquanto o Supremo Tribunal de Justiça não pode das mesmas conhecer a não ser no apertado condicionalismo do art. 722º C.P.C.. Tal contradição encaixa-se na previsão da alínea c) do nº 1 do art. 668º C.P.C., razão pela qual é o acórdão nulo.
Salvaguardando a possibilidade académica de diverso ser o entendimento de Vossa Excelência, então as normas dos arts. 722º e 729º C.P.C., na interpretação que lhes foi dada, ofendem intoleravelmente os princípios da protecção da confiança, segurança jurídica, bem como o princípio do processo justo, ínsitos na protecção do Estado de Direito Democrático, acautelados nos arts. 2º, 20º, 4 C.R.P.; e 6º, 1 C.E.D.H., inconstitucionalidade essa que, por mera cautela, igualmente se invoca.
Em seguida, no tocante ao artigo 712º do CPC, afirmou:
Ora, parece ser de novo clara a contradição existente no acórdão. Assim, após terem sido fixados os poderes de cognição do Tribunal da Relação de acordo com as normas que regulam os poderes de cognição do S.T.J., surge no acórdão, quanto aos poderes de cognição do S.T.J., a remissão para o art. 712º C.P.C., o qual fixa os poderes de cognição do Tribunal da Relação. Também por esta via, pois, se encontra violado o disposto no art. 668º, 1, c) C.P.C..
Salvaguardando a possibilidade académica de diverso ser o entendimento de Vossa Excelência, então a norma do art. 712º C.P.C., na interpretação que lhe foi dada, ofende intoleravelmente os princípios da protecção da confiança, segurança jurídica, bem como o princípio do processo justo, ínsitos na protecção do Estado de Direito Democrático, acautelados nos arts. 2º, 20º, 4 C.R.P.; e 6º, 1 C.E.D.H., inconstitucionalidade essa que, por mera cautela, igualmente se invoca.
Seguiram-se as normas dos artigo 264º, nº 2, e artigo nº
664º, do CPC, nos termos seguintes:
Por mera cautela, as normas dos arts. 264º, 2 e 664º C.P.C., interpretadas no sentido que o Tribunal pode corrigir eventuais deficiências lógicas e invocação de factos fundamentais à procedência das pretensões deduzidas pelas partes, é inconstitucional por violação do princípio da confiança, consagrado no princípio do Estado de Direito Democrático do art. 2º C. R. P., assim como e igualmente surgem como violadoras do princípio do processo justo tal como o mesmo surge estribado nos arts. 20º, 4 C.R.P. e 6º, 1 C.E.D.H..
E, por fim, apontou ainda as normas dos artigos 158, nº 1 e
668º, nº 1, alínea b), do CPC:
[...] as normas dos arts. 158º, 1 e 668º, 1, al. b) C.P.C. por si e interpretadas no sentido de apenas a completa ausência de fundamentação conduzir
à nulidade da respectiva decisão, são inconstitucionais por violação dos princípios da confiança, do Estado de Direito democrático “in totum”, da fundamentação das decisões judiciais e do processo justo, tal como os mesmos resultam consagrados nos arts. 2º; 205º, 1; 20º, 4 C.R.P. e art. 6º do Tratado de Roma (no actual articulado) e 6º, 1 C.E.D.H. aplicáveis ex vi arts. 16º, 1 e
8º, 1 C.R.P..
4. O STJ, por acórdão em conferência de 30 de Janeiro de
2001, decidiu pela improcedência das nulidades suscitadas, entendendo o seguinte:
Já em relação ao esclarecimento que o recorrente pediu nos termos do art.º 669º n.º 1 a) do C.P.C. se decidiu por acórdão de fls. 282 que a decisão que proferimos está correcta quer no ponto de vista da matéria de direito, quer no ponto de vista da matéria de facto.
Tal significa, em suma, que não há contradição entre os fundamentos da decisão e o decidido, nem, consequentemente, qualquer ofensa aos princípios da protecção da confiança, segurança jurídica e processo justo acautelados nos art.ºs 2º e 204º da C.R.P. e 6º e 1º do C.E.D.H., nem inconstitucionalidade nessa medida.
5. O recorrente, sempre inconformado, interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, para apreciação das questões de inconstitucionalidade relativas às normas constantes dos artigos 653º, nº 2, 655º, nº 1, 722º, 729º,
712º, 264º, nº 2, 664º, 158º, nº 1 e 668º, nº 1, alínea b), todos do CPC.
Admitido o recurso, subiram os autos a este Tribunal, onde foi elaborada pelo relator decisão sumária no sentido de não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 653º, nº 2, e 655º, nº 1, do CPC e do não conhecimento do recurso, relativamente às restantes normas, decisão essa com o seguinte teor, quanto à primeira das mencionadas questões:
6. A primeira questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente é a das normas constantes dos artigos 653º, nº 2 e 655º, nº 1, do CPC, quando interpretadas no sentido de não imporem ao julgador a explanação do processo lógico que fundamentou a sua decisão, por violação do princípio da fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artigo 205º, nº 1, da Constituição, e do princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático, previsto no artigo 2º da Lei Fundamental.
Este Tribunal já teve oportunidade de apreciar as normas em causa, confrontadas com o artigo 205º, nº 1, da Constituição, nomeadamente nos Acórdão nº 310/94 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º vol., págs. 909 e segs.) e Acórdão nº 422/99 (Diário da República, II Série, de 29 de Novembro de 1999), pronunciando-se pela conformidade constitucional dessas normas.
Como se pode ler no citado Acórdão nº 310/94:
Na concretização da obrigação de fundamentação das respostas aos quesitos, deve o legislador ter em conta, dentro da lata margem de liberdade que lhe assiste, as funções que a fundamentação visa assegurar.
Segundo o Acórdão deste Tribunal nº 55/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 1985), a fundamentação dos actos jurisdicionais (decisões judiciais), em geral, cumpre duas funções:
a) Uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permite
às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
b) Outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente
às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a «transparência» do processo e da decisão [cfr. Michel Taruffo, Note sulla garantizia costituzionale della motivazione, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LV (1979), p. 29 ss.].
9. Ora, tendo em conta o sentido e alcance que vem de ser exposto do dever de fundamentação das decisões dos tribunais, plasmado no artigo 208º, nº
1, da Lei Fundamental, deve entender-se que a norma do artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, que determina que o acórdão do tribunal colectivo especificará, quanto aos factos questionados que julgue provados, «os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador», e, bem assim, a norma do nº 3 do artigo 712º do mesmo Código, que estatui que as respostas aos quesitos devem conter, como fundamentação, «a menção pelo menos dos meios concretos de prova em que haja fundado a convicção dos julgadores», não violam aquele preceito constitucional. E não o violam, precisamente porque a modalidade de fundamentação prevista naquelas duas normas cumpre minimamente as funções endoprocessual e extraprocessual que constituem a sua razão de ser.
Como suporte da solução de não inconstitucionalidade das normas objecto do presente recurso de constitucionalidade podem ainda ser avançadas mais algumas razões. A primeira é a de que, na concretização da imposição constitucional da obrigação de fundamentação das respostas aos quesitos, não pode o legislador deixar de estar condicionado pela lógica do sistema da oralidade. Na verdade, como referiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de
23 de Fevereiro de 1978, é o artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil que obriga a especificar os fundamentos decisivos da convicção do tribunal, mas é o no artigo 712º, nº 3, do mesmo Código que 'se esclarece qual seja, no mínimo, a extensão dessa obrigação, mais exactamente, em que consiste e o que abrange a fundamentação. Aí se diz, com efeito, que só no caso de não se mencionarem os meios concretos de prova poderá mandar-se que o tribunal de primeira instância os mencione, fundamentando, assim, as respostas, para o que, se necessário, repetirá a produção dos meios de prova que interessem à fundamentação.
Parece, assim, que na fundamentação, não é essencial a referência à prova produzida, o que está na lógica do sistema da oralidade; se a prova não se reduz a escrito, não pode obrigar-se, depois, o tribunal, de qualquer modo, a resumir ou extrair duma prova os elementos fundamentais e prevalecentes. A lei é clara ao referir-se aos meios concretos de prova, não à prova produzida.
Mas os meios concretos de prova, só por si, quando se trate de prova testemunhal, pouco nos dizem. Parece que o Tribunal deve esclarecer porque é que esses meios de prova determinam a sua convicção, isto é, deve referir os elementos que, em sua opinião, deram força bastante àqueles meios probatórios, ou seja, no caso de testemunhas a razão de ciência do seu conhecimento dos factos. E, por isso, se na fundamentação se diz que as testemunhas assistiram aos factos, são vizinhas das partes, são familiares, etc., está-se, de certo modo, a referir a origem daquele conhecimento, cumprindo-se, assim, no mínimo, a obrigação de fundamentação das respostas do tribunal' [cfr. Colectânea de Jurisprudência,Ano III, Tomo 2 (1978), p. 604 ss.].
Não se vislumbram razões para alterar esta orientação do Tribunal, tanto mais que, como se salientou no citado Acórdão 422/99, naquele aresto transcrito se apreciou a norma na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 39/95, quando a norma ainda se mostrava, em sede de fundamentação, menos exigente do que aquela que resultou do mencionado diploma, e cuja versão está agora em apreciação, tal como no Acórdão nº 422/99.
Menos ainda se descortina qualquer violação do princípio da confiança, tanto mais que o próprio recorrente não indica como se consubstanciaria tal violação.
Conclui-se, pois, pela conformidade constitucional dos preceitos normativos constantes dos artigos 653º, nº 2 e 655º, nº 1, do CPC.
6. Inconformado com esta decisão, o recorrente veio apresentar reclamação da mesma, na qual começou por desistir das restantes questões de constitucionalidade suscitadas, com excepção da relativa às normas constantes dos artigos 653º, nº 2, e 655º, nº 1, do CPC, por violação dos princípios constitucionais da fundamentação das decisões judiciais e da protecção da confiança.
Assim, relativamente à pretendida violação do princípio da fundamentação das decisões judiciais, afirmou o seguinte:
A decisão reclamada remete, em geral, para o decidido no Ac. 310/94
(publicado em Acs. Tribunal Constitucional, 27º vol., ps. 909 e ss.).
Tal acórdão na opinião dos reclamantes, a qual parece ser comungada pelo Venerando relator, constitui a decisão que traça a linha mestra quanto ao dever de fundamentação das decisões judiciais.
Na verdade, aí se explanam as duas dimensões do dever de fundamentação das decisões judiciais.
Na verdade, aí se explanam as duas dimensões do dever de fundamentação (endoprocessual e extraprocessual), de ambos extraindo as respectivas exigências (e no que ao caso reporta) em matéria lógica.
Procurando evitar anteriores dissabores, os reclamantes de novo isolarão a alegação da recorrida produzida na contestação que (por força do princípio dispositivo) conduziu à formulação dos quesitos 11º e 12º:
14º
Para o A. proceder à aquisição dos supra referidos prédios entregou-lhe a Ré o valor dos preços ou seja 3.050.000$00. (sublinhado nosso)
15º
Assim como a quantia de 1.179.198$00 para as despesas de registo, sisa e outros relativos à transacção.
16º
Tendo creditado na conta nº 668.0.003 do A. a quantia de
4.229.198$00. (Doc. 1)
O então documento 1 junto pela R. para demonstrar a verdade do que afirmava, constitui extracto bancário assinalando um movimento a crédito do reclamante operado em 28/12/94.
Os factos provados no nº 2 assinalam a compra dos prédios pelo A. em
1993.
Parece pois que, ainda que possa não ser reconhecida qualquer razão ao reclamante, os termos em que coloca o problema são verdadeiros. Ou seja, neste processo, foi provado que alguém recebeu dinheiro em 1994 o qual gastou em
1993.
Desde tal momento, obviamente infeliz em matéria de consagração probatória, os recorrentes, por estilo reconhecem talvez demasiado aguerrido, têm procurado mostrar que tal não é possível.
Voltando à questão nesta sede abordada, parece claro que o problema não está, em si, na formulação das normas colocadas em crise, mas antes no seu bom ou mau uso, ou no caso interpretação dada pelos sucessivos Tribunais.
Postas as coisas de outro modo, a norma do art. 653º, 2 C.P.C. destina-se a assegurar que numa dupla vertente (como se referiu no acórdão que serve de orientação à decisão reclamada e à presente reclamação) as decisões judiciais sejam o mais convincentes possível. Tal grau de persuasão dirige-se não só aos operadores judiciários, como às partes, como também e não menos importante á comunidade heterotutelada. Quando cumprida, tal norma assegura que o julgamento e apuramento dos factos o foi pelo modo mais perfeito possível.
[...]
Do mesmo modo, é impensável que esse venerando Tribunal, quando produziu o acórdão em que os reclamantes se louvam e julgam aliás merecedor do mais amplo apreço, possa sequer ter cogitado a possibilidade de uma formação tão pouco densa para tais artigos que permita a possibilidade legal de prova nos tribunais de factos impossíveis.
Como bem se assinalou no referido Ac. 310/94, o art. 653º, 2 C.P.C., impõe ao juiz um momento de controle crítico da lógica da decisão, assim como o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão – que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a “transparência” do processo e da decisão.
Tais momentos não existiram, de todo, quanto a estes factos pelo que o que os recorrentes vêm ansiando, não constitui qualquer alteração da linha jurisprudencial desse Venerando Tribunal. Pelo contrário, é precisamente a sua constância, nos termos formulados no Ac. 310/94, o que almejam.
Com salvaguarda do devido respeito, as normas dos arts. 653º, 2 e
655º, 1 C.P.C., na interpretação que lhes vem sendo dada, negligenciam o respeito pela lógica e esta entendida quer sob uma perspectiva formal, quer sob uma perspectiva material e naturalística, entrando deste modo em choque com o princípio da fundamentação das decisões judiciais consagrado no art. 205º, 1 CRP.
[...]
E, no tocante à violação do princípio da confiança, após citar Gomes Canotilho e apoiando-se na doutrina do Acórdão nº 237/98, entendeu o recorrente:
Sendo estes os traços que marcam a violação do princípio da confiança, parece reclamantes impossível não concluir que as normas dos arts.
653º, 2 e 655º, 1 C.P.C., interpretadas no sentido em que o foram, ou seja como permitindo aos Tribunais a prova de factos ilógicos e impossíveis, violam de forma intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada aquelas exigências de confiança, certeza e segurança que são dimensões essenciais do princípio do Estado de direito.
A entidade recorrida não apresentou qualquer resposta.
Cumpre, então, decidir.
II – FUNDAMENTOS
7. O próprio reclamante restringiu o objecto da presente reclamação às normas constantes dos artigos 653º, nº 2 e 655º, nº 1, do CPC, pelo que, em relação às restantes normas indicadas no requerimento de recurso, a decisão ora reclamada se fixou, nada mais havendo a decidir.
No tocante às normas impugnadas, como resulta de forma clara da argumentação do recorrente, este continua na presente reclamação, a insurgir-se – porque discorda – contra a forma como a decisão recorrida efectuou a avaliação das provas ou dos factos provados, o que não é, de todo, objecto de um recurso de constitucionalidade. O que pretende, na verdade, é um recurso de amparo, para reparação de uma situação que considera injusta ou atentatória de direitos, mas que é um instituto não existente na nossa ordem jurídico-constitucional.
Ou seja, o reclamante não contesta verdadeiramente uma norma numa determinada interpretação, mas antes a forma como tal norma foi aplicada nos autos.
E o recurso de constitucionalidade não tem por objecto a apreciação dos factos dados como provados na decisão recorrida, não podendo de forma alguma sindicar as instâncias nesse domínio, apenas tendo por objecto a apreciação da questão de inconstitucionalidade de normas ou da respectiva interpretação; ora, de todo, não é o que se verifica no caso presente, pelo que a presente reclamação não possui fundamento.
III – DECISÃO
8. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão sumária que julgou não inconstitucionais as normas constantes dos artigos 653º, nº 2 e 655º, nº 1, do CPC.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UC’s.
Lisboa, 20 de Novembro de 2001 Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa