Imprimir acórdão
Processo n.º 293/01
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional, I. Relatório
1. Notificado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2001, que decidiu 'não atender o requerimento apresentado pelo recorrente A..., não apenas pela sua inconclusão quanto ao pretendido, mas sobretudo porque lhe não assiste qualquer razão', quer na (eventual) invocação de nulidades do anterior acórdão do mesmo Tribunal de 13 de Dezembro (que indeferiu o seu requerimento de reforma do anterior acórdão desse tribunal de 19 de Outubro de 2000), quer na suscitação da inconstitucionalidade da condenação em custas e da falta de fundamentação, veio aquele apresentar recurso dirigido ao Tribunal Constitucional para apreciação, 'ao abrigo do disposto no art. 70º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro':
'1. Das normas que se presume extraídas dos art. 446º, n.º 1, do CPC, e 16º do CCJ.
(...)
2. Da norma que se presume extraída do art. 669º, n.º 2, al. b), do CPC.
(...)
3. Da norma que se presume extraída do art. 668º, n.º 3, primeira parte, conjugada com a do art. 3º, n.º 1, do CPC.
(...)
4. Da norma que se presume extraída das disposições conjugadas dos n.º 2 e 3 do art. 670º do CPC,' No tribunal a quo, o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade foi indeferido, por ser tido como 'manifestamente infundado.'
2. Veio então o recorrente apresentar reclamação para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, logo notificando a parte contrária, S... e outros, nos termos dos artigos 229º-A e 260º-A do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto. Respondendo, nos termos do disposto no artigo 688º, n.º 4 do Código de Processo Civil, vieram estes invocar que o reclamante 'não deu cumprimento ao disposto no n.º 1 do art. 75-A, da Lei n.º 28/82', nem suscitou qualquer questão de constitucionalidade 'durante o processo', concluindo que 'do que o recorrente discorda é das decisões do Supremo Tribunal de Justiça'. Entretanto, também o Exmo Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal se pronunciou considerando a reclamação manifestamente improcedente relativamente
às quatro questões de constitucionalidade referidas pelo reclamante:
· em relação às duas primeiras questões, por não ter especificado 'de forma clara e inteligível, qual o concreto sentido ou interpretação normativa de tais preceitos que considera padecer de inconstitucionalidade (...) que em si mesmos, objectivamente considerados, é evidente e inquestionável que não afrontam qualquer princípio da Lei Fundamental (...)';
· em relação às duas restantes, porque 'não foi feita a interpretação especificada pelo recorrente' (sendo a última, para mais, 'manifestamente infundada'). II. Fundamentos
3. Mais do que controlar a correcção da fundamentação da decisão de não admissão de recurso proferida no tribunal a quo, importa na presente reclamação verificar se quando foi proferida estavam preenchidos os requisitos que permitiam a admissão deste – cfr., v.g., o Acórdão n.º 178/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995, e o Acórdão n.º 641/99, ainda por publicar (onde se escreveu: 'destinam-se as reclamações sobre não admissão dos recursos intentados para o Tribunal Constitucional a verificar a eventual preterição da devida reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade, em sede de recurso de constitucionalidade. Mais do que apreciar a fundamentação do despacho de indeferimento do recurso, há, pois, que verificar o preenchimento dos requisitos de recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor'). Ora, tendo o recurso sido intentado ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, têm de estar preenchidos, entre o mais, os seu requisitos específicos: suscitação pelos recorrentes de uma inconstitucionalidade normativa durante o processo; utilização da norma impugnada como ratio decidendi da decisão recorrida; prévio esgotamento dos recursos ordinários. Vejamos então.
4. Em relação às 'normas que se presume extraídas dos art. 446º, n.º 1, do CPC, e 16º do CCJ', que o ora reclamante admite terem 'sido aplicadas nas decisões tributárias de ambos os Acórdão recorridos, não obstante estas não apresentarem fundamentação de direito.', não foi apresentada, como referido pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, uma qualquer interpretação que, em caso de juízo de desconformidade constitucional, pudesse ser enunciada na decisão a proferir 'por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptada, por ser incompatível com a Lei Fundamental', como se escreveu no já citado Acórdão n.º 178/95, que remete, neste ponto, para o Acórdão n.º 367/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994. Aliás, tendo em conta que o próprio reclamante remete para duas condenações em custas (em 'ambos os Acórdãos recorridos'), mesmo o sentido que se poderia tentar extrair do requerimento apresentado subsequentemente à decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000 (o de que o requerimento de reforma ao abrigo do artigo 669º do Código de Processo Civil não constitui incidente) – sustentado na premissa de que só estes 'incidentes', assim entendidos, seriam objecto de condenação em custas, como implicitamente foi referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2001 – seria totalmente inadequado
à condenação em custas operada neste aresto, uma vez que já não estava aí em causa tal requerimento de reforma. Ora, para se poder formular um qualquer juízo de inconstitucionalidade em relação a uma certa interpretação de um qualquer preceito legal – e é uma dimensão ou interpretação normativa, 'extraída' dos citados artigos, o que se impugna –, tem de se indicar um sentido que seja possível referir ao teor verbal de tal preceito e que tenha sido aplicado na decisão recorrida. No caso sub iudicio, porém, o reclamante não identificou esse sentido, pelo que não se pode apurar se ele foi ou não aplicado na decisão recorrida – e, consequentemente, não se pode conhecer, em recurso, da sua conformidade constitucional.
5. Quanto à 'norma que se presume extraída do art. 669º, n.º 2, al. b), do CPC', também não foi apresentada a interpretação tida por desconforme à Constituição. Nos únicos passos em que, no requerimento subsequente ao Acórdão de 13 de Dezembro de 2000, o reclamante se pronuncia sobre a questão, o que está em causa
é a aplicação da norma ao caso – 'a norma extraída do art. 669º n.º 2 al. b)
(...) segundo a qual a demonstração da tomada em consideração dos documentos e elementos constantes do processo (...) se satisfaz com a reafirmação de ‘que o foram, apenas e tão-só na medida em que revestem interesse para a decisão do recurso’, quando a decisão de recurso foi tomada no pressuposto declarado de que tais elementos não existiam (...) ou eram outros que não os existentes' –, o que, em qualquer caso, não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar, já que tem a ver com a boa ou má aplicação do direito infra-constitucional, e não com a constitucionalidade da interpretação da norma, que, de resto, nem foi controvertida: prevê a possibilidade de pedir reforma da sentença nos casos aí previstos, e foi admitido esse pedido de reforma (embora tivesse sido depois indeferida a reforma). O mesmo se diga do modo como, nas conclusões do mesmo requerimento, se refere uma suposta interpretação de tal norma no acórdão de 13 de Dezembro de 2000:
'nele aplicada para se bastar com a afirmação genérica de que os elementos de facto foram considerados.' Nem tal constitui forma adequada de suscitar uma questão de constitucionalidade normativa com ela relacionada, nem constitui o enunciado de qualquer interpretação dessa norma, mais se aproximando da que regula a fundamentação das decisões jurisdicionais – artigo 158º do Código de Processo Civil, como acaba por se reconhecer na reclamação dirigida a este Tribunal: 'Também a indicada inconstitucionalidade da interpretação feita do disposto no art. 669º, n.º 2, al. b) do CPC, se encontra devidamente fundamentada na violação da garantia constitucional da fundamentação das decisões dos tribunais (...)'. Só que se a violação é essa, é a interpretação dessa outra norma que o consente, e dela não se pode conhecer porque não foi impugnada.
6. Em relação à norma que se 'presume extraída do art. 668º, n.º 3, primeira parte, conjugada com a do n.º 3, n.º 1, do CPC', o reclamante apresentou uma interpretação alegadamente feridente da Constituição, traduzida em 'o requerimento de arguição de nulidades não se basta[r] com a respectiva reclamação, antes exigi[r] requerimento formulado nos termos do art. 3º, n.º 1 do CPC'. Ora, como foi observado pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, o que o tribunal a quo fez foi entender 'que certa peça processual do reclamante não traduzia formulação adequada e inteligível de qualquer pretensão a que o Tribunal devesse dar resposta (matéria obviamente estranha aos poderes cognitivos deste TC): ou seja, não foi feita a interpretação especificada pelo recorrente, já que não se operou qualquer distinção ou dissociação entre a
‘arguição’ e a ‘reclamação’ de uma nulidade.'
7. Em relação à 'norma que se presume extraída das disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do art. 670º do CPC' foi adiantado um sentido interpretativo
(supostamente constitucionalmente desconforme), traduzido em se considerar que
'o prazo para arguir nulidade de sentença se esgota antes de decorrido o prazo para reclamar da decisão sobre pedido de reforma da mesma'. Só que, como notou o Ministério Público, 'é também evidente que não se efectivou a interpretação normativa especificada pelo recorrente, distinguindo e dissociando os prazos para ‘arguir nulidades’ e para ‘reclamar da decisão sobre o pedido de reforma’: o acórdão limita-se a afirmar que as - aliás, insubsistentes - ‘nulidades’ invocadas pelo reclamante estão há muito - e desde logo - precludidas'. Recorde-se que isto se escreveu no Acórdão de 1 de Março de 2001 em relação ao Acórdão de 19 de Outubro de 2000 e entretanto já fora proferido o Acórdão de 13 de Dezembro de 2000. E logo por este motivo, a invocação do Acórdão n.º
485/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 4 de Janeiro de 2001, não aproveita ao reclamante. De resto, como acrescenta o Ministério Público, tal questão sempre seria de considerar 'manifestamente infundada' já que nada, na Lei Fundamental,
'permitiria legitimar' a sucessiva suscitação e renovação pelas partes de incidentes pós-decisórios (e importando notar que, antes de invocar as ditas
'nulidades', o recorrente havia apresentado um novo pedido de reforma - a p. 834
- 'renovando' e 'insistindo' nas teses iniciais, a que o Supremo havia precisamente negado procedência)'.
8. Passadas em revista as normas impugnadas constata-se, pois, que, ou não houve adequada identificação do sentido a aferir perante o texto constitucional, ou tal sentido identificado foi estranho às decisões de que se pretendeu recorrer. Em qualquer dos casos falha, pelo menos, um dos requisitos do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor – a suscitação pelo recorrente de uma inconstitucionalidade normativa identificável e inteligível durante o processo, ou a utilização, como ratio decidendi nas decisões recorridas, de um certo sentido normativo dito constitucionalmente desconforme. Pelo que, ainda que tivesse sido admitido no tribunal a quo, o presente recurso sempre seria de não admitir neste Tribunal (não como recurso 'manifestamente infundado', mas) por faltarem algum, ou alguns, requisitos de admissibilidade. Conclui-se pois que, embora por motivos diferentes dos que estiveram na base da não admissão do recurso no tribunal a quo, não pode conhecer-se do recurso de constitucionalidade pretendido interpor. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação e condena-se o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 26 de Setembro de 2001 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa