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Processo 448/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, na Conferência da 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
1. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 18 de outubro de 2012, negou a revista do acórdão da Relação de Coimbra que negara provimento ao recurso interposto da sentença que julgara procedente a ação que A. intentara contra B. e mulher C. e improcedente o pedido de condenação da Autora (reconvinda) no pagamento da quantia de €5000, pela constituição da servidão de passagem, nos termos do art.º 1554.º do Código Civil.
Os réus (então recorrentes e agora reclamantes) interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82 (LTC) pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 1554.º do Código Civil (por lapso evidente, o requerimento de interposição indica o artigo 1545.º), considerando que o direito à indemnização aí prevista, lhes deveria ser concedida, “sob pena de se estar a coartar a igualdade material das partes”.
2. No Supremo Tribunal de Justiça foi proferido despacho do seguinte teor:
Fiquem nos autos o requerimento de fls. 639, o qual será oportunamente tido em consideração.
Não admito o recurso para o Tribunal Constitucional, pelas razões apontadas pela recorrida no seu requerimento de fls. 642 e seguintes.
Nomeadamente as apontadas nos nºs 2 e 3 a fls. 643.
Note-se que os recorrentes parecem querer significar que houve uma decisão surpresa que não lhes permitiu alegar a inconstitucionalidade. Não é assim. Com efeito, a Relação limitou-se a confirmar a decisão, sendo certo que na apelação nada se refere sobre a inconstitucionalidade em causa.
Custas pelos recorrentes.
3. Os recorrentes reclamam deste despacho, ao abrigo do n.º 4 do art.º 76.º da LTC, com fundamento em que não puderam suscitar anteriormente a questão da constitucionalidade “uma vez que a interpretação dada ao artigo invocado estava fora da expectativa aplicação”.
A recorrida pugna pelo indeferimento da reclamação, no essencial, pelas razões do despacho reclamado.
4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, porque, além de os reclamantes nada argumentarem no sentido do caracter imprevisível da aplicação da norma, resulta evidente que no acórdão recorrido se perfilhou o entendimento da Relação - nada inovando – de modo que os recorrentes, nas alegações, podiam e deviam ter questionado a sua constitucionalidade, o que não fizeram.
5. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC só pode ser interposto por quem haja suscitado a questão da inconstitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do art.º 72.º da LTC). Foi por incumprimento deste ónus que o recurso não foi admitido.
Os recorrentes reconheceram, logo no requerimento de interposição, que não suscitaram perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão de constitucionalidade que pretendem ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Afirmam, porém sem qualquer desenvolvimento, que não tiveram oportunidade para fazê-lo “uma vez que interpretação dada ao artigo invocado estava fora da expectativa de aplicação”.
A falta de razão dos reclamantes é manifesta, de modo algum correspondendo a situação a qualquer das hipóteses em que, num entendimento funcional do referido ónus, o Tribunal admite que o não questionamento da constitucionalidade da norma aplicada antes de proferida a decisão recorrida não deve obstar ao conhecimento do recurso.
Com efeito, o acórdão da Relação limitou-se a confirmar a sentença de 1ª instância que, neste aspeto afirmara:
Nos termos do art. 1554.º C.C., pela constituição da servidão de passagem é devida indemnização correspondente ao prejuízo sofrido, sendo que o dano a considerar abrangerá não só o dano emergente como os lucros cessantes do proprietário do prédio onerado. «O que a indemnização não cobre, porém, (…) são as vantagens ou lucros obtidos pelo proprietário do prédio dominante com a constituição da servidão» (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, obra e volume III citados, pág. 643).
Só que, nestes casos, estamos a falar da Constituição coativa ou coerciva das servidões, ou seja, das servidões legais de passagem (arts. 1550.º e ss. C.C.), cuja falta de constituição voluntária legítima e impõe o recurso à via judicial ou administrativa para assim se conseguir a sua constituição e fixação (Prof. Carvalho Fernandes, obra citada, pág. 465).
Na hipótese dos nossos autos a servidão em questão é, na sua essência, uma servidão constituída por usucapião, pelo que não prevê a lei a aplicação do ditame constante do art. 1554.º C.C.
E foi este mesmo o sentido do art.º 1554.º do Código Civil que veio a ser adotado no acórdão recorrido, pelo que não pode apodar-se tal aplicação de anómala, inesperada ou insólita, em termos de não ser exigível, numa atuação processual normalmente previdente, contar com ela. Pelo contrário, essa interpretação era precisamente aquela contra que reagiam no recurso de revista, de modo que, se entendiam que deveria ser-lhe negada aplicação com fundamento em inconstitucionalidade, deveriam colocar o Supremo perante essa questão, como exigido pela al. b) do n.º 1 do art.º 70.º e pelo n.º 2 do art.º 72.º da LTC.
Deste modo, o despacho recorrido, ao não admitir o recurso por não ter sido suscitada a questão de constitucionalidade, merece confirmação.
Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os reclamantes nas custas com 20 UCs de taxa de justiça.
Lx. 19-06-13. – Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.