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Processo n.º 915/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No requerimento de interposição de recurso, dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente reporta-se ao artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, referindo que tal norma já foi julgada inconstitucional por Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, em 17 de janeiro de 2012, no âmbito do processo n.º 382/10.
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária, com a seguinte fundamentação:
“(…) O recorrente funda a sua pretensão nas alíneas b) e g) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
Nos termos desta última alínea, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões jurisdicionais que “apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (…) pelo próprio Tribunal Constitucional”.
Na presente caso, a norma aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida e erigida como objeto do presente recurso já foi, de facto, julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão n.º 24/2012.
Em tal aresto, foi decidido julgar inconstitucional a norma constante do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na medida em que manda aplicar, aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o prazo previsto na nova redação do artigo 1817.º nº 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código.
Não existem razões para alterar tal juízo de inconstitucionalidade, a que o Plenário do Tribunal Constitucional chegou.
Assim, por aplicação da posição jurisprudencial constante do aludido Acórdão n.º 24/2012, para cuja fundamentação se remete, concluímos pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na medida em que manda aplicar, aos processos pendentes, à data da sua entrada em vigor, o prazo previsto na nova redação do artigo 1817.º nº 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. As recorridas B. e C., na reclamação apresentada, manifestam a sua discordância, relativamente à decisão sumária proferida, referindo que o recurso não deveria ter sido admitido, uma vez que, além da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, o recorrente fundou o recurso interposto igualmente na alínea b) do mesmo artigo, sem que se verifiquem os respetivos pressupostos de admissibilidade específicos.
Acrescentam as reclamantes que a decisão do Tribunal Constitucional é insuscetível de se repercutir na decisão recorrida “já que o tribunal a quo realizou uma interpretação autónoma do art.º 3º da Lei 14/2009”, mas tal norma “não constituiu o efetivo fundamento jurídico que foi determinante na solução jurídica dada ao caso concreto, ou seja, a norma do art. 3º da Lei 14/2009 não constituiu ratio decidendi da solução”. Mais referem que “a questão central foi o entendimento de que a lei aplicada foi a do art. 1817º, n.º 1, na redação da Lei 14/2009 de 1.04 e a consideração da Decisão Sumária do TC (…) com trânsito em julgado nos autos de que a fixação de um prazo de 10 anos nos termos deste enquadramento jurídico, não viola os preceitos constitucionais.”
As reclamantes referem também que “a questão de que a ação foi proposta em 8 de maio de 2009 transit[ou] em julgado”, pelo que a apreciação da constitucionalidade da norma sempre violaria o caso julgado formado nos autos.
Ainda que tais argumentos não procedessem, sempre o processo deveria prosseguir para alegações, atenta a pertinência das questões, não sendo decidido mediante decisão sumária.
No presente caso, não pode estar em causa o princípio da confiança, já que o recorrente apenas propôs a ação com cerca de 74 anos, após a morte do pai aos 94 anos, concluindo, assim, as reclamantes que a interposição da ação sempre constituiria um abuso de direito, facto que é do conhecimento oficioso do Tribunal.
Pelo exposto, terminam as reclamantes, pedindo o deferimento da reclamação.
O reclamado não apresentou resposta.
II - Fundamentos
5. As reclamantes fundam a sua discordância relativamente ao sentido da decisão reclamada, em primeiro lugar, na circunstância de o recurso interposto ter sido fundado igualmente na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, sem que se verifiquem os respetivos pressupostos.
Manifestamente não lhes assiste razão.
De facto, tendo o recorrente invocado, como fundamento do recurso, duas alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a procedência da sua pretensão, apreciada à luz de uma das alíneas, naturalmente prejudica a apreciação da mesma pretensão à luz de qualquer outra alínea, sendo, por essa razão, inútil a emissão de qualquer juízo sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso relativamente à outra alínea invocada.
No tocante à afirmação de que a decisão proferida é insuscetível de se repercutir no acórdão recorrido, igualmente não parece que tal tese das reclamantes encontre fundamento em qualquer excerto do mesmo acórdão: pelo contrário, o tribunal recorrido afirmou expressamente a necessidade de conhecer da questão de constitucionalidade e sobre a mesma formulou o seu juízo. Incumbirá a este tribunal, após decisão do Tribunal Constitucional, definir os termos em que, com respeito pelo juízo de inconstitucionalidade que agora se profere, reformará a decisão recorrida.
Salienta-se que o caso julgado inerente à sindicância a que procede o Tribunal Constitucional, no âmbito dos recursos, se cinge, naturalmente, ao específico juízo compreendido na sua competência – da apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas - não lhe competindo pronunciar-se sobre outros aspetos da decisão recorrida. E quanto à questão de constitucionalidade, embora tendo sido proferida decisão sumária deste Tribunal neste processo (fls. 185 e 186), a mesma respeitou à norma extraída do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, e não à norma agora em causa (a isso mesmo se refere a decisão recorrida, a fls. 335).
Igualmente não compete ao Tribunal Constitucional emitir qualquer juízo sobre as questões casuísticas – que não se mostrem essenciais para a apreciação do recurso de constitucionalidade – nomeadamente sobre se “a interposição da ação sempre constituiria um abuso de direito”.
Relativamente à alegação de que o processo deveria prosseguir para alegações, “atenta a pertinência das questões”, também não assiste razão às reclamantes.
Na verdade, a circunstância de o Tribunal Constitucional já se ter pronunciado - aliás, na sua composição mais alargada: Plenário – sobre a norma que constitui objeto do recurso, não existindo razões para alterar o juízo formulado, legitima a prolação de decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC, solução que maximiza os princípios da economia processual e da celeridade.
Pelo exposto e sendo certo que a decisão sumária proferida merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da presente reclamação.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 31 de maio de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 23 de outubro de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.