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Proc.º n.º 303/2000.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
(Consª Fernanda Palma)
1. Os Licenciados L... e J... instauraram pela secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo recursos contenciosos de anulação do despacho proferido em 3 de Dezembro de 1992 pela Ministra da Saúde e que indeferiu o recurso hierárquico do acto de homologação da lista final do concurso de provimento para chefe de serviço hospitalar de cirurgia vascular da carreira média hospitalar do Hospital de Santa Maria.
Nas alegações que produziram podem ler-se as seguintes «conclusões», no que ora releva, ou seja, no que concerne a questões conexionadas com alegadas preterições de normas ou princípios constitucionais (note-se, por um lado, que as alegações dos dois recorrentes eram praticamente iguais e, por outro, que nos respectivos «teores» nada de substancialmente diverso - à excepção do que mais à frente se dirá - foi escrito reportadamente ao que também se escreveu nas adiante transcritas «conclusões»):-
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14ª - O deliberado pelo Júri, na acta nº. 3, violou, em concreto, o disposto nos nº.s 56 e 56.1 da Portaria nº. 114/91 de 27-2, e , pelo menos em abstracto, os princípios da «Igualdade, Justiça e Imparcialidade», consagrados no nº. 2 do art. 266º da CRP.
15º - A falta de notificação da acta n.º 3, aos concorrentes, implicou uma violação do direito à notificação com fundamentação (nº. 3 do art. 268º da CRP, nº. 1 do art. 1º do Dec-Lei nº. 256-A/77 de 17 de Junho e art.s 66º, 68º, 70º,
124º e 125º do Cod, do Procedimento Administrativo.
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19ª - No caso em apreço o júri refugiou-se uma votação por unanimidade que, além de contrariar o «mecanismo duma discussão curricular», viola inequivocamente aquelas disposições regulamentares e as demais normas legais que consagram o direito à fundamentação (nº 3 art. 268 da CRP, art. 1º do Dec Lei nº. 256-A/77, de 17 de Junho e art.s 124º a 126º do Cod. de Procedimento Administrativo).
20ª - Finalmente, a mesma acta nº. 6 ao dar uma lista de classificação final, em que a fundamentação é remetida para «verbetes individuais», em separado, viola o disposto no nº. 57, conjugado com a alínea d) do nº 42, ambos da Portaria 114/91 e bem assim o «princípio do contraditório» entre os concorrentes , quer entre si, quer perante o júri, princípio esse que uma «discussão curricular» deve observar , como única forma de se salvaguardar os princípios da igualdade, imparcialidade e justiça, consignados no n.º 2 do art. 266º da CRP.
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Por acórdão da subsecção da 1ª secção, tirado em 10 de Dezembro de
1998, concedeu o Supremo Tribunal Administrativo provimento aos recursos, o que fez por entender que '[a]o estabelecer, sem mais e apenas, uma pontuação para cada conjunto, quis [o legislador] conferir ao júri a flexibilidade para, em cada caso concreto, ... das mais diversas realidades, poder sopesar conveniente e ponderadamente os vários elementos, sem estar sujeito a outros balizamentos que não os traçados por aquele número 56.1', pelo que '[a]o proceder pela sobredita forma, o júri desrespeitou este dispositivo, violando-o'.
Ao decidir desse modo, o aludido Supremo Tribunal, no indicado aresto, entendeu ficarem prejudicados os demais vícios invocados pelos recorrentes.
Não se conformando com o mencionado acórdão, dele recorreu para o Pleno da secção de contencioso administrativo daquele Alto Tribunal a Ministra da Saúde, tendo os Licenciados L... e J... recorrido subordinadamente.
Na alegação que produziram quanto ao recurso interposto pela Ministra da Saúde, estes últimos foram silentes quanto a qualquer questão de desconformidade com o Diploma Básico.
Por outro lado, na alegação que produziram referente ao recurso subordinado por eles interposto, os falados Licenciados L... e J... concluíram assim:-
'1ª - Os vícios do acto administrativo recorrido, aludidos nas conclusões 14ª a
20ª, foram, todos eles, arguidos cumulativamente.
2ª - A correcta decisão quanto à questão equacionada na conclusão 14ª, não prejudica o conhecimento das questões equacionadas nas conclusões 15ª a 20ª.
3ª - Ficaram, assim, os ora recorrentes, vencidos, rectius prejudicados, pela falta de pronúncia quantos às questões equacionadas nas conclusões 15ª a 20ª decorrendo, daí a sua legitimidade para o presente recurso.
4ª - Qualquer entendimento contrário ao expendido na precedente conclusão violaria o núcleo essencial do direito - consagrado na Lei Fundamental - ao recurso contencioso (n.º 4 do art. 268º da CRP, na redacção anterior à ora vigente).
5ª - A conclusão anterior ilustra-se pela hipótese académica, mas possível, de o recurso interposto pela Ministra da Saúde ser provido.
6ª - O acórdão recorrido ao considerar prejudicado o conhecimento dos vícios equacionados nas conclusões 15ª a 20ª violou expressamente o disposto na 1ª parte do n.º 2 do art. 660º, incorrendo na nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 668º do Cod. Proc. Civil, disposições legais essas aplicáveis por força do art. 1º da LPTA'.
O Pleno da 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 18 de Janeiro de 2000, concedeu provimento ao recurso da Ministra da Saúde, para tanto tendo considerado que 'o júri, ao proceder à valorização das referidas alíneas do nº 56, [do Regulamento aprovado pela Portaria nº 114/91, de
7 de Fevereiro]', 'com respeito pelo estabelecido nos nºs 56.1 e 42, al. d), exerceu regularmente os poderes que lhe foram atribuídos' por aquele Regulamento, sendo que os 'resultados da apreciação curricular são obtidos a partir das valorações atribuídas por cada membro do júri a cada um dos elementos constantes do nº 56, consideradas na determinação da pontuação dos conjuntos referidos no artº 56.1 e depois na classificação final, de acordo com o disposto no nº 56.'.
E, quanto ao recurso subordinado, o citado aresto negou-lhe provimento, por isso que entendeu, após sublinhar que a única questão colocada pelos impugnantes se reportava à nulidade prevista na primeira parte do nº 2 do artº 668º do Código de Processo Civil, por violação da primeira parte do nº 2 do artº 660º do mesmo diploma adjectivo, que, no caso, não se verificava a existência de um tal vício.
2. É deste acórdão, e após ter sido indeferido um pedido de aclaração por eles formulado, que, pelos Licenciados L... e J..., vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional, sendo que no respectivo requerimento de interposição os ora recorrentes, por um lado, nem sequer indicaram o normativo com base no qual a interposição se fundava e, por outro, não indicaram, com um mínimo de precisão, quais as normas infra-constitucionais que pretendiam que fossem apreciadas por este Tribunal do ponto de vista da sua compatibilidade com a Lei Fundamental, nem indicaram, concretamente, qual a verdadeira interpretação que reputavam contrária à Constituição.
Tendo o recurso sido admitido, foram os impugnantes convidados a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, apresentando então extenso requerimento de onde se poderá extrair que as normas questionadas serão as constantes dos números 56 e 56.1 do Regulamento aprovado pela Portaria nº
114/91 'na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido'.
Determinada a feitura de alegações, concluíram os ora recorrentes a por si apresentada com as seguintes «conclusões»:-
'1ª - Consoante resulta da acta nº 2 do Júri, datada de 17 de Janeiro de 1992, os ora recorrentes foram definitivamente admitidos a concurso.
2ª - Nos termos do aviso do concurso os ora recorrentes foram obrigadas a, antes da elaboração da acta referida na conclusão precedente, a apresentar 'Sete exemplares do curriculum vitae, por área profissional a que concorre;' (al. d) do ponto 5.4 ).
3ª - Nos termos do mesmo aviso, os métodos de selecção, consistiriam em provas públicas: discussão pública do curriculum vitae. (7 do ponto 5.5).
4ª - Consoante resulta da acta nº 3 do Júri, datada de 22 de Fevereiro de 1997, isto é mais de trinta dias após a elaboração da acta nº 2, deliberou aquele
órgão colegial, antes da discussão pública dos curriculum vitae, pré-fixar os valores a atribuir às alíneas a) a g) referidas nos pontos 56 e 56.1 da Portaria nº 114/91 de 27 de Fevereiro.
5ª - Logo que foi publicada a lista de classificação final, os ora recorrentes interpuseram recurso hierárquico necessário do acto administrativo de homologação da lista de homologação final (ponto 60 da Portaria 114/91 de 27-2).
6ª - Posteriormente interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho do Ministro da Saúde que indeferiu os recursos hierárquicos.
7ª - Quer nos recursos hierárquicos, quer nos recursos contenciosos, os ora recorrentes levantaram a questão de que a deliberação constante da acta nº 3 era fruto de errónea interpretação do disposto nos nºs 56 e 56.1 da Portaria nº
114/91 de 27-2 e que, em circunstância alguma, poderia ser válida, até porque tal deliberação foi tomada depois de apresentados os currículos de todos os concorrentes (cfr. acta nº 2, fols. 5 e 6 do processo instrutor), ou seja, em momento em que júri tinha possibilidade de os conhecer pormenorizadamente, e isto porque entre a data da acta nº 2 - 17/01/92 - e a data da acta nº 3 -
22/02/92 - (fls. 7 do processo instrutor) decorreram mais de trinta dias, razão pela qual, em todo o caso se mostrariam violados os princípios da igualdade, justiça e imparcialidade, consagrados no nº 2 do art. 266° da CRP (cfr. alegações de fls. 144 a 179 e conclusão 14ª, comum a ambas).
8ª - Por acórdão da 1ª Secção da 2ª Subsecção do Supremo Tribunal Administrativo
(fls.210 e segs.) foi julgado que o júri fez errada interpretação dos disposto nos citados nos 56 e 56.1 da Portaria nº 114/91 de 27-2, anulando o impugnado o acto.
9ª - Nesse mesmo acórdão não foi tomada posição quanto a uma das questões levantadas na conclusão 14ª, qual seja a de se saber se a interpretação dada pelo júri aos citados normativos da Portaria 114/91 de 27-2, violava ou não os princípios da igualdade, justiça e imparcialidade, consagrados no nº 2 do art.
266° da CRP, tendo em atenção a particularidade de a deliberação tomada pelo júri, na acta nº 3, ter sido tomada depois de apresentados os currículos de todos os concorrentes (cfr. acta nº 2, fols. 5 e 6 do processo instrutor), ou seja, em momento em que o júri tinha possibilidade de os conhecer pormenorizadamente e isto porque entre a data da acta nº 2 - 17/01/92 - e a data da acta nº 3 - 22/02/92 - (fls. 7 do processo instrutor) decorreram mais de trinta dias.
10ª - A ora recorrida recorreu do citado acórdão, para o Pleno da Secção e os ora recorrentes interpuseram recurso subordinado.
11ª - Nas alegações do recurso subordinado os ora recorrentes escreveram na conclusão 23: ‘A correcta decisão quanto à questão equacionada na conclusão 14ª, não prejudica o conhecimento das questões equacionadas nas conclusões 15ª a 20ª. Quer dizer,
12ª - Os ora recorrentes não abandonaram a questão, contida na conclusão 14ª, a que se alude na precedente conclusão 9ª.
13ª - Do mesmo entendimento foi o Excelentíssimo Conselheiro Relator da Secção do Pleno, que não hesitou em receber o requerimento de interposição para o Tribunal Constitucional (fls. 302 a 307).
14ª - Se é certo que é justificável, face ao que se dispõe na 1ª parte do nº 1 do art. 660° do Cód. Proc. Civil, que o acórdão da 18 Secção, 2 8 Secção não tivesse tomado conhecimento da questão referida na precedente conclusão 9ª, já o mesmo se não pode dizer do acórdão da Secção do Pleno, por lhe competir proferir decisão, em princípio, em última instância de recurso!
15ª - O acórdão recorrido sufragou a tese parecer da Direcção dos Serviços de Contencioso da Secretaria Geral do Ministério da Saúde, fls. 6 do processo instrutor, onde se lê: ‘20. O júri, ao proceder à valorização das referidas alíneas no nº 56, respeitando o disposto no nº 56.1, exerceu os poderes que lhe foram atribuídos pelo Regulamento. Em teoria e a título de exemplo, podia também dar um valor à alínea a) e nove à alínea b). De facto, não há qualquer limitação legal, que não a constante do nº 56.1, à atribuição de valorização por parte do júri às alíneas do nº 56.’, retomada nas alegações de recurso da ora recorrida
(fls. 238 e 239). Quer dizer,
16ª - Os elementos dos conjuntos das alíneas referidas no nº 65.1 , poderão ter qualquer valoração, desde que:
1 - As pontuações para o conjunto das alíneas a) e b) perfaçam 10 valores;
2 - As pontuações para o conjunto das alíneas c) a e) perfaçam 6 valores;
3 - As pontuações para o conjunto das alíneas f) e g) perfaçam 4 valores.
17ª - Assim, abre-se mão a que qualquer júri faça todas as combinações possíveis, dentro do quadro referido nas precedentes conclusões, potenciando-se, desta forma o benefício de uma candidatura, em prejuízo das demais, com postergação irredutível do comando ínsito no nº 2 do art. 266° da CRP.
18ª - Na medida em que o acórdão recorrido acolheu tal questionada actividade interpretativa, violou o disposto no art. 206° da CRP (na redacção então vigente
)’.
3. Foi apresentado projecto de acórdão e, não obtendo o mesmo vencimento, mudaram os autos de relator.
Cumpre, pois, decidir.
4. Como resulta do, aliás extenso, relato supra efectuado, é de concluir que, no recurso interposto para o Pleno da primeira secção do Supremo Tribunal Administrativo, e quer relativamente ao recurso principal da Ministra da Saúde, quer referentemente ao recurso subordinado dos Licenciados L... J..., estes não suscitaram a incompatibilidade com a Constituição por banda de qualquer norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Assim, e presumindo-se que o recurso intentado interpor se esteava na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (presunção derivada do modo como alegaram neste Tribunal, sendo certo que em nenhuma peça processual os impugnantes se referiram a tais alínea, número e artigo), haverá, in casu, que concluir que os recorrentes não cumpriram o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade, ónus esse que lhes é imposto por aquele disposição e, bem assim, pela alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Lei Fundamental.
Na verdade, em nenhum passo da alegação do seu recurso subordinado para o Pleno da secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo se lobriga, directa ou indirectamente, expressa ou implicitamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Os recorrentes tentam, na alegação que produziram neste Tribunal, objectar a um tal entendimento (e daí que, no momento, da questão do não conhecimento do objecto do vertente recurso não tenham, antes de ser proferida decisão sobre ela, de ser ouvidos os recorrentes, visto que sobre essa questão já efectuaram, motu proprio, pronúncia), porquanto - dizem - ao escreverem, na
«conclusão» 2ª da alegação do recurso subordinado, que '[a] correcta decisão quanto à questão equacionada na conclusão 14ª, não prejudica o conhecimento das questões equacionadas nas conclusões 15ª a 20ª.', isso significava que não
«abandonaram» as questão de inconstitucionalidade que estavam levantadas naquelas 14ªs «conclusões» das alegações que efectivaram aquando do recurso para a subsecção da secção de contencioso administrativo.
Não têm, porém, razão.
É para o Tribunal claro que o escrito na referida «conclusão» 2ª da alegação tocante ao recurso subordinado para o Pleno da 1ª secção apenas pode ser interpretado como o fundamento do vício de nulidade do acórdão da subsecção daquela secção que, por intermédio desse mesmo recurso, pretendiam que o aludido Pleno viesse a declarar; isto é:- ao escreverem daquela sorte, os então recorrentes subordinados o que estavam a sustentar era que, não tendo o acórdão da subsecção tomando conhecimento dos outros vícios pelos mesmos invocados e que não aquele que levou ao provimento do recurso, isso fazia o aresto incorrer em nulidade.
E foi isso, aliás, o que entendeu o acórdão do Pleno.
Não pode, consequentemente, aquela asserção ser interpretada no sentido de que com ela estavam os então recorrentes subordinados a «reiterar», perante o Pleno e à guisa de solicitar do mesmo decisão concreta sobre elas, as questões que eventualmente se continham nas «conclusões» 14ªs das alegações produzidas antes do acórdão tirado na subsecção, designadamente no que tange a qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que nessas «conclusões» se continha.
4.1. E isto, claro está, a aceitar-se (o que, no mínimo, é não é facilmente sustentável) que, nas alegações dos recursos interpostos perante a subsecção, foi, efectivamente, suscitada qualquer questão de desconformidade com o Diploma Básico reportada a norma ou normas (ou a uma sua dada dimensão interpretativa) ínsitas no ordenamento jurídico infra-constitucional (note-se que, como resulta da transcrição das indicadas «conclusões» 14ªs acima levada a efeito, o que os recorrentes sustentaram foi que o 'deliberado pelo Júri ... violou ... os princípios da «Igualdade, Justiça e Imparcialidade»', pelo que a violação daqueles princípios constantes da Lei Fundamental foi assacado à deliberação do Júri - ou seja ou acto administrativo por ele praticado - e não a qualquer norma que regesse a respectiva actividade).
Só se não afirma peremptoriamente que nas ditas alegações não foi, de todo, suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, por isso que, a dado passo, se pode ler no «teor» daquelas alegações (e aliás com remessa para o que foi escrito no recurso hierárquico) que 'A interpretar-se diferentemente tais normativos [os números 55 a 58 da Portaria nº 114/91], ficariam ‘in casu’, gravemente ofendidos, ao menos formalmente, os princípios da justiça e imparcialidade que devem nortear a actuação dos órgãos e agentes administrativos (nº 2 do art. 266º da Constituição da República Portuguesa)'
(cfr., contudo, o que é dito a final no parágrafo de que parte agora se transcreveu, quando os recorrentes referem que 'Ainda que estivéssemos só em face de errónea interpretação e aplicação das supracitadas ‘normas regulamentares’, de tal ilegalidade sempre resultaria vício de forma - preterição das formalidades legais - porque, ‘in casu’, o júri do concurso não adoptou, na classificação final, os critérios dos supracitados comandos da Portaria nº. 114/91, de 7/2..»').
4.2. Não se diga, por outra banda, que, a aceitar-se que, na ocasião dos recursos interpostos para a subsecção da primeira secção, os ora recorrentes, nas alegações que produziram, vieram, ainda que de modo não totalmente claro, a colocar uma questão de desconformidade com a Lei Fundamental por parte de uma norma jurídica, isso seria o suficiente para se ter, no caso sub specie, como preenchido o requisito da suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo.
É que, como tem sido jurisprudência maioritária deste Tribunal, não satisfaz o requisito da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 o recorrente que, tendo inicialmente suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa, acabou por abandoná-la perante a formação judicial superior, de tal modo que este não foi chamado a apreciar e decidir tal questão (cfr., por entre outros, os Acórdãos deste órgão de administração de justiça números 36/91, 468/91 e 469/91, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional 18º e 20º volumes págs 657 a 664, e 557 a
585) e 10/93, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 19 de Janeiro de
1994).
5. Em face do exposto, não toma o Tribunal conhecimento do objecto do recurso, condenando os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em unidades de conta, por cada um. Lisboa, 26 de Setembro de 2001 Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa Declaração de voto
Votei vencida por entender que o Tribunal Constitucional deveria ter tomado conhecimento do objecto do recurso, já que não só não é claro que o recorrente tenha abandonado, no recurso subordinado para o Pleno (conclusão 2ª), a questão de constitucionalidade já suscitada, designadamente na alegação 14ª, através de uma reiteração, embora vaga e implícita, da mesma bem como porque não
é exigível que quem tenha obtido vencimento na primeira instância tenha de vir suscitar de novo a questão de constitucionalidade num recurso subordinado. Sempre defendi este ponto de vista que, aliás, correspondia a uma corrente jurisprudencial firme, embora não unânime, no Tribunal Constitucional.
Por outro lado, porque conheceria da questão de fundo, diferentemente da maioria do Tribunal, também me vejo na obrigação de explicitar o meu pensamento quanto a ela através da citação do projecto de Acórdão que elaborei, como anterior Relatora deste processo.
Assim, sobre a questão de fundo, o meu parecer é o seguinte:
1. Os recorrentes insurgem-se, no presente processo, contra a fixação abstracta de um valor a atribuir a cada uma das alíneas a que se refere o nº 56.1 da Portaria nº 114/91, de 7 de Fevereiro, quando esse mesmo preceito fixa valores para grupos de alíneas (e não, individualmente, para cada alínea).
Sustentam, assim, que o júri violou os princípios da igualdade e da imparcialidade.
2. Todavia, não têm os recorrentes razão. Com efeito, o estabelecimento de um valor abstracto para cada alínea que permita a distribuição entre elas do valor global que lhes é atribuído, fixando-se, assim, o modo de proceder do júri, pertence a um espaço livre da aplicação da norma ao caso na tarefa de valorização levada a cabo pelo júri. A sobrevalorização de uma alínea - por exemplo, a capacidade e aptidão para a gestão e organização de serviços hospitalares em detrimento do desempenho de cargos médicos ou vice-versa - , fazendo valer mais essa alínea do que outra na distribuição das valorações, apenas corresponde à opção concreta de atribuir mais importância a um desses factores, o que é uma forma de os considerar e valorizar. Também a igual atribuição de valor a cada uma das alíneas seria uma outra forma de ponderar em concreto o valor das circunstâncias. E ainda a possibilidade de que apenas a valorização de uma das circunstâncias permitisse atingir uma pontuação superior à de outro concorrente quando a outra circunstância pudesse até ter valido zero, num certo caso, não deixaria de ser um modo concreto de considerar e valorizar tais elementos.
Porém, da lei não decorre qualquer método de distribuição da valorização das circunstâncias, mas apenas a necessidade de fundamentar e tornar transparente o modo como se valorizou. O facto de o júri ter prefixado antes da deliberação o valor de cada circunstância no cômputo da valorização global prevista na lei permite, em princípio, realizar exigências de transparência e de equidade. E, de qualquer modo, a prefixação dos valores de cada circunstância não pode ser considerada uma violação da igualdade relativamente à sua não fixação ou à não limitação do valor de cada uma. Com efeito, o facto de se optar por um método de ponderação em que um concorrente com a valorização máxima numa das alíneas e a mínima na outra possa superar um concorrente com uma valorização equilibrada de cada uma das alíneas ou vice-versa é, apenas, uma opção de ponderação baseada nos fins do concurso na interpretação do júri. Não contraria a igualdade ou a imparcialidade que se entenda que a exigência de uma certa distribuição da valorização global possível entre as alíneas seja o método ponderativo, já que a diferenciação entre os concorrentes não é exclusivamente baseada numa valorização aritmética de circunstâncias, mas sim numa valoração adequada aos fins que a norma pretende alcançar na interpretação que a entidade decisória considerou.
3. Assim, não estando em causa que os recorrentes suscitem uma questão de constitucionalidade normativa, por os mesmos terem posto o acento tónico numa interpretação da norma que, segundo a sua perspectiva, impediria o júri de distribuir livremente por cada circunstância a valoração global prevista na lei com afectação da igualdade, também é verdade que não viola a igualdade e a imparcialidade a interpretação de norma segundo a qual o júri possa deliberar segundo certo método de concretização da ponderação das circunstâncias, de acordo com o seu entendimento das finalidades legais da ponderação. A existência, num espaço de livre ponderação do valor das circunstâncias, de uma prefixação do valor de cada uma delas não pode contrariar a igualdade ou a imparcialidade pois esta já é suficiente e devidamente assegurada pela fixação das circunstâncias e da sua valoração global. Maria Fernanda Palma