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Processo nº 586/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Nos presentes autos de oposição à execução, vindos do 6º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, em que é recorrente E..., 'cidadão da República de Cabo Verde e nela residente', proferiu o Relator um despacho, com a data de 26 de Outubro de 2000, a convida-lo a prestar, no prazo de 10 dias, determinada indicação em falta, relativamente ao requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, em que ele se limitou a referir a 'apreciação da inconstitucionalidade das normas ínsitas nos arts. 16ºe 17º, al. a) do Código das Custas Judiciais, na interpretação feita pelo Tribunal ‘a quo’, por violação da norma constitucional constante do art. 20º da Lei Fundamental, questão suscitada no requerimento da emenda da liquidação feita pela secretaria'
(convite feito ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artº 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro). O expediente, dirigido no dia seguinte ao mandatário judicial constituído pelo recorrente, para o notificar desse despacho, foi devolvido, com indicação de não ter sido reclamada a carta, e então, em 14 de Novembro seguinte, veio o recorrente 'alegar justo impedimento, pois que o respectivo aviso não foi deixado na caixa de correio daquele, e desde já requerer que seja admitido a praticar fora do prazo o acto consubstanciado na peça que junta', indicando como prova uma testemunha. Realizada uma diligência junto dos CTT – Correios, sob promoção do Ministério Público, e admitindo a Direcção de Qualidade daquela entidade 'que foi passado o correspondente aviso e deixado na morada indicada', veio o recorrente, em resposta, insistir que se 'não infirma o por si alegado de justo impedimento' e insistir também na indicação da testemunha ('a mulher do seu mandatário com este residente à época no endereço em causa'). O Ministério Público tomou seguidamente esta posição nos autos:
'Em homenagem aos princípios da economia processual e da proibição de realização no processo de actos inúteis, entendemos que se não justifica a pretendida inquirição, já que – mesmo que, por ventura, se viesse a considerar tempestivo o requerimento do recorrente em causa – faltavam manifestamente os pressupostos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto, o que identicamente ditaria a sua não apreciação: na verdade, para além de ser duvidoso que o recorrente tenha suscitado, em termos procedimentalmente adequados, uma questão de inconstitucionalidade normativa, é evidente que a decisão impugnada não aplicou as normas do CCJ a que vem reportado o recurso, já que (fls. 28v) considerou aplicável aos autos o Regulamento das Custas dos Processos das Contribuições e Imposto – e não aquele Código, em que se inserem as normas questionadas pelo recorrente' Nesta sequência processual proferiu o Relator em 5 de Abril de 2001 este despacho:
'Tendo em conta que o recorrente não conseguiu demonstrar o justo impedimento invocado, face à informação dos CTT – Correios (Direcção de Qualidade), a fls
44, e sendo certo que a pretendida inquirição como testemunha da sua mulher não iria invalidar tal informação, julgo não verificado o impedimento e não admito o acto praticado fora do prazo com o requerimento de fls. 41 (artigo 146º, nº 2, do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no artigo 69º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). Verificando-se, assim, que a notificação do despacho de fls. 37 e vº não deixou de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido (sendo certo que o recorrente não invocou que a remessa tenha sido feita para local errado) e presumindo-se a notificação feita nos termos consignados no nº 2 do artigo 254º, do Código de Processo Civil, para o qual remete o nº 3, há que concluir não ter o recorrente respondido ao convite constante daquele despacho. Em consequência, e independentemente de saber, como entende o Ministério Público, se ‘faltavam manifestamente os pressupostos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto’ pelo recorrente, o que ‘ditaria a sua não apreciação, julgo desde já deserto aquele recurso (nº 7 do artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de
7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro)'
2. É deste despacho – e não 'decisão sumária de 2001/04/05', como lhe chama – que o recorrente vem 'reclamar para a conferência', na qual, depois de descrever o que se passou nos autos e já ficou relatado, afirma que 'a conclusão a que se chegou não cabe na permissa' e discorrendo depois nestes termos:
'10º Desde logo porque se alguma ilação há a tirar da informação dos CTT só pode ser a de que o aviso não foi deixado na morada indicada. E isto porque
11º o distribuidor da zona não se recorda de o ter feito, limitando-se
12º a Direcção de Qualidade dos CTT a admitir (sublinhado do recorrente) que o tenha feito, sem porém ser assertiva em tal conclusão.
13º Depois, porque não se vislumbra a razão para sobre o mesmo facto – saber se foi ou não feita a entrega do aviso na morada indicada – não ser inquirida a testemunha apresentada.
14º Com efeito e não se recordando o distribuidor da zona de ter feito aquela entrega, parece que, pelo menos deve ser inquirida a testemunha apresentada para do seu depoimento se aquilatar do fundamento, ou da falta dele, do alegado justo impedimento.
15º Finalmente, e sem prescindir, mesmo julgando-se não verificado o justo impedimento alegado, ainda assim a deserção do recurso é sanção demasiada, pois que não sendo admitida a prova testemunhal apresentada pelo recorrente para ilidir a presunção legal, o prazo para a prática do acto terminaria no dia 9 de Novembro de 2000. Ora, independentemente de justo impedimento,
16º tendo o mesmo sido praticado entre o 1º e o 2º dias úteis seguintes, ainda assim deveria ter sido admitido (cf. art. 145º, nº 5 do C.P.C.)'. Conclui pedindo que 'deve o despacho de que reclama ser substituído por outro que 1) face aos documentos juntos (informação dos CTT e fax do Tribunal) julgue verificado o impedimento e admita o acto praticado ou, se assim não se entender,
2) mande inquirir a testemunha atempadamente apresentada, se mesmo isso se não entender, 3) mande a secretaria passar as respectivas guias'.
3. O Ministério Público veio responder à reclamação, limitando-se a renovar o parecer atrás transcrito e concluindo que carece 'de utilidade a dirimição das questões lateralmente suscitadas pelo reclamante, por obviamente se não verificarem os pressupostos do recurso interposto'.
4. Cumpre decidir. O justo impedimento que o Código de Processo Civil prevê nos artigos 145º, nº 5, e 146º, cuja invocação evita o efeito preclusivo do decorrer de um prazo, tem de consistir num 'evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte', o que envolve uma apreciação pelo julgador à luz da experiência comum e também uma ponderação do regular funcionamento dos serviços públicos, quando é o caso e aqui trata-se dos CTT – Correios. Ora, é facto conhecido que uma carta registada e não reclamada naqueles serviços não foi entregue ao seu destinatário porque este ou alguém por ele não estava na morada indicada, mas isso não significa que não tenha aí ficado o correspondente aviso. E, nos termos do nº 3 do artigo 254º do Código de Processo Civil, sempre se tem de presumir feita a notificação, nos termos aí enunciados, sendo que a presunção não poderia, à partida, ser infirmada por um simples depoimento de uma testemunha, como pretende o reclamante. Com o que há que confirmar o despacho reclamado, quanto ao justo impedimento, não procedendo a pretensão do reclamante quanto às duas primeiras alíneas do seu requerimento.
5. Fica apenas por decidir se é de mandar a 'secretaria passar as respectivas guias' (alínea 3), porque, conforme alegação do reclamante, invocando-se o artigo 145º, nº 5, do citado Código, 'o prazo para a prática do auto terminaria no dia 9 de Novembro de 2000' e ele foi praticado 'entre o 1º e o 2º dias úteis seguintes'. Aceitando-se que assim foi, como invoca o reclamante, há que dar oportunidade ao pagamento de uma multa, nos termos ditados pelo nº 6 daquele artigo 145º – e não o nº 5 -, por não ter havido na ocasião nenhuma manifestação de vontade do reclamante, o que, aliás, é prática corrente deste Tribunal.
6. Termos em que, DECIDINDO, defere-se parcialmente a reclamação, no que toca ao julgamento de deserção do recurso. Lisboa, 26 de Setembro de 2001 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa