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Proc. n.º 235/01
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
I
1. Inconformado com a decisão sumária de fls. 226 e seguintes, em que se decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), conjugada com o preceituado no artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº
121/76, de 11 de Fevereiro, e, consequentemente, negar provimento ao recurso por si interposto, H... dela veio reclamar para a conferência (fls. 243 a 246).
O reclamante invoca, em síntese, o seguinte:
'[...] A questão que foi objecto dos citados acórdãos [os acórdãos nºs 226/98 e 13/99 do Tribunal Constitucional, invocados como precedente na decisão sumária reclamada] foi apenas a da alegada inconstitucionalidade do artº 254º, nº 3, do CPC, na versão anterior ao D.L. nº 329-A/95, conjugado com o preceituado no artº
1º, nº 3, do Dec. Lei nº 121/76, isto é, a da alegada inconstitucionalidade da norma segundo a qual as notificações aos mandatários judiciais feitas por CARTAS REGISTADAS, presumem-se efectuadas no terceiro dia posterior ao do registo
(...). Com efeito, com a publicação do Dec. Lei nº 121/76, desapareceram as notificações aos mandatários judiciais feitas por CARTAS REGISTADAS COM AVISO DE RECEPÇÃO, pelo que, a partir de tal alteração legislativa, deixou de poder falar-se na aplicação da referida presunção às notificações feitas por este meio. Assim, contrariamente ao defendido na douta decisão sob reclamação, nem a lei processual que vigorou entre a publicação do D.L. nº 121/76 e a reforma operada pelo D.L. nº 329-A/95 previa a aplicação da dita presunção às notificações feitas aos mandatários judiciais por carta registada com aviso de recepção, nem os Acórdãos deste Venerando Tribunal citados na mesma decisão contemplam tal hipótese. (Note-se que, embora no Acórdão nº 226/98 não se faça referência ao D.L. nº 121/76, o certo é que o facto subjacente ao mesmo é uma notificação por carta registada feita ao mandatário de uma das partes). Ora, o que o recorrente defende no recurso que interpõe para este Venerando Tribunal é que o entendimento adoptado pelo Acórdão recorrido (da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo), segundo o qual à notificação por carta registada com aviso de recepção de actos tributários se aplica a referida presunção, viola o disposto no artº 268º, nº 3, da CRP, na parte em que preceitua que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei (...)». A tal respeito, como se escreve no Acórdão do STA, 2ª Secção, de 2/6/99, in ADSTA, nº 458, p. 195 e ss., «a lei regula as diversas formas de notificação, mais ou menos solenes, conforme a importância dos actos notificandos e o maior ou menor grau de exigibilidade da certeza do acto notificando chegar ao conhecimento do interessado, bem como da respectiva função: informativa ou convocatória, a esta estando ligada, em geral, a notificação pessoal. Daquela, a mais relevante e solene é, sem dúvida a postal registada, com aviso de recepção. Daí que, como se disse – artº 65º, nº 1 (do Cód. de Processo Tributário, aprovado pelo Dec. Lei nº 154/91, de 23/4, que é o que se aplica à hipótese contemplada no recurso do ora reclamante) – tenha sido a legalmente escolhida quando estejam em causa ‘actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes’ (como sucede na hipótese contemplada no recurso do ora reclamante). Ora, o artº 268º, nº 4, da Constituição, garante aos interessados ‘recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos independentemente da sua forma que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos’. E o seu nº 3 consagra o princípio geral da respectiva notificação, como função da garantia e controlo dos administrados. Tal função sairia irremediavelmente prejudicada e inadmissivelmente restringida com a notificação presumida em termos inilidíveis». Nestes termos, por não se verificarem no caso sub judice os pressupostos legais justificativos da decisão sumária do presente recurso, deve [...] a mesma decisão ser revogada, ordenando-se consequentemente o prosseguimento do recurso
[...]'.
2. Notificado da reclamação deduzida, o Director-Geral dos Impostos respondeu (fls. 250 a 254):
'[...]
5º. Nos termos do nº 1 do artº 65º do CPT, as notificações que tenham por objecto actos ou decisões que acarretem a alteração da situação tributária do destinatário são obrigatoriamente feitas por carta registada com aviso de recepção.
6º. As demais notificações, bem como as que pretendam levar a conhecer actos de liquidações de impostos periódicos, devem, nos termos dos nºs 2 e 3 do mesmo artigo 65º, ser efectuadas por carta sob registo simples (sem aviso de recepção).
7º. A dicotomia de regimes assenta na essencialidade do acto que se pretende levar a conhecer, e na importância que o mesmo traduza para o destinatário (v.g. encargo que imponha; direito que reconheça),
8º. realidade que não é postergada pelo modo como na lei se determina a notificação de impostos periódicos pois que, quanto a estes, o contribuinte já espera a sua liquidação para pagamento.
9º. Sendo diferentes as formalidades do acto de notificação por razões que radicam na importância do acto que se pretende dar a conhecer, diversas são também as cominações da lei fiscal para a produção de efeitos.
10º. Assim, Nas notificações abrangidas pelos nºs 2 e 3 do artº 65º do CPT (registo simples sem aviso de recepção), o artº 66º do CPT determina uma presunção geral
(ilidível) no sentido que as mesmas se consideram efectuadas no 3º dia posterior ao do registo Ao passo que nas notificações abrangidas pelo nº 1 do artº 65º do CPT (registo com aviso de recepção), o artº 66º, nº 3 determina que a mesma só se considera perfeita na data em que o aviso de recepção for assinado pelo destinatário ou por pessoa que o possa fazer.
11º. Do que antecede resulta que a lei efectua uma clara distinção de regimes assentes, no primeiro caso, na presunção geral da sua verificação no 3º dia posterior ao do registo e, no segundo, na exigência expressa da assinatura do destinatário.
12º. Num e noutro estamos perante regimes absolutamente conformes à Constituição, sendo inúmeros os arestos dos tribunais superiores nesse sentido
[...]
[...]
16º. Um e outro regime, assentando no postulado essencial previsto na lei fundamental de que o exercício do direito de defesa há-de pressupor o conhecimento do acto afectador, diferem por razões absolutamente legitimas,
17º. a saber, as da que por um lado, a intensidade da afectação da espera jurídica do destinatário do acto não apresenta sempre o mesmo grau e, por outro, tratando-se de impostos periódicos, o contribuinte já aguarda a notificação, pois conhece a sua situação tributária.
18º. Assim, sendo inequívoco que em matéria tributária a escolha do processo de notificação não é livre mas vinculado, é também certo que, quando ela haja de ser feita com aviso de recepção se tem entendido ser ilegítima a presunção da sua perfeição no terceiro dia posterior ao do registo.
É pois constitucional o regime que ao tempo emergia dos preceitos supra referenciados, por se considerarem tutelados os valores legais e constitucionais que com o seu estabelecimento se procurou efectivar.'
Cumpre apreciar a reclamação.
II
3. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), conjugada com o preceituado no artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, tendo em conta a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a norma em causa.
Com efeito, embora o ora reclamante pretendesse, no requerimento do interposição do recurso interposto para este Tribunal, a apreciação de outras normas – concretamente, 'das normas dos art.ºs 254º, nº 3 e 255º do Cód. de Proc. Civil (versão anterior ao Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/2) conjugadas com o preceituado nos artºs 1º, 1 e 3 do Dec. Lei nº 121/76, de 11/2 e 66º, 1 e 2, do Cód. de Proc. Tributário, aprovado pelo Dec. Lei nº 154/91, de 23/4, com a interpretação com que tais disposições legais foram aplicadas na decisão recorrida' – verificou-se que, de entre essas normas, a decisão recorrida se tinha fundamentado na norma constante do artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), conjugada com o preceituado no artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº
121/76, de 11 de Fevereiro (cfr. nº 5. da decisão reclamada, a fls. 234).
Esta conclusão não é, aliás, impugnada pelo reclamante no requerimento agora apresentado.
Tendo o recurso de constitucionalidade sido interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, apenas pode constituir objecto desse recurso a norma em que assentou a decisão recorrida.
Ora, a norma do artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro) tinha já sido apreciada pelo Tribunal Constitucional, e julgada não inconstitucional, designadamente, nos acórdãos nºs 226/98 e 13/99 (neste acórdão, essa norma, conjugada com o preceituado no artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro).
4. Invoca agora o reclamante que a questão de constitucionalidade decidida na decisão sumária, reiterando jurisprudência anterior, não corresponde
à que pretendia ver apreciada.
Como claramente resulta dos incisos intercalados pelo ora reclamante na citação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 1999, a fls. 245 e 246 da reclamação (cfr. a transcrição do texto da reclamação feita supra, 1.), o reclamante vem afinal reportar a questão de inconstitucionalidade
à norma do artigo 65º, nº 1, do Código de Processo Tributário – 'que é o que se aplica à hipótese contemplada no recurso do ora reclamante', 'como sucede na hipótese contemplada no recurso do ora reclamante'.
É certo, porém, que a norma do artigo 65º, nº 1, do Código de Processo Tributário não pode constituir objecto do presente recurso de constitucionalidade (ao contrário do que parece admitir a autoridade recorrida, que se pronuncia sobre a questão da inconstitucionalidade de tal preceito na resposta à reclamação em apreço):
– em primeiro lugar, essa norma não fazia sequer parte do elenco de normas referidas pelo ora reclamante no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal (cfr. nº 4. da decisão reclamada, a fls. 232, e supra, 3.);
– além disso, o ora reclamante não suscitou, quanto a tal norma, qualquer questão de inconstitucionalidade 'durante o processo', no sentido funcional atribuído a esta expressão na jurisprudência do Tribunal Constitucional (essa questão apenas surge no texto da reclamação agora em apreço, o que não corresponde obviamente às exigências estabelecidas na Constituição e na lei quanto ao tipo de recurso de constitucionalidade interposto);
– por fim, e decisivamente, a norma agora referida pelo reclamante não foi aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como fundamento da decisão, no acórdão recorrido.
Na verdade, para decidir a questão objecto do litígio que perante ele foi colocada, o Supremo Tribunal Administrativo – bem ou mal, não interessa averiguar, nem cabe nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional – aplicou a norma do artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), conjugada com o preceituado no artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, afastando a aplicabilidade dos artigos 64º a 67º do Código de Processo Tributário.
5. Só aquela norma, portanto, pode constituir objecto de fiscalização concreta de constitucionalidade no âmbito de recurso fundado na alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Tal norma foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, e julgada não inconstitucional, designadamente, nos acórdãos nºs 226/98 e 13/99.
E, contrariamente ao que refere o reclamante no requerimento agora apresentado, a questão de constitucionalidade decidida nos acórdãos citados centra-se precisamente na norma do artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro Ora, independentemente da questão de saber se devia ser essa, na versão invocada, a norma aplicável ao caso então em litígio, foi essa a norma apreciada pelo Tribunal Constitucional (confira-se, designadamente, a transcrição do artigo
254º do Código de Processo Civil feita sob o nº II. 1, do acórdão nº 226/98).
6. De todo o modo, a questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos não poderia ter uma solução diferente daquela que lhe foi dada nos acórdãos proferidos por este Tribunal a propósito das notificações aos mandatários judiciais, atento o paralelismo de situações.
Com efeito, do mesmo modo que naqueles acórdãos, e sobre tais notificações, se disse que 'o artigo 254º do CPC assenta no pressuposto de que o mandatário forense toma todas as devidas precauções para receber as notificações que hajam de lhe ser feitas' (acórdão nº 13/99) e que 'existe um ónus de informação sobre o domicílio profissional que recai sobre os mandatários das partes, um ónus que, afinal, se radica no dever de colaboração com o Tribunal, numa certa dimensão do «princípio dispositivo» e que é, também, em certo sentido, corolário da liberdade de escolha desse domicílio' (acórdão nº 226/98), terá agora de concluir-se que também as pessoas colectivas devem tomar todas as precauções para receberem as notificações que lhes sejam dirigidas e que, portanto, as notificações que deixem de receber por culpa sua produzirão os efeitos de notificação efectiva.
Assim, não se vendo razões para afastar, no caso dos autos, as conclusões a que se chegou nos acórdãos citados, antes sendo elas justificadas pelo paralelismo de situações, reitera-se a jurisprudência anterior deste Tribunal sobre a norma do artigo 254º do Código de Processo Civil – a norma que, repete-se, constituiu o fundamento da decisão recorrida (o acórdão proferido pela 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, em 22 de Janeiro de 1996). III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional indefere a reclamação, confirmando a decisão sumária em que se decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), conjugada com o preceituado no artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº
121/76, de 11 de Fevereiro, e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 12 de Julho de 2001 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida