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Proc.º n.º 181/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
(Consª Fernanda Palma)
1. Constitui objecto dos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal agregado do Funchal e em que figuram, como recorrente
[recurso interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro], o Ministério Público e, como recorridos, A ..., M... e a Região Autónoma da Madeira, a apreciação da desconformidade (ou não desconformidade) com a Constituição da norma que se extrai dos artigos 27º, alínea c), e 72º, nº 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (normas essas desaplicadas por despacho proferido pelo Juiz daquele Tribunal em 12 de Fevereiro de 2001), quando interpretada por forma a cometer ao Ministério Público a possibilidade de proferir parecer na vista que antecede a sentença nos processos versando as acções sobre responsabilidade civil contratual dos entes públicos, sem que o juiz tenha de dar às «partes» conhecimento do teor desse parecer.
Determinada a feitura de alegações, rematou o recorrente a por si formulada com as seguintes «conclusões»:-
'1 - Não viola o artigo 219º da Constituição a norma que, no âmbito do contencioso administrativo, comete ao Ministério Público a possibilidade de, em representação do Estado colectividade e na defesa da legalidade e do ordenamento objectivo, intervir nos processos em que não figure como recorrente ou recorrido.
2 - Não é inconstitucional a norma constante dos artigos 27º, alínea c) e 72º, nº 2 da LPTA, quando interpretada em termos de ser lícito ao juiz assegurar o pleno cumprimento e actuação da regra do contraditório (nos termos constantes do artigo 3º. nº 3, do Código de Processo Civil), facultando às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a argumentação potencialmente relevante e inovatória que considerem constar daquele parecer exarado nos autos pelo Ministério Público.
3 - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade das normas que o integram'.
2. A questão aqui equacionada é, a todos os títulos, substancialmente análoga à que já foi objecto de apreciação por parte deste Tribunal no seu Acórdão nº 185/2001 (ainda inédito), e de muitos outros que se lhe seguiram.
Disse-se, a dado passo, nesse aresto:-
'........................................................................................................................................................................................................................................................................................
10. O Tribunal Constitucional, na sequência dos acórdãos nºs 345/99
(Diário da República, II Série, de 17 de Fevereiro de 2000), 412/200 (Diário da República, II Série, de 17 de Fevereiro de 2000) e 500/00, não publicado, julgou inconstitucional com força obrigatória geral a norma constante do artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (acórdão nº 157/01, ainda não publicado); a fundamentação adoptada – seja a que fez maioria, no sentido de que violava a norma que se extrai do nº 4 do artigo 20º da Constituição, na parte em que consagra o direito a um ‘processo equitativo’, seja a que considera infringido o princípio da independência dos juízes – não conduz, necessariamente, à inconstitucionalidade das normas agora em julgamento.
Com efeito, escreveu-se no primeiro dos acórdãos citados, sintetizando a posição ocupada pelo Ministério Público no âmbito do contencioso administrativo de anulação:
‘No que toca ao núcleo tradicionalmente central da justiça administrativa, que é o recurso contencioso, o Ministério Público tem legitimidade para interpor recursos de anulação de quaisquer actos administrativos [ cf. artigo 46º, n.º 2, do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (Decreto-Lei n.º 41.234, de 20 de Agosto de 1957). E, quando não seja o recorrente, tem o poder de suscitar a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso, e pronunciar-se sobre questões que não tenha suscitado; promover diligências de instrução; emitir parecer sobre a decisão final a proferir; arguir vícios não invocados pelo recorrente; e requerer, assumindo a posição de recorrente, o prosseguimento de recurso interposto durante o prazo em que podia impugnar o respectivo acto, para julgamento não abrangido em decisão, ainda não transitada, que tenha posto termo ao recurso por desistência ou outro fundamento impeditivo do conhecimento do seu objecto [ cf. artigo 27º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho)] . Para este efeito, o Ministério Público - para além de poder fazer requerimentos no processo (cf. o citado artigo 27º) - tem vista dos autos, inicialmente, logo que feito o preparo (cf. artigo 42º da citada Lei de Processo), e, mais tarde, depois de apresentadas as alegações ou de findo o respectivo prazo (cf. artigo 53º da mesma Lei). Além disso, quando o recorrido ou o próprio relator suscitem a questão prévia do não conhecimento do recurso, o Ministério Público é ouvido sobre essa questão (cf. artigo 54º da referida Lei de Processo). Tudo isto, obviamente, com vista à defesa da legalidade, que é uma das funções que a Constituição lhe comete, no artigo 219º, n.º 1: ‘Ao Ministério Público - diz-se nesse preceito - compete [ ...] , nos termos da lei [ ...] , defender a legalidade democrática’.
(...) Cabe perguntar se a norma do referido artigo 15º viola a norma que se extrai do nº 4 do artigo 20º da Constituição, na parte em que consagra o direito a um
‘processo equitativo’ .
(...) O conceito de processo equitativo’ tem sido desenvolvido sobretudo pela jurisprudência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 6º tem precisamente como epígrafe ‘direito a um processo equitativo’ e cujo § 1º dispõe
, retirando as palavras do artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que ‘qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativamente’, frase que é repetida no artigo 14º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos. Ora a revisão constitucional pretendeu precisamente, fazendo uma ‘transposição explícita do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem’, tendo presente ‘todo o trabalho do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem’, ‘dar dignidade constitucional’ (expressões do deputado Alberto Martins na reunião de 5.9.1996 da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, edição provisória não oficial de José de Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional em CD-Rom, 2ª ed., Lisboa, Editorial Notícias, 1999), a conteúdos normativos que, através daquele direito internacional, já integravam a ordem jurídica portuguesa e inclusivamente, num certo entendimento, através da remissão no nº 2 do artigo 16º, a própria ordem constitucional (no mesmo sentido se pronunciou o deputado Luis Sá, ibidem: ‘toda a densificação é bem vinda e nesse sentido creio que a consagração do princípio do processo equitativo pode ser uma contribuição para que no plano da legislação ordinária venha a ser reforçado o princípio da igualdade das armas, dos direitos de defesa, da justiça no processo em termos gerais’: também o deputado Luis Marques Guedes admitiu um ‘ganho acrescido').
(...) Quanto ao artigo 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 299/96 de 29 de Novembro, há que julgá-lo inconstitucional, por violação do nº 4 do artigo 20º da Constituição, uma vez que não permite às partes tomar conhecimento e discutir qualquer elemento da intervenção do Ministério Público no processo que possa influenciar a decisão. Não tem cabimento qualquer restrição aos casos de pronúncia possivelmente desfavorável. Mesmo quando o Ministério Público nada diga na sessão de julgamento, basta a possibilidade de dizer sem controlo do facto pela parte para tornar a intervenção inadmissível, em face das exigências de transparência ligadas ao correcto entendimento do princípio do contraditório, implicado pelo nº 4 do artigo 20º da Constituição.
E no acórdão nº 412/2000 reiterou-se ‘a conclusão a que chegou o Acórdão nº 345/2000, no sentido da inconstitucionalidade da norma em causa, por violação do direito a um processo equitativo, consignado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República’, considerando-se expressamente que o que é decisivo
‘é o modo e o momento em que se processa a intervenção do Ministério Público, cujo conteúdo as partes ficam a desconhecer e não podem minimamente controlar.
Com efeito, o respeito por um processo equitativo supõe a criação de condições objectivas que permitam assegurá-lo. Ora, não se vê como tal possa acontecer quando um elemento exterior ao colégio de juízes, que tem por missão decidir a controvérsia, pode participar na discussão, numa fase em que qualquer intervenção se apresenta como particularmente decisiva porque antecede imediatamente a tomada de decisão’.
No acórdão 157/01 remeteu-se para a fundamentação adoptada pelo acórdão nº 412/2000.
11. E a verdade é que as razões apontadas para justificar a inconstitucionalidade da norma então apreciada não ocorrem na norma agora em julgamento. Com efeito, não se verifica aqui a impossibilidade de controlo pelas partes que, ali, foi considerada decisiva; por um lado, porque, sendo o parecer apresentado por escrito, sempre podem questionar a apreciação feita pelo tribunal sobre a existência, ou não, de uma questão nova, e sobre a decisão de as notificar para se pronunciarem ou não; em caso de discordância – ou seja, para o que interessa, se o tribunal tiver entendido não ter sido suscitada uma questão nova e, portanto, tiver julgado o recurso sem ter mandado notificar a parte para se pronunciar –, sempre esta pode invocar nulidade justamente por falta dessa notificação, que origina, naturalmente, uma violação relevante do princípio do contraditório (artigo 201º do Código de Processo Civil). Com efeito, o respeito por este princípio apenas exige que, em caso de o Ministério Público ter suscitado uma questão nova – um novo obstáculo ao conhecimento do recurso, para o que agora interessa – ao recorrente seja dada oportunidade de a apreciar, antes da decisão do recuso; e foi precisamente com este sentido que o Supremo Tribunal Administrativo interpretou e aplicou a norma em julgamento. Poder-se-ia sustentar que o princípio do contraditório exigiria, em qualquer caso, a notificação anterior à decisão. Não parece, todavia, que entendimento diverso provocasse qualquer inconstitucionalidade; só assim seria se fosse irremediavelmente ineficaz uma alegação, posterior à decisão, de ter sido suscitada pelo Ministério Público no seu parecer uma questão nova a que a parte tivesse o direito de responder. A verdade, todavia, é que o regime apontado das nulidades por omissão de um acto devido permite obviar ao trânsito em julgado daquela decisão e conseguir a sua anulação, se vier a entender-se que a alegação era fundada.
12. Foi aliás o entendimento agora afastado – embora relativo a um domínio diferente – que levou o Tribunal Constitucional a proferir o acórdão nº 533/99
(Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1999), no qual foi decidido
‘não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem’, independentemente do sentido do parecer (ou seja, quer se pronuncie no sentido do agravamento da sua posição, quer não). Estava então em causa resolver o conflito de jurisprudência ocorrido quanto à
‘norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929’, entre os acórdãos nºs 135/98 e 150/87.
'A norma em causa determina que «os recursos, antes de irem aos juízes que têm de os julgar, irão com vista ao Ministério Público, se a não tiver tido antes».
O Acórdão nº 150/87 julgou inconstitucional a norma em questão, enquanto o Acórdão nº 135/98, na esteira do Acórdão nº 150/93, não a julgou inconstitucional, embora numa dada interpretação, que se pretendeu ser conforme
à Constituição. De acordo com esta interpretação, «se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem». A solução que fez vencimento baseou-se na declaração de voto aposta pelos Conselheiros José de Sousa e Brito, Antero Monteiro Dinis e Armindo Ribeiro Mendes ao acórdão nº 150/93, da qual se transcreve também aqui a fundamentação essencial: ‘2. Está fora de questão a possibilidade de os recursos irem com vista ao Ministério Público para os mesmos efeitos do artigo 707º, nº 1, do Código de Processo Civil: pronúncia sobre a má fé dos litigantes e a nota de revisão efectuada pela secretaria, promoção das diligências adequadas, quando verifique a existência de qualquer infracção da lei. É claro que para estes efeitos o Ministério Público desempenha apenas a sua função constitucional de defesa da legalidade democrática (artigo 221º da Constituição). Não se justifica nessa medida um direito de resposta do réu.
(...) Com efeito, também em fase de recurso no processo penal o Ministério Público representa o Estado no exercício da acção penal. É nessa qualidade que se pode pronunciar sobre o objecto do processo ou sobre a possibilidade do seu conhecimento (...)
3. O direito de defesa garantido pelo nº 1 do artigo 32º da Constituição tem toda a extensão racionalmente justificada para uma defesa efectiva em processo criminal (assegura ‘todas as garantias necessárias de defesa’, nas palavras do nº 1 do artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), pelo que não se esgota (assim, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 40/84, - Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3º, pp. 241 ss -, 55/85 - Acórdãos, vol. 5º, pp. 461ss -, 17/86 - Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1986 -, etc.) nas garantias constantes dos vários números do mesmo artigo e que se devem ler à luz daquele direito. Mas, por outro lado, o direito de defesa concretiza-se e desenvolve-se sistematicamente através dessas garantias. É assim que o princípio do contraditório (nº 5) vem determinar que a defesa é cometida, em primeiro lugar, à responsabilidade do arguido, que tem o direito de responder da forma que julgar adequada às intervenções processuais do Ministério Público. Em sentido inverso, a ilimitação das garantias de defesa (‘todas’) assegura o direito de resposta sempre que o Ministério Público intervém pela acusação, pois em toda essa extensão é racionalmente justificado o contraditório (nas palavras do acórdão nº 45/84 - Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3º, pp 271 - :
‘é de atribuir a este princípio a maior dimensão possível’).
A Constituição estatui que a audiência de julgamento está subordinada no princípio do contraditório (nº. 5 do artigo 32º). Não há razão para distinguir neste aspecto a audiência oral de julgamento das ‘audiências’ de recurso, que, no regime do Código de 1929, eram apenas escritas.
Na lógica da contraposição dialéctica entre a acusação e a defesa, cuja efectividade é assegurada pelo princípio do contraditório, a defesa é um posterius relativamente à acusação, que pressupõe. É, assim, por exigência do princípio do contraditório e não por um princípio assimétrico de favorecimento do réu, que a este - ou ao seu defensor - deve caber a última palavra (como dispõe para o julgamento o artigo 467º do Código de 1929). Por consequência, sempre que em via de recurso o Ministério Público se pronuncia sobre o objecto do processo ou sobre o conhecimento do recurso, de qualquer das formas representando a acusação, terá o réu direito de resposta, por aplicação directa dos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição.’ Disse-se ainda no acórdão nº 533/99:’5. Não se diga que o princípio da igualdade de armas não tem aplicação no processo penal português, por este não estar estruturado como um processo de partes. A posição do Ministério Público sendo dependente da sua configuração constitucional idiossincrática, consoante os países, caracterizando-se em Portugal pela autonomia, pelo que seria no processo penal um órgão de justiça, vinculado a critérios de legalidade e de objectividade, e não uma parte. Ora, sem pretender dilucidar aqui o instituto jurídico-constitucional do Ministério Público, e em especial a questão de saber como a sua ‘autonomia’, compatível com a sujeição dos seus magistrados às directivas, ordens e restrições previstas na respectiva lei, se distinguem da
‘independência' dos juízes (cfr. o Acórdão nº 254/92, Diário da República, 1ª Série-A, p. 3593), é certo que pelo simples facto de no processo penal representar o Estado como detentor do interesse punitivo, que se realiza desde logo através do exercício da acção penal, mas que se realiza também através da actuação do Ministério Público no processo penal, sem exceptuar a fase de recurso, o Ministério Público representa um dos sujeitos da relação jurídica punitiva que é objecto do processo penal e em que o réu é o outro sujeito. É neste sentido uma das partes do processo, mesmo que este processo não esteja na disponibilidade das partes como o estão, na maior parte dos casos, os processos civis. A moderada idiossincrasia do Ministério Público no direito português não
é acompanhada de qualquer idiossincrasia da sua função no processo penal.’ Ou seja: foi aqui decisiva a verificação de que, no processo penal, o Ministério Público intervém no exercício do poder punitivo do Estado, e a esse título exerce a acção penal – ou seja, neste sentido, intervém como ‘parte’; no contencioso administrativo de anulação, que neste recurso nos interessa, não podemos esquecer que a norma em apreciação apenas prevê que o Ministério Público tenha vista do processo para emitir parecer sobre a decisão a proferir quando não foi ele a interpor o recurso (cfr. início do artigo 27º e fim do artigo 53º)
– ou seja, quando o Ministério Público apenas intervém no recurso como garante da legalidade objectiva e não como representante de nenhuma das partes.
13. Também não procedem no presente caso as razões que levaram o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 582/2000 (Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 2001), a ‘Julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, a norma constante do n.º 3 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º
185/93, de 22 de Maio, quando interpretada no sentido de que, no recurso judicial da decisão do organismo de segurança social que rejeite a candidatura a adoptante, não é necessária a notificação ao recorrente do parecer que o Ministério Público emita, sendo esse parecer desfavorável ao recorrente e versando sobre matéria relativamente à qual o recorrente ainda não tenha tido oportunidade de se pronunciar’.
Com efeito, basta verificar que, aqui, se perfilhou uma interpretação da norma aplicável no sentido de que o candidato a adoptante não tem de ser notificado do parecer do Ministério Público que versou questões sobre as quais aquele ainda não dispusera de oportunidade para se pronunciar para afastar qualquer precedente.
14. Resta concluir que as sucessivas alterações da Constituição, no que toca à definição das regras fundamentais em matéria de contencioso administrativo, embora possam ser vistas como implicando uma evolução no sentido de um modelo subjectivista na organização da justiça administrativa, não obrigam a julgar inconstitucionais as normas que prevêem a intervenção do Ministério Público agora em análise. Como escreve VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça Administrativa, 3ª ed., Coimbra, 2000, págs. 66-67), comparando os modelos objectivista e subjectivista e caracterizando o sistema português dentro dessa contraposição, a Constituição
‘não pretendeu impor um modelo processual determinado. A concretização desse modelo compete ao legislador, que, no uso da sua liberdade constitutiva, pode optar entre diversas fórmulas de instituição da justiça administrativa, desde que respeite o quadro constitucionalmente estabelecido (concretamente, o modelo organizatório judicialista e a protecção efectiva dos direitos dos administrados). E, exemplificando os domínios em que essa liberdade de conformação se pode verificar, VIEIRA DE ANDRADE indica, expressamente, o dos
'poderes e deveres (...) do Ministério Público (...)’. E, na verdade, nenhum dos princípios ou das normas constitucionais que especificamente versam sobre contencioso administrativo implica a inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto deste recurso. Como escreveu SÉRVULO CORREIA (O recurso contencioso no projecto da reforma: tópicos esparsos, in Cadernos de Justiça Administrativa,, Março/Abril 2000, pág.
12 e segs.), ‘Trata-se de preservar um momento importante para a qualidade da justiça administrativa e para a salvaguarda da legalidade democrática. Desacompanhado da participação activa na sessão de julgamento, o parecer final corresponde a uma fórmula que nenhum Acórdão do Tribunal Europeu Dos Direitos do Homem condenou ainda expressamente nesses estritos confins’.
Também JORGE MIRANDA ( Os parâmetros constitucionais da reforma do contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, Setembro/Outubro de 2000, pág. 3 e segs.) considera que, nas sucessivas alterações ao artigo 268º da Constituição, se verifica que 'A componente ou intenção subjectivista fica bem realçada (nem outra coisa seria de esperar no
âmbito de um artigo sobre ‘direitos dos administrados’). Nem por isso, entretanto, fica excluída ou sequer diminuída a componente objectivista irredutível, ligada à acção popular (art. 52º, nº 3) e à intervenção do Ministério Público em defesa da legalidade democrática (art. 219º, nº 1)’.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................'
3. Por outro lado, há que anotar que, no caso sub specie, o Ministério Público não era representante de qualquer «parte». designadamente do ente público réu – a Região Autónoma da Madeira -, e que no seu parecer, proferido a fls. 831 dos autos, não foi suscitada nenhuma questão que pudesse conduzir a que se não tomasse uma decisão «de fundo» na acção.
4. Nestes termos, e no seguimento da fundamentação carreada ao indicado aresto [e tendo em conta que, como já se disse, a situação sub iudicio
é substancialmente idêntica à ali tratada e foi objecto de decisão na alínea b) desse acórdão] - não julgando inconstitucional a norma resultante artigos 27º, alínea c), e 72º, nº 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de, em acções visando a responsabilização de entes públicos pelo incumprimento de contratos, não há que notificar as «partes» da acção do parecer emitido pelo Ministério Público antes da decisão final, não actuando essa entidade na acção como representante de qualquer das «partes» -, concede-se provimento ao recurso e determina- -se a reforma do despacho impugnado de harmonia com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade. Lisboa, 12 de Julho de 2001 Bravo Serra Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma (vencida,nos termos do essencial das declarações de voto apostas ao Acórdão Nº 185/2001 dos Senhores Conselheiros Guilherme da Fonseca e Sousa Brito) Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto que juntei ao acórdão nº 185/2001) José Manuel Cardoso da Costa