Imprimir acórdão
Processo n.º 213/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Município de Constância reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação apresenta o seguinte teor:
«(...)
Ao contrário do que se diz na douta decisão sumária, da qual se reclama, a questão de constitucionalidade da interpretação da norma do art. 673º do Cod. Proc. Civil foi amplamente desenvolvida no requerimento de reforma do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora.
Não se invocou, obviamente, a inconstitucionalidade do preceito desse artigo, interpretado segundo as boas regras da interpretação das leis, porque o sentido que dele desse modo se extrai não é, evidentemente, inconstitucional, e não consentiria que se decidisse como se decidiu.
Inconstitucional é, sim, salvo o devido respeito, a interpretação distorcida que dele foi feita no douto acórdão recorrido, extraindo daquela norma um sentido, no qual a decisão se apoia, que é manifestamente contrário aos princípios e normas constitucionais que logo no início se enunciaram, no requerimento de reforma do acórdão, conforme seguidamente se passa a transcrever:
“Salvo o devido respeito, porém, o entendimento sufragado, na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de outubro de 2012, que cita, revela-se materialmente inconstitucional, porquanto implica incontornável violação, seja do princípio da legalidade, seja do princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio, seja, por último, do princípio da tutela jurisdicional efetiva.”
E, mais adiante, no aludido requerimento, pode ler-se o seguinte:
“Obrigar a que o Réu, aqui Oponente e Apelante, o tivesse feito implicaria obrigá-lo a venire contra factum proprium, o que, sendo uma violência, seria obviamente inexigível, ofendendo um tal entendimento normativo do art. 489º do Cod. Proc. Civil, além do princípio da boa fé, estruturante de todo o direito e ínsito no princípio constitucional do Estado-de-Direito democrático, também o princípio constitucional da proporcionalidade, na sua vertente da proibição do excesso, além de brigar diretamente com o preceito do art. 274º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, que permite a reconvenção, mas não a impõe.”
Na verdade, a interpretação questionada pressupõe uma interpretação também inconstitucional do art. 489º, que assim surge necessariamente imbricado como ratio decidendi, sem embargo do que, muito especificamente, se alegou também, na sequência, muito especificamente, a inconstitucionalidade do art. 673º, na interpretação que dele foi feita, nos termos também seguidamente transcritos:
“Ora, o erro lógico do douto Acórdão do S.T.J., de 10/10/12 e do douto Acórdão aqui sob reclamação, traduz-se em admitir que o caso julgado possa “produzir outros efeitos, mais difusos” – sendo que nessa difusão, ressalvado sempre o devido respeito, se subverte o conceito do caso julgado, estendendo-se, normativamente, a respetiva noção para além do âmbito que a lei define, desse modo se violando, pois, o princípio da legalidade.”
Mas adiantou-se mais uma razão, ainda:
“Ressalvado sempre o devido respeito, não fica por aí, todavia, a inconstitucionalidade material da interpretação preconizada pelo douto acórdão cuja reforma se pede.
Na medida em que se veda a possibilidade de se invocar, nas circunstâncias do caso, a aquisição por acessão industrial imobiliária, viola-se também o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.
Admite-se que um direito que a lei confere ao autor da obra não possa ser reconhecido e feito valer.
Se o Réu não estivesse convencido de que o direito de propriedade sobre o terreno lhe pertencia, por outro título, é claro que, deveria invocar a acessão industrial imobiliária na ação em que foi demandado.
Mas, convencido como estava da pertença do terreno, pode dizer-se que o facto da construção em terreno declarado alheio surge como um facto novo, no momento em que transitou em julgado a decisão proferida na ação, porque só então foi convencido de que o terreno no qual fizera a obra lhe não pertencia.
Só a partir desse momento o Réu ficou em condições de poder pedir o reconhecimento da aquisição por acessão industrial imobiliária, agindo de boa fé.
Os factos integradores da aquisição por acessão imobiliária não se confundem com a causa de pedir da primeira ação: são outros factos, são factos diferentes, que só ganharam corpo e forma, na consciência do Réu, na sua esfera jurídica e no próprio ordenamento jurídico, quando na primeira ação se reconheceu o direito invocado pela Ré, aqui Recorrida.”
Por conseguinte, verifica-se que foram efetivamente suscitadas, não uma, mas três distintas questões de inconstitucionalidade material.
Sendo que ficou, pois, perfeitamente esclarecido que o Recorrente alegou ser materialmente inconstitucional a norma do artigo 673º do Cod. Proc. Civil, interpretada no sentido de que a autoridade do caso julgado se estende para além dos limites que lhe traça o art. 498º, nºs. 3 e 4, nele se abrangendo, nomeadamente, a hipótese de aquisição por acessão industrial imobiliária, em resultado de uma sentença transitada que dela não conheceu, tendo apenas declarado que o direito de propriedade sobre a coisa pertence ao autor da ação, não tendo sido invocada, na contestação, essa causa de aquisição, por ter, antes, sido contraposto ao autor que o direito de propriedade pertencia ao réu.
E essas questões foram levantadas pelo recorrente no momento em que o poderiam ter sido, isto é, no requerimento da reforma do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, sendo certo que tal, como, de resto, na douta decisão sumária ora impugnada se reconhece, não podiam ter sido antes suscitadas, visto que a foi a interpretação introduzida por esse acórdão que deu motivo a que o fossem.
(...)»
3. Notificada para o efeito, a recorrida não contra-alegou.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem a seguinte redação:
«(...)
1. O Município de Constância recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 7 de fevereiro de 2013, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 7 de dezembro de 2012.
2. O requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional tem o seguinte teor:
«(...)
A peça processual na qual foi suscitada, pelo Requerente, a questão de inconstitucionalidade foi o requerimento de reforma do douto acórdão proferido sobre a apelação.
Os preceitos constitucionais violados são os dos arts. 2º, 13º, nº 2, 20º e 62º da Constituição da República.
As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie são as constantes dos artigos 489º, nº 1, e 673º, ambos do Código de Processo Civil, interpretadas no sentido que a douta decisão recorrida lhes conferiu, a saber:
Quanto ao artigo 489º, nº 1, interpretada a respetiva norma no sentido de que o princípio da eventualidade ou da preclusão obriga a invocar na contestação factos e a deduzir pedidos contraditórios com os fundamentos da defesa, embora sendo tais factos por si mesmos relevantes, nomeadamente na hipótese de a defesa vir a ser julgada não provada e improcedente – e só nessa hipótese – como é o caso da invocação de aquisição por acessão industrial imobiliária, cuja alegação seria contraditória com a defesa assente na titularidade do direito de propriedade sobre a coisa pelo contestante.
Quanto ao artigo 673º, interpretada a respetiva norma no sentido de que a autoridade do caso julgado se estende para além dos limites que lhe traça o art. 498º, nºs. 3 e 4, nele se abrangendo, nomeadamente, a hipótese de aquisição por acessão industrial imobiliária, em resultado de uma sentença transitada que dela não conheceu, tendo apenas declarado que o direito de propriedade sobre a coisa pertence ao autor da ação, não tendo sido invocada, na contestação, essa causa de aquisição, por ter, antes, sido contraposto ao autor que o direito de propriedade pertencia ao réu.
(...)»
3. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, e intentada pela autora (do processo principal) a subsequente ação de execução, veio a recorrente deduzir oposição à execução, pedindo que lhe fosse reconhecida a aquisição por acessão industrial imobiliária da parcela de terreno que fora condenado a restituir à autora naquela sentença condenatória. Tendo a oposição à execução sido julgada manifestamente improcedente em sentença do Tribunal Judicial de Abrantes, com data de 20 de março de 2012, a recorrente interpôs recurso de apelação, o qual foi novamente julgado improcedente, em acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 7 de dezembro de 2012. Seguiu-se ao pedido de reforma do mencionado acórdão, em que, ao abrigo do disposto nos artigos 669.º, n.º 2, al. a), e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), a recorrente requereu o seguinte:
«(...)
Salvo o devido respeito, porém, o entendimento sufragado, na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de outubro de 2012, que cita, revela-se materialmente inconstitucional, porquanto implica incontornável violação, seja do princípio da legalidade, seja do princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio, seja, por último, do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Na verdade, tal entendimento parte de um erro lógico, ressalvado sempre o devido respeito, na definição do conceito de autoridade do caso julgado.
Tal como ensina Miguel Teixeira de Sousa, em “Objeto da Sentença e Caso Julgado Material (B.M.J., 325º, págs. 49 e seguintes), o conceito de autoridade do caso julgado, em contraponto à exceção de caso julgado (este de âmbito estritamente processual) prende-se com a vinculação subjetiva do caso julgado formado, impedindo a repetição da decisão respetiva ou a sua contradição em processo posterior.
Mas há de haver caso julgado!
Ora, o erro lógico do douto Acórdão do S.T.J., de 10/10/2012 e do douto Acórdão aqui sob reclamação, traduz-se em admitir que o caso julgado possa “produzir outros efeitos, mais difusos” – sendo que nessa difusão, ressalvando sempre o devido respeito, se subverte o conceito de caso julgado, estendendo-se, normativamente, a respetiva noção para além do âmbito que a lei define, desse modo se violando, pois, o princípio da legalidade.
Tal resulta de se confundir meios de defesa em processo civil com reconvenção.
Ora, consabidamente, a reconvenção não é um meio de defesa: é, como sugestivamente diz Manuel de Andrade, uma contra-ação (“Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra, 1976, pág. 145).
“A reconvenção tem lugar quando o Réu formula contra o Autor qualquer pedido que não seja pura consequência da sua defesa, nada acrescentando à matéria desta última” (ibidem; sublinhado nosso).
É claro que a reconvenção pode ter como causa de pedir, total ou parcialmente, factos alegados na defesa, como é o caso de, numa ação de reivindicação, se reconvir pedindo que se reconheça ao réu o direito de propriedade, com fundamento, por exemplo, na usucapião, invocada contra uma aquisição derivada que seja causa de pedir da ação, caso em que os factos causais da reconvenção serão normalmente os mesmos que se invocam como meio de defesa na ação.
Mas a reconvenção pode fundar-se noutros factos, que não os alegados ou que devessem ser alegados como meio de defesa, completamente autónomos e distintos desses, como é notório, nomeadamente, na hipótese de se deduzir reconvenção para se obter compensação de créditos (art. 274º, nº 2, al. b), CPC).
Sendo a reconvenção facultativa, e não obrigatória, como se reconhece, aliás, no douto acórdão proferido, não pode considerar-se como meio de defesa, em termos de precludir a possibilidade de vir a pedir-se noutra ação o reconhecimento do direito que poderia ter sido deduzido reconvencionalmente, mas que o não foi.
Naquele exemplo, se o réu invoca a usucapião apenas como meio de defesa, como facto impeditivo ou extintivo do direito baseado na aquisição derivada, e a ação improcede, naturalmente que, sem ofensa do caso julgado, nada impede que o aí réu venha depois a propor contra o primitivo autor, uma ação, ainda que de simples apreciação positiva, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de propriedade.
No caso vertente, a questão está em saber se o Réu, aqui Oponente, devia obrigatoriamente ter invocado a aquisição por acessão industrial imobiliária.
Ora, salvo o devido respeito, parece que não!
O Réu, agindo de boa fé – não foi condenado como litigante de má fé! – invocou o direito que estava convicto de lhe assistir.
O Réu sempre entendeu que o terreno lhe pertencia, por fazer parte do antigo caminho público, tal como se alegou no artigo 8º da contestação da ação.
Deduzir um pedido reconvencional, ainda que subsidiário, de reconhecimento da aquisição por acessão industrial imobiliária seria contraditório com a defesa.
Obrigar a que o Réu, aqui Oponente e Apelante, o tivesse feito implicaria obrigá-lo a venire contra factum proprium, o que, sendo uma violência, seria obviamente inexigível, ofendendo um tal entendimento normativo do art. 489º do Cod. Proc. Civil, além do princípio da boa fé, estruturante de todo o direito e ínsito no princípio constitucional do Estado-de-Direito democrático, também o princípio constitucional da proporcionalidade, na sua vertente da proibição do excesso, além de brigar diretamente com o preceito do art. 274º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, que permite a reconvenção, mas não a impõe.
Na verdade, com que cara é que um litigante de boa fé poderia afirmar, em contestação, que o direito de propriedade lhe pertence, e não ao autor da ação – para dizer o contrário, duas linhas mais abaixo, pedindo que lhe seja atribuído o direito de propriedade da parcela ocupada em terreno alheio, que, duas linhas mais acima, afirmara ser seu?
Mesmo que o pedido fosse formulado subsidiariamente – o que não é obrigatório – a alegação, contraditória com a defesa, do facto da construção de obra em terreno alheio, mesmo como hipótese, enfraqueceria, necessariamente, a posição do réu, podendo ser interpretada como reveladora de uma dúbia convicção, sem necessidade!
Quanto ao argumento que se extrai do n.º 3 do art. 929º do Cod. Proc. Civil, há que observar o seguinte:
Em primeiro lugar, trata-se, manifestamente, de uma norma excecional, pelo que dessa sua natureza decorrerá, segundo os princípios gerais da interpretação das leis, pelo argumento a contrario sensu, a implícita afirmação da regra oposta como norma geral.
Em segundo lugar, a razão de ser dessa norma excecional é óbvia: a reclamação de indemnização por benfeitorias feitas não é prejudicada pela entrega da coisa que através do processo executivo se pretende obter, pois que não é já objeto de discussão a respetiva titularidade – ao contrário do que se verifica na hipótese de aquisição por acessão industrial imobiliária, que, a ser reconhecida, implicará a extinção da ação executiva.
Em terceiro lugar, não resulta do disposto no art. 929º, nº 3, a impossibilidade de o executado vir a pedir uma indemnização pelas benfeitorias feitas, em ação própria, a propor, posteriormente, para esse efeito, caso a não tenha pedido – não sendo a tal obrigado! – em reconvenção, na ação na qual foi proferida a sentença dada à execução, pois que, a ser assim, não estarão afetados pela força do caso julgado ou, se se preferir, pela autoridade do caso julgado o respetivo pedido e a respetiva causa de pedir.
Ressalvado sempre o devido respeito, não fica por aí, todavia, a inconstitucionalidade material da interpretação preconizada pelo douto acórdão cuja reforma se pede. Na medida em que se veda a possibilidade de se invocar, nas circunstâncias do caso, a aquisição por acessão industrial imobiliária, viola-se também o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.
Admite-se que um direito que a lei confere ao autor da obra não possa ser reconhecido e feito valer.
Se o Réu não estivesse convencido de que o direito de propriedade sobre o terreno lhe pertencia, por outro título, é claro que, deveria invocar a acessão industrial imobiliária na ação em que foi demandado.
Mas, convencido como estava da pertença do terreno, pode dizer-se que o facto da construção em terreno declarado alheio surge como um facto novo, no momento em que transitou em julgado a decisão proferida na ação, porque só então foi convencido de que o terreno no qual fizera a obra lhe não pertencia.
Só a partir desse momento o Réu ficou em condições de poder pedir o reconhecimento da aquisição por acessão industrial imobiliária, agindo de boa fé.
Os factos integradores da aquisição por acessão imobiliária não se confundem com a causa de pedir da primeira ação: são outros factos, são factos diferentes, que só ganharam corpo e forma, na consciência do Réu, na sua esfera jurídica e no próprio ordenamento jurídico, quando na primeira ação se reconheceu o direito invocado pela Ré, aqui Recorrida.
A segurança jurídica, que é invocada, não obsta à revisão da decisão transitada em julgado (arts. 771º e segs. do Cod. Proc. Civil).
A revisão justifica-se pela emergência de elementos novos, que põem em crise, fundamentalmente, a prova produzida na ação.
No caso vertente, trata-se, no sentido que se justificou, de factos novos.
E esses novos factos, não precludidos pelo ónus de concentração de toda a defesa na contestação – precisamente por que são factos novos, que emergem e se configuram como tal já depois da decisão e em consequência dela, se bem que de modo indireto – não podem deixar de ser apreciados jurisdicionalmente, porque são geradores de um direito que ficaria, de outro modo, sem tutela, o que é contrário à Constituição da República, além de infringir também o art. 2º, nº 2, do Cod. Proc. Civil.
A autoridade do caso julgado não é por isso afetada, nem de perto, nem de longe.
Porque a autoridade do caso julgado pressupõe a verificação do caso julgado, de todos os requisitos do caso julgado, identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido.
Ora, no caso, apenas ocorre a identidade de sujeitos. A causa de pedir, nomeadamente, é diversa, consistindo no facto objetivo e subjetivo da realização de uma obra em terreno alheio, de boa-fé.
Haverá caso julgado quando se trate de decidir a mesma questão de facto e de direito, já anteriormente decidida, noutro processo.
Não haverá caso julgado quando se trate de decidir a mesma questão de facto de direito, já anteriormente decidida, noutro processo.
Não haverá caso julgado quando se trate decidir diferente questão de facto e de direito, que não tivesse sido, nem devesse ter sido, anteriormente decidida, noutro processo.
(...)»
Tal pedido, uma vez indeferido, motivou a interposição pela recorrente do presente recurso de constitucionalidade.
1. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
2. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Porém, não é isso que sucede no caso vertente, onde se constata que as normas cuja inconstitucionalidade é invocada pela recorrente não foram ratio decidendi – leia-se, fundamento determinante – do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 7 de fevereiro de 2013. Com efeito, este limitou-se a esclarecer o sentido do artigo 669.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, para concluir que o acórdão de 7 de dezembro de 2012 não enfermaria de “qualquer erro na aplicação das normas”.
Mesmo que assim não se entendesse, e até concedendo que as questões de constitucionalidade vertentes pudessem ter sido invocadas tão-só no requerimento de reforma do acórdão do Tribunal da Relação de Évora – leia-se, em incidente pós-decisório -, em virtude de a fundamentação constante deste ser parcialmente distinta da vertida na decisão do Tribunal Judicial de Abrantes, certo é que tampouco se acham verificados os pressupostos processuais supra elencados.
Verifica-se que, in casu, a recorrente não suscitou logo que pôde, isto é, no requerimento de reforma do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, a inconstitucionalidade do artigo 673.º, do CPC. Já quanto à interpretação normativa extraída do artigo 489.º, do CPC, e que a recorrente reputa desconforme com o parâmetro normativo-constitucional, deflui dos autos tampouco ter sido ela ratio decidendi do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 7 de dezembro de 2012. Atenta a fundamentação constante do aresto, percebe-se que interpretação normativa contestada tem subjacente uma apreciação puramente subjetiva do entendimento nele vertido, apreciação essa que não tem – verdadeiramente - respaldo nos autos:
«(...)
No caso dos autos a oponente vem invocar o instituto da acessão industrial imobiliária, sendo certo que os factos em que se fundamenta são anteriores à propositura da ação declarativa onde foi proferida a decisão a cuja execução opôs os presentes “embargos” e portanto era aí que deveria ter invocado tal direito e não após a decisão e muito menos depois do seu trânsito em julgado. E não se diga, como alega a recorrente, que não o poderia ter feito porquanto, ao fazê-lo entraria em contradição com a defesa que arquitetara e apresentara. Nada de mais errado! Na verdade poderia e deveria tê-lo feito fosse por via de exceção (facto impeditivo do direito do A.) fosse por via reconvencional, a título subsidiário, para o caso de improceder a simples defesa por impugnação e por exceção.
(...)»
Ou seja, não decorre da decisão recorrida nenhum ónus de “deduzir pedidos contraditórios com a defesa”, como sugere a recorrente, mas tão-só que o princípio da concentração da defesa, consagrado no artigo 489.º, do CPC, “tem um efeito preclusivo, obstando a que o réu venha alegar, depois da contestação factos então não alegados”, determinando tal efeito que tais factos nem como oposição a uma eventual execução possam ser utilizados. Esta dissonância entre as interpretações normativas enunciadas atesta cabalmente que a norma cuja conformidade com a Constituição a recorrente contesta não foi fundamento determinante do acórdão recorrido.
Destarte, somos levados a concluir pelo não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente o presente recurso de constitucionalidade.
(...)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, concretamente, na circunstância de o recorrente não ter suscitado tempestivamente a inconstitucionalidade do artigo 673.º, do CPC, e de, no que concerne ao artigo 489.º, do mesmo Código, não haver coincidência entre a interpretação normativa vertida no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional e aquela que resulta do Acórdão de 7 de dezembro de 2012.
Argumenta o reclamante, na reclamação deduzida, que “a questão de constitucionalidade da interpretação da norma do art. 673º do Cod. Proc. Civil foi amplamente desenvolvida no requerimento de reforma do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora”. Logo de seguida esclarece, porém, que “não se invocou, obviamente, a inconstitucionalidade do preceito desse artigo, interpretado segundo as boas regras da interpretação das leis, porque o sentido que dele desse modo se extrai não é, evidentemente, inconstitucional, e não consentiria que se decidisse como se decidiu”. Ora, este arrazoado, bem entendido, não logra ultrapassar nem tampouco colmatar a circunstância de o ora reclamante em nenhum momento do requerimento de reforma ter invocado o mencionado preceito e identificado o específico sentido normativo dele extraído que, isolada ou em conjugação com outra disposição, se mostrava desconforme com o parâmetro normativo-constitucional. O mesmo é dizer, portanto, que as referências que naquele requerimento se encontram à figura do caso julgado não se confundem com o levantamento tempestivo de uma questão de constitucionalidade.
Já quanto à segunda questão de constitucionalidade suscitada pelo então recorrente, a relativa ao artigo 489.º, do CPC, cumpre aqui reiterar o juízo vertido na decisão sumária, o qual – aliás – o reclamante não logra controverter na reclamação deduzida. Não soçobrando dúvidas de que aquele foi um dos preceitos aplicados pelo acórdão recorrido, é manifesto que a interpretação normativa impugnada pelo reclamante deriva já de uma leitura que extrapola o teor de tal acórdão, não tendo nele verdadeiramente respaldo.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 28 de maio de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.