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Proc. nº. 134/01 TC - 1ª Secção Rel.: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - J... interpôs recurso da sentença proferida em 10.11.2000 pelo Tribunal Administrativo de Círculo do Porto que julgou procedente e provada a acção intentada pelo Ministério Público para a declaração da perda de mandato autárquico do recorrente, Presidente da Junta de Freguesia de Crespos, como cabeça de lista mais votada para a Assembleia de Freguesia de Crespos e, por consequência, membro da Assembleia Municipal de Braga (cfr. fls. 61 a 65 dos presentes autos).
Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo apresentado alegações, que concluiu do seguinte modo:
'1. O Réu é motorista de autocarro (agente único de transportes), faz parte do quadro de pessoal do Município, mas presta serviço, em regime de requisição, na empresa pública municipal T... – EM, sendo certo que nos serviços do município nem sequer existem funções com conteúdo funcional semelhante.
2. A este propósito, o Tribunal Constitucional, em Acórdão de
26/11/97 (DR, II Série, 14/01/98) que considera elegível para a câmara municipal um funcionário da autarquia, nomeado para cargo dirigente em regime de comissão de serviço, entende que 'A questão do âmbito de aplicação do conceito de
'funcionário de órgão representativo da freguesia ou do município' põe-se especialmente nos casos em que se pode dizer que tal funcionário exerce a sua actividade em alguma outra entidade pública, a cujos serviços se encontra adstrito por requisição, mediante licença sem vencimento de longa duração ou em comissão de serviço ...'
3. É que a ratio da inelegibilidade prevista no artº. 4º, nº. 1, al. c) do DL 701-B/76 – separação entre o nível político e o nível administrativo como garante da imparcialidade e da independência na execução do respectivo mandato – está, desde logo, garantida, na medida em que o réu não presta serviço em qualquer repartição administrativa da autarquia, mas sim, como motorista em regime de requisição, numa empresa pública municipal.
4. Pelo exposto, o Réu não é, para efeitos de aplicação do artº. 4º, nº. 1, al. c) do DL nº. 701-B/76 ao presente processo um 'funcionário de um
órgão representativo do município', uma vez que presta serviço numa empresa pública municipal, em regime de requisição, empresa essa que é uma pessoa colectiva distinta do município.
5. A decisão recorrida violou, por errada interpretação dos factos a sua subsunção no normativo em causa, o artº. 4º, nº. 1, al. c) do DL nº.
701-B/76.
6. O facto do artº. 4º, nº. 1, al. c) do DL 701-B/76 ser, em abstracto, constitucional não significa que a sua aplicação a uma determinada situação concreta não seja inconstitucional, sempre que tal contenda com o princípio da proibição do excesso e o princípio da proporcionalidade enunciados no artº. 18º, nº. 2 da CRP.
7. A aplicação da medida de perda de mandato só é constitucionalmente legítima relativamente a quem, tendo sido eleito para determinado cargo autárquico, não observou, no exercício das suas funções, as regras de isenção, imparcialidade e independência que devem presidir à titularidade do respectivo mandato, a quem, por outras palavras, violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso. (cfr. Ac STA, de 21/03/96, Proc.
039678, cuja fundamentação se seguiu de perto).
8. Ora, no caso sub judice, não se indica, na decisão recorrida, uma
única situação que indicie que o Réu violou os seus deveres de imparcialidade e isenção enquanto Presidente da Junta de Crespos ou mesmo enquanto membro da Assembleia Municipal.
9. A ratio do preceito que fundamenta a decisão recorrida (artº. 4º, nº. 1, al. c) do DL 701-B/76) é, precisamente, a garantia daqueles deveres de isenção, imparcialidade e independência e, por isso, necessário seria, para suportar factualmente a declaração de perda de mandato, que na referida decisão se invocassem factos, situações ou condutas do réu que atentassem contra os referidos princípios norteadores da actividade política e que o tornassem objecto de uma censura ética e jurídica, de molde a motivar o seu afastamento do cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Crespos e membro da A M de Braga.
10. A única situação que, na tese perfilhada pelo meritíssimo juiz a quo, poderá atentar, em abstracto, contra a independência e a imparcialidade do exercício do mandato do Réu é resultante deste ser, simultaneamente, motorista de uma empresa pública municipal e membro da Assembleia Municipal, situação essa que, em abstracto, nem sequer é ilícita.
11. A decisão recorrida, ao declarar a perda de mandato do Réu, com as consequências supra referidas, impõe uma restrição aos seus direitos políticos fundamentais muito para além dos limites constitucionais consagrados no artº. 18º, nº. 2 e 50º, nº. 3 da CRP, pois não fundamenta tal restrição em condutas concretas do Réu violadoras de princípios de acção política que deveriam nortear o seu mandato e que justificassem, por essa razão, o seu afastamento do cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Crespos.
12. Nessa medida, a interpretação e a aplicação que na decisão recorrida é feita do artº. 4º, nº. 1, al. c) do DL 701-B/76 é desproporcionada, excessiva e, dessa forma, inconstitucional.
13. A decisão recorrida violou as seguintes normas e princípios de direito: a. o artº. 4º, nº. 1, al. c) do DL 701-B/76, por errada interpretação dos factos e respectiva subsunção no normativo invocado; b) os princípios constitucionais da proporcionalidade e da proibição do excesso, consagrados nos artºs. 18º, nº. 2 e 50º, nº. 3 da Constituição da República Portuguesa ao aplicar o referido artº. 4º, nº. 1, al. c) como fundamento da declaração da perda de mandato do Réu.
O Supremo Tribunal Administrativo por acórdão em conferência da 1ª Secção, proferido em 30.01.2001, decidiu negar provimento ao recurso, mantendo a decisão de perda de mandato.
De novo inconformado, veio o réu interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, tendo afirmado no requerimento de interposição que 'O presente recurso visa a declaração da inconstitucionalidade da aplicação, ao caso em concreto, do artigo 4º, nº 1, alínea d) do Decreto-Lei nº. 401-B/76, por violação dos artigos 18º, nº2, e 50º, nº.1, 2, e 3 da Constituição da República Portuguesa, questão que foi oportunamente suscitada na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça' (sic).
Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal, produziu o recorrente alegações que concluiu nos seguintes termos:
'1 – O facto do artigo 4º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº. 701-B/76 de 29 de Setembro ser, em abstracto, constitucional não significa que a sua aplicação a uma determinada situação concreta não seja inconstitucional, sempre que tal contenda com o princípio da proibição do excesso e o princípio da proporcionalidade enunciados no artigo 18º, nº 2 da CRP.
2 – O Acórdão recorrido faz uma interpretação dos artigos em causa – 4º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº. 701-B/76 de 29 de Setembro e artigo 8º, alínea b) da Lei 27/96 de 1 de Agosto – no sentido destes preceitos fixarem um fundamento objectivo da perda do mandato.
3 – A aplicação da sanção de perda o mandato só é constitucionalmente legítima relativamente a quem, tendo sido eleito para determinado cargo autárquico, não observou, no exercício das suas funções, as regras de isenção, imparcialidade e independência que devem presidir à titularidade do respectivo mandato, a quem, por outras palavras, violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso.
4 – O Acórdão recorrido discute e argumenta no sentido de que a inelegibilidade prevista no artigo 4º, número 1, alínea c) não é desproporcionada ou excessiva pois tem carácter preventivo! Este entendimento é, salvo o devido respeito, erróneo. Esta inelegibilidade não tem carácter preventivo nas acções de declaração da perda de mandato. Tal só faz todo o sentido no contencioso eleitoral. Na acção de declaração de perda do mandato vale o conteúdo, não a forma.
5 – Em concreto, não é indicada qualquer situação descrita no probatório da sentença ou mesmo na petição inicial que indicie que o recorrente tenha efectivamente violado os seus deveres de imparcialidade e isenção enquanto Presidente da Junta de Freguesia de Crespos, ou mesmo como membro da Assembleia Municipal de Braga.
6 – Dos três pressupostos materiais para uma restrição legítima dos 'direitos, liberdades e garantias' garantidos constitucionalmente: 1- previsão constitucional expressa; 2 - salvaguarda de um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido; e 3 - princípio da proporcionalidade; o Acórdão em mérito e que interpreta os normativos em questão como um fundamento objectivo da declaração de perda do mandato, independente da conduta do recorrente, não possui o terceiro pressuposto, isto é, a proporcionalidade da restrição.
7 - À mesma decisão falta o requisito determinado no artigo 10º da Lei nº 27/96 de 1 de Agosto, pois, sendo a declaração da perda do mandato uma verdadeira sanção, implicando sempre uma censura ético-jurídica de determinada conduta, nunca poderá estar dissociada de um juízo sobre a culpa do recorrente.
8 - O único fundamento da presente declaração de perda do mandato do recorrente
é o facto de este ser formalmente funcionário do quadro do Município de Braga embora preste serviço numa empresa pública municipal. Sendo certo que este serviço que presta em nada contender com os referidos princípios. De facto, não se descortina como poderá um mero motorista de autocarro, cuja carreira nem sequer passa pela área da freguesia onde é Presidente (bem pelo contrário, é muito afastada), fazer perigar a liberdade e a independência de voto dos eleitores!
9 - A decisão recorrida, ao interpretar os referidos artigos 4º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 701-B/76 de 29 de Setembro e artigo 8º, alínea b) da Lei 27/96 de 1 de Agosto como um pressuposto objectivo da perda do mandato, independentemente da apreciação da conduta do recorrente, declarando a perda do seu mandato como Presidente da Junta de Freguesia de Crespos, impõe uma restrição aos seus direitos políticos fundamentais muito para além dos limites constitucionais consagrados no artigo 18º, nº 2 da CRP, pois não fundamenta tal restrição em condutas concretas do recorrente violadoras dos princípios constitucionais que presidem à 'ratio' daqueles normativos e que justificassem o seu afastamento do cargo de Presidente da Junta de Freguesia.
10 - A interpretação e a aplicação que na decisão recorrida é feita dos artigos
4º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº. 701-B/76 de 29 de Setembro e artigo 8º, alínea b) da Lei 27/96 de 1 de Agosto, é excessiva, desproporcionada e, assim, inconstitucional, violando o direito de participação na vida pública e do direito de acesso a cargos públicos consagrados nos artigos 48º, número 1 e 50º, número 1 da Constituição da República Portuguesa'.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal contra-alegou, apresentando como conclusão:
'1º - A norma constante do artigo 4º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 701-B/76 não viola o disposto no nº 3 do artigo 50º da Constituição da República Portuguesa (conjugado com o nº 2 do artigo 18º), enquanto interpretada em termos de nela se prescrever a inelegibilidade para a assembleia municipal de funcionário do quadro do pessoal do município, apesar de este - em regime de requisição - estar a exercer funções em empresa pública municipal.
2º - Termos em que deverá improceder o presente recurso'.
Cumpre apreciar e decidir.
2 - Importa delimitar o objecto de recurso, tanto mais que o recorrente aceita que a norma do artigo 4º, nº. 1, alínea c) do Decreto-Lei nº. 701-B/76, de 29 de Setembro, na redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº. 757/76, de 21 de Outubro, não é, em abstracto, inconstitucional.
Entende o recorrente que encontrando-se – em regime de requisição – a prestar serviço como agente único de transportes em empresa pública municipal, a perda de mandato de Presidente da Junta de Freguesia (e, por consequência, membro da Assembleia Municipal do respectivo município) com fundamento em inelegibilidade
é inconstitucional por violação do princípio da proibição de excesso e do princípio da proporcionalidade enunciados no artigo 18º, nº. 2 da CRP.
Ou seja, em seu entender, a norma que estabelece a perda de mandato, por força do disposto no artigo 8º nº 1 alínea b) da Lei nº 27/96, em conjugação com o artigo 4º nº 1 alínea c) do Decreto-lei nº 701-B/76, interpretada em termos de abranger um presidente de Junta de Freguesia (e, consequentemente, membro da assembleia municipal do respectivo município), que, após a respectiva eleição, integra o quadro do pessoal do município, mas se mantém requisitado numa empresa pública municipal, é inconstitucional.
Dispõe o artigo 4º, nº. 1, alínea c) do Decreto-Lei nº. 701-B/76, de
29 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº. 757/76, de 21 de Outubro:
'(Inelegibilidade)
1. Não podem ser eleitos para os órgãos do poder local: a. (...) b. (...) c. Os funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios;'
Dispõe por sua vez o artigo 8º, nº. 1, alínea b) da Lei nº. 27/96, de 1 de Agosto:
'Perda de mandato'
'1 – Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que: a. (...) b. Após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de uma situação de inelegibilidade já existente, e ainda subsistente, mas não detectada previamente à eleição;'
A norma ínsita no artigo 4º, nº. 1, alínea c) do Decreto-Lei nº. 701-B/76, de 29 de Setembro (com a redacção do Decreto-Lei nº. 757/76, de 21 de Outubro), já foi por diversas vezes apreciada por este Tribunal (cfr., nomeadamente, acórdãos nºs. 12/84; 244/85; 537/89; 552/89; 583/89 e 700/97).
A jurisprudência firmada por este Tribunal – a que se adere, não se descortinando razões para abandonar ou alterar – é, resumidamente, do seguinte teor (cfr. cit. Ac. nº. 244/85 in ATC, 6º vol., p. 211 e segs.):
'Em síntese, entende o Tribunal o seguinte: que a inelegibilidade estabelecida pelo art. 4º, nº. 1, al. c), do Dec.-Lei 701-B/76, na redacção do Dec.-Lei 757/76, opera unicamente no âmbito da respectiva autarquia, ou seja: respeita unicamente à eleição do órgão autárquico de que o cidadão é
'funcionário' ou de outro órgão da mesma autarquia (...); que essa inelegibilidade abrange apenas os 'funcionários' da administração autárquica directa, dela estando excluídos, por conseguinte, os 'funcionários' da administração autárquica, autónoma ou indirecta (nomeadamente, os dos serviços municipalizados e das associações ou federações de municípios; mas atinge, nessa zona da administração autárquica, tanto os funcionários, em sentido estrito, como os simples agentes com vínculo permanente; que tal inelegibilidade, com o
âmbito espacial e pessoal de aplicação acabado de descrever, se explica pelo objectivo de preservar e garantir a 'independência' e a imparcialidade do poder local; que este objectivo tem perfeito cabimento e justificação constitucional'.
Por sua vez, os Acórdãos nºs. 12/84 e 583/89 fazem apelo à necessidade de evitar a captatio benevolentiae, de modo a permitir a liberdade de voto, afastando qualquer tipo de influência ilegítima que o funcionário possa exercer localmente, sendo certo que é a nível local que essa influência ganha (pode ganhar) maior relevância.
É inquestionável, portanto, à luz da jurisprudência deste Tribunal, que a inelegibilidade para os órgãos do poder local dos funcionários dos órgãos representativos das freguesias e dos municípios é ditada pelo propósito de garantir a 'separação' entre o nível 'político-deliberativo' da administração autárquica e o seu nível 'executivo', para assim preservar e assegurar a
'independência' e imparcialidade do exercício dessa administração, o que vale por dizer que se identifica aí um 'interesse constitucional'.
A jurisprudência deste Tribunal tem sempre afastado as dúvidas àcerca da constitucionalidade do dispositivo legal em causa, ainda que analisado à luz da redacção dada ao artigo 50º, nº. 3 da CRP pela revisão constitucional de 1989, firmando o entendimento de que tal inelegibilidade, constituindo uma restrição ao direito fundamental de participação política e, em simultâneo, uma compressão
à capacidade eleitoral passiva, traduz, não obstante, uma solução adequada e proporcional à salvaguarda de valores e interesses que a lei, através dela, pretende assegurar: a isenção e independência do exercício dos cargos nos diversos órgãos do poder local.
Com o estabelecimento dessa inelegibilidade, o legislador ordinário respeitou os condicionalismos constitucionais das restrições dos direitos fundamentais, nomeadamente a proibição do excesso e a exigência de adequação, tendo em conta os interesses em presença.
Identificada assim a ratio do artigo 4º, nº. 1, alínea c) do diploma em causa, importa averiguar qual o conceito operativo de funcionário dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios, o mesmo é dizer, identificar o
âmbito de aplicação pessoal da norma.
A tarefa está simplificada, visto que também quanto a esse conceito já este Tribunal se pronunciou em termos a que inteiramente aqui se adere.
De facto, como se disse no Acórdão nº. 700/97: 'A questão do âmbito de aplicação do conceito de 'funcionário de órgão representativo da freguesia ou do município' põe-se especialmente nos casos em que se pode dizer que tal funcionário exerce a sua actividade em alguma outra entidade pública, a cujo serviço se encontra adstrito por requisição, (...) Deve, então, para os fins da inelegibilidade da alínea c) do artigo 4º, prevalecer o vínculo originário à autarquia ou o novo vínculo funcional a que se encontra adstrito? Posta assim a questão, a jurisprudência maioritária do Tribunal tem sobretudo atendido à força relativa de cada um dos vínculos, como resulta do especial regime da dupla vinculação. Assim, na hipótese de requisição, entende-se no Acórdão nº. 537/89
(Acórdãos, nº. 14, pp. 391 e segs.), por maioria, que a requisição não tem a virtualidade de levantar a inelegibilidade, por ter o fim de assegurar o exercício transitório de tarefas excepcionais de um serviço com pessoal de outro serviço, por ter sempre carácter temporário e não dar lugar à abertura de vaga no quadro de origem, embora o lugar de origem do funcionário requisitado possa ser preenchido interinamente. Este último traço do regime - a não vacatura do lugar - foi considerado decisivo para considerar o caso abrangido pela alínea c) do nº. 1 do artigo 4º'.
Também já no Acórdão nº. 537/89 se salientara que 'a requisição (...) não tem a virtualidade de levantar a inelegibilidade'.
De qualquer modo – quanto ao regime da requisição -, dúvidas não restam de que assim é, na medida em que a Lei nº. 58/98, de 18 de Agosto, a Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais, veio clarificar o respectivo regime, ao estabelecer no artigo 37º, relativo ao estatuto do pessoal, que 'As comissões de serviço, as requisições ou os destacamentos feitos ao abrigo do presente artigo não determinam a abertura de vaga no quadro de origem'.
Acrescenta-se ainda que 'Enquanto se mantiverem na situação [de requisição], os funcionários mantêm todos os direitos inerentes ao lugar de origem, designadamente o direito à carreira e à segurança social, considerando-se para todos os efeitos, o período de (...), requisição (...) como tempo de serviço efectivamente prestado no lugar de origem' (cfr. nº. 4 do referido artigo 37º).
Idêntica norma consta, aliás, do artigo 31º (com a epígrafe 'estatuto do pessoal') dos Estatutos da T... – E.M que estão juntos aos autos.
Isto significa que o funcionário, mesmo requisitado, não perde o seu vínculo de origem, continuando a ser funcionário autárquico, podendo a qualquer momento regressar. Ou seja, reúne na sua pessoa – confundindo – as qualidades de funcionário autárquico e a de membro da Assembleia Municipal de Braga que, no exercício das suas competências, determina, fiscaliza e controla a actividade da empresa municipal em que o Réu presta serviço.
O que basta para justificar a inelegibilidade: preservar a independência do exercício dos cargos electivos autárquicos e assegurar que os respectivos titulares desempenham esse cargo com isenção e desinteresse, numa palavra, com imparcialidade.
3 – Importa agora analisar se a perda de mandato aplicável com fundamento em inelegibilidade se afigura como solução legislativa inconstitucional por violação da proibição de excesso e do princípio da proporcionalidade, como defende o recorrente.
A Lei nº. 27/96, de 1 de Agosto, estipula na alínea b) do nº. 1 do artigo 8º que incorrem na perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que após a eleição sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de situação de inelegibilidade existente e ainda subsistente, mas não detectada previamente à eleição.
Trata-se de solução legal há muito enraizada no nosso ordenamento jurídico, já que no Código Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei nº. 31 095, de 31 de Dezembro de 1940, a situação de inelegibilidade ocorrida após a eleição para cargos electivos figurava como fundamento da perda de mandato (cfr., v.g., artigos 20º e 41º).
A inelegibilidade como fundamento da perda de mandato de quem exerce funções de membro de órgão autárquico justifica-se pela necessidade de garantir a isenção e a independência no exercício do cargo autárquico. Pretende-se assegurar que quem foi eleito membro de órgão autárquico garanta no exercício do cargo essas isenção e independência., competindo ao legislador ordinário criar, por um lado, condições para que os cargos autárquicos sejam exercidos com isenção e independência e, por outro, condições para que os titulares dos cargos autárquicos se apresentem aos olhos dos cidadãos como pessoas acima de qualquer suspeita.
Não se vê qualquer razão para distinguir entre as situações de inelegibilidade ab initio – em que a pessoa não pode ser eleita para salvaguarda da transparência, isenção e imparcialidade no exercício de cargo público nos órgãos do poder local – e a inelegibilidade após a eleição de pessoa que, pela qualidade de funcionário dos órgãos representativos das freguesias e dos municípios, não garante essas mesmas características no desempenho das suas funções, independentemente de um juízo de culpa sobre a sua actuação concreta.
Se o funcionário dos órgãos representativos das freguesias e dos municípios não pode ser eleito para os órgãos de poder local – considerando-se inelegível – também não pode continuar a exercer os cargos autárquicos para que foi eleito o funcionário que, após a eleição, reúne/confunde na sua pessoa as qualidades de funcionário e membro de um órgão local (in casu, membro da Assembleia Municipal de Braga), por se encontrar em situação de inelegibilidade. Verificada a inelegibilidade após a eleição, e considerando os valores de isenção e transparência que aquela visa tutelar, independentemente do modo como o autarca exerce, em concreto, os seus poderes, a perda de mandato é uma solução adequada e mesmo irrecusável, em ordem a preservar esses valores e a confiança que o exercício dos cargos autárquicos deve merecer dos cidadãos.
Por tudo o que se expôs, a referida perda de mandato com fundamento em situação de inelegibilidade ocorrida após a eleição não se mostra desproporcionada, não se verificando qualquer violação da proibição de excesso, nem tão pouco do princípio da proporcionalidade.
4 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 26 de Setembro de 2001- Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa