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Processo n.º 456/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrente A. e como
recorridos MINISTÉRIO PÚBLICO e B., foi proferida a seguinte Decisão Sumária
(cfr. fls. 672 a 675).
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A. e como recorridos
MINISTÉRIO PÚBLICO e B., vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, o primeiro
interpõe recurso do “Acórdão de 24/01/2007” […] “nos termos do disposto nos
arts. 75º-A, n.º 1, com referência ao disposto no artigo 70º, n.º 1, al. b) da
Lei 28/82, de 15 de Novembro de 1982” [cfr. requerimento de fls. 565 dos autos).
II – DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
2. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in
casu, o Tribunal da Relação de Lisboa – o poder de apreciar a admissão de
recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do
n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que, antes de mais, cumpre apreciar se estão
preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos
artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
3. Tendo em conta que a fiscalização da constitucionalidade no sistema português
tem por objecto apenas normas, como resulta, entre outros, dos artigos 204º e
277º, nº 1, da CRP, o n.º 1 do artigo 75º-A da LTC impõe aos recorrentes que, em
sede de requerimento de recurso, indiquem “a norma cuja inconstitucionalidade ou
ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”.
Sucede, porém, que, no caso em apreço, o recorrente não indicou qualquer norma
jurídica sobre a qual este Tribunal pudesse emitir um juízo de
inconstitucionalidade [cfr. fls. 565]. Aliás, ainda que se fizesse fé na aludida
remissão para os §§ 34 a 39 das conclusões do recurso interposto junto do
Tribunal da Relação de Lisboa, seria igualmente forçoso concluir que – nem
sequer aí – invocou o ora recorrente a inconstitucionalidade de qualquer norma
jurídica concreta.
É certo que o relator do Tribunal Constitucional dispõe do poder de convidar os
recorrentes a indicar os elementos em falta, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75º-A
da LTC, mas neste caso concreto tal convite configuraria um acto processual
inútil, de cuja prática deve este Tribunal abster-se, nos termos do artigo 137º
do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC. Isto porque, ainda que o recorrente
viesse a suprir a ausência de indicação da norma cuja inconstitucionalidade se
reclama no requerimento de interposição do recurso, tal supressão jamais seria
apta a alterar o sentido da decisão a proferir por este Tribunal, uma vez que,
conforme melhor se demonstrará infra, o recorrente nunca suscitou, “de modo
processualmente adequado” qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
conforme lhe era imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC.
4. Com efeito, restringindo-se o objecto da fiscalização da constitucionalidade
a normas jurídicas e interpretações normativas, isto é, a interpretação ou o
sentido em que a norma foi aplicada no caso concreto (cfr., entre muitos outros,
Acórdão nº 117/01), daqui decorre que as decisões judiciais estão excluídas do
objecto da fiscalização da constitucionalidade, em geral, e da fiscalização
concreta, em particular (Cfr. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional,
2ª ed., Tomo VI, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 217).
Ora, analisando o caso em apreço, verifica-se que, em sede de conclusões do
recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o requerente limita-se a alegar,
de modo genérico e sem referência a qualquer disposição normativa concreta, a
decisão judicial do tribunal de 1ª instância, não colocando qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, como resulta claro do seguinte excerto:
“34. Assinale-se, por fim, que existe vício de inconstitucionalidade material na
sentença recorrida, por violação dos n.ºs 1 e 2 do art. 32º da CRP, o que desde
já vem arguido, para todas as legais consequências”;
(…)
“39. Tal diferença, que diminui as condições do exercício da defesa, implica que
haja INCONSTITUTICIONALIDADE MATERIAL da sentença recorrida, também por violação
do disposto no n.º 2 do art. 32º da CRP, vício que desde já fica arguido, para
todos os efeitos legais.” (cfr. transcrição das alegações inserta no Acórdão
recorrido, de fls. 546 e 547, com sublinhado e negrito nosso).
Como tal, na medida em que o recorrente apenas suscita uma pretensa
inconstitucionalidade da decisão recorrida e não a inconstitucionalidade de
qualquer preceito normativo, é forçoso concluir pela ausência de prévia
invocação adequada da inconstitucionalidade de qualquer norma. Além disso, tendo
em consideração o princípio do pedido, que decorre do n.º 1 do artigo 71º da
LTC, nunca este Tribunal poderia substituir-se ao recorrente na determinação de
qual a norma jurídica concreta reputada de inconstitucional, dado que as suas
decisões se encontram limitadas ao pedido formulado pelo recorrente.
5. Pelo exposto, conclui-se, sem necessidade de aferir dos restantes
pressupostos processuais, que o recorrente é parte ilegítima, pelo que o
tribunal recorrido deveria ter recusado a admissão do recurso de
inconstitucionalidade. Não o tendo feito, compete a este Tribunal, nos termos do
n.º 2 do artigo 76º da LTC, indeferir o requerimento.
III. DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, e pelo fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto
do recurso.»
2. Inconformado, o recorrente apresentou a seguinte reclamação (cfr. fls 679 e
680):
«A., Recorrente nos autos supra referenciados, notificado da decisão sumária que
decidiu no sentido de indeferir o requerimento de interposição de recurso nos
termos do n.º 2 do artigo 76.º da LTC, vem nos termos do disposto n.º 4 do art.
76.º da LTC apresentar Reclamação do douto despacho que indeferiu o Recurso, o
que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional nos termos do
disposto no art. 75.º-A da LTC.
2. No requerimento de interposição de recurso o Recorrente invoca a violação do
art. 32.º nºs 1 e 2 da CRP.
3. Apesar de no requerimento de interposição de recurso não ter sido invocada a
norma cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada, o mesmo foi aceite
pelo douto Tribunal da Relação.
4. No entanto entendeu este douto Tribunal indeferir o Recurso por não obedecer
aos requisitos do art. 75.º-A da LTC.
5. Porém, e ao abrigo do disposto no art. 75.º-A n.º 5 da LTC, o Juiz deverá
convidar o requerente a prestar as indicações em falta, no prazo de 10 dias.
6. Não foi o Recorrente e agora Reclamante, notificado para aperfeiçoar o seu
requerimento de Recurso para o Tribunal Constitucional, conforme impõe tal
disposição legal, mas apenas tendo sido notificada da sua não admissão ao abrigo
do disposto no art. 76.º n.º 2 da LTC.
7. Ora dispõe do art. 76.º da LTC que deve ser observado o suprimento previsto
no n.º 5 do art. 75.º-A, só devendo e podendo o requerimento de recurso para o
Tribunal Constitucional ser indeferido “...quando não satisfaça os requisitos do
artigo 75. °-A, mesmo após o suprimento do seu n.º 5....”
8. Assim só podemos concluir que, o douto despacho agora reclamado, viola
directamente o estatuído no artigo 76.º n.º 2, da LTC, sendo por consequência
ilegal.
Assim em conclusão
O douto despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional com
base no disposto no n.º 2 do art. 76.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, não
respeitou o disposto no art. 75.º-A n.º 5, na medida em que se limita a
indeferir o dito requerimento de recurso, sem primeiro ter convidado o ora
Reclamante a suprir e/ou aperfeiçoar o requerimento de recurso em questão.
Assim, e salvo melhor opinião, é o douto despacho ilegal por violação do
disposto no artigo 75. °-A nº 5 e no disposto no art. 76.º n.º 2 ambos da Lei
n.º 28/82 de 15 de Novembro.
Devendo assim ser revogado o despacho que decidiu não admitir o recurso, sendo o
agora Reclamante notificado nos termos do disposto n.º 5 do art. 75.º-A da LTC
para suprir e/ou aperfeiçoar o seu requerimento de recurso.»
3. O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos (cfr. fls. 686 e
687):
«1°
A presente reclamação é manifestamente infundada.
2°
Na verdade, o reclamante não tem na devida conta a essencial — e evidente —
distinção entre pressupostos do recurso de constitucionalidade e requisitos
formais do respectivo requerimento de interposição.
3°
Não se colocando naturalmente a hipótese de prolação de um convite ao
aperfeiçoamento do dito requerimento quando, existindo os pressupostos do
recurso, ocorram deficiências ou insuficiências formais naquele requerimento,
susceptíveis ainda de suprimento pelo interessado.»
4. Em resposta da assistente, ora recorrida, B., à reclamação da decisão de
indeferimento do requerimento de interposição do recurso, apresentada pelo
Arguido, ora Recorrente, A., vem dizer o seguinte:
«A decisão sumária proferida nos autos, da qual o Rec.te reclama, não merece
censura.
A Rec.da concorda em absoluto com a decisão que, antecipada e avisadamente,
apreciou a questão da utilidade do convite previsto no nº 6 do art.º 75º-A da
LTC, tendo concluído, e bem, pela sua completa inutilidade.
Com efeito,
O recurso que o Rec.te interpôs não tem objecto, desde o inicio, e é impossível
que o mesmo tenha ou venha a ter objecto, dado que qualquer sentença não decide
da interposição de um recurso que a põe em crise e que, portanto, lhe é
necessariamente posterior.
Assim,
Não há qualquer norma que pudesse ter sido aplicada ou não aplicada pela
sentença a respeito do prazo de interposição de recurso em processo penal e da
sua conformidade com o princípio da igualdade no exercício da defesa do arguido
e com as garantias de defesa do arguido, uma vez que esta, a sentença, não se
pronunciou, nem se poderia ter pronunciado sobre a interposição de recurso dela
própria, sentença.
O recurso interposto pelo Rec.te não tem objecto,
Mas tem um objectivo,
Que é o de protelar o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida
pelo Tribunal de 1ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
E, tal como a reclamação a que se responde, é apenas um expediente dilatório e
mais um abuso dos meios de administração da justiça.
Nestes termos, e mais de direito,
Deve ser mantida a decisão de indeferimento do requerimento de interposição do
recurso para este Alto Tribunal,
para que, assim, se faça a costumada
JUSTIÇA!!!»
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Como ponto prévio, cumpre notar que, no requerimento, a fls. 679, o
recorrente A. afirma estar a reclamar do despacho que indeferiu o recurso,
indicando como base legal o artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional.
Ora, tal deve-se certamente a lapso. Na verdade, o que o recorrente pretendeu
foi apresentar reclamação para a conferência da decisão sumária proferida, ao
abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, pelo que se parte do princípio que é disso
que se trata.
Assim sendo, a presente reclamação fundamenta-se na violação do artigo 75º-A, nº
5, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
devido ao facto de a Relatora não ter convidado o recorrente a indicar os
elementos em falta no requerimento de interposição do recurso – in casu, a norma
cuja inconstitucionalidade se invoca.
Todavia, como resulta claro da Decisão Sumária reclamada, o não conhecimento do
objecto do presente recurso deveu-se à falta de pressupostos processuais
necessários à sua apreciação por este Tribunal e não à falta de elementos do
requerimento de interposição do recurso.
Remetendo para o que se disse mais desenvolvidamente na Decisão Sumária, o
recorrente limitou-se a suscitar uma pretensa inconstitucionalidade da decisão
recorrida, nunca tendo invocado, “de modo processualmente adequado” qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, conforme lhe era
imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC.
Assim sendo, não tendo o reclamante demonstrado que os pressupostos processuais
do recurso se encontravam preenchidos, não conseguiu abalar a bondade dos
fundamentos da Decisão Sumária, pelo que a presente reclamação é manifestamente
improcedente.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto nos n.º 3 e 4 do
artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação;
b) Confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 4 de Junho de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão