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Processo n.º 12/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos vieram os recorrentes requerer a correção do efeito conferido ao presente recurso de constitucionalidade pelo tribunal recorrido – efeito meramente devolutivo - por entenderem dever ser “fixado de imediato o efeito suspensivo” (cfr. o requerimento de fls. 254 a 259). Para tanto, invocaram em síntese as seguintes ordens de razões:
O presente recurso de constitucionalidade é interposto de decisão proferida em fase de recurso (mais propriamente, de decisão do Tribunal da Relação que indeferiu reclamação contra o despacho de não admissão do recurso para esse mesmo Tribunal), pelo que, nos termos do artigo 78.º, n.º 3, da LTC, deve manter o efeito do recurso anterior (a referida reclamação para o tribunal da Relação), sendo que, “como é evidente, o efeito dessa reclamação só pode ser, pela natureza das coisas, o efeito suspensivo”;
Caso assim não se entenda, designadamente por se considerar que o caso dos autos – caracterizado como “sui generis” – não cabe na previsão do referido artigo 78.º, n.º 3, então, o efeito do presente recurso sempre deveria ser (também) suspensivo por força, agora, do n.º 4 daquele mesmo preceito, tendo em conta que “a situação não se enquadra diretamente em nenhum [dos seus três primeiros] números” e o citado n.º 4 prevê como “efeito regra do recurso de constitucionalidade” o efeito suspensivo;
A utilidade do presente recurso de constitucionalidade impõe igualmente a atribuição do efeito suspensivo, uma vez que o mesmo tem por objeto a inconstitucionalidade da interpretação normativa de acordo com a qual a interposição do recurso para a Relação foi intempestiva, recurso esse que, caso tivesse sido admitido, teria efeito suspensivo, sendo que o pretendido com o recurso de constitucionalidade “não é mais, afinal, que permitir que a Relação venha a apreciar o recurso primitivamente interposto da decisão de 1.ª instância, em recurso que teria efeito suspensivo”; nesta situação, em que atenta a não fixação de tal efeito suspensivo em virtude de o recurso para a Relação, considerado intempestivo, não ter sido admitido, manifestam-se “razões próximas das que impuseram a solução prevista no art.º 78.º, n.º 2, da LTC”, ou seja: “o recurso para o TC sobre uma questão de constitucionalidade relativa à alegada intempestividade daquele recurso para a Relação tem que ter o mesmo efeito suspensivo que teria o recurso para a Relação, caso este tivesse sido admitido”;
Numa outra vertente, a “salvaguarda da utilidade do recurso de constitucionalidade” exige a atribuição do efeito suspensivo, porquanto “o que se pretende com [tal recurso] é que o [Tribunal Constitucional] faça aplicar nos autos o juízo de inconstitucionalidade que se alegou, e assim, numa cadeia inelutável de atos, determine que o primitivo recurso para a Relação contra aquela decisão de retirada das crianças seja admitido, para que possam ser conhecidos pela Relação os fundamentos apresentados contra essa decisão de 1ª instância, [n]omeadamente, para que a Relação possa apreciar as nulidades processuais insupríveis que se alegaram, e possa confrontar as interpretações normativas que a 1ª instância aplicou com as inconstitucionalidades de que essas interpretações foram acusadas no requerimento de recurso para a Relação”; e acrescentam: “a utilidade do presente recurso de constitucionalidade tem que ser aferida em função do risco existente de os efeitos da primitiva decisão de 1ª instância se venham a verificar de forma definitiva e irreversível”.
Notificado deste requerimento, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de o mesmo dever ser indeferido, não se alterando o efeito devolutivo fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 303 a 313).
Por despacho do relator de 25 de fevereiro de 2013, foi o mesmo requerimento indeferido e, em consequência, mantido o efeito meramente devolutivo fixado pelo tribunal recorrido, precisando-se que tal efeito decorre do disposto no artigo 78.º, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante referida como “LTC” – cfr. fls. 315 a 325). Tal decisão, fundamentou-se, no essencial nas seguintes ordens de razões:
« 3. […I]mpõe-se começar por recordar que o mesmo recurso foi interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de novembro de 2012 (fls. 229 a 231) que decidiu a reclamação para a conferência apresentada pelos ora recorrentes da decisão proferida pela relatora dos autos nesse Tribunal, que, por sua vez, confirmou o indeferimento, fundado na respetiva extemporaneidade, do requerimento de interposição de recurso do acórdão proferido em primeira instância. Portanto, não está em causa imediatamente o recurso da decisão de fundo proferida na primeira instância, mas, antes, a reclamação da (confirmação da) não admissão de tal recurso. […]
Assim, o objeto em sentido processual deste recurso de constitucionalidade é um acórdão de conferência que confirma a decisão singular de manter (e, desse modo, também de confirmar) o despacho proferido pelo juiz do tribunal de primeira instância que não admitiu os recursos interpostos do acórdão proferido nessa mesma instância. Por isso, o eventual efeito suspensivo a atribuir ao recurso de constitucionalidade reporta-se necessariamente a tal decisão negativa, isto é, à não admissão do recurso; e não já à decisão positiva consubstanciada no acórdão proferido na primeira instância. Ora, uma decisão negativa – como seja a recusa de admissão do recurso –, por princípio, não produz efeitos jurídicos positivos, que são os únicos suscetíveis de serem suspensos.
É verdade que nada impede o legislador de associar à reação contra tal decisão negativa a suspensão de efeitos jurídicos produzidos anteriormente, em especial, quando esteja em causa a recusa de uma decisão que implicaria a paralisação de tais efeitos (por hipótese a admissão de um recurso com efeito suspensivo). Simplesmente, quando assim acontece, o que se suspende são, não os efeitos positivos da decisão negativa, aliás inexistentes; mas antes os efeitos próprios de decisão positiva anterior (por hipótese, a decisão de que se pretende recorrer).
Significa isto que, mesmo que viesse a ser fixado efeito suspensivo ao presente recurso de constitucionalidade (por hipótese, em razão da aplicação da regra residual prevista na LTC), o mesmo efeito não se projetaria imediatamente sobre a eficácia do acórdão proferido na primeira instância, a menos que a lei processual civil já tivesse conferido, com referência ao mesmo acórdão, efeito suspensivo às próprias reclamações contra a não admissão do recurso de tal acórdão.
Contudo, não é isso que acontece e, como os próprios recorrentes reconhecem, o acórdão em causa, no que se refere à confiança dos menores, até já foi cumprido. Mais: a ausência de tal efeito suspensivo da reclamação da não admissão do recurso interposto do acórdão de primeira instância pode in casu ter-se por absolutamente segura, atenta a existência de regra especial, relativa aos efeitos do recurso ordinário, que expressamente atribui ao tribunal recorrido a competência para a fixação do efeito de tal recurso em cada caso.
Em segundo lugar, também não pode esquecer-se que no sistema português de fiscalização da constitucionalidade a competência atribuída ao Tribunal Constitucional se cinge ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e não já das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. Deste modo, somente as normas jurídicas ou interpretações normativas são idóneas para integrar o objeto em sentido material do recurso de constitucionalidade: este incide sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não se destinando a sindicar o puro ato de julgamento naquilo que representa já uma autónoma valoração do caso ou a subsunção feita pelo julgador. E essa é uma diferença fundamental relativamente às figuras do recurso de amparo ou da queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.
Na lógica do mencionado sistema, o recurso de constitucionalidade configura-se como uma «extensão» dos recursos ordinários no tocante à questão da inconstitucionalidade normativa – cujo conhecimento compete a todos os tribunais, conforme estatuído no artigo 204.º da Constituição - para um Tribunal (ainda) mais afastado do caso concreto do que as demais instâncias de recurso. Compreende-se, por isso, que os efeitos do recurso de constitucionalidade, por princípio, se alinhem com os efeitos dos recursos de que o primeiro é uma «extensão», evitando-se a introdução de efeitos disruptivos nas decisões produzidas no âmbito do processo-base. Tal princípio não contraria a necessidade de previsão de uma regra residual; pelo contrário, contribui para o esclarecimento da respetiva teleologia e constitui fator de ponderação na aplicação das soluções previstas para casos excecionais.
Em terceiro lugar, o poder do relator no Tribunal Constitucional de fixar os efeitos do recurso de constitucionalidade é legalmente vinculado; a discricionariedade reconhecida em tal domínio, além de excecional, é de exercício colegial («o Tribunal, em conferência») e tem um caráter unidirecional: permite tão-somente afastar o efeito suspensivo, mas já não a atribuição de efeito suspensivo aí onde ele não for legalmente devido (cfr. o artigo 78.º, n.º 5, da LTC).
Por último, o despacho ora reclamado – aquele que admitiu o presente recurso de constitucionalidade – diz apenas o seguinte (cfr. fls. 245):
“Por terem legitimidade, ser tempestivo e verificado que está o requisito estabelecido nos artºs 72º, nº 2 (com referência ao artº 70º, nº 1, b), e 75ºA da LTC (Lei 28/82, de 15.11, atualizada pelas Lei 143/85, de 26.11, Lei 85/89, de 7.9, Lei 88/95, de 1.9, e Lei 13ª/98, de 26.2) admito o recurso interposto para o tribunal Constitucional, o qual sobe nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – artº 78º da citada LTC.”
[…]
A) A aplicabilidade do artigo 78.º, n.º 3, da LTC e as suas consequências no caso concreto
5. Os recorrentes têm razão quando sustentam que o presente recurso é interposto de decisão proferida em fase de recurso, devendo os seus efeitos ser determinados de harmonia com o disposto no artigo 78.º, n.º 3, da LTC. Com efeito, este preceito tem de ser articulado com artigo 70.º, n.º 3, da mesma Lei que equipara a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.
O acórdão recorrido foi proferido pela conferência no Tribunal da Relação de Lisboa e respeita à reclamação do despacho da relatora dos autos nesse Tribunal. Tal «reclamação» é, deste modo, equiparada a um recurso ordinário, nos termos já referidos, e, por conseguinte, o acórdão recorrido para o Tribunal Constitucional tem de considerar-se uma decisão proferida já em fase de recurso, para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 3, da LTC. São, por isso, as regras consignadas neste preceito que determinam os efeitos e regime de subida do presente recurso de constitucionalidade.
6. A ressalva prevista na parte final do preceito em análise – preenchimento ou realização da previsão do n.º 2 do artigo 78.º da LTC – não é aplicável. Com efeito, tal aplicabilidade pressupõe que a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional seja: (i) uma decisão recorrível ordinariamente; e (ii) que o pertinente recurso ordinário não tenha sido interposto ou, tendo havido interposição de tal recurso, o mesmo tenha sido declarado extinto.
Porém, no caso vertente, e como já foi salientado, a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional não é o acórdão proferido na primeira instância, mas sim a decisão que na segunda instância indeferiu a reclamação da não admissão do recurso decidida na primeira instância. E tal indeferimento não é recorrível ordinariamente – nem tal, de resto, é sustentado pelos ora recorrentes.
7. Diversamente, o que os recorrentes defendem é que aquela reclamação, «pela natureza das coisas», tem efeito suspensivo.
Todavia, se se considerar a «natureza» da reclamação em apreço, a conclusão que se alcança é precisamente a inversa: a de que a sua apresentação só tem um efeito devolutivo e que este é circunscrito à questão da manutenção, ou não, do despacho reclamado, em nada interferindo com a eficácia da decisão de que se pretende recorrer. De resto, sublinhe-se, tão pouco os recorrentes invocaram perante as instâncias – o Juízo de Família e Menores de Sintra e o Tribunal da Relação de Lisboa – o pretenso efeito suspensivo das reclamações que aí apresentaram.
O apelo à «natureza das coisas» pode, de algum modo, compreender -se, uma vez que a lei processual aplicável não diz expressamente qual o efeito associado a este meio impugnatório – a reclamação do despacho de não admissão do recurso. Com efeito, o artigo 688.º, n.º 3, primeira parte, do Código de Processo Civil limita-se a referir que “a reclamação é autuada por apenso e apresentada ao juiz que admita ou mande seguir o recurso ou que mantenha o despacho reclamado”, isto é, e com interesse para o presente caso, “aquele [despacho] que não admita a apelação, a revista ou o agravo”, conforme o n.º 1 do mesmo preceito. Apresentada a reclamação, o juiz competente para a apreciar pode rever a decisão reclamada – a aludida não admissão do recurso -, em vista a confirmá-la ou revogá-la. É este – e só este - o objeto da reclamação. Por isso mesmo, em caso de deferimento da reclamação pelo tribunal superior, diz-se na lei que aquele «manda admitir o recurso» e que “as partes são logo notificadas da decisão proferida na reclamação, baixando o processo para ser incorporado na causa principal, e lavrando o juiz […] despacho em conformidade com a decisão superior” (cfr. os n.os 2 e 3 do artigo 689.º do Código de Processo Civil).
Assim, só depois de admitido o recurso é que se produzem os efeitos próprios de tal meio de impugnação: o efeito devolutivo e, se for o caso, o efeito suspensivo, ambos referidos, então, à decisão recorrida; e não já à decisão reclamada (a não admissão do recurso).
Acresce que, podendo os recursos ter cumulativamente um efeito devolutivo e um efeito devolutivo, ou apenas um efeito devolutivo, nada justifica que, «pela natureza das coisas», a reclamação da não admissão dos recursos tenha necessariamente um efeito suspensivo da decisão de que se pretende recorrer.
No caso sub iudice esta objeção é tanto mais relevante, quanto – e ao contrário do que os recorrentes sustentam – os efeitos do recurso que cabe da decisão final sobre a aplicação de medidas de promoção e proteção no âmbito da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, (adiante referida simplesmente como “LPCJP”) – como é o caso do acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância – são fixados pelo tribunal recorrido, não se encontrando, portanto, pré-determinados na lei (cfr. o artigo 124.º, n.º 2, da LPCJP).
B) A utilidade do presente recurso de constitucionalidade
8. A utilidade do presente recurso de constitucionalidade, como decorre das considerações anteriores, não está dependente do tipo de efeitos que lhe sejam atribuídos, porque o mesmo recurso não respeita à decisão de fundo proferida na primeira instância, mas apenas à não admissão do recurso ordinário interposto de tal decisão.
Aliás, dada a especificidade daquela decisão de fundo e a especialidade do regime aplicável ao recurso ordinário que da mesma cabe, também não se pode ter por certo que a aplicação do artigo 78.º, n.º 2, da LTC, só por si, determinasse a suspensão da medida decretada naquela decisão (confiança de sete menores a instituição com vista a futura adoção – cfr. o artigo 35º, n.º 1, alínea g), da LPCJP). Com efeito, e atento o mencionado poder especial conferido ao tribunal recorrido pelo artigo 124.º, n.º 2, da LPCJP, não é adequado falar nestes casos de uma “cadeia inelutável de atos”, uma vez que é o próprio legislador quem elimina quaisquer «inelutabilidades».
E, mesmo que os recorrentes tivessem recorrido para este Tribunal daquela decisão – prescindindo do pertinente recurso ordinário, tal como facultado pelo artigo 70.º, n.º 4, da LTC – a última palavra quanto ao efeito de tal recurso continuaria a competir ao tribunal de primeira instância, por força do efeito conjugado do artigo 124.º, n.º 2, da LPCJP e do artigo 78.º, n.º 2, da LTC. Mais: se o efeito fixado a tal recurso pelo tribunal então recorrido nos termos do preceito da LPCJP fosse o efeito meramente devolutivo, o Tribunal Constitucional, ainda que o quisesse, não poderia aditar-lhe o efeito suspensivo (cfr. o artigo 78.º, n.º 5, da LTC).
Por outro lado, não só não foi questionada a legitimidade constitucional do citado n.º 2 do artigo 124.º da LPCJP, como o poder de escolha nele previsto se afigura inteiramente justificado, por identidade – ou, porventura, mesmo por maioria – de razão, relativamente às considerações tecidas no Acórdão deste Tribunal citado pelo Ministério Público (o Acórdão n.º 56/2002).
9. De qualquer modo, e apesar de a decisão proferida na primeira instância ter sido executada, o presente recurso mantém a sua utilidade processual (e, outrossim, continua a verificar-se o interesse processual dos recorrentes), uma vez que impede o trânsito em julgado da citada decisão.
Assim, se for concedido provimento ao recurso de constitucionalidade, o Tribunal da Relação de Lisboa deverá ordenar a admissão do recurso ordinário anteriormente interposto e subsequentemente apreciá-lo. Será essa a altura em que deverão ser apreciadas e decididas as questões mencionadas pelos recorrentes no seu requerimento e referidas supra no n.º 1, alínea b), do presente Despacho. E, caso aquele Tribunal venha a reconhecer razão, total ou parcial, aos ora recorrentes, tal reconhecimento poderá ter consequências quanto à medida decretada na primeira instância.»
2. Devidamente notificados de tal despacho, vieram os recorrentes, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 669.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º e n.º 2 do artigo 78.º-B da LTC, apresentar reclamação para a conferência, nos termos seguintes:
« 1. O douto despacho em apreço sustenta a utilidade do presente recurso uma vez que o mesmo impede o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo 2º Juízo de Família e Menores do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste-Sintra, que ordenou a medida de confiança a instituição com vista à futura adoção a 7 filhos menores dos recorrentes;
2. Entendem, porém, os recorrentes que tal utilidade só se concretizará, na prática, se a pendência do presente recurso obstar à efetiva adoção das crianças em causa;
3. Importa, assim, esclarecer o referido despacho nesta vertente, isto é, que da pendência do presente recurso (ainda que com efeito meramente devolutivo), não pode ser decretada a adoção de qualquer dos menores abrangidos por tal medida;
4. Na verdade a referida medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, encontra-se prevista no art.º 38-Aº LPCJP (aditado pela Lei nº 31/2003, 22 de Agosto), o qual determina que a referida medida só é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978º do CC;
5. Por sua vez, o nº 1 do referido art.º 1978º determina que o Tribunal apenas pode confiar o menor a instituição com vista à futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva das situações referidas nas alíneas a) a e) do mesmo nº 1;
6. Importando ainda atentar no nº 3 do mesmo art.º 1978º o qual refere que se considera também o menor em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela LPCJP;
7. Ainda com relevo para análise da presente reclamação, importa atentar no que dispõe o art.º 1981º CC, ao regular a matéria do consentimento para a adoção, designadamente o que se dispõe no nº 2 desse preceito, onde se lê que se a confiança do menor a instituição resultar de medida de promoção e proteção determinada pelo Tribunal, não é exigível o consentimento dos pais;
8. Importa atentar ainda que a adoção plena não é revogável (art.º 1989º CC) sendo apenas passível de revisão, nos excecionalíssimos casos referidos no nº 1 do art.º 1990º daquele diploma;
9. A sentença de adoção será passível de revisão, designadamente, nos termos da alínea b) daquele art.º 19902, “se o consentimento dos pais do adotado tiver sido indevidamente dispensado por não se verificarem as condições do nº 3 do art.º 1981º”;
10. Ainda assim “a revisão não será, contudo, concedida quando os interesses do adotado possam ser consideravelmente afetados, salvo se as razões invocadas pelo adotante imperiosamente o exigirem” (nº 3 do art.º 1990º);
A referida revisão de sentença que tiver decretado a adoção só pode ser pedida, no referido caso de dispensa irregular do consentimento por parte dos pais do adotado, no prazo de 6 meses a contar da data que tiveram conhecimento da adoção mas nunca depois de decorridos três anos sobre a data do transito em julgado da sentença que tiver decretado a adoção (alínea a) do nº 1 e nº 2 do art.º 1991º do CC);
11. Sendo este o quadro legal respeitante à matéria da dispensa do consentimento para a adoção (ainda para mais, havendo no processo prova evidente da verificação de nulidades absolutas decorrentes da violação do princípio do contraditório, matéria em que se funda, em grande parte, o recurso que se pretende ver admitido), como conciliar a execução da medida decretada de confiança a instituição com vista a futura adoção (a qual implica o início do processo nos curtos prazos previstos na respetiva legislação e a consequente possibilidade de vir entretanto a ser decretada sentença de adoção), com a garantia de recurso prevista no art. 124º LPCJP e a consequente possibilidade de vir a ser entretanto proferida decisão julgado irregular ou ilegal a dispensa do consentimento dos pais biológicos?
12. Pede-se, assim, ao Tribunal Constitucional procure o justo equilíbrio entre os vários interesses em jogo (estabilidade da adoção/proteção dos direitos fundamentais dos menores e dos seus pais biológicos) sob pena de se criarem situações de justiça irreparável, não só para os recorrentes e seus filhos como até para os eventuais futuros pais adotivos;
13. Esta reclamação, para além de se justificar no alegado carácter irreversível da sentença que decreta a adoção, justifica-se também em face da promoção do MP quando considera que «alterado esse efeito devolutivo para suspensivo, acarretará o regresso das crianças ao lar da sua família biológica (…) por outro lado, um tal regresso apenas contribuirá para atrasar o seu processo de adoção, podendo tal atraso revelar-se extremamente prejudicial para o êxito do processo, dada, entretanto, a alteração da idade dos menores envolvidos, que se verificará no final dos correntes autos»;
14. Para além de tomar como certa a materialidade dada como assente no referido acórdão, não transitado, parece decorrer da posição assim assumida pelo MP que a pendência do presente recurso não obstará à tramitação simultânea dos referidos processos de adoção.
Termos em que se requerem se digne V. Exa. alterar a parte final do despacho proferido no que se refere à utilidade do presente recurso, concretizando-se que a pendência do presente recurso não permite a instauração e subsequente tramitação de eventuais processos de adoção respeitantes aos menores em causa.»
3. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado daquela reclamação, pronunciou-se no sentido de que “a presente reclamação para a conferência não deverá merecer acolhimento por parte deste Tribunal Constitucional, não havendo razões para alterar o sentido do despacho” ora reclamado (cfr. a resposta de fls. 341 a 347, em especial, o artigo 9.º).
De todo o modo, a propósito do risco de ser, entretanto, decretada a adoção das crianças em causa, deixou consignado o seguinte:
«5º
Este Ministério Público é sensível à preocupação manifestada pelos ora reclamantes.
Considera, todavia, por outro lado, inteiramente correta a conclusão do Ilustre Conselheiro Relator quando afirma que “o presente recurso mantém a sua utilidade processual (…), uma vez que impede o trânsito em julgado da citada decisão.”
E quando acrescenta, logo a seguir:
“Assim, se for concedido provimento ao recurso de constitucionalidade, o Tribunal da Relação de Lisboa deverá ordenar a admissão do recurso ordinário anteriormente interposto e subsequentemente apreciá-lo. Será essa a altura em que deverão ser apreciadas e decididas as questões mencionadas pelos recorrentes no seu requerimento e referidas supra no nº 1, alínea b), do presente Despacho. E, caso aquele Tribunal venha a reconhecer razão, total ou parcial, aos ora recorrentes, tal reconhecimento poderá ter consequências quanto á medida decretada na primeira instância.”
6º
Este Ministério Público já ultimou as suas contra-alegações nos presentes autos, nas quais concluiu que este Tribunal Constitucional deveria conceder provimento ao recurso de constitucionalidade oportunamente interposto pelos ora reclamantes.
Acha, com efeito, que lhes deverá ser dada oportunidade de contestar, junto de um tribunal de recurso, o bem fundado da decisão de 1ª instância e a aplicação da medida, aí decretada, de confiança de sete dos seus filhos a instituição com vista a futura adoção.
7º
O problema agora em discussão é, porém, diferente, ou seja, o de saber se os menores, retirados de casa dos seus progenitores em 8 de Junho de 2012, deverão a ela regressar, enquanto o presente recurso de constitucionalidade não é apreciado, ou se, pelo contrário, deverão permanecer na instituição em que já se encontram, para aí aguardar o desfecho do mesmo recurso.
Ora, a solução que se considera preferível é a de manter a situação atual, de alguma forma estabilizada, e decorrente de uma decisão judicial - que, bem ou mal, fez uma pormenorizada avaliação da respetiva situação - enquanto se aguarda a decisão deste Tribunal Constitucional sobre o recurso apresentado.
Sendo certo, de qualquer modo, que tal decisão reveste natureza urgente, dados os interesses em jogo.
8º
De qualquer modo, esclarecendo a dúvida suscitada pelos ora recorrentes, entende este Ministério Público que o eventual processo de adoção poderá prosseguir, relativamente aos menores em causa, com exceção da sentença última que a decrete, uma vez que qualquer adoção só deverá, naturalmente, ser decretada depois de devidamente esclarecidas, nos autos, por decisão transitada em julgado, as diversas questões suscitadas quer pelos menores, quer pelos seus progenitores, relativamente ao Acórdão de 1ª instância já proferido.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. Segundo o artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil – a base legal da presente reclamação, juntamente com o disposto no artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC - pode qualquer das partes “requerer o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”. A razão de ser da norma encontra-se em que, colocada uma questão a dirimir, a decisão que a resolve não deve deixar dúvidas sobre o seu enunciado e alcance. A aclaração será apenas devida, então, ante a obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
Ocorre obscuridade da decisão quando o seu sentido, em todo ou em parte, for ininteligível, confuso ou de difícil interpretação, ou seja, quando o enunciado não permite descortinar e apreender inequivocamente o que o Tribunal quis dizer. Por seu turno, a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no segmento considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes.
Porém não é esse o objetivo da presente reclamação; esta não visa a obtenção de qualquer um daqueles tipos de esclarecimentos. Aliás, nem tal é pedido pelos recorrentes, ora reclamantes.
Na verdade, estes sabem exatamente o que significa a atribuição ao recurso de constitucionalidade de «efeito meramente devolutivo», pois de outro modo nem teriam tentado modificar tal efeito por via do requerimento de fls. 254 a 259. Acresce que os recorrentes também evidenciam ter compreendido o sentido e alcance da utilidade processual associada ao presente recurso de constitucionalidade a que é feita referência nos n.os 8 e 9 do despacho reclamado. Por isso afirmam no n.º 1 da reclamação:
«O douto despacho em apreço sustenta a utilidade do presente recurso uma vez que o mesmo impede o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo 2º Juízo de Família e Menores do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste-Sintra, que ordenou a medida de confiança a instituição com vista à futura adoção a 7 filhos menores dos recorrentes.»
A referência especial no despacho reclamado à utilidade processual do presente recurso de constitucionalidade – no sentido da subsistência do interesse processual dos recorrentes, por oposição a uma situação de inutilidade superveniente da lide – visou exclusivamente refutar a existência de uma pretendida correlação da utilidade daquele meio processual e do seu efeito suspensivo, tal como afirmada no requerimento de fls. 254 a 259 (cfr. supra o n.º 1., alíneas c) e d). Mantêm-se, por isso, e no que se refere a esta questão, as conclusões alcançadas no despacho reclamado, que ora se reiteram:
A utilidade do presente recurso de constitucionalidade não está dependente do tipo de efeitos que lhe sejam atribuídos, porque o mesmo recurso não respeita à decisão de fundo proferida na primeira instância, mas apenas à não admissão do recurso ordinário interposto de tal decisão;
O presente recurso mantém a sua utilidade processual (e, outrossim, continua a verificar-se o interesse processual dos recorrentes), uma vez que impede o trânsito em julgado da citada decisão;
Assim, se for concedido provimento ao recurso de constitucionalidade, o Tribunal da Relação de Lisboa deverá ordenar a admissão do recurso ordinário anteriormente interposto e subsequentemente apreciá-lo, sucedendo que, caso o mesmo Tribunal venha a reconhecer razão, total ou parcial, aos ora recorrentes, tal reconhecimento poderá ter consequências quanto à medida decretada na primeira instância.
5. Todavia, a preocupação dos recorrentes não respeita à questão da utilidade processual deste recurso de constitucionalidade, mas, sim, à sua utilidade prática. Por isso afirmam expressamente: “entendem os recorrentes que tal utilidade só se concretizará, na prática, se a pendência do presente recurso obstar à efetiva adoção das crianças em causa” e que, portanto, “importa […] esclarecer o [despacho reclamado] nesta vertente, isto é, que da pendência do presente recurso (ainda que com efeito meramente devolutivo), não pode ser decretada a adoção de qualquer dos menores abrangidos por tal medida” (cfr. os n.os 2 e 3 da reclamação).
E a dúvida que exprimem é da mesma ordem – isto é, prática (cfr. o n.º 11 da reclamação):
«[C]omo conciliar a execução da medida decretada de confiança a instituição com vista a futura adoção (a qual implica o início do processo nos curtos prazos previstos na respetiva legislação e a consequente possibilidade de vir entretanto a ser decretada sentença de adoção), com a garantia de recurso prevista no art. 124º LPCJP e a consequente possibilidade de vir a ser entretanto proferida decisão julgado irregular ou ilegal a dispensa do consentimento dos pais biológicos?»
Daí o seu pedido formulado no n.º 12 da reclamação:
«Pede-se, assim, ao Tribunal Constitucional [que] procure o justo equilíbrio entre os vários interesses em jogo (estabilidade da adoção/proteção dos direitos fundamentais dos menores e dos seus pais biológicos) sob pena de se criarem situações de justiça irreparável, não só para os recorrentes e seus filhos como até para os eventuais futuros pais adotivos».
Pedido este que é, depois, concretizado na conclusão: alterar a parte final do despacho reclamado no que se refere à utilidade do presente recurso, concretizando-se que a pendência do presente recurso não permite a instauração e subsequente tramitação de eventuais processos de adoção respeitantes aos menores em causa.
Tal resultado, porém, não está na disponibilidade deste Tribunal, justamente pelas razões aduzidas no despacho reclamado – e que não foram contestadas pelos reclamantes – e isto, mesmo que o efeito atribuído ao presente recurso de constitucionalidade pudesse ser o efeito suspensivo (cfr. o respetivo n.º 3).
De resto, o esclarecimento prestado pelo Ministério Público no artigo 8.º da sua resposta à reclamação, no sentido de que o eventual processo de adoção poderá prosseguir, relativamente aos menores em causa, com exceção da sentença última que a decrete, uma vez que qualquer adoção só deverá ser decretada depois de devidamente esclarecidas, nos autos, por decisão transitada em julgado, as diversas questões suscitadas quer pelos menores, quer pelos seus progenitores, relativamente ao acórdão de primeira instância já proferido, torna claro que, na fase processual em que o presente processo se encontra, o aludido justo equilíbrio entre os vários interesses em jogo (estabilidade da adoção e tutela dos direitos fundamentais dos menores e dos seus pais biológicos) só pode ser avaliado e estabelecido pelo tribunal competente para decretar aquela sentença.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada e condenar os reclamantes nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma), sem prejuízo do apoio judiciário.
Tendo em conta a preocupação manifestada pelo Ministério Público junto deste Tribunal no artigo 8.º da sua resposta à reclamação, dê-se conhecimento do presente Acórdão ao tribunal de 1.ª Instância.
Lisboa, 10 de abril de 2013. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.