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Processo n.º 147/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No processo comum singular n.º 68/10.1GBFLG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, A. e B., foram condenados pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e foram ainda condenados solidariamente a pagar ao demandante civil a quantia de € 400,00, acrescida de juros de mora, contados desde a notificação da sentença até integral pagamento.
Os arguidos recorreram desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães que julgou improcedentes os recursos, confirmando a decisão recorrida por Acórdão proferido em 19 de novembro de 2012.
Os arguidos arguiram a nulidade desta decisão o que foi indeferido por novo Acórdão proferido em 21 de janeiro de 2013.
O arguido B. recorreu então para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“Com fundamento na violação do nº 4 do artº 20º, da Constituição da República Portuguesa, para fiscalização concreta da constitucionalidade da norma contida na alínea c), do art. 40º, em conjugação com a última parte da alínea a), do art. 119º, do Código de Processo Penal, no sentido em que foram interpretadas e aplicadas nestes autos pelo Tribunal, na parte aqui sublinhada, que dispõe: – Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver participado em julgamento anterior - art. 40º al. c) - e, constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, a falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respetiva composição - art. 1 19º aL a); de harmonia com o disposto na a1. b), do nº i, do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, vem interpor
RECURSO PABA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Nos termos seguintes:
“1 – Naquilo que tange ao sentido que foi dado pelo Tribuna1 ao aplicar as normas contidas naquelas transcritas partes do artº. 119º, alínea a) e art. 40º alínea c), do Cód. Proc. Penal, por violação do Direito Fundamental quanto ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, foi expressamente levantada a questão da inconstitucionalidade durante o processo – recurso e arguição de nulidades do Acórdão da Relação de Guimarães;
2 – Foram aí cabalmente esplanadas as razões que levam o recorrente a entender que foi violado, quer pelo Tribunal de 1ª Instância, quer pelo Tribunal da Relação, o preceituado contido no nº 4, do artº 20º, da Constituição da República Portuguesa, na interpretação das conjugadas normas do artº. 119º, alínea a) e art. 40º alínea c), do Cód. Proc. Pena1.
3 – A Sentença em recurso vem já na sequência de Acórdão que, quanto à primeira Sentença do mesmo Tribunal, julga não existir: “um nexo de causalidade entre a descrita conduta dos arguidos e as doze lesões na face de que padeceu o assistente” e estabelece: “Afigura-se-nos que aqueles factos assumem relevância como também a tem a invocação pelo mesmo arguido de que aquando da prática dos factos estava incapacitado quanto à mão esquerda e braço (...).
Igualmente este ponto não foi objeto de apreciação pela decisão recorrida.
Não podem tais omissões - configuradoras da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1 al. c) do C.P. Penal - serem supridas por este Tribunal, antes importando que estas questões sejam apreciadas na primeira instância e dirimidas através da prova que nesse sentido seja produzida.
Face ao supra exposto, fica, naturalmente prejudicada a apreciação das demais questões suscitada de natureza substantiva (...).
Nesta conformidade, deverá ser ordenado o reenvio do processo para em julgamento serem apreciadas as seguintes questões:
a) De que modo foram causados na hemiface direita do assistente as doze lesões de tipo unhada?
b) Ocorreram ou não os factos descritos nos art.s 1º e 2º da contestação apresentada pelo arguido B. (cfr. fls. 119)?
c) Aquando da ocorrência dos factos o arguido B., estava, ou não, impedido, total ou parcialmente, de utilizar a mão e o braço esquerdo?
O negrito e o sublinhado é nosso.
4 – Nessa sequência, no processo sub judice a mesma Mm.ª Juiz veio a intervir em novo Julgamento e proferiu outra Sentença sobre aqueles factos, isso, enquanto a Lei estabelece que:
– Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver participado em julgamento anterior - art. 40º al. c) do C.P.P. - e, que, constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, a falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respetiva composição - art. 119º al. a), do C.P. Penal.
5 – Por outro lado, o Princípio Fundamental de acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional efetiva consagrado no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, dispõe que: – “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão (...) mediante processo equitativo”.
Este preceito é direta e automaticamente aplicável e vincula tanto as Relações como o Tribunal de Primeira Instância. Assim, salvo o respeito devido, tinha que ser observado pela Mmª. Juiz quando o Tribunal da Relação ordenou o reenvio para novo Julgamento como resulta expresso do transcrito acima em 3, ainda que (talvez até por mero lapso) no final consigne ser a mesma Mm.ª Juiz a elaborar nova Sentença.
6 – Continuando a salvar o respeito devido, impunha-se desde logo à Mmª Juiz, em observância daquele Principio Fundamental consagrado no artigo 20º, nº 4, da C.R.P., interpretar conjugadamente o preceituado daquelas normas jurídicas do artigo 40º al. c) e artigo 119º al. a), do C.P. Penal, no sentido do seu impedimento para intervir no novo julgamento dos mesmos autos, sob pena de nulidade, e, o mesmo alcance na interpretação dessas normas se impunha à Relação, tudo em nome da Legalidade e da Justiça Constitucional.
7 – A interpretação Judicial das citadas normas do C.P. Penal não modificada pelo Tribuna1 da Relação, segundo a qual o Julgador neste processo pode intervir em julgamento em que anteriormente já participou sem gerar nulidade processual insanável, é violadora do preceito Constitucional supra citado, pelo que é inconstitucional.”
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitada previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
O arguido pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade da norma contida na alínea c), do art. 40.º, em conjugação com a última parte da alínea a), do art. 119.º, do Código de Processo Penal, interpretada em sentido que não enuncia com a necessária clareza e precisão no requerimento de interposição de recurso.
Impor-se-ia por isso um convite à correção de forma ao Recorrente esclarecer qual a interpretação normativa sustentada na decisão recorrida cuja constitucionalidade pretendia ver fiscalizada.
Contudo, da leitura das alegações de recurso dirigidas ao Tribunal da Relação de Guimarães verifica-se que o arguido nesta peça (e era esse o local adequado para o fazer) não suscitou perante esse tribunal a inconstitucionalidade de qualquer interpretação da alínea c), do artigo 40.º, em conjugação com a última parte da alínea a), do artigo 119.º, do Código de Processo Penal, só o tendo feito na parte final do requerimento de arguição de nulidade do acórdão recorrido.
Ora, como este Tribunal tem afirmado de forma constante, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade não constitui já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não é causa de nulidade da decisão judicial, que implicasse necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida.
Não tendo, pois, o Recorrente suscitado adequadamente perante o tribunal recorrido qualquer questão de constitucionalidade relativa à interpretação da alínea c), do artigo 40.º, em conjugação com a última parte da alínea a), do artigo 119.º, do Código de Processo Penal, torna-se inútil o convite à correção do requerimento de interposição de recurso, uma vez que sempre estará ausente o requisito da suscitação prévia perante o tribunal recorrido da questão de constitucionalidade colocada ao Tribunal Constitucional, o que inviabiliza sem qualquer possibilidade de suprimento o recurso a este Tribunal.
Por esta razão deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78-º - A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão, com os seguintes argumentos:
Com interesse que aqui se afigura relevante, nas suas conclusões de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães o recorrente alegou como passa a transcrever, em síntese:
- Estabelecendo não ser de vislumbrar que: - “da mera ação murros e pontapés desferidos sobre a integridade física de outrem, resultem para este e na sua face, lesões de tipo unhada”. Julgando ainda essa Veneranda Relação que o Tribunal não havia apreciado questões sobre as quais devia ter tomado conhecimento e, consignando no final que fosse prolatada nova sentença “pela mesma M.mª Juíza a quo”, ordenou o reenvio do processo para e julgamento na Primeira Instância serem apreciadas as seguintes questões:
a) De que modo foram causados na hemiface direita do assistente as doze lesões de tipo unhada?
b) Ocorreram ou não os factos descritos nos art.s 1º e 2º da contestação apresentada pelo arguido B. (cfr. fls. 119)?
c) Aquando da ocorrência dos factos o arguido B., estava, ou não, impedido, total ou parcialmente, de utilizar a mão e o braço esquerdos? – (cfr. conclusão 2.);
- Conforme (...) a Jurisprudência, designadamente, do Ac. da Rel. Porto (de 26/11/2008) - Recº Penal nº 5184/08-4ª Sec. e do Ac. da Rel. Coimbra (de 06/07/2011) - Recº Criminal nº 196/06.8GHCTB.C2 - ambos publicados na Internet; tendo sido ordenado o reenvio do processo para julgamento daquelas questões, impunha-se à M.mª Juíza, por ter realizado o anterior julgamento declarar-se impedida em nome da imparcialidade do Julgador, como isso não sucedeu foi ignorado um preceito legal contido no artigo 40º do C.P.P., o que configura nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119º, al. a) do C.P.P. (conclusão 3.);
– Apreciar as questões transcritas supra sob a), b) e c) implicava, necessariamente, nova valoração de provas, novo JULGAMENTO, agora apenas sobre aquela matéria que na anterior Sentença não havia sido julgada (conclusão 5.);
– Pelo exposto, além do mais, a Sentença recorrida (...) viola ainda as normas constitucionais contidas nos citados artigos 20º, nº 4 (conclusão 9.).
Releva-se aqui que, o invocado artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, sobre o acesso à tutela jurisdicional efetiva, dispõe: - “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão (...) mediante processo equitativo”.
A EQUIDADE, por sua vez, “é a que se funda na circunstância especial de cada caso concreto, concernente ao que foi justo e razoável. E, certamente, quando a lei se mostrar injusta, o que se poderá admitir, a equidade virá corrigir seu rigor, aplicando o princípio que nos vem do Direito Natural, em face da verdade sabida ou da razão absoluta – cfr. Aurélio Buarque de Holanda in CONCEITOS GERAIS DE EQUIDADE - Monografias do Brasil Escola, publicado na Internet.
Aquele mesmo preceito da Lei Fundamental Portuguesa que garante o direito do recorrente a um processo equitativo é direta e automaticamente aplicável e vincula os Tribunais Portugueses. Nesta conformidade modestamente se entende que, ante um Tribunal Judicial, nada mais para este efeito se poderia impor em sede de alegação, além daquela suscitação de inconstitucionalidade da norma pela invocação na conclusão de recurso perante o mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, como o foi, de que foi violada pela Mmª Juiz do Tribunal Judicial de Felgueiras a disposição Constitucional consagrada no nº 4 do artº 20º da CRP; evidentemente, ao aplicar a supra citada norma do artigo 40º do C.P.P. - que na alínea c) impede o Julgador de intervir em mais do que um julgamento do mesmo arguido, no mesmo processo – naturalmente interpretando-a num sentido claramente não permitido pelo Sistema Jurídico e Constitucional Português.
Releva-se ainda que, a mesma invocação foi levada reforçadamente à arguição da nulidade do Acórdão (apresentada com os fundamentos ali expostos ao abrigo da Lei Processual Penal), porquanto, o Tribunal da Relação de Guimarães manteve a aplicação daquele artigo 40º no mesmo sentido notoriamente iniquo, salvo o devido respeito. Destarte, aquela arguição de nulidade, que constituiu ainda uma fase processual no âmbito do recurso judicial, não foi usada pelo recorrente como “meio adequado de suscitar a questão da constitucionalidade”; mas a mesma questão teve de continuar a ser suscitada e até reforçada por também ter sido ignorada no Acórdão.
Assim, crê-se ter sido suscitada durante o processo a questão da inconstitucionalidade daquela norma do artigo 40º, com referência ao artigo 119º, alínea a), do C.P. Penal, no sentido em que foi aplicada e naturalmente para isso interpretada a al. c) com um alcance injusto e ilegal pela Mmª. Juiz do Tribunal Judicial de Felgueiras; desde logo e sempre tendo esta questão sido colocada de modo que se entende percetível e evidente, porque notório.
Ainda com todo o respeito, muito modestamente, conclui-se que:
1 - Da norma do artigo 40º, al. c), em conjugação com a alínea a), do artigo 119º, do Cód. Proc.º Penal, claramente, nenhuma interpretação Legal ou CONSTITUCIONAL permite a intervenção da mesma Mmª Juiz do Tribunal Judicial de Felgueiras em posterior julgamento deste arguido, quando já tinha participado no anterior julgamento deste mesmo ora recorrente e na mesma ação penal, como o fez.
2 - Reitera-se ter sido suscitada durante o processo a inconstitucionalidade dessa interpretação notoriamente ilegal, injusta e não razoável daquele artigo 40º, feita pela Mmª. Juiz do Tribunal Judicial de Felgueiras, que em tal uso concretizou outro novo Julgamento neste processo; por colidir com o disposto no nº 4 do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa.
3 - Tal suscitação foi reforçada em sede de arguição de nulidades do Acórdão recorrido, por ter sido aí mantida a invocada inconstitucionalidade ao seguir aquela mesma interpretação da sobredita norma com alcance manifestamente INIQUO; qual seja poder o Juiz que participou em julgamento anterior intervir em novo julgamento do mesmo arguido e no mesmo processo.
4 – A EQUIDADE, conforme acima se transcreveu, é um conceito inerente ao Justo Legal ao Direito Natural e à Razão Absoluta, por consequência, não poderá ser sacrificada em prol de Entendimentos de ordem meramente formal, como o foi pela douta Decisão ora reclamada, porque deste modo estaremos perante nova INIQUIDADE e, assim, diante de nova INCONSTITUCIONALIDADE.
5 - O sobredito preceito Constitucional, do nº 4 do artigo 20º, impõe-se a todos os Tribunais Portugueses por via de se impor ao próprio Estado Português; constituindo tal imposição nobilitária essência deste Estado de Direito Democrático, que, no nº 2 do artigo l6º da sua Lei Fundamental até prolonga o âmbito dos Direitos Fundamentais que garante aos seus Cidadãos ao limite dos preceitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Pelo exposto,
Em Conferência desse Venerando Tribunal Constitucional, deverá:
- Ser revogada a Decisão reclamada e apreciada a suscitada questão de inconstitucionalidade; para que possa vir a ser Julgada inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 20º da Constituição, a norma do artigo 40º, al. c), com referência à al. a) do artigo 119º, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que o Juiz que participou em julgamento anterior pode intervir em novo julgamento do mesmo arguido e no mesmo processo.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
Conforme se refere na decisão reclamada, consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, ter sido colocada ao tribunal a quo, só tendo legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitada previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Ora, contrariamente ao que alega o Recorrente, este limitou-se a invocar perante o tribunal recorrido a nulidade que consistia na intervenção do mesmo juiz no julgamento em repetição, tendo, na parte final das conclusões, invocado genericamente a violação pela sentença da 1.ª instância do artigo 20.º, da Constituição.
E o mesmo voltou a repetir-se no requerimento em que foi arguida a nulidade do acórdão recorrido, passando a violação da Constituição a ser imputada a esse aresto.
A Recorrente nunca imputou, pois, perante o tribunal recorrido, a violação da Constituição ao critério normativo que constitui agora o objeto do seu recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que não se mostra verificado o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
E a subordinação da apreciação do recurso pelo Tribunal Constitucional ao cumprimento de determinados requisitos, designadamente o da suscitação perante o tribunal recorrido da mesma questão de constitucionalidade que posteriormente é colocada ao Tribunal Constitucional não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio do processo equitativo. Na verdade, o legislador dispõe de liberdade para configurar a tramitação processual do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, podendo fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, sem que isso signifique que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do recurso constitucional, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas à gravidade e relevância da falta.
Exigir que o autor de um recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, tenha previamente suscitado a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido de modo a vincular esse tribunal ao seu conhecimento prévio tem inteira justificação, como já acima se referiu, dado que estamos perante um recurso que visa a reforma de uma decisão dos tribunais comuns, sendo por isso admissível que se exija que os interessados na fiscalização de constitucionalidade vinculem estas instâncias ao conhecimento da questão que posteriormente irá ser colocada ao Tribunal Constitucional em sede de recurso. E não tendo sido cumprida essa exigência, nos casos em que houve oportunidade para tal, o não conhecimento do recurso é consequência adequada e proporcionada à omissão verificada, não constituindo esta solução uma violação do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por B..
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 10 de maio de 2013.- João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.