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Proc. nº 327/01
1ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. No Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, M... interpôs recurso do despacho proferido em 15 de Novembro de 2000 pelo Comandante da Brigada Fiscal – Grupo Fiscal do Porto, através do qual tinha sido condenado, por um lado, na coima de 219.200$00, pela infracção prevista e punível pelo nº 2 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio, aditado pelo artigo 50º da Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, e alterado pelos artigos 41º e 55º da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, e, por outro lado, na pena acessória de perdimento a favor do Estado, ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 28º do aludido Decreto-Lei nº 123/94, de uma máquina giratória Fiat Allis, modelo DBF
(W12A7C) e uma máquina retro-escavadora, marca Case, modelo 580 K, ambas propriedade do impugnante.
No requerimento então apresentado, M... apenas impugnou a decisão na parte relativa ao perdimento das citadas viaturas, com fundamento na inconstitucionalidade da norma aplicada, por violação dos artigos 2º e 30º, nº
4, da Constituição da República Portuguesa.
Por sentença de 26 de Março de 2001 (fls. 112 e seguintes), o Juiz daquele Tribunal, invocando o Acórdão nº 176/2000 do Tribunal Constitucional
(publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Outubro de 2000), decidiu
«revogar a decisão sob recurso na parte em que ordenou a perda dos veículos a favor da Fazenda Nacional por se considerar inconstitucional o nº 7 do artigo
28º do Dec.-Lei 123/94, de 18.5, na redacção conferida pela Lei nº 52-C/96, de
27/12 [por lapso, refere-se a Lei nº 56-C/96, de 27/12], por violar o nº 4 do artigo 30º da CRP e o artigo 62º também da CRP este conjugado com o princípio constitucional da propriedade».
2. É desta sentença, na parte em que se recusou a aplicação do nº 7 do referido artigo 28º, que vem interposto, pelo Ministério Público, o presente recurso, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional.
3. Determinada a produção de alegações, o representante do Ministério Público em funções neste Tribunal, formulou as seguintes conclusões:
É inconstitucional, por violação do nº 4 do artigo 30º e do artigo
62º da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, a interpretação normativa do artigo 28º, nº 7 do Decreto-Lei nº 123/94, de 28 de Maio, na redacção da Lei nº 52/C/96, de 27 de Dezembro, que atribui, como efeito automático da infracção aí prevista, a perda do veículo, sem que deva ser ponderada pelo julgador a natureza e gravidade da infracção e da responsabilidade do agente.
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
Nas alegações apresentadas, o recorrido M... pronunciou-se igualmente no sentido da inconstitucionalidade da norma questionada no presente processo.
Cumpre decidir.
4. Embora no Acórdão nº 176/00 (2ª Secção) se tenha concluído pela inconstitucionalidade da norma em apreço, a verdade é que, anteriormente, no Acórdão nº 327/99 (3ª Secção – publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1999), se optara por efectuar a sua interpretação em conformidade com a Constituição, nos termos do preceituado no artigo 80º, nº 3, da LTC. Afirmou-se então:
Pois bem: contrariamente ao que pretende a sentença, a norma sub iudicio não prevê o decretamento da perda do veículo como efeito necessário
(automático) da prática da respectiva contraordenação. Nem tão-pouco essa perda tem que ser imposta, toda a vez que se pratique a respectiva infracção, independentemente da sua gravidade e da responsabilidade do agente. Ao invés, ela há-de ser decretada com observância das regras competentes; e, por isso, só o deve ser, se, em face dos contornos do caso, se apresentar como necessária e adequada (proporcionada) à gravidade da contraordenação e à intensidade da culpa do agente, como claramente resulta do que se prescreve no artigo 21º, n.º 1, alínea a), da mencionada lei-quadro das contraordenações (citado Decreto-Lei n.º
433/82, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro).
Na interpretação da norma sub iudicio deve, na verdade, atender-se às restantes normas que o caso convoca, designadamente ao que, a propósito, se preceitua no Regime Jurídico das Infracções Fiscais Aduaneiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25 de Outubro), pois o artigo 27º do citado Decreto-lei n.º 123/94, de 18 de Maio (redacção da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro) manda aplicar esse Regime Jurídico às infracções previstas nele e na respectiva regulamentação. Ora, aquele Regime Jurídico prescreve, no artigo 4º, alínea a), que são subsidiariamente aplicáveis as disposições da lei-quadro das contraordenações, constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro - ou seja, para o que aqui importa, o referido artigo 21º, n.º 1, alínea a). E mais: na alínea b) do artigo 45º, n.º 1, do mesmo Regime Jurídico, dispõe-se que a perda dos meios de transporte utilizados na prática de certos crimes se não decretará, se o tribunal a considerar 'um efeito desproporcionado face à gravidade da infracção e, nomeadamente, ao valor das mercadorias objecto da mesma'.
Sendo este o quadro legal em que se inscreve a norma sub iudicio, é
óbvio que uma sua interpretação razoável conduz ao entendimento de que a perda do veículo aí prevista (ou seja, do veículo com que foi cometida a contraordenação) não pode ser nunca um efeito automático da coima aplicada, nem pode ser decretada, se for manifestamente desproporcionada à gravidade da contraordenação e da culpa do agente.
Assim interpretada, a norma sub iudicio já não é inconstitucional.
Por isso, sendo esta uma interpretação que a norma consente, é ela que o intérprete deve preferir.
E esta foi a solução igualmente adoptada no Acórdão nº 87/00 (1ª Secção – inédito), não se vendo motivo para alterar essa opção jurisprudencial.
5. Em face do exposto, decide-se: a. Interpretar o artigo 28º, nº 7, do Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio, na redacção da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, no sentido de que a perda do veículo nele prevista (ou seja, do veículo com que foi cometida a contra-ordenação) não pode ser nunca um efeito automático da coima aplicada, nem pode ser decretada se for manifestamente desproporcionada à gravidade da contra-ordenação e da culpa do agente; b. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida para que seja reformada em termos de aplicar o nº 7 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 123/94, de 18 de Maio, na redacção da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, com a interpretação que se indicou na alínea a). Lisboa, 25 de Setembro de 2001- Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito (vencida, nos mesmos termos que no acórdão nº 87/2000) José Manuel Cardoso da Costa