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Processo n.º 865/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 55/2013:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente Cooperativa de Construção e Habitação Nova …, CRL e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 7ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 27 de outubro de 2012 (fls. 1929 a 1936), que julgou improcedente reclamação de despacho do Juiz-Relator junto daquele tribunal, proferido em 05 de julho de 2012 (fls. 1908 a 1911), que rejeitou recurso de oposição de julgados, para que seja apreciada a “inconstitucionalidade da norma do artigo 754º, nº 2 do Código de Processo Civil conjugada com a norma do artigo 27º, nº 3 do Código das Custas Judiciais interpretada no sentido de que não há oposição de julgados quando num Acórdão, da Relação de Lisboa, foi aplicada a redução da taxa de justiça num caso complexo e num outro Acórdão, da Relação do Porto, se ter entendido que não se justificava a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça num caso simples, em contradição com princípio «in eo quod plus est sempre inest et minus», ou seja na lei onde cabe o mais cabe o menos (…)”, considerando violadas “as normas do artigo 13º, do nº 2 do artigo 202º e artigo 204º todos da Constituição da República Portuguesa” (fls. 1943).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 26 de novembro de 2012 (cfr. fls. 1948), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator constate que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Em primeiro lugar, verifica-se que o objeto do recurso, tal como foi fixado pela recorrente, nem sequer se reveste de verdadeira dimensão normativa. Pelo contrário, centra-se nas concretas especificidades da tramitação dos autos recorridos, exigindo que se proceda a um juízo de facto sobre a complexidade ou a simplicidade dos casos alegadamente em contradição. Ora, nos termos do artigo 79º-C da LTC, o Tribunal apenas pode conhecer de recursos que incidem sobre normas ou, quando muito, de interpretações normativas delas extraídas.
Em segundo lugar, é a própria recorrente quem admite não ter suscitado previamente a questão que pretende ver agora apreciada – ou qualquer outra questão de inconstitucionalidade normativa –, alegando que só o poderia ter feito após decisão da conferência, na 7ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, sobre a reclamação por si deduzida (fls. 1943). Não se compreende, porém, que o faça. E, aliás, a recorrente nem sequer esboça qualquer argumentação que pudesse comprovar a natureza surpreendente da decisão ora recorrida.
Ao invés, ao deduzir reclamação para a conferência, a recorrente não poderia ter deixado de ponderar a possibilidade de o tribunal recorrido não conceder provimento à sua reclamação, confirmando a decisão do Relator junto daquele tribunal, de acordo com a qual não haveria oposição de julgados entre o acórdão-recorrido e o acórdão-fundamento. Seria nesse momento que a recorrente, sabendo da possibilidade (objetivamente previsível) de confirmação da decisão de rejeição do recurso, deveria ter suscitado a inconstitucionalidade de qualquer interpretação normativa a extrair das normas ínsitas no artigo 754º, nº 2 do Código de Processo Civil, conjugada com a norma do artigo 27º, n.º 3 do Código das Custas Judiciais. Não o fez, contudo, apesar da interpretação normativa efetivamente adotada pela decisão recorrida não ser, de modo algum, surpreendente.
Na medida em que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, mais não resta do que concluir pela falta de suscitação processualmente adequada e, em consequência, recusar conhecer do objeto do presente recurso, conforme impõe o artigo 72º, n.º 2, da LTC.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformada com a decisão proferida, a recorrente veio deduzir reclamação, cujos termos ora se resumem:
«1 - São dois os fundamentos alegados pela Exma Sra Relatora para não conhecer do objeto do recurso:
a) Não revestir o objeto do recurso de verdadeira dimensão normativa;
b) Ser previsível a confirmação da decisão pela conferência improcedendo assim a alegada, pela Recorrente, imprevisibilidade da decisão da conferência.
2- Entende a Recorrente que os fundamentos infra explanados devem merecer a apreciação do Tribunal Constitucional, tomando este conhecimento das alegações a produzir, e a sua pronúncia sobre a constitucionalidade da norma do artigo 754°, nº 2 do Código de Processo Civil conjugada com a norma do artigo 27°, no 3 do Código das Custas Judiciais interpretada no sentido de que não há oposição de julgados quando num acórdão foi aplicada a redução da taxa de justiça num caso complexo e num outro se ter entendido que não se justificava a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça num caso simples, em contradição com o principio in eo quod plus est sempar inest et minus, ou seja na lei onde cabe o mais cabe o menos, à luz dos fundamentos aduzidos.
3- A Recorrente não pretende a produção de um juízo de facto sobre a complexidade dos processos, complexidade essa admitida quer pela Recorrente quer pelo Tribunal de cuja decisão se recorre nos termos explanados nos acórdãos.
4- O que pretende a Recorrente é a apreciação da constitucionalidade das normas em causa interpretadas no sentido de que não há oposição de julgados quando num acórdão foi aplicada a redução da taxa de justiça num caso complexo e num outro se ter entendido que não se justificava a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça num caso simples, em contradição com o princípio in eo quod plus est sempar inest et minus, ou seja na lei onde cabe o mais cabe o menos.
5 - Quanto à previsível confirmação da decisão pela conferência a Recorrente oferece o facto de o próprio Relator de cuja decisão se recorreu para a Conferência ter aceite o recurso para o Tribunal Constitucional, tendo necessariamente ponderado a sua admissibilidade, também, á luz [da] previsibilidade da questão que foi suscitada no momento do recurso face à decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça que decidiu em primeira instância quanto a esta matéria, sendo certo que as reclamações para a conferência não são recursos.» (fls. 1960 a 1962)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 55/2013, não se conheceu do objeto do recurso porque a questão de inconstitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso não tinha natureza normativa e porque, durante o processo, ela não fora suscitada.
2º
Parece-nos evidente a inverificação daqueles requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3º
Efetivamente, para além da ausência da normatividade da questão colocada, parece-nos evidente que, sendo a decisão recorrida a proferida em conferência no Supremo Tribunal de Justiça, a reclamação para essa conferência da decisão do Senhor Conselheiro que, naquele Supremo Tribunal, não admitira o recurso por não se verificar a condição constante do artigo 754.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, era o momento próprio para suscitar a questão.
4º
Acresce que a conferência limitou-se a confirmar integralmente a decisão reclamada, não adiantando qualquer outro ou novo fundamento.
5.º
Assim, tendo disposto de plena oportunidade para suscitar a questão da inconstitucionalidade, mas não o tendo feito, o recorrente não está dispensado do cumprimento do ónus da suscitação prévia.
6.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A reclamação ora deduzida não adianta quaisquer novos fundamentos que logrem abalar o sentido e justeza da decisão reclamada. Por um lado, a reclamante não consegue demonstrar que o objeto do presente recurso encerrasse em si uma verdadeira dimensão normativa, antes insistindo nas concretas especificidades da situação em apreço nos autos recorridos que, segundo a sua visão, se revestiria de simplicidade, por contraponto a outros processos jurisdicionais.
Por outro lado, também não afasta o argumento da falta de suscitação processualmente adequada, limitando-se a afirmar que – ainda que assim tivesse ocorrido –, o Relator junto do tribunal recorrido teria admitido o recurso de constitucionalidade. Ora, conforme já demonstrou a decisão ora reclamada, as decisões de admissão, proferidas pelos Relatores junto dos tribunais recorridos, não vinculam o Tribunal Constitucional, conforme decorre expressamente do n.º 3 do artigo 76º da LTC.
Quanto ao fundo da questão, reitera-se que a reclamante teve todas as oportunidades para suscitar a questão de inconstitucionalidade que pretende ver agora apreciada, em especial, quando reclamou para a conferência da decisão proferida pelo Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso de oposição de julgados. Não o tendo feito então, torna-se incontornável o não preenchimento do ónus de prévia suscitação, decorrente do n.º 2 do artigo 72º da LTC, pelo que vai a presente reclamação indeferida.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.