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Processo n.º 35/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., S.A., e outros, ora recorrentes, intentaram nos Tribunais Cíveis de Lisboa ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra B., SGPS, SA, ora recorrida, pedindo a anulação da decisão arbitral proferida no processo Arbitral n.º 9/2006/INS/AVS, que correu termos no Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa, tendo sido proferido despacho saneador que, conhecendo imediatamente do mérito da causa, julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.
Os autores, inconformados, interpuseram recurso de apelação e, após a sua distribuição, requereram a junção aos autos de um parecer jurídico, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 10 de maio de 2011, apreciado tal requerimento, a título de questão prévia, indeferindo a junção, por extemporânea, do referido parecer, e julgado improcedente a apelação, confirmando, assim, a decisão recorrida.
Ainda inconformados, interpuseram recurso de revista excecional, ao abrigo do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil (CPC), que o Supremo Tribunal de Justiça não admitiu, por não verificação dos respetivos pressupostos processuais. Notificados desta decisão, vieram, então, recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação, que havia negado provimento ao seu recurso, a fim de verem apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade:
1) interpretação da norma prevista no artigo 27.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, no sentido de que o princípio da igualdade das partes é compatível com o seu contrário a menos que tenha tido influência decisiva na resolução do litígio», por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
2) interpretação do artigo 23.º, n.º 3, da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, no sentido de que ‘só a decisão final tem de ser fundamentada, não carecendo de fundamentação a decisão autónoma sobre matéria de facto», por violação do artigo 205.º da CRP;
3) Artigos 660.º, n.º 2, 2ª parte, 661.º, n.º 1, e 664.º, 2ª parte, do CPC, em conjugação com o artigo 264.º do mesmo código, interpretados «no sentido de considerar que a mera transcrição para a petição inicial de enunciados de um contrato é suficiente para concretizar uma pretensão ou um título de aquisição de uma dada prestação», por violação dos princípios consagrados no artigo 20.º, nºs. 1 e 4, da CRP; e
4) interpretação do art. 700º, n.º 1, al. d) do CPC no sentido de que o relator só pode autorizar a junção de pareceres aos autos desde que essa junção haja sido requerida em 1ª instância», por violação do direito de acesso ao direito consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
O recurso de constitucionalidade foi admitido mas o relator no Tribunal Constitucional ordenou que os autos prosseguissem para alegações, apenas quanto à questão de inconstitucionalidade supra identificada em 4), tendo convidado as partes a pronunciarem-se sobre a eventualidade de o Tribunal não vir a conhecer do objeto do recurso, na parte remanescente, por inobservância do ónus de prévia e adequada suscitação.
Recorrentes e recorrida pugnaram, em resposta ao aludido convite, respetivamente, pelo conhecimento e não conhecimento do mérito do recurso. Para assim concluir, invocaram os primeiros que não estavam sujeitos ao ónus legal de prévia suscitação porque não lhes era exigível prever a aplicação, pelo Tribunal recorrido, das normas sindicadas, por inovatórias. Contrapôs a recorrida, por seu lado, em fundamento do não conhecimento do recurso, que os recorrentes, não só não suscitaram previamente, como lhes competia, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, como não observaram o ónus de adequada delimitação do objeto do recurso de constitucionalidade, tendo, ademais, nele sindicado normas não aplicadas como ratio decidendi pelo Tribunal recorrido.
Foram apresentadas alegações, no que respeita à única questão de inconstitucionalidade relativamente à qual foi ordenado o prosseguimento do recurso, que os recorrentes sintetizaram do seguinte modo:
«A) No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/05/2011, foi decidida, como questão prévia, a não admissão de Parecer, cuja junção aos autos foi requerida pelos Recorrentes na data em que o recurso foi distribuído naquele Tribunal;
B) Consta do respetivo sumário: “I – A revogação do art. 706.º do CPC e não inclusão de previsão idêntica ao seu n.º 2 no novo art. 693.º-B significa que os pareceres só podem ser juntos nas alegações por aplicação do art. 525.º visto que estas são apresentadas na 1ª instância, incumbindo depois ao relator, na Relação, autorizar ou recusar a sua junção como prescreve o art. 700º nº 1 al. e)”;
C) Os pareceres jurídicos, pelo tipo de questões que abordam, são um meio auxiliar técnico do julgador, ainda que sem qualquer valor probatório (não são documentos), cuja importância decorre da consistência dos argumentos científicos que são apresentados;
D) Por outro lado, o aprofundamento das questões jurídicas que um processo encerra só se faz sentir com maior acuidade depois de apurada a prova e circunscritas as possíveis soluções de direito a adotar; trata-se de matéria que necessariamente tem de ser abordada pelos tribunais superiores, nos quais se incluem os de 2ª instância, os Supremos Tribunais e o próprio Tribunal Constitucional;
E) Há, por isso, que preencher a lacuna criada pela revogação do art. 706.º do CPC pelo DL 303/2007, de 24/08, sendo certo que o mesmo problema pode vir a ser suscitado em número imprevisível, mas potencialmente elevado de casos futuros;
F) Como foi já reconhecido pelo Tribunal Constitucional “(…) a solicitação de pareceres, sejam jurídicos ou não, é justamente uma das formas de que as partes dispõem de se aperceberem de todos os contornos e implicações dos seus direitos e deveres, bem como dos seus interesses legítimos, incluindo-se, portanto, no seu direito de acesso ao direito. Permitir-lhes que os façam chegar aos tribunais, nos precisos termos em que a lei o estabelece, é uma consequência direta da projeção, no direito de acesso aos tribunais, do direito de acesso ao direito contido no artigo 20.º n.º 1 da Constituição;
G) Antes da entrada em vigor do DL 303/2007, entendia-se que os pareceres, quer na 1.ª instância, quer nos tribunais superiores, só teriam sentido útil e justificação, se pudessem vir a ser tomados em consideração antes da prolação da decisão pelo juiz que iria decidir sobre a sua junção e a quem, obviamente, eram dirigidos;
H) Assim, na 1ª instância, os pareceres podiam ser juntos “até ao momento em que no processo é aberta conclusão ao juiz para ser proferida sentença” (Ac. do TC n.º 934/96, de 10/07), o que faz todo o sentido já que, quando a lei processual fala “em qualquer estado do processo”, tal não pode significar que, nessa altura, já se encontre esgotado o poder jurisdicional do juiz e o parecer seja totalmente inútil;
I) Não procede o argumento de que, não podendo já elucidar o juiz da 1ª instância, o parecer junto após proferida a sentença sempre servirá para elucidar o tribunal de recurso, se junto com as alegações, atendendo a que uma tal solução não resolve a questão da junção de pareceres nos Supremos Tribunais ou no Tribunal Constitucional, quando é certo que as questões jurídicas se vão tornando cada vez mais complexas à medida que o processo vai subindo na hierarquia dos tribunais;
J) E também nada nos diz quanto à solução a adotar-se o parecer for junto na 1.ª instância, mas antes da interposição do recurso com apresentação das correspondentes alegações;
K) Se os pareceres podem ser instrumentos auxiliares do juiz, 'devendo admitir-se que um parecer não é unia peça inútil', como é reconhecido no Acórdão em causa, então a sua junção deverá ocorrer até ao último momento em que essa utilidade ainda possa ter lugar, ou seja, até ao momento em que é elaborada a decisão; na 1.ª instância, até ao momento em que é aberta conclusão para prolação da sentença e, nos tribunais superiores, até ao início do prazo para o relator elaborar o acórdão;
L) Acresce que é necessário atribuir algum sentido útil ao que consta do art. 700°, n.° 1, al. e) do CPC que continua a determinar que incumbe ao relator autorizar ou recusar a junção de pareceres;
M) Doutro modo, caberia perguntar quais os critérios a seguir pelo relator para decidir da aceitação ou recusa do parecer visto que, tendo sido entregues com as alegações, os motivos para a sua recusa não estão previstos na lei e a decisão a tomar teria sempre de ser arbitrária, por insuscetível de fundamentação, decorrendo dessa interpretação a violação do direito de acesso ao Direito previsto no art. 20º da CRP;
N) A interpretação normativa do art. 700.º, nº 1, al. e) do Código de Processo Civil, contida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, segundo a qual o relator só pode autorizar a junção de pareceres aos autos desde que essa junção haja sido requerida na 1a instância é inconstitucional por violação do direito de acesso ao direito consagrado no art. 20.º, n°1 da Constituição da República Portuguesa;
O) Uma tal interpretação traduzir-se-ia numa ¡inadmissível restrição do direito de defesa dos Recorrentes ao consubstanciar a denominada «proibição da indefesa», ficando estes impedidos de carrear para os autos todos os elementos, designadamente de direito, que entendam ser úteis e necessários para fundamentar a sua pretensão;
P) Assim sendo, deve o art 700.º, n.º1 a1. e) do CPC ser interpretado no sentido de permitir ao re1ator que autorize a junção aos autos de pareceres até ao momento em que estes ainda possam ser úteis para a decisão da causa, ou seja, antes do início do prazo para a elaboração do acórdão;
Q) Em consequência, deve ser admitido o Parecer junto aos autos pelos Recorrentes visto que o mesmo foi apresentado na data da distribuição do recurso rio Tribunal da Relação, em momento anterior à abertura de conclusão para elaboração do acórdão.»
A recorrida contra-alegou, concluindo, por seu lado, quanto à enunciada questão de inconstitucionalidade, pela seguinte forma:
«A – Da inadmissibilidade do presente recurso
1.º O presente recurso deve ser rejeitado, pelas seguintes razões principais:
a) O douto acórdão recorrido não aplicou in casu, nem convocou a norma do art. 700º/1/e) do CPC para fundamentar a decisão recorrida;
b) Este normativo “nada releva no que concerne à possibilidade de junção de pareceres”, conforme se decidiu doutamente no Ac. STJ, de 2011.10.11, Proc. 6/10.1TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt;
c) No presente recurso não está assim em causa qualquer interpretação ou sentido normativo do art. 700º/1/e) do CPC, que possa violar o art. 20º da CRP;
2.º O art. 700º/1/e) do CPC não constitui a ratio decidendi do douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 2011/05/10, no qual se decidiu expressamente: “… temos por correto o entendimento que a revogação do art. 706º do CPC e a não inclusão de previsão idêntica ao seu n.º 2 no novo art. 693.º - B significa que os pareceres só podem ser juntos nas alegações por aplicação do art. 525.º…” (v. pp. 27 do Acórdão recorrido e Conclusão B das alegações dos ora recorrentes);
3º A norma invocada pelos ora recorrentes – art. 700º/1/e) do CPC – não constitui e nunca poderia constituir o fundamento legal, nem teve qualquer interesse ou relevância para a decisão recorrida, que expressis et apertis verbis se fundou nos arts. 525.º e 693.º-B do CPC;
B – Da constitucionalidade da decisão recorrida
4º Face à revogação do art. 706º do CPC e tendo em conta o disposto atualmente nos arts. 525º e 693º-B do CPC, “os pareceres só podem ser juntos nos recursos para a Relação, com as alegações, por aplicação do art. 525º, visto que estas são apresentadas na 1ª instância, incumbindo depois ao Relator, autorizar ou recusar a sua junção” (V. Ac. STJ, de 2011.10.11, Proc 6/10.1TVPRT.P1.S1; Ac. RL, de 2011.05.10, Proc. 6/10.1TVPRT.P1.S1; Ac. RC, de 2011.07.05, Proc. 393/09.4TBSEI.C1; e Acs. RP, de 2010.09.20, Proc. 118/08.1; de 2010.09.20, Proc. 524/08.1; e de 2010.05.19, Proc. 120/08.3, todos in www.dgsi.pt);
5º Apenas a “injunção aplicativa do Direito” consagrada no acórdão recorrido, que teve como ratio decidendi os arts. 525º e 693º-B do CPC, assegura a concretização do princípio estruturante da igualdade substancial das partes (v. art. 3.º-A do CPC), bem como do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20º da CRP;
6º Conforme se decidiu no douto Ac. STJ, de 2011.10.11 e, contrariamente ao invocado pelos ora recorrentes nas Conclusões E) e L) das suas alegações, “a supressão da referência à junção de pareceres na fase de recurso apenas pode ser interpretada como refletindo uma intenção nesse sentido do legislador, pelo que não configura uma lacuna” e “nenhum argumento de sentido contrário se podendo extrair do facto de se ter continuado a manter a redação anterior do n.º 1, alínea d), do artigo 700º (que passou a constituir a alínea e)” (V. Proc. 6/10.1TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt);
7º No caso sub judice não está em causa a supressão de qualquer faculdade processual das partes, mas simplesmente a fixação de um prazo processual, no âmbito da liberdade de conformação do legislador, não tendo o douto acórdão recorrido violado ou afrontado minimamente o disposto no art. 20º da CRP (v. Ac. TC nº 56/2012, in www.tribunalconstitucional.pt);»
Os recorrentes, notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a questão do não conhecimento do recurso, também no que respeita à questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 700.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), por não constituir ratio decidendi da decisão recorrida (questão invocada pela recorrida nas suas contra-alegações) e inobservância do ónus de prévia suscitação (questão equacionada pelo relator em despacho ulterior), pugnaram pelo conhecimento do mérito do recurso, também nesta parte, por estarem verificados os respetivos pressupostos processuais, sendo que, no que respeita ao pressuposto processual imposto pelas normas conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, tratando-se de questão nova, estavam desonerados de suscitar perante o Tribunal recorrido tal questão de inconstitucionalidade, como o Tribunal Constitucional já considerou em casos idênticos, sendo, aliás, inoportuna a apreciação de tal questão prévia em face do despacho do relator que mandou prosseguir os autos para alegações no que respeita à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 700.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Importa, antes de mais, verificar, em relação à totalidade do objeto do recurso, se estão preenchidos os pressupostos processuais de que depende o seu conhecimento de mérito, sendo certo que o despacho do relator, seja o que manda prosseguir os autos para alegações quanto a determinada questão de inconstitucionalidade, seja o que convida as partes a pronunciarem-se sobre a possibilidade de não conhecimento das restantes questões de inconstitucionalidade, não forma caso julgado (formal) quanto à questão do conhecimento do recurso, competindo a sua apreciação, nesse circunstancialismo, ao pleno da secção.
São as seguintes as questões de inconstitucionalidade que se pretendem ver apreciadas no presente recurso:
1) interpretação da norma prevista no artigo 27.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, no sentido de que o princípio da igualdade das partes é compatível com o seu contrário a menos que tenha tido influência decisiva na resolução do litígio», por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
2) interpretação do artigo 23.º, n.º 3, da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, no sentido de que ‘só a decisão final tem de ser fundamentada, não carecendo de fundamentação a decisão autónoma sobre matéria de facto», por violação do artigo 205.º da CRP;
3) Artigos 660.º, n.º 2, 2ª parte, 661.º, n.º 1, e 664.º, 2ª parte, do CPC, em conjugação com o artigo 264.º do mesmo código, interpretados «no sentido de considerar que a mera transcrição para a petição inicial de enunciados de um contrato é suficiente para concretizar uma pretensão ou um título de aquisição de uma dada prestação», por violação dos princípios consagrados no artigo 20.º, nºs. 1 e 4, da CRP; e
4) interpretação do art. 700º, n.º 1, al. d) do CPC no sentido de que o relator só pode autorizar a junção de pareceres aos autos desde que essa junção haja sido requerida em 1ª instância», por violação do direito de acesso ao direito consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que foi o interposto nos presentes autos, só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Os recorrentes expressamente reconhecem que não suscitaram perante o Tribunal da Relação, no recurso de apelação, quaisquer das questões de inconstitucionalidade que integram o objeto do recurso.
Invocam, contudo, nesse pressuposto, que se deve ter por assente, não lhes ser exigível que o fizessem, pois que se tratavam de questões novas decorrentes da própria posição inovatória que, sobre tais matérias, o Tribunal da Relação adotou, sufragando da lei, pela primeira vez, as interpretações que, no presente recurso de constitucionalidade, se reputam inconstitucionais.
O Tribunal Constitucional tem, com efeito, considerado ser de afastar o ónus de prévia suscitação nos casos excecionais em que o tribunal recorrido extrai dos dispositivos legais aplicáveis interpretação insólita ou inesperada, não sendo exigível à parte, nesse contexto, prever a aplicação, pelo Tribunal recorrido, do critério normativo que este veio a usar como critério de decisão.
Não é, contudo, o caso.
É que, contrariamente ao que parecem pressupor os recorrentes, não releva, para o efeito de se julgar afastado o referido ónus legal, a novidade da posição interpretativa adotada, pelo Tribunal recorrido, sobre as matérias em equação. O que desonera a parte de suscitar perante o Tribunal recorrido dada questão de inconstitucionalidade, tendo tido, para tanto, oportunidade processual, é a imprevisibilidade do entendimento sufragado, considerando, desde logo, os termos em que se desenvolveu, na dinâmica do processo, a própria discussão em torno de dada solução legal e o estado de consolidação interpretativa que esta, no respetivo contexto doutrinal e jurisprudencial, alcançou, pouco importando, para tanto, que o Tribunal aplique a lei em sentido que a parte não previu mas, em face dessas variáveis, podia e devia ter previsto.
Ora, afigura-se que os recorrentes podiam e deviam ter previsto a aplicação, pelo Tribunal da Relação, de todas as normas cuja inconstitucionalidade agora pretendem ver apreciadas.
Com efeito, e no que respeita à questão de inconstitucionalidade do artigo 27.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, que expressamente prevê como fundamento de anulação da decisão arbitral, por referência ao que dispõe a alínea a) do artigo 16.º da mesma lei, ter havido no processo violação do princípio do tratamento igualitário das partes «com influência decisiva na resolução do litígio», é evidente que a interpretação agora sindicada, que nela tem, aliás, assento literal, não assume, por expectável, qualquer traço de imprevisibilidade.
De facto, era previsível que o Tribunal recorrido, em face da própria letra da lei, viesse a considerar, como conclusivamente considerou, que «a violação do princípio da absoluta igualdade de tratamento das partes só é causa de anulação da sentença arbitral se tiver tido influência decisiva na resolução do litígio» – que é, ainda que sob diferente formulação linguística, a interpretação que os recorrentes essencialmente reputam inconstitucional e, como tal, pretendem ver declarada –, sendo, aliás, nesse pressuposto, cuja bondade constitucional em nenhum momento questionaram, que os ora recorrentes desenvolveram a sua argumentação em sede de recurso, procurando demonstrar que as imputadas violações ao referido princípio se refletiram na decisão final tomada pelo tribunal arbitral, verificação que, a seu ver, podia e devia ter sido feita pelo tribunal de primeira instância (cfr., em particular, alínea c) das alegações do recurso de apelação de fls. 506 – 3.º volume).
Assim sendo, não tendo os recorrentes observado o ónus de prévia suscitação, não se verificando qualquer razão válida que os dispensasse de o fazer, não pode o Tribunal Constitucional conhecer de tal questão de inconstitucionalidade (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
Mas também em relação à norma alegadamente extraída do n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 31/86, segundo a qual «só a decisão final tem de ser fundamentada, não carecendo de fundamentação a decisão autónoma sobre matéria de facto», não está o recurso em condições processuais de prosseguir para apreciação de mérito.
Desde logo, não foi isso que o Tribunal recorrido sustentou. O que se considerou na decisão recorrida, a esse propósito, foi que a falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não é causa de nulidade da sentença, encarando-se, pois, a questão sob a ótica exclusiva das consequências decorrentes da violação do dever de fundamentação e não sobre a sua exigência legal.
Por outro lado, ainda que se admitisse, por recondução substancial, ter o Tribunal recorrido adotado um tal entendimento interpretativo, a verdade é que não se descortina qualquer razão que justificasse a não suscitação prévia da sua inconstitucionalidade.
É que, reagindo contra a insindicabilidade das decisões arbitrais sobre a matéria de facto, atento o seu caráter interlocutório – posição adotada pelo tribunal de primeira instância –, apelaram os recorrentes, defendendo que «a exigência de fundamentação incide sobre a decisão final, bem assim como sobre a decisão sobre a matéria de facto», sendo que «conclusão contrária levaria ao total arbítrio do julgador, sendo certo que a discricionariedade na apreciação da prova tem limites que não podem ser ultrapassados».
Assim, apesar de terem antecipado a possibilidade de o Tribunal da Relação considerar que assim não era, reafirmando a tese da primeira instância de que os eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto, ainda que emergentes da falta de fundamentação, não inquinavam a decisão final (ou, para usar o enunciado impreciso da recorrente, que só a decisão final tem de ser fundamentada), a verdade é que não suscitaram, sobre a matéria, em termos processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, apesar de estarem em condições processuais de o fazer, seja considerando a fonte legal em causa, cujo enunciado literal comporta um tal entendimento normativo, seja considerando a perspetiva com que a própria parte a encarou, argumentando, em sede de apelação, contra a bondade de uma tal interpretação da lei.
O mesmo se passa em relação à questão de inconstitucionalidade relativa aos artigos 660.º, n.º 2, 661.º, n.º 1, e 664.º, 2ª parte, do CPC, interpretados «no sentido de considerar que a mera transcrição para a petição inicial de enunciados de um contrato é suficiente para concretizar uma pretensão ou um título de aquisição de uma dada prestação».
Na verdade, não sendo claro que o tribunal recorrido tenha adotado, mesmo implicitamente, qualquer posição (interpretativa) sobre os sindicados dispositivos legais que extrapolasse a própria avaliação, no caso concreto, sobre qual a causa de pedir em que assentou a pretensão indemnizatória formulada nos autos pela autora, ora recorrida, a verdade é que também não se vê que, a tê-lo feito, esteja em causa a adoção de um entendimento com que a parte não pudesse contar, sendo certo que foi a própria recorrente quem, no recurso de apelação julgado improcedente pela decisão recorrida, levantou a questão de saber se «a mera invocação contida no artigo 100.º da petição inicial [que enuncia o teor de dada cláusula contratual] é suficiente para se considerar peticionado o montante de €5000.000,00 a título de cláusula penal», fundando a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia na condenação da ré por factos não (adequadamente) invocados como causa de pedir.
De modo que, mesmo que estivesse em causa uma verdadeira interpretação da lei determinante do julgado – e não se afigura que esteja, atenta a casuística avaliação judicial a esse propósito formulada –, a verdade é que, não tendo a decisão recorrida introduzido, nesse particular, qualquer variável normativa que não tivesse sido já perspetivada pelas próprias partes ao longo do processo e, desde logo, pelos próprios autores, nenhuma razão há para que estes não tivessem invocado perante o tribunal recorrido as questões de inconstitucionalidade que agora inovatoriamente invocam perante o Tribunal Constitucional, o que, também nessa parte, impede o conhecimento do mérito do recurso.
Finalmente, e pese embora a pré-compreensão contrária evidenciada no despacho do relator que ordenou o prosseguimento dos autos para alegações, no que respeita à questão da inconstitucionalidade do art. 700º, n.º 1, alínea e) do CPC, a verdade é que, também nesse particular, não se descortina agora uma razão válida para que os recorrentes não tenham suscitado perante o Tribunal recorrido a inconstitucionalidade da interpretação, nele fundada, segundo a qual «o relator só pode autorizar a junção de pareceres aos autos desde que essa junção haja sido requerida em 1ª instância».
É que, se é certo que a questão da tempestividade do pedido de junção do parecer foi apreciada pelo Tribunal da Relação, a título de questão prévia, apenas no acórdão que apreciou o recurso de apelação dos recorrentes, como salientado por estes, a verdade é que tal questão foi previamente debatida pelas partes na sequência da invocação, pela recorrida, da extemporaneidade desse pedido, por força do novo regime legal consagrado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, sendo precisamente a essa luz que se desenvolveram os termos da discussão, tomando, então, cada uma das partes, posição, com suporte doutrinal e jurisprudencial, sobre a questão de saber se os pareceres, após as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo citado Decreto-Lei, só podiam ser juntos com as alegações do recurso, a apresentar em primeira instância, ou em momento ulterior (cf. volume 4.º - requerimentos de fls. 729, 865 e 880).
Ora, tendo o tribunal recorrido se limitado a acolher uma das teses interpretativas em confronto, sustentando que, com a revisão operada pelo citado Decreto-Lei n.º 303/2007, os pareceres só podem ser juntos com as alegações do recurso, a apresentar em primeira instância – que correspondia, aliás, à solução expressamente invocada pela recorrida quando excecionou a intempestividade do pedido de junção do parecer em causa –, é óbvio que era exigível aos recorrentes, na resposta que se lhe seguiu, invocar perante o tribunal recorrido, pela forma adequada, que uma tal interpretação da lei contrariava normas e princípios constitucionais, pelo que, a admitir-se como boa (leia-se, correspondente ao sentido decisivo da lei), não poderia, por tal razão, determinar o indeferimento da requerida junção.
Mas nada disso foi feito pelos recorrentes, como, aliás reconhecem, por razões que lhes são exclusivamente imputáveis, sendo certo que, não se tratando, pelas razões aduzidas, de uma solução normativa estranha às hipóteses interpretativas em confronto, no debate doutrinal e jurisprudencial a esse propósito travado na sequência da reforma do processo civil de 2007, tiveram oportunidade processual de suscitar a sua inconstitucionalidade antes da prolação, pelo Tribunal da Relação, da decisão recorrida, no debate intraprocessual que, sobre o mesmo tema, travaram com a recorrida nos autos – cf., em particular, resposta de fls. 880.
De modo que, não tendo os recorrentes observado o ónus de prévia suscitação previsto nas disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, embora o pudessem e devessem ter feito, também não é possível conhecer, nessa parte final, do objeto do recurso, ficando, assim, prejudicada a apreciação de outras eventuais causas de não conhecimento do recurso aventadas pela recorrida.
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 12 unidades de conta.
Lisboa, 23 de maio de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.