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Proc. nº 690/01 Plenário Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
(Consª Maria dos Prazeres Beleza)
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A, mandatário das listas do Partido Social Democrata (PPD/PSD) concorrentes
às eleições autárquicas no concelho de Oleiros, recorreu para o Tribunal Constitucional do despacho do Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros que julgou elegível o 1º candidato da lista do Partido Socialista (PS) para a Câmara Municipal, B. Por sua vez, o mandatário das listas do PS no mencionado concelho, C, ao responder a esse recurso, solicitou que este Tribunal reapreciasse as candidaturas de D e de E, que integram a lista do PSD para a Assembleia Municipal, julgando-os a ambos inelegíveis. Finalmente, o mesmo mandatário do PS, veio interpor recurso para este Tribunal do despacho do Juiz que indeferiu, por intempestivo, o pedido de substituição do candidato daquele partido, F, na lista concorrente à eleição da Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco.
2. O PSD, através do seu mandatário distrital para Castelo Branco, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 25º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais
(LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, impugnara oportunamente «a elegibilidade do candidato apresentado pelo Partido Socialista
à Presidência da Câmara Municipal de Oleiros, Sr. B, com fundamento na existência de inelegibilidade prevista no artigo 7º nº 2 alínea c) da citada lei orgânica», pois exerce as funções de «Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de...., entidade com a qual a Câmara Municipal de Oleiros mantém um contrato, cuja execução é continuada e no qual o candidato do Partido Socialista intervém como outorgante». Com a impugnação, juntou cópia autenticada de diversos documentos, para fazer prova da celebração do contrato que refere - Contrato particular para empréstimo (cfr. fls. 258). O mandatário do Partido Socialista, em resposta, sustentou não ocorrer, no caso, a invocada inelegibilidade, porque a Caixa de Crédito Agrícola, que «se encontra integrada no designado Sistema da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo», de que o candidato é director, não é uma sociedade, mas sim uma cooperativa. Para além disso, e como afirma ser do conhecimento do mandatário do Partido Social Democrata, «o crédito em causa (...) foi cedido temporariamente à Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e o Candidato em Causa pediu suspensão de funções, conforme determina a lei em data anterior à apresentação das Listas perante o Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros». O Juiz lavrou despacho em que foi decidido indeferir «a referida reclamação, admitindo-se o candidato», «uma vez que o mesmo não é membro de corpo social nem gerente de sociedade que tenha contrato com a autarquia». Desse despacho reclamou o mandatário do Partido Social Democrata, que conclui pela inelegibilidade do candidato, alegando, em resumo: o que o candidato B é Presidente da Direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de...., que celebrou com o Município de Oleiros um contrato de mútuo, «que
é de execução continuada, celebrado em 16/02/93 e que vigora até 2005 e em que o referido candidato é outorgante», pelo que está abrangido pela referida inelegibilidade, que também vale para as cooperativas; o que as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, não obstante adoptarem a forma de cooperativas, são tratadas por lei, no que toca à actividade que desenvolvem, como instituições de crédito; o que a razão de ser da inelegibilidade era a de evitar «ver misturados o interesse público» das autarquias «com interesses das sociedades»; o que não ocorreu a invocada transmissão do crédito resultante do contrato de mútuo, quer porque não foi autorizada pela Câmara, quer «porque as prestações do referido contrato continuam a ser pagas à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de.... e não à Caixa Central»; o e que, a ter ocorrido o pedido de suspensão de funções, o que desconhece, tal seria insuficiente para o efeito pretendido, por não haver sido devidamente autorizado. O mandatário do Partido Socialista respondeu, voltando, no essencial, a apresentar os argumentos que já anteriormente expendera, salientando: o a não aplicabilidade às cooperativas da inelegibilidade em causa, por não prosseguirem fins lucrativos; o que o candidato solicitou a suspensão de funções na Caixa de Crédito Agrícola «para estar disponível para a campanha e não por qualquer outra razão», sendo pela declaração de honra apresentada pelo candidato que se afere a sua situação (protestou juntar, no entanto, se para o efeito fosse notificado, prova do pedido de suspensão e da correspondente aceitação); o que, quanto à questão da transmissão do crédito em causa para a Caixa Central de Crédito Agrícola, que lhe foi comunicada, quer o tribunal, quer o mandatário do Partido Social Democrata, podiam pedir os esclarecimentos que tivessem por convenientes àquela Caixa Central; o e que os documentos juntos pelo reclamante para provar que foram efectuados pagamentos à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de... se referiam a um pagamento anterior à data de apresentação da candidatura. A reclamação viria a ser indeferida pelo Juiz, porque «a C.C.A.M. não constitui uma sociedade nem, de resto, se entende que a mesma se encontre abrangida pelo espírito da lei, aderindo-se, a este respeito, aos argumentos expendidos pelo mandatário do PS». Inconformado, recorreu o mandatário do PPD/PSD, invocando, em síntese, o seguinte: o que, apesar de ter a forma de cooperativa, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de... é tratada por lei, na sua actividade, como uma instituição de crédito; o que o artigo 9º do Código Cooperativo manda preencher as suas lacunas mediante recurso ao Código das Sociedades Comerciais; o que se aplica aos responsáveis da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de... o que é definido para as demais instituições de crédito; o que a alínea c) do nº 2 do artigo 7º da LEOAL, «ao referir membros de corpos sociais e gerentes de sociedades tem de englobar, na sua letra e no seu espírito, as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo»; o que não ocorreu nenhuma transmissão do crédito que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de... detém sobre a Câmara Municipal de Oleiros; o que, mesmo que tivesse ocorrido a suspensão de funções, isso seria irrelevante, mantendo-se a inelegibilidade. Notificado para o efeito, o mandatário do PS veio, no essencial, opor o seguinte: o que as cooperativas não estão abrangidas pela alínea c) do nº 2 do artigo 7º da LEOAL, preceito que se não aplica «a quaisquer sociedades, como pretende o Recorrente, mas tão só a sociedades comerciais»; o que não abrange, pois, as cooperativas, por não terem fins lucrativos, diferentemente das sociedades e das empresas expressamente referidas naquele preceito; o que os documentos juntos para provar que foram efectuados pagamentos à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de... se referem a pagamentos anteriores à data de apresentação da candidatura; o que não é necessário o consentimento da autarquia para a transmissão do crédito; o que, relativamente à suspensão de funções na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de..., o pedido ocorreu na devida altura, pois que foi formulado em 18 de Outubro e aceite pelo Presidente da Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de.... ainda antes do dia em que as candidaturas foram apresentadas, 22 de Outubro; o e que tal situação se afere, até prova em contrário, pela declaração de honra do candidato em causa.
3. Nesta resposta ao recurso interposto pelo mandatário do PPD/PSD, o mandatário do PS acrescentou que antes seriam inelegíveis os candidatos indicados pelo Partido Social Democrata à Assembleia Municipal de Oleiros, D e E, pelas razões que apresentou e que só agora estaria em condições de fundamentar, «atentos os elementos que ora se juntam e que apenas agora se teve acesso». Anteriormente, antes de qualquer despacho do Juiz após a apresentação das candidaturas, o mandatário do Partido Socialista apresentara reclamação – que antes deve ser entendida como sendo a impugnação referida no nº 3 do artigo 25º da LEOAL, dado o momento em que foi apresentada - contra a elegibilidade daqueles candidatos, tendo em conta o disposto no artigo 7º, nº 2, alínea c), da lei eleitoral. Quanto ao primeiro, por ser Sócio Gerente de uma empresa de construção civil, denominada G, que manteria contratos de empreitada com a autarquia; quanto ao segundo, por ser Sócio Gerente igualmente de uma empresa de construção civil, esta denominada H, que também manteria contratos de empreitada com a mesma autarquia. Ambas as impugnações foram indeferidas pelo Juiz: quanto à candidatura de E, tendo em conta os documentos 'de fls. 370 dos autos'; quanto à candidatura de D, tendo em conta os documentos 'de fls. 371 dos autos'. Contra este despacho do Juiz, que indeferiu as impugnações e julgou elegíveis os candidatos, não foi deduzida qualquer reclamação, nem sequer interposto qualquer recurso, só tendo vindo a questão a ser retomada na mencionada resposta ao recurso interposto pelo mandatário do PPD/PSD – recurso esse, como se viu, atinente a outro candidato.
4. Entretanto, o mandatário concelhio do Partido Social Democrata também impugnara a candidatura de F, pelo PS, à Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco, por ele figurar igualmente, em último lugar, na lista do PPD/PSD à Assembleia Municipal. Na sua resposta, o mandatário do Partido Socialista pôs em causa a cópia do bilhete de identidade deste eleitor junta pelo impugnante, afirmando que ele,
«nos últimos dois anos, não subscreveu qualquer proposta de candidatura integrada nas listas do PSD». O Juiz, porém, viria a considerá-lo inelegível, uma vez que «é o mesmo candidato
à Assembleia Municipal pelo PSD», por «clara violação» do disposto no nº 6 do artigo 16º da lei eleitoral. Em consequência, foi determinada a notificação dos mandatários das listas em causa de ambos os partidos envolvidos «para, em 3 dias, o substituírem ou requererem o que houverem por conveniente». Posteriormente, o Juiz, «não tendo o candidato sido substituído», ordenou o reajustamento das listas em que o mesmo figurava, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 27º da LEOAL. O mandatário do Partido Socialista viria ainda a requerer a substituição do candidato F. Essa substituição foi, contudo, indeferida, por intempestividade. O requerente não reclamou desse indeferimento. Todavia, viria a interpor dele recurso, expedindo a respectiva petição por correio, em 8 de Novembro, sendo que a mesma deu entrada na secretaria do tribunal a quo no dia seguinte.
Cumpre agora decidir, sabendo-se que a afixação das listas, a que se reporta o artigo 29º, nº 5, da LEOAL, ocorreu em 6 de Novembro.
II – O RECURSO DO PPD/PSD A questão da elegibilidade do candidato B
(Câmara Municipal)
5. De acordo com o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 7º da LEOAL, não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais «os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada». Tem o Tribunal Constitucional entendido que esta inelegibilidade – que já constava da lei anterior, o Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro – tem a sua razão de ser «na preocupação de assegurar um exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos electivos autárquicos» (Acórdão nº 259/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., págs. 959 e segs.) e encontra credencial bastante no disposto no artigo 50º, nº 3, da Constituição, onde se preceitua que «no acesso a cargos electivos, a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos».
Por outro lado, tem também este Tribunal vindo a sublinhar, em matéria de inelegibilidades, que, estando-se «na presença de um direito fundamental de natureza política», «não é lícito ao intérprete proceder a interpretações extensivas ou aplicações analógicas que se configurariam como restrições de um direito político», sendo certo que «a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria eleitoral tem acentuado que as normas que estabelecem casos de inelegibilidade contêm enumerações taxativas e não meramente exemplificativas» (Acórdão nº 735/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º vol., pág. 516) ou, sequer, enunciativas (Acórdão nº 231/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., pág. 843). Este é o quadro legal à luz do qual se há-de apurar se é inelegível o candidato que, como resulta provado nos autos, exerce as funções de director da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de..., instituição de crédito sob a forma de cooperativa, que celebrou com a Câmara Municipal um contrato de mútuo, nos termos do qual ficou acordado, para o que agora releva, que a dita Caixa emprestasse ao município a quantia de 50 mil contos, a qual foi imediatamente entregue, devendo ser reembolsada no prazo de doze anos, através de prestações semestrais que têm vindo a ser pagas.
6. Para que ocorra a inelegibilidade prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 7º da LEOAL, é necessário que concorram duas circunstâncias: a primeira circunstância é de ordem subjectiva, pois tem a ver com a qualidade do candidato
- este tem de ser membro dos órgãos sociais ou gerente de uma sociedade ou, então, proprietário de uma empresa; a segunda circunstância é de ordem objectiva: a sociedade ou empresa a que o candidato se encontra ligado há-de manter com a autarquia contrato de execução continuada ou, então, contrato ainda não integralmente cumprido. No caso dos autos, não se verifica, seguramente, a existência de um contrato de execução continuada - «um só contrato que se protrai no tempo, sem termo final fixado ou com termo que foi assinalado» (Acórdão nº 231/85, cit.). Mais duvidosa, porém, seria a questão de saber se persiste ainda um contrato não integralmente cumprido, pois que se, por um lado, certas «obrigações que dele decorrem ainda» vão estar «por cumprir, ao menos em parte» no momento em que o candidato poderá vir a «iniciar o exercício do cargo» (Acórdão nº 717/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º vol., pág. 413), por outro lado, tais obrigações recaem essencialmente sobre a própria autarquia, sendo certo que este Tribunal tem desenvolvido uma jurisprudência claramente restritiva relativamente ao sentido e alcance deste fundamento de inelegibilidade. Assim, no Acórdão nº
735/93 (cit.) e no Acórdão nº 677/97 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 38º vol., pág. 357) entendeu-se que a lei não pretendia abranger as situações com uma mera natureza contratual civilística e que o contrato não integralmente cumprido deve ter natureza empresarial, inserido numa actividade profissional, que possa configurar-se como acto de comércio; e no Acórdão nº 259/85 (cit.), o Tribunal considerou que «em todo o caso, não parece de admitir que a mera existência de uma dívida proveniente de um fornecimento ocasional, dentro dos usos do comércio, pudesse, só por si, servir de suporte razoável para a declaração de uma inelegibilidade: o conceito de contrato não integralmente cumprido não pode assumir tal extensão, para efeitos da referida alínea». Não se torna, contudo, necessário resolver agora essa questão, apesar de não se encontrar provada nos autos uma eventual transmissão do crédito da entidade mutuante, como foi alegado pelo Partido Socialista. Com efeito, de todo o modo, não ocorre in casu o circunstancialismo de ordem subjectiva que constitui pressuposto essencial da verificação da inelegibilidade em causa, muito embora não tenha igualmente ficado provado que o candidato se encontre suspenso do exercício das funções de director da referida Caixa de Crédito Agrícola – e isto, independentemente de saber se, para afastar uma eventual inelegibilidade, seria aqui suficiente uma tal suspensão do exercício de funções.
7. Excluído que se encontra, logo à partida, que o candidato possa ser tido como proprietário de empresa em relação contratual com a autarquia, a sua inelegibilidade só poderia resultar de ser membro dos corpos sociais ou gerente de sociedade nas mesmas circunstâncias. Ora, «as caixas de crédito agrícola mútuo são instituições especiais de crédito, sob a forma cooperativa», como se define no artigo 1º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro, ao qual se encontra anexo. E, tendo a natureza de cooperativa, uma caixa de crédito agrícola mútuo não pode integrar o conceito de sociedade. Com efeito, as cooperativas – as então denominadas sociedades cooperativas - eram tidas como uma das espécies de sociedades comerciais pelo Código Comercial, que as regulava nos artigos 207º a 233º. Hoje, porém, já assim não acontece: o Código Cooperativo, aprovado pela Lei nº 51/96, de 7 de Setembro, qualifica expressamente, no seu artigo 2º, nº 1, as cooperativas como pessoas colectivas, tendo elas, pois, deixado de ser legalmente consideradas como sociedades – situação que ocorre, aliás, já desde a publicação do anterior Código Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 454/80, de 9 de Outubro. Que as cooperativas não são sociedades dizem-no pacificamente a doutrina e a jurisprudência. Neste sentido se pronuncia Luís Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, Lex, 1995, pág. 408):
As cooperativas são, assim, hoje, pessoas colectivas autónomas – i. e., não susceptíveis de se reconduzirem, como antes se fazia, ao conceito de sociedade.
E, de igual modo, sublinha José de Oliveira Ascensão (Direito Civil – Teoria Geral, vol. I, Coimbra Editora, 1997, págs. 207-208):
A este propósito, convém referir as cooperativas.
Eram consideradas sociedades cooperativas, e reguladas no Código Comercial. Mas o entendimento suscitou contestação, por a cooperativa excluir justamente a distribuição de lucros entre os associados, por natureza: isto basta para descaracterizá-la como sociedade. A orientação triunfou com o Código Cooperativo, aprovado pelo Dec.-Lei nº 454/80, de 9 de Outubro, que regulou a matéria separadamente da lei comercial e retirou o qualificativo de sociedade. As cooperativas passam assim a ser associações, que podem ter fim económico não lucrativo, a que cabe em qualquer caso disciplina própria. E o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 26 de Setembro de 1995 (Boletim do Ministério da Justiça, nº 449, pág. 302), afirmou categoricamente:
Saber se se deve destacar na cooperativa o elemento pessoal, se o patrimonial, ou seja, o surpreender a natureza jurídica de cooperativa, foi ponto de larga controvérsia (...).
Hoje é ponto assente: não são sociedades.
Aliás, esta radical incompatibilidade entre a natureza de cooperativa e a de sociedade é sublinhada em parecer jurídico da Direcção-Geral dos Registos e Notariado, que dela extrai importantes consequências (P.69/90.R.P.4, htpp://www.dgrn.mj.pt/pareceres/1990/459.html):
As cooperativas constituídas de harmonia com o Código Cooperativo, ou a ele adaptadas, não podem transformar-se em sociedades comerciais. Nesta conformidade, se era eventualmente possível, no domínio da anterior lei eleitoral autárquica, sustentar que a inelegibilidade abrangia os membros dos
órgãos sociais das cooperativas, dado que as ditas cooperativas ainda eram qualificadas como sociedades à data de publicação da mesma lei eleitoral (1976), só tendo perdido essa qualificação legal em 1980, uma tal interpretação já não é hoje possível, tendo em conta que a nova lei eleitoral foi aprovada num momento
(2001) em que não restavam quaisquer dúvidas na comunidade jurídica acerca da distinção, corrente na doutrina e na jurisprudência, entre sociedades e cooperativas – e essa situação, o legislador seguramente não a ignorava.
8. Dir-se-á que a razão de ser da inelegibilidade é igualmente operante para as cooperativas e para as sociedades, pois que o que se pretende assegurar é o exercício desinteressado, independente e imparcial do cargo electivo, o que pode ser afectado quando existam contratos em curso entre a autarquia e a instituição de que o candidato é dirigente. Só que dizer isto equivale a reconhecer que o regime de inelegibilidades fixado para os responsáveis de sociedades se deve aplicar, por identidade de razão, aos responsáveis das cooperativas; ou seja, deve ser analogicamente aplicado a estes
últimos. Ora, já vimos que, constituindo uma compressão de um direito político, as normas relativas a inelegibilidades não devem ser aplicadas por analogia (nem por interpretação extensiva). E isto, independentemente da questão de saber se ocorre efectivamente o pressuposto de um tal raciocínio por identidade de razão, na medida em que sempre se poderia descortinar uma diferença essencial entre as sociedades e as cooperativas: enquanto aquelas visam a obtenção do lucro, tal encontra-se expressamente vedado a estas últimas (artigo 2º do Código Cooperativo). E o certo é que nunca se entendeu que os membros dos órgãos sociais de outros entes sem fins lucrativos (v. g., associações e fundações) se encontrassem impedidos de se candidatar à eleição dos órgãos das autarquias locais, ainda que existisse contrato não integralmente cumprido entre tais entes e a autarquia em causa.
9. Nesta conformidade, tem de se concluir que, quando na alínea c) do nº 2 do artigo 7º da LEOAL se fala em sociedades, aí se não incluem as cooperativas e, portanto as caixas de crédito agrícola mútuo. E, assim sendo, daí resulta que não se verifica, quanto a B, candidato pelo Partido Socialista à Câmara Municipal de Oleiros, a inelegibilidade prevista naquela disposição legal.
III – O PEDIDO DE REAPRECIAÇÃO DO PS Elegibilidade dos candidatos E e D
(Assembleia Municipal)
10. Consoante se fez referência, o mandatário do Partido Socialista, nas suas contra-alegações de recurso, formulou um pedido de reapreciação da situação das candidaturas de D e de E à Assembleia Municipal de Oleiros pelo Partido Social Democrata, para os mesmos serem considerados inelegíveis. Este Tribunal tem de rejeitar, de imediato, a possibilidade de se conhecer de tal pedido. Com efeito, o Tribunal Constitucional não pode sequer pronunciar-se sobre as questões de inelegibilidade suscitadas, por não se encontrarem abrangidas no objecto do recurso que lhe foi submetido. Esse recurso foi interposto, pelo mandatário do Partido Social Democrata, do despacho que admitiu a candidatura de B à Câmara Municipal de Oleiros, estando os poderes de cognição do Tribunal Constitucional limitados à reapreciação, apenas, dessa decisão (cfr. artigos 231º da LEOAL e 684º do Código de Processo Civil). Aliás, como se deu conta, as impugnações apresentadas pelo mandatário do Partido Socialista contra a admissão das candidaturas dos cidadãos D e E foram ambas indeferidas por despacho do Juiz, não tendo sido deduzida reclamação ou interposto recurso de tal despacho. Não se pode, pois, tomar conhecimento do pedido.
III – RECURSO DO PS Substituição do candidato F
(Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco)
11. Cabe, finalmente, apreciar o recurso interposto pelo mandatário do Partido Socialista do despacho que indeferiu, por intempestividade, o pedido de substituição do candidato à Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco, F. Verifica-se, porém, que, não tendo sido apresentada a reclamação prevista no nº
1 do artigo 29º da LEOAL contra tal despacho, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso, por não se tratar de uma decisão final, para o efeito do disposto no nº 1 do artigo 31º da mesma lei. Com efeito, como se escreveu no Acórdão nº 697/93, «para o efeito aqui tido em vista, decisão final é aquela que tiver sido proferida sobre a reclamação apresentada contra a admissão ou contra a rejeição de uma candidatura» (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º vol., pág. 347). Este entendimento, que resulta expressamente do referido preceito, foi repetidamente afirmado por este Tribunal, em jurisprudência relativa à lei anterior mas que mantém plena validade perante a lei actual.
12. Acresce, porém, que sempre seria intempestiva a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por não ter sido respeitado o prazo de 48 horas - fixado no nº 2 do artigo 31º da LEOAL - a contar da data em que as listas foram afixadas em conformidade com o previsto no nº 5 do artigo 29º da mesma lei eleitoral – prazo que não pode ser convertido, sequer, num prazo de 2 dias (cfr, por exemplo, o Acórdão nº 271/85, Diário da República, II Série, de 25 de Março de 1986).
É que, como se assinalou, as listas foram afixadas em 6 de Novembro, verificando-se pelo carimbo aposto no requerimento de interposição de recurso, que o mesmo só deu entrada na secretaria do tribunal recorrido no dia 9 seguinte. E a esta conclusão não obsta a circunstância de ele ter sido expedido pelo correio no dia anterior. Com efeito, a natureza específica destes recursos, diversas vezes apontada pelo Tribunal Constitucional, que tem assinalado tratar-se «de actos urgentes cuja decisão não admite quaisquer delongas, uma vez que o seu protelamento implicaria, com toda a probabilidade, a perturbação do processamento dos actos eleitorais, todos estes sujeitos a prazos improrrogáveis» (Acórdão nº 585/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º vol., pág. 549), eventualmente aliada à circunstância de o prazo ser fixado em horas, torna inaplicável ao contencioso de apresentação de candidaturas o regime previsto na parte final do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil, que considera o acto a praticar em tribunal como tendo sido realizado no dia do registo postal.
IV - DECISÃO
13. Nestes termos, decide-se: a) Negar provimento ao recurso interposto pelo mandatário do Partido Social Democrata (PPD/PSD) da decisão que indeferiu a reclamação apresentada contra a admissão da candidatura de B à Câmara Municipal de Oleiros, na lista do Partido Socialista (PS), julgando-se elegível esse candidato; b) Não tomar conhecimento do pedido, formulado pelo mandatário do Partido Socialista (PS), de reapreciação da elegibilidade dos candidatos à Assembleia Municipal de Oleiros, na lista do Partido Social Democrata (PPD/PSD), D e E; c) Não tomar conhecimento do recurso interposto pelo mandatário do Partido Socialista (PS) do despacho que indeferiu o pedido de substituição do candidato
à Assembleia de Freguesia de Vilar Barroco, F, na lista daquele partido.
Lisboa, 26 de Novembro de 2001 Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração junta) Bravo Serra (vencido pelas razões aduzidas nas declarações de voto apostas vertente aresto pelos Exmºs.Conselheiros, Tavares da Costa e Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) Paulo Mota Pinto (vencido, pelas razões constantes das declarações de voto dos Exmºs. Cons. Tavares da Costa e Maria dos Prazeres Beleza) Guilherme da Fonseca (vencido, pelas razões constantes das declarações de voto dos Exmºs. Cons. Tavares da Costa e Maria dos Prazeres Beleza) José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de voto
1. Votei vencida, enquanto primitiva relatora, no que toca à questão da elegibilidade do candidato B, por considerar verificada a inelegibilidade prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 7º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, segundo a qual não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais para que se candidatam 'os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada', pelas seguintes razões:
1ª. Entendeu-se no acórdão que se não poderia, face à lei actual, considerar uma cooperativa abrangida no termo sociedade utilizado pela Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. Penso, todavia, que da aplicação dos critérios de interpretação da lei resulta que as cooperativas – pelo menos as que são instituições de crédito (cfr. al. e) do artigo 3º do Regime Geral das Instituições de Crédito, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, e artigo 1º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro), como é o caso das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, entre as quais se encontra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de.... –, se devem considerar englobadas no termo sociedades utilizado pela al. c) do nº 2 do artigo 7º da Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais.
É exacto que, desde o Código Cooperativo de 1980 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 454/80, de 9 de Outubro), as cooperativas deixaram de ser qualificadas formalmente como sociedades. O seu artigo 2º veio esclarecer que não podiam ter fim lucrativo (cfr. artigo 980º do Código Civil); e o seu artigo
100º revogou o regime geral que então era aplicável às sociedades cooperativas e que constava dos artigos 207º a 233º do Código Comercial. Dentro destes, o artigo 207º dispunha que a sua especialidade se traduzia na 'variabilidade do capital social e [n]a ilimitação do número de sócios', admitindo-se, então, a existência de cooperativas com e sem fim lucrativo.
Ora, não parece aceitável que, no domínio da anterior Lei Eleitoral, o Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, aprovada na vigência dos artigos
207º e seguintes do Código Comercial, se pudesse distinguir, dentro das sociedades cooperativas, entre as que tinham fim lucrativo – que seriam abrangidas pelo âmbito da inelegibilidade prevista na al. f) do nº 1 do artigo
4º da Lei Eleitoral referida – e as que não prosseguiam o lucro, que dele seriam excluídas. Na verdade, para ambos os casos valia, de igual modo, a razão de ser da inelegibilidade: afastar o perigo de quebra da imparcialidade e da justiça na actuação dos titulares dos órgãos autárquicos. Esse perigo resultava, claramente, da possibilidade de coexistência, na mesma pessoa, da titularidade de um cargo que confere o poder de direcção ou de controlo de uma organização económica, com a titularidade de um cargo numa autarquia que mantém um contrato pendente com aquela organização. E esse perigo existia, repita-se, quer a entidade colectiva em causa (porque esta alternativa não se coloca relativamente a uma empresa) prosseguisse fins lucrativos, quer não, pois que era na pessoa do membro dos corpos sociais ou do gerente que o conflito de interesses se poderia vir a revelar. Se a lei considerasse decisiva a prossecução do lucro para a definição do âmbito de aplicação da inelegibilidade, teria seguramente exigido a qualidade de sócio nas pessoas atingidas. Deve, assim, entender-se que, ao referir sociedades e empresas, a lei anterior queria abranger todas as organizações de actividades económicas (colectivas ou individuais) em cujo objecto se pudesse inscrever a celebração de contratos com a autarquia em termos de poder fazer perigar a imparcialidade e a justiça do
(possível) futuro autarca. Não parece que se possa sustentar que o legislador de 2001, ao repetir o texto anterior, lhe pretendeu dar um alcance diferente; antes se deve concluir que esse termo continua, na lei actual, a incluir as cooperativas, que continuam nos termos do artigo 2º do actual Código Cooperativo (Lei nº 51/96, de 7 de Setembro), a não poderem prosseguir fins lucrativos. Deve, pois, entender-se que no termo cooperativas utilizado na al. c) do nº 2 do artigo 7º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais se incluem as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e, portanto, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de..., sem que se possa opor que está a ser utilizado um método proibido para interpretar a lei. Na verdade, e tal como fez, por exemplo, no acórdão nº
402/00, já citado, o Tribunal Constitucional apenas está a recorrer à razão de ser da inelegibilidade em causa para interpretar o termo sociedades em função do fim com que a lei anterior e a actual, que se limita a repeti-la, a prevêem, e a Constituição a admite. Note-se, aliás, que, a considerar-se decisivo o argumento – puramente formal – da qualificação legal como sociedades, ter-se-ia que aceitar que, com a entrada em vigor do Código Cooperativo de 1980, o legislador veio restringir o âmbito de aplicação da inelegibilidade prevista na al. f) do nº 1 do artigo 4º da Lei Eleitoral de 1976; e que se teria de fazer prevalecer sobre a razão de ser do preceito e sobre a sua história uma interpretação meramente formal do texto legal, claramente contrária à finalidade legal e constitucional da inelegibilidade em causa. A terminar, resta observar que não seria legítimo objectar que este raciocínio conduziria a considerar incluído também no conceito de sociedade as associações e fundações, na medida em que seja possível celebrarem com autarquias contratos que apresentem este mesmo risco. É que não se está a pretender estabelecer nenhuma relação de analogia – única que, eventualmente, poderia conduzir à aplicação a essas pessoas colectivas do mesmo regime, se a analogia não estivesse aqui afastada –, mas, tão somente, a interpretar o sentido com que a lei utiliza o termo sociedade. Discordo, consequentemente, que seja relevante para a questão de que agora se trata a circunstância de as cooperativas se não encontrarem formalmente incluídas entre as sociedades no contexto da lei comercial; e não creio que, para a lei exista entre aquelas e estas uma incompatibilidade radical, que, a existir, tornaria incompreensível a aplicação subsidiária do Código das Sociedades Comerciais às cooperativas, nos termos previstos no artigo 9º do Código Cooperativo.
2ª. Para além disso, considero que o contrato de mútuo celebrado em 16 de Fevereiro de 1993 entre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de..., representada, nomeadamente, por B, e a Câmara Municipal de Oleiros se encontra abrangido pela referida al. c) do nç 2 do artigo 7º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. Não se trata, claramente, de um contrato de execução continuada; mas o contrato não foi ainda, como é manifesto, 'integralmente cumprido', pois que 'as obrigações que dele decorrem ainda' vão estar 'nessa altura [no momento do início das funções como autarca] por cumprir, ao menos em parte' (Acórdão nº
717/93 citado). Encontra-se, portanto, preenchida uma das condições previstas na al. c) do nº 2 do artigo 7º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
É certo que o Tribunal Constitucional, em casos em que existiam contratos ainda não integralmente cumpridos – neste sentido acabado de apontar – entre o candidato e a autarquia a que se candidatava, entendeu não ocorrer motivo para considerar preenchida a inelegibilidade em apreciação. Todavia, as razões que, então, justificaram essa conclusão não procedem agora. Com efeito, no acórdão nº 677/97, por exemplo, onde se julgou um caso em que o candidato era arrendatário rural da Câmara a que se candidatava, entendeu-se que se tratava de um contrato celebrado 'para fins de exploração agro-pecuária em contexto de mera natureza contratual civilística'; no acórdão nº 735/93, que se ocupou igualmente de um arrendamento, mas em que era a autarquia a arrendatária, considerou-se tratar-se de 'um acto de administração patrimonial, de natureza civil', e não 'de um contrato de natureza empresarial, inserido numa actividade profissional, que possa configurar-se como acto de comércio (cfr. artigos 2º e
230º do Cód. Comercial e 3º do Código dos Processos Especiais de recuperação de empresa e de Falência), antes avultando o seu carácter isolado ou esporádico'; no acórdão nº 259/85, o Tribunal considerou que 'em todo o caso, não parece de admitir que a mera existência de uma dívida proveniente de um fornecimento ocasional, dentro dos usos do comércio, pudesse, só por si, servir de suporte razoável para a declaração de uma inelegibilidade : o conceito de ‘contrato não integralmente cumprido’ não pode assumir tal extensão, para efeitos da referida alínea f)'. Ora, no presente recurso, está em causa um contrato de mútuo celebrado entre uma Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, que é uma instituição de crédito, e uma autarquia que, no contexto local, quer pela relevância da actividade que se destina a financiar, quer pelo seu montante, deve considerar-se abrangido pela razão de ser da inelegibilidade. Consideraria, em conclusão, que se verifica quanto B, a inelegibilidade prevista na al. c) do nº 2 do artigo 7º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais; concederia, portanto, provimento ao recurso interposto. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
. DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto à alínea a) da decisão.
Entendo que a teleologia da inelegibilidade prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 7º da actual lei eleitoral é, fundamentalmente, a mesma que ditou a alínea f) do nº 1 do artigo 4º do diploma anterior, tendo a ver com o perigo de quebra da imparcialidade e da justiça na actuação dos titulares dos órgãos autárquicos, que torna indesejável a coexistência, na mesma pessoa, da titularidade de um cargo que confere o poder de direcção ou de controlo de uma organização económica com a de um cargo em autarquia que mantém um contrato pendente com aquela organização (como defendia a tese professada no primitivo projecto do Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).
A questão ética subjacente coloca-se anteriormente à da qualificação jurídica dos entes sociais implicados, sejam sociedades ou cooperativas e, como tal, o problema de compressão do direito político de participação na vida pública, acolhida no artigo 50ºda Constituição, coloca-se em termos idênticos aos que mereceram tratamento maioritário impressivo na jurisprudência constitucional eleitoral anterior.
Admito que se não se seja sempre tão rigoroso como então se foi (e, daí, o meu sentido de voto, mais complacente, noutros casos de alegadas inelegibilidades analisadas já à luz do novo texto), mas creio que o caso sub judice, em que estão em causa as funções de direcção de uma caixa de crédito agrícola mútuo de implantação local, constitui um caso fronteira, em que a preocupação de assegurar um exercício isento, desinteressado e imparcial de um cargo electivo autárquico é, por si só, justificativo da inelegibilidade, independentemente da caracterização jurídico-conceitual feita no acórdão. Alberto Tavares da Costa